Coronofobia: a nova vilã da saúde mental 

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Após completar um ano de pandemia da Covid-19, vimos o quanto precisamos aprender a lidar com as adversidades, a cuidar tanto da nossa saúde física quanto a emocional e desenvolver melhor a empatia. Além dos desafios do isolamento social, tristeza pelas vidas perdidas e a falta de esperança, todo este contexto trouxe ainda uma nova doença psicológica denominada coronofobia.

Corono deriva da palavra coronavírus e fobia significa medo. Portanto, o medo, ou fobia, de pegar e transmitir a Covid-19. Os sintomas mais comuns detectados até agora são ansiedade, pavor de tocar em objetos sem luva ou sem passar o álcool, descontrole das emoções, a impossibilidade de desenvolver as atividades de rotina com alegria, isolamento total e, em muitos casos, medo de ir à rua.
 Pesquisadores da Unifor desenvolvem estudo sobre os impactos causados pela Covid-19 na saúde mental de brasileiros - Pesquisa e Inovação

Especialistas publicaram na National Library of Medicine um estudo que mostra que dos 500 casos de ansiedade e depressão analisados, 500 deles tinham a ver com a Covid-19. Esses dados nos fazem ver que a grande maioria da população teve que aprender a lidar com muitas perdas e a incerteza do amanhã.   

Por isso, além de passar por problemas com a saúde mental, tivemos, e continuamos tendo, que lidar com a dificuldade de relacionamento e a com a dificuldade financeira, que trazem enormes impactos na vida do brasileiro que não tem perspectiva de melhora a curto prazo. Essa desesperança também abre espaço para outras doenças mentais.  

O tratamento mais adequado para a coronofobia e para qualquer outro tipo de doença mental que venha a nos atingir de forma direta ou indiretamente ligado à pandemia de Covid-19 é a terapia. Caso não seja possível realizá-la presencialmente, tente consultas online. Em alguns casos, a consulta também com psiquiatra para a prescrição de remédio para ansiedade ou depressão pode ser necessária. Cuide da sua saúde mental e acredite em dias melhores.  

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Pandemia e transtornos psiquiátricos em crianças

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Não são só os adultos que apresentam transtornos psiquiátricos. As crianças também podem ter transtornos psiquiátricos, depressão, TOC, pânico ou fobia. Vale lembrar que a pandemia pode ajudar a desencadear algum transtorno psiquiátrico infantil. Então, é importante que pais, avós, cuidadores e professores redobrem a atenção. Diante de alterações sérias de comportamento, leve a criança ao médico.

O médico precisa estar informado e conhecer muitos aspectos dos transtornos nos pequenos, pois o diagnóstico é clínico. O que deve chamar atenção é se o comportamento traz algum tipo de prejuízo seja social, biológico e/ou afetivo na vida dessa criança. É necessário também prestar atenção se acontece em vários locais como, por exemplo, na escola, em casa ou com os amiguinhos. Verifique e anote se ocorre por um período maior de seis meses e sempre comente com o médico. 

 

Os pais têm de procurar profissionais habilitados para que o filho seja bem assistido. O psiquiatra infantil e o neurologista infantil estão capacitados para auxiliar no tratamento. É necessário ainda uma equipe multidisciplinar composta por psicopedagogos, fonoaudiólogos e psicólogos, dependendo do nível das áreas prejudicadas. 

Vale ressaltar que não é só a medicação que resolve. É fundamental que haja uma união entre profissionais da saúde, pais e a escola. O ambiente escolar também deve estar envolvido, pois é o local em que os pequenos ficam mais tempo no decorrer da vida. Assim, o tratamento trará melhores resultados e a criança vai conseguir recuperar a sua qualidade de vida. 

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Dorama “O que houve com a secretária Kim?” é um gênero doce e que fala de coisas sérias

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Todos os momentos foram você. Quando eu amei, e quando senti dor. Até mesmo em nossas despedidas, você era o mundo inteiro para mim. Sem você… Eu não acho que possa explicar toda a minha vida até agora.
Lee Young-joon

Não é raro nos dias de hoje as pessoas ainda se derreterem por um belo romance, daqueles que nos fazem sorrir, chorar, amar aqueles personagens fofos e lindos, odiar aqueles personagens malvados e se frustrar bastante com uma shippagem errada. Assim são as famosas novelas asiáticas mais conhecidas como J- Dramas (Japones); K-Drama (Coerano); TW- Drama (Taiwan), de modo geral são os Doramas. Mais nem só de romance é falado nos Doramas. Eles falam sobre a luta dos personagens para lidar com as vidas duras (na Ásia nem tudo são flores), ainda mais na Coreia do Sul, que para sobreviver em muitos casos deve-se ter muitos empregos de meio período, estudar muitas horas para poder entrar em uma universidade e ainda tentar um emprego estável. Também retratam a importância de valorizar sua cultura, vista nas comidas típicas (quem não gosta de um miojo), nos ritos fúnebres e no reconhecimento de suas famílias (na Coreia as pessoas levam primeiro o sobrenome, para mostrar a importância de suas famílias). E no mais mostram a realidade do país, como a busca pela beleza (a Coreia tem um dos maiores índices de cirurgias plásticas do mundo). Quem não conhece o grande sucesso de Bandas Sul coreanas como o BTS e BLACKPINK, sendo fruto desse grande rigor de perfeição na Ásia e no mundo todo.

Além disso, os Doramas retratam mesmo de forma leve temas sérios como traumas e transtornos mentais. Eles mostram que nem tudo consegue ser perfeito, todos podem passar por traumas e desenvolver vidas complexas, mesmo quem tem muito dinheiro ou pessoas próximas. Isso é uma das coisas que se passa no Dorama “O que houve com a secretária Kim?”.

A estória se inicia de forma glamurosa em uma festa, onde se encontra a elite da Coreia, lá é visto um ser peculiar, Lee Yeong Joon, um CEO de uma grande empresa. Apesar de toda a perfeição retratada no personagem, ele possui muitos segredos e medos dos quais prefere não falar, como por exemplo não aceita ser tocado por outras mulheres que não seja sua secretária Kim Mi So. Yeong Joon é ainda um homem narcisista, que se preocupa muito com sua aparência e com sua empresa, é ainda uma pessoa que não gosta muito de relações sociais, diferente de Mi So sendo uma secretária bastante qualificada, amada por todos na empresa e por sua família, que depois de nove anos trabalhando para ele decide pedir demissão. É aí que a história começa a se desenrolar; vendo que irá perder sua secretária fiel Yeong Joon decide sair de sua zona de conforto e fazer de tudo para não perder sua companheira.

No decorrer dos episódios é possível perceber que a estória dos dois personagens não aconteceu por acaso. Quando crianças ambos passaram por eventos traumáticos que mudariam suas vidas. Kim Mi So, desenvolve fobia de aranha e seu chefe de ser amarrado. Ambos se encontravam em uma situação estressante e antigênica, causando medo. O medo é uma resposta adaptativa do organismo, que se manifesta em situações ameaçadoras. Porém, quando o medo se torna mais intenso do que a situação justificaria, ou começa a ocorrer em situações impróprias, caracteriza-se um transtorno de ansiedade (MARKS, 1987; ÖHMAN, 1993). Neste caso os dois desenvolveram transtornos de ansiedade especifico, sendo desenvolvido diante de situações adversas, do qual o medo é expressado pela presença de estímulos aversivos (situação fóbica). A fobia é ainda definida como um medo persistente, desproporcional e irracional de um estímulo que não oferece perigo real ao indivíduo (OMS, 1993). Envolvendo ansiedade antecipatória, medo dos sintomas físicos e esquiva e fuga (ARAUJO, 2011). Quando o medo excessivo apresenta estímulo definido, denomina-se fobia específica (LOTUFO NETO, 2011).

Na personagem Mi So houve o transtorno de ansiedade chamado de aracnofobia, considerada uma das mais comuns fobias específicas.

Os sintomas da aracnofobia são similares aos das outras fobias de animais. Por exemplo, sujeitos aracnofóbicos se esquivam de locais onde sabem que habitam aranhas ou onde já observaram aranhas e mostram comportamento de fuga e reações de ansiedade quando se deparam com aranhas (GRANADO, PELÁEZ, GARCIA-MIJARES, p. 126, 2005).

Já a fobia de Lee Yeong Joon é desenvolvida por ter sido amarrado contra sua vontade e de experimentar um medo diante da situação. Não tendo recebido tratamento adequado na época, por querer proteger sua família e fugir de sua realidade, prefere evitar qualquer estímulo que o lembre da situação aversiva. Magee. et al (1996), afirma que os pacientes que não procuram atendimento médico psiquiátrico em função desse tipo de fobia, podem apresentar comorbidades ou outros transtornos. Isso se deve ao fato de a fobia, geralmente, estar associada a um sofrimento mais leve ou a uma menor interferência no funcionamento pessoal do que os demais diagnósticos (TERRA, GARCEZ, NOLL, 2007). Por isso o personagem evidencia uma personalidade narcisista, a fim de evitar expor sua condição “vulnerável”.

O tratamento para este tipo de transtorno é feito atrás de terapia nas abordagens comportamentais e em caso de agravo é necessário também auxílio de medicação. Mas tudo ainda dependerá do nível da intensidade e da predominância do medo. No que tange a terapia pode haver estratégias como dessensibilizarão sistemática.  A dessensibilização sistemática, baseada na extinção, no contracondicionamento e na habituação visa eliminar os comportamentos de medo e evitação com emissão de respostas assertivas (TURNER, 2002). Nela, o cliente é levado à exposição gradativa ao objeto fóbico, precedida pelo relaxamento (VERA, VILA, 2002). Wright, Basco e Thase (2008) destacam que, para promover respostas contrárias à ansiedade, inicialmente é necessário aprender as técnicas de relaxamento e a respiração diafragmática. Também pode haver reestruturação cognitiva das crenças e pensamentos que levam ao medo, substituindo-as por cognições mais realistas e assertivas e psicoeducação, que para Knapp (2004), ensina o cliente sobre a terapia, seus pressupostos e sobre o transtorno.

O que então faz com que esses dois possam superar tais complicações em suas vidas? Parece até clichê, mas é algo a ser valorizado, ainda mais porque ambos se encontravam em grande sofrimento por não poderem viver suas vidas como gostariam. A secretária Kim sempre quis conhecer o garoto que lhe salvou a vida na infância, e Yeong Joo só queria poder passar por cima de tudo e estar perto de sua amada. Ambos tiveram as vidas marcadas por situações adversas, mas apenas o bom e velho clichê do Amor é que fez tudo fazer sentido.

FICHA TÉCNICA:

O QUE HOUVE COM A SECRETÁRIA KIM?

Direção: Park Joon-Hwa
Elenco: Park Min Young; Park Seo Joon;
Ano: 2018
País: Coreia do Sul
Gênero: Comédia, Romance, Drama

REFERÊNCIAS:

GRANADO, L. C. PELÁEZ, F. J. R. GARCIA-MIJARES, M. Estudo no contexto brasileiro de três questionários para avaliar aracnofobia. Aval. psicol. v.4 n.2 Porto Alegre nov. 2005.

KNAPP, P. (2004). Principais técnicas. In P. Knapp (Org.), Terapia cognitivo-comportamental na prática clínica (pp. 133-158). Porto Alegre. Artmed.

LOTUFO NETO, F. Fobias específicas. In B. Rangé (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria (pp. 19-310). Porto Alegre: Artmed. 2011.

MAGEE, W.J. et al. Agoraphobia, simple phobia, and social phobia in the National Comorbidity SurveyArch Gen Psychiatry 53(2): 159-168, 1996.

MARKS, I. Fear, Phobias And Rituals: Panic, Anxiety And Their Disorders. New York: Oxford University Press, 1987.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições clinicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed. 1993.

ÖHMAN, A. & SOARES, J. F. On the automatic nature of phobic fear: conditioned electrodermal responses to masked fear-relevant stimuli. Journal of Abnormal Psychology, 102 (1), 121-132. 1993.

TERRA, M. B.; GARCEZ, J. P.; NOLL, B. Fobia específica: um estudo transversal com 103 pacientes tratados em ambulatório. Rev. psiquiatr. clín. vol.34 no.2 São Paulo 2007.

TURNER, R. M. A. Dessensibilização sistemática. In V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 167-195). São Paulo: Santos. 2002

VERA, M. N.; VILA, J. Técnicas de relaxamento. In V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 197-223). São Paulo: Santos.   2002

WRIGHT, J. H., BASCO, M. B., & THASE, M. E. Aprendendo a terapia cognitivo-comportamental: Um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed. 2008.

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Má indole na juventude: a formação do ego e as consequências

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A Associação Brasileira de Psicopedagogia defende a importância das brincadeiras para um melhor desenvolvimento social e psicológico da criança. Porém mentir, roubar e matar são ações cada vez mais presentes na infância. Deve-se a isso o excesso de exposição a situações que podem comprometer a formação da índole do ser humano. É o que diz o psicopedagogo Augusto César Baratta – psicólogo, especialista em Terapia de Grupos: Drogas / Bullying, Sexualidade e transtornos.

Dr. Augusto César Baratta (Foto: Walter Riedlinger)

(En)Cena – Como é composta a índole infantil?

Dr. Augusto César – A índole infantil é a formação do ego mais as experiências dela. É claro que uma criança que nasce num assentamento, sendo subjulgada, ela não vai ter a mesma formação do caráter, o lado social. A índole dela já é reflexo do medo, da rejeição familiar, da primeira infância, a falta do afeto do grupo familiar. Isso vai levando-a a viver com a má indole, socialmente. Para si, ela não é má. É um instinto de defesa.

(En)Cena –Com que idade isso começa a se manifestar?

Dr. Augusto César – Aos 3 anos de idade, podemos ver o instinto da criança. Ela já começa a querer dominar o espaço dela. Você dá o brinquedo e ela brinca até quebrar. Ela não sabe responder, apenas rejeita coisas que não são agradáveis. A socialização vai ajudá-la a controlar esse instinto. Essa agressividade pode ser temporaria ou não. Se a família começar a ter o amor, ensinando a se socializar, ela consegue controlar o instinto.

(En)Cena – Esta fase pode, de alguma forma, definir o comportamento da criança no futuro?

Dr. Augusto César – Estará sempre presente, acompanhá-la durante a vida toda. Mas a socialização pode controlar isso. Com autocontrole, ela consegue viver normalmente, porém pode ser agressiva de repente. E isso tem tudo a ver com aquela rejeição e desafeto da infância.

(En)Cena – Qual a responsabilidade dos pais neste processo?

Dr. Augusto César – Os pais, muitas vezes, zelam demais. O excesso de afeto cria a facilidade da criança ter o que quer. Se zelar demais, no dia em que tiver alguma barreira, ela não vai aceitar, porque não está preparada para o “não”. Há pessoas que me perguntam: Os pais são maravilhosos, a vida é maravilhosa, então porque aquela criança não se tornou uma boa pessoa? Porque nunca teve dificuldade na vida, não teve noção de mundo, nem viu os limites do querer.

(En)Cena – Sabendo que o jovem pode ter momentos de descontrole, como podemos definir ações como bullying, muito presente nas escolas e outros círculos sociais? 

Dr. Augusto César – O bullying é a índole de agressividade. Os amigos que estão assistindo o rapaz praticar o bullying até acha o máximo, mas depois vai ver que aquilo é horrível. O bullying se divide entre agressor, vítima e ouvinte. O agressor é aquele que comete o ato, a vítima é o que acometido pela agressor e o ouvinte são os cúmplices do ato, aqueles que apoiam o agressor. Os ouvintes apoiam até para não se tornarem vítimas. O bullying foi potencializado pelas redes sociais, o qual chamamos de cyberbullying, porque na internet o jovem perdeu a noção de espaço, não sente o mesmo pudor.

(En)Cena – Como explicar, clinicamente, a má formação da índole?

Dr. Augusto César – A má índole se desenvolve como uma fobia de não conseguir o que quero, não ser reconhecido como espero. O traficante quer o que? Demonstrar o poder dele para e na comunidade, até para se sentir protegido. Ter o reconhecimento que não teve na infância.

(En)Cena – A má índole  pode ser camuflada de alguma forma pelo indivíduo?

Dr. Augusto César – A criança pode passar a vida inteira sem demonstrar o transtorno de conduta. O que é transtorno de conduta? É a falta de noção de limite entre os seres. Na ficção vemos muito isso. Inclusive, os filmes de ficção podem, sim, influenciar nas decisões do ser humano afetado pelo transtorno.

(En)Cena – Pode citar um exemplo?

Dr. Augusto César – O caso de Realengo, no Rio de Janeiro, é bem forte. Parece-me que ele se se baseou em um filme sobre terrorismo (“Nova Iorque sitiada”). O assassino se dizia mulçulmano, que era de uma seita, ou seja, se passou por um personagem, porque ficou provado que não era. Aí já temos um certo desvio de conduta.

Wellington Menezes de Oliveira, o assassino de Realengo (Divulgação: Polícia Civil – RJ)

Saiba mais:

Relembre o caso de Realengo. http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/e-preciso-investigar-sim-se-assassino-do-rio-tinha-vinculo-com-terrorismo-islamico/

“Precisamos falar sobre Kevin”: Gênese da psicopatia.http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=4564&id_coluna=13

As crianças más do cinema. http://cinepop.virgula.uol.com.br/10-melhores-criancas-malvadas-do-cinema-3403

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Medo, fobia e frieza: diferenças e possíveis tratamentos

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O di-a-dia corrido, os desafios do mercado de trabalho e a hora de educar filhos fazem jovens e adultos levarem uma postura mais sólida, aparentar serem mais fortes do que realmente são. A competitividade nos ambientes, principalmente de trabalho, remetem à falsa impressão de que o ser humano não pode sentir medo em nenhuma situação.

Mas se o mundo exige mais do ser humano, basta se preparar e, então, será mais fácil enfrentar os medos, certo? Mero engano, o medo está presente em nossas vida mais do que se imagina.

“Medo é algo momentâneo. Você não sabe qual será sua reação quando ocorrer”, diz o psicopedagogo Augusto Cesar Baratta.

“Tenho medo de perder minha mãe. Ela é tudo para mim, na minha vida”, diz a estudante Deise Nayara*.

O medo, por exemplo, da perda de um familiar próximo é comum e está relacionado ao estado emocional do indivíduo. “É a insegurança. A pessoa tem medo de ficar sozinha, não ter com quem contar”, afirma Baratta.

Esta talvez seja a maior barreira mental para o homem. Porém, como toda dificuldade, o medo pode ser tratado. Mas depende muito do tratamento. “Se tenho medo de altura, não sei por que, mas me sentir seguro, o medo passa. Ele pode ser tratado dependendo de como é feito (o tratamento).  Os medos mais comuns são os sociais, que fogem do nosso estado natural. De altura, por exemplo”, explica o psicopedagogo.

Se o medo é passageiro e, até, comum, caso ele persista, poderá se transformar em algo mais grave: a fobia, que pode trazer sérias complicações à saúde de quem sente. A fobia é diferente, mais crônico. O indivíduo entra em pânico. Pode ter uma reação muito forte, inclusive uma parada cardíaca”, conta o especialista.

“Tenho fobia de trânsito. Não aguento ver aquele  tanto de carro, aquele barulho absurdo. Nossa, só de pensar, parece que vou ter um ‘treco’”, diz  Amanda Coelho*, empresária.

Embora o risco à saúde seja mais iminente, há tratamento para a fobia também, mas com ressalvas. “Pode ser tratada com terapia e medicamentos. A diferença para o medo é que fobia não se enfrenta, apenas se trata”, argumenta Augusto Cesar.

Os medos estão presentes em nossas vidas, mesmo sem termos noção, isso é fato. Contudo, há também pessoas que não demonstram nenhum tipo de reação temerosa diante do perigo ou situações arriscadas. Costumamos, então, dizer que ela é “fria”, que tem “sangue frio”. Estamos certos? Nem tanto.

“Frieza não é necessariamente a falta de medo.Às vezes pode ser a falta de estímulo, uma auto-defesa. Ela é considerada fria quando calcula suas próprias atitudes para se defender da reação do outro. Por isso, usamos tanto a expressão “fria” e “calculista”. Nos assassinos em série, a frieza é ditada pela falta de estímulo de vida própria. O indivíduo não tem significado ou valor nem sobre a própria vida, que dirá sobre a dos outros”, concluiu Baratta.

 

Augusto César Baratta, psicopedagogo  – Foto: Walter Riedlinger

 

*Avatar meramente ilustrativo.

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Ilha do Medo: entre traumas e conflitos

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Suspense psicológico é um gênero de filme que traz em seu contexto a união do suspense e dos elementos mentais da psicologia. “Ilha do medo” está em quarto lugar na lista dos 10 Melhores Suspenses Psicológicos1, justamente por manter o espectador desorientado durante toda a passagem da trama.

Baseado no livro homônimo de Dennis Lehane, Ilha do Medo é uma história recheada de suposições e reviravoltas. Martin Scorsese, autor e diretor do filme, conseguiu unir características fundamentais para que a trama pudesse prender o espectador do início ao fim e permitindo que a sensação de desorientação estivesse presente ao longo de toda a história.

O ano é de 1954. Através da nevoa a balsa surge. O navio se aproxima da ilha Shutter, no posto de Boston, sede do Asilo Ashecliffe – uma instituição federal de segurança máxima para criminosos insanos-. A bordo encontram-se Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) com vertigem, molhado e com os olhos vermelhos, repetindo para si mesmo: Controle-se Daniels, controle-se” e Chuck Aule (Mark Rufallo) seu parceiro de trabalho.

Teddy é um agente federal que foi enviado para Ashecliffe para investigar o desaparecimento misterioso da assassina Rachel Solando (Emily Mortimer), presa por assassinar o três filhos e o marido. Durante as investigações os médicos Cawley (Ben Kingsley) e Naechring (Max Von Sydow) mostram-se resistentes e não estão dispostos a fornecer informações sobre a paciente ou como funciona o asilo, o que aumenta a desconfiança do detetive diante do episódio de desaparecimento de Rachel. Apesar das inúmeras tentativas de colher informações que possam ajudar na investigação, bem como levantar hipóteses do que teria acontecido, todas são mal sucedidas e incompletas, deixando sempre uma certeza, para Teddy e para quem o assiste, há algo errado.

Funcionários, seguranças e pacientes parecem agir compactuando com a lei do silêncio, ou com a lei de confundir Teddy e Chuck. Não existem depoimentos coesos ou que se encaixam uns com os outros, alguns pacientes relatam momentos incompreensíveis e que não condizem com a suposta fuga da paciente.

Para conduzir a investigação Teddy conta com a ajuda dos seus “sonhos” com sua esposa Dolores (Michelle Williams) morta em um incêndio que ele julga ter sido causado por um piromaníaco. Além dos seus sonhos também surgem flashbacks da época em que Teddy era um dos soldados que participou dos extermínios nos campos de concentração nazistas, tornando a trama cada vez mais sombria e fazendo com que o personagem não seja visto somente como o herói da história. É possível entender seus conflitos e confusões, mas não a sentimos junto com ele. Suas alucinações são de caráter torturantes e conturbadas, há algo naquele homem que não foi superado, mas também são obscuras, mostrando que por trás do heroísmo que Teddy quer apresentar existem sombras que o escondem.

Durante uma crise de enxaqueca, Teddy necessita tomar remédios para aliviar as dores fortes de cabeça fazendo-o dormir por um bom tempo, nesse intervalo Rachel é encontrada, como se nada tivesse acontecido, sem nenhum ferimento ou sinais de fuga. Ao receber a informação do aparecimento da paciente, Teddy mostra-se desconfiado e confuso (não sabendo se essa confusão era por causa da medicação ou pelo aparecimento súbito de Rachel). As investigações tomam rumos diferentes, o detetive quer saber que segredos a ilha esconde e que não era por Rachel que ele estava lá. A investigação gira em torno das novas descobertas que Teddy fez: os médicos do asilo realizam experiências neurocirúrgicas com os pacientes, envolvendo métodos ilegais e antiéticos, Mas, nesta investigação, o detetive também enfrenta a resistência dos médicos para obter informações que possam ajudar na abertura do processo. Após um furacão que deixa toda a ilha sem comunicação e sem segurança, alguns internos conseguem escapar, tornando o lugar inabitável e mais perigoso do que antes.

O filme traz características que o tornam um suspense conturbado, que possibilita o desconforto e a confusão de saber o que é real e o que é imaginário. No cenário estão; psicologia versuspolítica, traumas pessoais e traumas sociais (históricos), guerra fria, holocausto, tratamento dos doentes mentais na época, alucinações ricas e detalhadas, flashbacks longos – permitindo maiores informações para que possamos entender o que se passa com os personagens-, experimentos com pacientes do asilo, conspirações entre outros aspectos que tornam o filme espesso e carregado de ideias de percepção.

No entanto, as fronteiras instáveis, vivenciadas no início da trama, entre o real e a fantasia, perdem um pouco da força no desenrolar dos acontecimentos, porque o filme começa a trazer por meio dos flashbacks características que deixam evidentes que toda a narrativa está agindo para manter em segredo algo imperceptível ao que ocorre. O espectador pode perceber facilmente as fragilidades do personagem central, um exemplo: as reações de Teddy no campo de concentração em Dachau. Essa quebra de fronteira permite que saibamos o que aconteceu, tornando o final mais próximo antes da hora. Porém, essa “falha” não retira a maestria do suspense e o final ainda é surpreendentemente arrebatador. O filme gira em torno, basicamente, da fragilidade da linha conceitual que separa a sanidade da loucura e o medo é o principal personagem e condutor dessa trama. É, também, um “prato cheio” para apaixonados por psicopatologias, psiquiatria e psicofarmacologia.

Nota:

1http://pipocatv.com.br/top-10/os-10-melhores-suspenses-psicologicos-dos-ultimos-anos/

 

FICHA TÉCNICA

ILHA DO MEDO

Título Original: Shutter Island
Lançamento: 2010
Tempo: 2h 18min
Direção: Martin Scorsese
Elenco Principal: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Bem Kingsley
Gênero: Suspense
Nacionalidade: EUA

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Armadilhas psíquicas e o medo em ‘Psicose’

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De Alfred Hitchcock

Com quatro indicações ao Oscar: Melhor Diretor (Alfred Hitchcock), Melhor Atriz Coadjuvante (Janet Leigh), Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte – Preto e Branco

“Não há terror em um estrondo, apenas na antecipação dele.”
Alfred Hitchcock

Há mais de 50 anos uma cena se tornou um ícone e intensificou uma fobia: o medo de banheiro quando se está sozinho em um quarto de hotel. Existem várias histórias em torno das primeiras exibições do filme Psicose em 1960, entre elas dizem que muitas pessoas desmaiaram na cena do chuveiro, outras vomitaram, além de toda forma de grito que as cordas vocais pudessem produzir.  Hoje, em alguns aspectos, tal cena poderia ter uma conotação ingênua, pois a partir da década de 1980, filmes de terror (e também a realidade mostrada nos noticiários) transformaram uma morte por faca em algo leve, já que a partir daí intensificaram-se os mais bizarros tipos de morte, como cabeças decepadas, braços arrancados, sangue jorrando por todos os poros, vilões com máscaras assustadoras, garras etc. Mas, ao contrário desses filmes, que buscam, no excesso, criar o ambiente necessário para o “susto”, Hitchcock continua conseguindo impressionar justamente por saber manipular o silêncio e intercalá-lo com uma trilha sonora que provoca arrepio e quebra a linha tênue entre o suspense e o horror.

Acho que tudo começou quando eu estava nos braços da minha mãe aos seis meses de idade e ela me disse: ‘boo’ e isso despertou um medo de algo fora de mim.
Alfred Hitchcock, em Entrevista (Robinson, 1960)

Escrito por Joseph Stefano (do romance de Robert Bloch), Psicose, para Sandis (2009), é o mais freudiano de todos os filmes de Hitchcock. Isso pode ser verificado se considerarmos, por exemplo, o que Kusnetzoff (1982) apresenta em seu livro Introdução à Psicopatologia Psicanalítica, no qual ele observa que o mecanismo de cisão do Ego faz ressaltar a heterogeneidade estrutural do Ego e os dois “senhores” aos quais deve obediência: o reconhecimento das exigências da realidade e as exigências de satisfação dos desejos pulsionais. Assim, tem-se que parte do Ego aceita a realidade tal qual ela é constituída, podendo simbolizá-la e, outra parte, a rejeita, criando uma outra “realidade” que pode ir desde o objeto fetiche até um delírio alucinatório. Essa situação (em um formato mais ampliado e, em alguns aspectos, caricatural) pode ser observada no filme a partir das ações de Norman, que parece verdadeiramente acreditar nas palavras que profere, mesmo que suas ações ou, em um dado sentido, a própria realidade as refutem. Um outro ponto é o  paralelo que pode ser feito entre a exploração da casa por Lila Crane em busca de respostas sobre o desaparecimento de sua irmã e a nossa exploração gradual dos vários “quartos” que compõem a personalidade psíquica de Norman Bates.

Acho que estamos todos presos em nossas armadilhas e nenhum de nós consegue sair. Usamos nossas garras e unhas no vazio, umas com as outras. E, por tudo isso, nunca mudamos nosso modo de agir.  (Norman)
Às vezes entramos de propósito nestas armadilhas.  (Marion)
Eu nasci na minha, não me importa mais. (Norman)
Mas deveria, deveria se importar. (Marion)

Marion Crane hospeda-se no Bates Motel depois de tomar uma decisão repentina de roubar 40.000 dólares da empresa em que trabalha. Uma decisão impulsionada pela falta de perspectiva diante da vida, que é refletida no romance às escondidas com um homem casado e em um profundo sentimento de solidão. No diálogo apresentado acima, Norman, em meio a uma aparente animação por ter uma hóspede em seu Motel, inicia uma inocente conversa com Marion, mas suas palavras acabam por traí-lo, revelando muito de sua personalidade, especialmente da parte mais obscura desta. É possível ver a dualidade entre o homem jovem que está consciente de ter diante de si uma bela mulher e o filho obediente, que vive em função da mãe, apontada por ele como alguém fraca e doente, carente de seus cuidados e merecedora de sua atenção.

“O melhor amigo de um homem é a sua mãe.” (Norman)

O mecanismo de defesa “Repressão” e o Complexo de Édipo são dois conceitos freudianos presentes nesse filme. De acordo com Freud (apud Kusnetzoff, 1982), repressão “consiste num ato de despejo do nível consciente da representação ligada à pulsão”, assim, chama-se “repressão” àquela operação psíquica que ocorre consciente, mas cujo destino é alojar a representação no espaço pré-consciente. Geralmente, isso está relacionado às memórias traumáticas, comumente associadas a eventos vividos na infância, que são reprimidas pela mente consciente em uma tentativa de deixar o Ego livre de conflito e tensão. Já o Complexo de Édipo, cuja terminologia remete ao personagem da mitologia grega que, sem saber, mata o pai e se casa com sua mãe, está presente no filme através da relação conturbada entre Norman e sua mãe, especialmente nos estranhos acontecimentos que envolvem a sua suposta morte e a do homem que vivia com ela. Este acontecimento, segundo Sandis (2009), leva a uma perda parcial do ‘eu’ e a um forte sentimento de identificação com a vítima, então, agrega-se a isso o fato da memória reprimida poder ser desencadeadora de episódios neuróticos ou psicóticos, o cenário do filme está construído. Na época de Freud, dizia-se que a neurose consistia numa rejeição do instinto e, simultaneamente, em ficar-se à mercê do mundo exterior; enquanto na psicose é rejeitado o mundo exterior, obedecendo automaticamente o Id; mas, essas afirmações são hoje relativas, desde que as rejeições do mundo exterior “arrastam” igualmente “pedaços” do Ego e do Id.

Marion e Norman são semelhantes, em um dado nível, pelos sentimentos de medo e solidão que vivenciam. Ambos estão presos em armadilhas complexas. Enquanto ela busca um meio de encontrar uma rota para uma Ilha Deserta, de forma a viver sem ter que responder a uma sociedade que a oprime e a rejeita, ele, que já se sente em uma Ilha Deserta, busca conciliar os “eus” que carrega consigo, que talvez sejam piores que qualquer “demônio” que exista do lado de fora. Mas, o que separa um do outro de forma profunda é que Norman, diferentemente de Marion, já não sabe distinguir onde acaba a realidade de fato e inicia o mundo criado apenas na mente dele. Norman já não sabe qual “eu” é o real. Então, o mal se torna um meio de mostrar ao “eu” que está no comando que ele é fiel, que sente culpa e que o ama.

Referências:

SANDIS, Constantine. Hitchcock’s Conscious Use of Freud’s Unconscious. Europe’s Journal of Psychology 3/2009, pp. 56-81.

KUSNETZOFF, Juan Carlos. Introdução à Psicopatologia Psicanalítica. 7ª ed.. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1982.


FICHA TÉCNICA DO FILME

PSICOSE

Título Original: Psycho
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Joseph Stefano
Elenco Principal: Anthony Perkins, Janet Leigh, Vera Miles, John Gavin, Martin Balsam
Ano: 1960

Prêmio: Globo de Ouro: Melhor Atriz Coadjuvante (Janet Leigh)

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CID 10: FXX.X – Transtorno homofóbico

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As palavras, como que a reboque, trazem consigo marcas, cicatrizes e acessórios que denunciam para os mais atentos sua história e genealogia. Marcadas na própria carne, elas contam algo de seu tempo e de seus usos; não raro, absorvem conceitos paralelos, abrigando-os das intempéries sob o mesmo teto significante para, em seguida, deixar vagando ao léu significados que outrora lhe pertenceram. Pequena mas significante vitrina de uma época. É importante e prudente que estejamos atentos a essa dimensão histórica dos termos para que possamos apreendê-los de forma consciente e contextualizada.

Importante, já que é a partir daí, numa espécie de desconstrução, que se pode entender o uso corrente de determinada palavra. Prudente, pois em sua aparente banalidade, os termos carregam potencialidades de uso nem sempre ingênuos ou bem intencionados. Assim, as palavras revelam um passado e, ao mesmo tempo, apontam – dedo em riste – para um futuro.

Atualmente, com o importante papel da imprensa, notamos a cada dia a maior visibilidade que o movimento gay vem conquistando. Segundo Pereira (2004), dos anos noventa para cá, a própria cultura gay e as referências na mídia de um “gay way of life” estão cada vez mais comuns.

Com o aumento dessa visibilidade, vemos surgir, geralmente a partir dos movimentos GLBTT (Gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) ou de teóricos da sexualidade, todo um novo léxico que com uma velocidade nunca antes vista ganha os mais diversos ambientes. Exemplos disso são os termos: identidade de gênero, orientação sexual, gay, queer e etc. Outro desses exemplos é o termo homofobia. Cunhado no meio científico para designar, inicialmente, a sensação de mal-estar experimentada por uma pessoa que se mantivesse em presença de um homossexual em um lugar fechado (Weinberg, 1972), o termo ganhou, ao longo dos anos, sentidos mais amplos e conquistou a língua corrente, falada no cotidiano.

Usado há décadas e totalmente consagrado, o termo mencionado se por um lado revela extrema força política, por outro – é o que tentarei demonstrar – carrega consigo uma ambiguidade perigosa.

Não faz parte dos objetivos desse trabalho a análise histórica ou a abordagem dos aspectos subjetivos, culturais, sociais ou políticos que envolvem a homofobia. É tão somente na discussão do termo homofobia e no risco do uso desse termo que mora o sentido desse texto.

Para tanto, algumas considerações se fazem necessárias.

Usar-se-á, na maior parte das vezes, para efeitos desse texto, a palavra homofobia em um sentido amplo e não para designar o discurso e a prática aversivos de homens que se dizem heterossexuais para com homossexuais masculinos. Essa opção se dá pela maior consagração do termo homofobia em relação a termos como lesbofobia, travestifobia ou bifobia e, ainda, por achar que, no que se refere a esse texto, as observações tecidas podem ser facilmente extrapoladas para as realidades da lesbofobia, travestifobia ou bifobia e etc. Assim, a tessitura dos comentários ao longo do presente trabalho poderá ser, sem grande dificuldade, aplicada às outras formas de homofobia.

Há, ainda, mais uma consideração. É inevitável que se lance mão, no corrente artigo, de conceitos psicopatológicos. Contudo, para fins desse texto, o referencial de psicopatologia será principalmente o da psicopatologia fenomenológica, pois em tal referencial teórico, em minha opinião, o conceito de fobia se aproxima mais do conceito que social e correntemente se dá a ele. E como o termo homofobia, como citado acima, tem ganho o cotidiano e já há muito se desvinculou do discurso acadêmico ou militante, um referencial teórico que aborde o fenômeno da forma que ele se dá a conhecer será mais útil para os fins a que se propõe esse artigo.

A ETIMOLOGIA

O ano, a safra, a origem, o solo, o processo de envelhecimento de um termo fazem parte de uma estranha degustação e se configuram numa espécie de “enologia da palavra”. Assim, para que possamos voltar a essa origem, às vezes esquecida, servimo-nos da Etimologia.

A Etimologia é definida por Cunha (1986) como a ciência que investiga as origens próximas e remotas das palavras, assim como sua evolução histórica. Para os fins a que se propõe esse artigo, é de grande importância que nos apropriemos do sentido original do termo “fobia” para que, a partir daí, possamos tecer o comentários a que nos propomos.

Usada inicialmente para compor termos eruditos como hidrofobia, claustrofobia, antropofobia, a palavra fobia, derivada do grego, teria se transformado em vocábulo independente na língua portuguesa, segundo Machado (1952), no final do século XIX, por volta de 1890.

No Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, Silveira Bueno nos dá uma definição de fobia: “Fobia – s.f.. Nome geral que se dá a diversas inibições do espírito, medos e receios doentios. Gr. Phobia, medo, receio, de phobos + ia” (Bueno, 1965).

Para Cunha: “Fobia sf. ‘designação genérica das diferentes espécies de medo mórbido’” (Cunha, 1986).

Já Antônio de Morais e Silva, em seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa, vai além e nos presenteia com o termo “foba”:

Foba, adj e s. m. Bras. da Baía. Designativo do indivíduo ou o próprio indivíduo medroso, molengão, preguiçoso ou apalermado.
Fobia, s. f. (do gr. phobein). Designação genérica das diversas espécies de medo mórbido. // Horror instintivo, aversão a alguma coisa. (Silva,1949)

Interessante apropriação do termo, o uso baiano da palavra foba. Através dela, com seus sentidos de “molengão, preguiçoso ou apalermado”, somos remetidos semanticamente a uma ideia de “não movimento”, inação e indolência. Coisa que diferenciará muito do termo grego φ?βος (phóbos), que segundo Ferreira (1999) e Machado (1952) remete a uma ideia de movimento: ação de pôr em fuga, ato de expulsar, ato de fazer fugir.

A PSICOPATOLOGIA

Para Dalgalarrondo (2000), a psicopatologia, enquanto campo de conhecimento, caracteriza-se pela multiplicidade de referenciais teóricos que tem incorporado nos últimos 200 anos. Dentre as várias escolas de psicopatologia, por motivos já mencionados, falaremos a partir da psicopatologia fenomenológica à qual, segundo o mesmo autor, interessa principalmente a forma das alterações psíquicas, a estrutura dos sintomas e aquilo que caracteriza a vivência patológica.

A partir desse referencial teórico, vejamos o que alguns autores têm a dizer sobre o conceito de fobia. Para Kaplan e Sadock:

Fobia é um medo irracional de um objeto, atividade ou situação específica que leva ao evitamento. O fracasso em evitar o estímulo causa severa ansiedade. O paciente percebe que o medo é irrealista, e a experiência toda é disfórica (Kaplan e Sadock, 1995).

É interessante ver que aqui vemos a coerência com a origem grega do termo, a partir do momento em que se introduz o “movimento de fuga” no conceito. Não será muito diferente para outros autores que, com freqüência, vinculam o sentimento fóbico à necessidade de fuga e evitação. Para a Associação Psiquiátrica Americana (apud Caixeta, 2004), a fobia se caracterizaria por quatro fatores: medo importante, persistente e irracional de objetos e situações; a exposição à situação ou objeto provoca reação de ansiedade; o paciente reconhece que o medo é excessivo e irracional; e, por fim, a presença de comportamento de evitação, atrapalhando a vida da pessoa.

Um ponto de extremo interesse para a análise proposta no presente trabalho é a unanimidade, entre os psicopatologistas, do caráter irracional e incontrolável da fobia.

O termo fobia é definido como “um temor insensato, obsessivo e angustiante, que certos doentes sentem em determinada situação”.
A característica essencial da fobia consiste no temor patológico, que escapa à razão e resiste a qualquer espécie de objeção. Refere-se a certos objetos, certos atos ou certas situações. Podem apresentar-se sob os aspectos mais variados. (Paim, 1980).

Seguindo nesse caminho, vemos Jaspers (1979) descrever fobia como um “medo espantoso” que ocorreria em situações corriqueiras e naturais.

Baseado nos autores citados acima, alguns aspectos do conceito de fobia nos saltam aos olhos. Primeiramente, vemos o caráter patológico do sentimento fóbico. A psicopatologia fenomenológica não encara a fobia como um evento que pode ser observado em pessoas/situações ditas normais, sendo, portanto, considerada como uma doença. Um outro aspecto é que os psicopatologistas insistem que a fobia é uma espécie de medo exagerado, medo mórbido que, muito importante, foge ao racional e ao lógico. De outra forma, não depende da vontade e é vivido como extremamente desagradável (um sentimento disfórico, estranho, vivido como uma sensação de estranheza e de não pertencimento).

Portanto, duas características, entre muitas outras, que serão importantes para nossa análise: o teor patológico da fobia e sua característica de irracionalidade e estranheza, seu caráter involuntário.

COMENTÁRIOS

Segundo Louis-Georges Tin, no Dictinnaire de l’homophobie, é possível que o termo homofobia já fosse usado na década de 60, mas foi após a publicação, em 1971, do artigo Homophobia: A Tentative Personality Profile, de Kenneth Smith, no Psychological Report, que o termo ganhou popularidade (Tin, 2003). Ainda segundo aquele autor, apesar de décadas de uso na língua francesa (aparecendo nela pela primeira vez em 1977), foi apenas em 1994 que a palavra entrou oficialmente no léxico francês.

A partir de conceitos extremamente restritivos como o de Weinberg (1972), citado acima, que definia homofobia como a sensação de se estar com um homossexual em um lugar fechado, o termo, em geral, vem ganhando novos conceitos ao longo de seus anos de uso, fazendo com que, atualmente, o termo sirva para denunciar não só práticas individuais, mas, sobretudo toda uma ideologia, que prescreve práticas coletivas, cujo discurso leva a hierarquização entre homossexualidade e heterossexualidade. Assim, a restrição legal para a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a restrição quanto a adoção de crianças por casais homossexuais, todos os demais direitos que são negados aos homossexuais, algumas teorias psicanalíticas sobre a homossexualidade e etc. seriam fatos característicos dessa “ideologia homofóbica”.

Ao lado dessa cada vez maior abrangência do termo, vemos movimentos restritivos com a intenção de evitar abrigar sob o mesmo termo fenômenos completamente diferentes. Propôs-se, portanto, termos como lesbofobia, bifobia e transfobia, para designar práticas ditas homofóbicas relativas ao grupo de lésbicas, bissexuais e transexuais/travestis (Tin, 2003).

Usado principalmente para denunciar práticas e discursos baseados na hegemonia do ser humano heterossexual – e principalmente do macho heterossexual – assim como para denunciar práticas, muitas vezes violentas, que revestem a homossexualidade de um caráter negativo em nossa sociedade, esse termo nasce investido de uma significação política incontestável e um dos sinais de sua força é a gritante atualidade do termo, apesar dos anos corridos.

Acredito que, na raiz dessa força política, more uma poderosa característica. Ao introduzir a ideia do medo (fobia) na atitude que delega a um plano secundário a homossexualidade, essa palavra diz de forma sutil, mas com todas as letras, que “macho tem medo”. E como socialmente homem que é homem não tem medo, esse termo atinge as práticas machistas em sua própria essência. Portanto, a prática homofóbica não denunciaria raiva, conservadorismo ou sexismo apenas, mas medo.

Dessa sutileza, nasce o risco do uso do termo.

Se temos, por um lado, uma ideia de aversão, nojo e ojeriza, raiva e hostilidade – ideia referendada pela etimologia – temos, por outro, uma ideia de medo mórbido, doença, sentimento doentio incontrolável e, principalmente, involuntário – ideia referendada tanto pela etimologia como pela psicopatologia. O primeiro dos sentidos seria mais próximo do uso que a militância GLBTT e os teóricos da área emprestam ao termo homofobia, contudo não creio que esse seja o sentido de fobia a que mais correntemente não militantes e não teóricos são remetidos quando entram em contato com a expressão.

Assim, possivelmente influenciadas pelo discurso psi, através de termos mais populares como claustrofobia, fobia de altura, agorafobia e etc., as pessoas associam a fobia muito mais a um medo e a uma doença do que propriamente ao ódio e à hostilidade.

Perigosa dubiedade e importante contradição: quando se usa o termo homofobia, pelo menos no sentido não coletivo do termo, refere-se, em geral, à agressividade e ao ódio que se tem em relação a homossexuais, ao passo que quando se usa o termo fobia, refere-se, sobretudo ao medo exagerado de que alguém involuntariamente pode ser vítima. Se no primeiro sentido somos remetidos a algo ativo, dirigido para o exterior, algo que potencialmente vai contra o outro e visa seu aniquilamento, no segundo sentido somos remetidos a alguma coisa interna, a uma experiência emocional, algo ameaçador apenas para quem vivencia essa experiência.

Como visto acima, pelas características de irracionalidade e morbidez da fobia, assim vista através da ótica da psicopatologia e aceita pela maior parte das pessoas, o que impediria um movimento de desreponsabilização – tanto legal quanto moral – do homofóbico por suas atitudes hostis?

Assim, se a palavra traz à cena (e porque não dizer à cena do crime) o medo que estaria em jogo nas práticas ditas homofóbicas, perigosamente retira da cena – já que estamos falando do medo – a responsabilidade de quem a pratica.

As palavras andam, voam e adquirem sentidos diversos.

A psiquiatria, que se imiscui nos interstícios do cotidiano, histórica e repetidamente, tem mostrado seu poder fagocítico ao abocanhar o mundo e digeri-lo através de sua lógica patologizante (Birman, 1978). O que faltaria para a homofobia fazer parte do DSM-IV ou da CID-10?

Apenas recentemente a homossexualidade saiu da CID-10, mas não esqueçamos que constam ainda daquela classificação o travestismo, o voyerismo, transexualismo e etc (OMS, 1993)

Sobre a retirada da homossexualidade da CID-10, é interessante notar que ainda consta daquela classificação a orientação sexual egodistônica. Esse transtorno seria o quadro “patológico” de uma pessoa que estivesse descontente, sofrendo e não aceitasse sua orientação sexual. Ora, em uma sociedade normatizadora como a nossa – auxiliada na normatização pelo próprio saber psiquiátrico – é muito difícil conceber alguém com uma orientação homossexual que não passe por conflitos quanto a sua sexualidade. Interessante movimento. A psiquiatria abdicou da “doença” homossexualismo, mas não abdicou dos “doentes”.

A orientação sexual egodistônica pode ser entendida como a patologização da homofobia quando voltada para si mesmo. Assim, a partir desse transtorno, não vejo um caminho muito longo para a patologização da homofobia voltada para o outro.

CONCLUSÃO

Em nenhum momento, o presente trabalho se propôs a questionar a validade tanto política quanto cultural, social e mesmo etimológica do termo homofobia.  Mostrando a ambigüidade que o termo traz, o que se fez foi um questionamento dos riscos potenciais de seu uso. Portanto, não há propostas, mas entenda-se este texto como um alerta.

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A fobia social revela a farsa da nossa identidade

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A Psicologia e o senso-comum usam a expressão ‘identidade’ para se referir à nossa personalidade sem se darem conta do tanto que essa expressão é verdadeira e adequada. Nosso eu é de fato uma identidade, mas não uma identidade consigo mesmo. Nosso eu estabelece sua identidade com o mundo. Quem somos nós? Não é possível responder essa pergunta a não ser fazendo referência ao mundo, seus objetos e a outras pessoas. Somos o filho de alguém, o morador de algum lugar, o torcedor do time tal, que exerce essa profissão qual, tem essas qualidades e aqueles defeitos. O sujeito só se define pelos seus objetos. Ou seja, na prática, definimos nosso eu por aquilo que temos, por aquilo que fazemos, pelas nossas relações com outras pessoas, com lugares ou situações… Jamais definimos nosso eu por aquilo que somos. Pois, na verdade, o eu não é nada, além disso, tudo… O eu é justamente a identidade com tudo isso. Mas, se por um lado o eu é a identidade com tudo isso, por outro ele precisa ser diferente de tudo isso. O eu não pode ser simplesmente idêntico ao mundo. Para ser no mundo e viver nele, ele precisa se distinguir dele. Assim, o eu que vive e se relaciona no mundo é consciente de ser diferente desse mesmo mundo, e sua identidade com ele permanece inconsciente.

A identidade inconsciente do eu com o mundo significa que o mundo, e principalmente as pessoas com que o eu se relaciona, existe na essência daquilo que o eu é. Se no fundo de nossa alma nós somos idênticos às pessoas com que nos relacionamos, isso significa que não temos segredos para elas, que não podemos esconder nada delas… Existimos em situação de completa abertura e igualdade com elas. Em outras palavras, o ‘olhar do outro’ existe dentro de nós, e ele conhece e enxerga perfeitamente o que realmente somos. E qual é a verdade que esse olhar do outro enxerga? Ele enxerga justamente nossa diferença com o mundo do qual deveríamos ser idênticos. Apesar de sermos idênticos ao mundo no fundo de nossa alma, na vida vivida somos diferentes dele, e esse olhar do outro que existe dentro de nós enxerga claramente isso e nos critica por isso! Consequentemente, nossa vida no mundo consiste num esforço (consciente ou inconsciente) de enganar o olhar desse outro interior e de passar aos outros reais que existem no exterior a imagem de que somos idênticos a eles; de que pensamos igual a eles, gostamos das mesmas coisas que eles, fazemos parte das mesmas tribos que eles. Mesmo quando nos revoltamos ou rebelamos também estamos atuando nessa farsa. O adolescente só se revolta depois de fracassar repetidamente nas suas tentativas de simular sua identidade com o mundo. E ele vê na revolta um meio de modificar o mundo para tornar mais fácil a simulação da identidade com ele.

Se me permitem exagerar um pouco, direi que nossa vida é um grande teatrinho, uma grande encenação. Vivemos tentando passar ao mundo uma imagem que difere daquilo que somos. As coisas dão certo se acreditamos que ao enganar os olhares das pessoas reais que existem no mundo estamos conseguindo enganar o olhar do outro que existe em nosso interior. Entretanto, quando o olhar do outro interior se reflete no olhar do outro que está à nossa frente, não conseguimos disfarçar o embaraço. A situação mais típica é o falar em público. Frente à presença esmagadora de dezenas e até centenas de olhares exteriores, o olhar do outro interior também adquire presença esmagadora em nós e esmaga nossa farsa! Mas, às vezes basta a presença de uma única pessoa. E até mesmo a ausência de qualquer pessoa real pode bastar para que o olhar do outro interior se torne mais real que a ausência real exterior!

Quando o olhar do outro interior resiste às nossas tentativas de enganá-lo, sentimos como se estivéssemos sendo pegos em flagrante. Não sabemos mais como nos comportar, ficamos sem reação, abobadados. Nossa farsa está sendo ameaçada. No entanto, essa farsa é exatamente aquilo que nós somos, e a ameaça à farsa é uma ameaça ao nosso próprio ser. Há aqueles que experimentam apenas uma leve vergonha, e até fazem piada com o caso. Mas, há aqueles que experimentam grandes doses de ansiedade, e até o pânico. E tudo isso porque levamos a farsa a sério. Se nosso eu é uma farsa, a melhor opção é reconhecê-la e aceitá-la como farsa. É justamente nosso esforço de querer dar à farsa ares de legitimidade que nos torna presas fáceis das críticas do olhar do outro interior.

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