(En)Cena entrevista a psicóloga Maria Aires Gomes Estevão de Souza

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O 3º Simpósio de Avalição Psicológica Tocantinense, que ocorrerá do dia 25/05/22, abordará diversos temas relevantes para o mundo acadêmico e profissional, dentre eles está a orientação profissional no transtorno do espectro autista, que será ministrado pela Psicóloga Maria Aires Gomes Estevão de Sousa, egressa do Curso de Psicologia do CEULP/ULBRA.

Fonte: Arquivo Pessoal

Em entrevista concedida ao portal (En)Cena, a palestrante respondeu algumas perguntas sobre o universo da psicologia.

En (Cena) – Há quanto tempo atua no mercado como psicóloga? Quais são suas especialidades e áreas de atuação?

Maria – Atuo na área há 3 anos, sou especialista em TCC, e estou me especializando em Intervenção em ABA para pessoas com TEA e DI

En (Cena) – Qual foi o ponto crucial que te levou a escolher este tema para apresentar no 3º Simpósio de Avaliação Psicológica Tocantinense?

Maria – No momento na clínica o meu maior público de atendimento são crianças, adolescente e adultos dentro do espectro autista. Trabalho com grupos de Habilidades Sociais para Adolescentes com TEA.  E fazemos orientação profissional, por isso o tema escolhido

En (Cena) – Esse tema escolhido por você para apresentar no O 3º Simpósio de Avalição Psicológica Tocantinense, como ele está presente na sua atividade profissional?

Maria – É uma demanda crescente e carente desse atendimento especializado.

En (Cena) – Qual a importância da orientação profissional no transtorno do espectro autista?

Maria – O público do Espectro autista tem dificuldade quando se fala em reconhecer suas habilidades e competências, além das emoções. Aspectos essenciais na escolha da profissão que melhor se enquadra ao seu perfil.

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Sexualidade, sexo, identidade de gênero e orientação sexual: a construção do sujeito social e sua subjetividade

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A sexualidade é, sem dúvida, uma construção. Construção de valores “modernos”, de condutas éticas, de um processo contínuo da percepção de quem somos em condições históricas, culturais e de inter-relações específicas.

Embora muita gente os confunda, esses termos definem aspectos bem distintos de uma mesma pessoa. O sexo do corpo (gênero e fisiologia), a identidade de gênero (quem eu sou na sociedade), e a orientação sexual (condição biossocial). Há muito tempo a questão da sexualidade deixou de ver apenas o que é masculino e feminino, e passou a entender o que de fato se é, a busca pela realização dos desejos e a necessidade de ser livre.

A sexualidade é, sem dúvida, uma construção. Construção de valores “modernos”, de condutas éticas, de um processo contínuo da percepção de quem somos em condições históricas, culturais e de inter-relações específicas, portanto, contextualizadas localmente. (GEERTZ, 2000).

A sexualidade faz parte da personalidade do indivíduo. É um aspecto do ser humano que não pode ser separado dos outros aspectos da vida, pois influencia a forma como se relacionam, com o que as atrai, qual objeto de seu desejo, sentimentos, pensamentos, interações e ações, portanto, diz respeito a saúde física e mental.

Fonte: encurtador.com.br/iAPV0

Muitas pessoas acham que ao falar de sexualidade estamos falando de sexo. Mas é importante entender que o sexo está ligado aos órgãos genitais, ou também ao ato sexual. Enquanto que sexualidade vai além disso, é um modo de ser, de sentir, de manifestar, é a forma como vamos ao encontro do outro, a intimidade, o afeto. É tudo aquilo que somos capazes de sentir e expressar. Os sujeitos podem exercer sua sexualidade de diferentes formas, eles podem “viver seus desejos e prazeres corporais” de muitos modos (WEEKS, APUD BRITZMAN, 1996).

Podemos considerar que a sexualidade não é fixa e imutável. Ela é influenciada pelo modo como as pessoas desenvolvem suas relações interpessoais. Somos seres em contínuo processo de transformação, ou seja, somos inconstantes, pois, nossas necessidades e desejos mudam. A sexualidade não se confunde com um instinto. Nem com um objeto (parceiro), nem com um objetivo (unir dois órgãos genitais). Ela é poliforma, polivalente, ultrapassa a necessidade fisiológica e tem a ver com a simbolização do desejo (CHAUÍ, 1991, P.15).

Tudo que vivemos e sentimos acontece no nosso corpo, portanto, não é possível separar a sexualidade do corpo ou pensar no corpo sem considerar a sexualidade. Ao redor dos nossos corpos, estão os modos como percebemos, sentimos, entendemos, nos relacionamos. Isso significa dizer que a sexualidade vai muito além de fatores físicos. É caracterizada por aquilo que é subjetivo, próprio, único. É a busca pela realização dos desejos, que pode se transformar ao longo dos anos, dependendo da experiência que a pessoa se permite vivenciar, ou seja, a sexualidade está sempre aberta a novas formas de significação.

Fonte: encurtador.com.br/bKOPU

“O sexo biológico é um termo utilizado para definir o que é homem, mulher, e intersexual, baseado em características orgânicas como cromossomos e genitais. Ou seja, biologicamente nasce meninas ou meninos, em função de um órgão sexual” (LUIZ ANTONIO GUERRA, 2014). O sexo biológico é apenas a parte física da identidade de uma pessoa, que pode encontrar diferentes posturas psicológicas.

Sexo faz referência somente às características biológicas de cada indivíduo, como órgãos, hormônios e cromossomos. Sendo assim, a fêmea possui vagina, ovários e cromossomos XX; o macho possui pênis, testículos e cromossomos XY; já o intersexo (o que por muito tempo tinha o nome de hermafrodita) possui uma combinação dos dois anteriores. (CRISTIANO ROSA, 2016).

Quando falamos em sexo biológico, temos que pensá-lo como a presença de órgãos reprodutivos no corpo orgânico, conhecidos por pênis, vagina ou ambos. Porém, é importante frisar que essa marca biológica que compõe esse corpo não necessariamente irá definir a identidade afetivo-sexual. O sexo biológico é um fator inato, ou seja, pertence ao ser desde o seu nascimento, independente do gênero que o indivíduo possa vir a se identificar mais tarde.

Fonte: encurtador.com.br/gyPZ2

Identidade de gênero é a experiência subjetiva de uma pessoa a respeito de si mesma e das suas relações com outros gêneros. A pessoa se reconhece como feminino ou masculino, independente do sexo biológico ou da orientação sexual. É se identificar com determinados valores, condutas e posturas sociais, ou seja, é como ela se percebe.

Gênero é algo constituído ao longo da vida, e não é estabelecido no nascimento. Alguém pode se identificar com o gênero homem ou mulher que é dado ao nascer (então é cis) ou não (então é trans). Em outras palavras, gênero é a maneira com que você se enxerga, a interpretação que você tem de si mesmo, em sua cabeça e pensamento. (CRISTIANO ROSA, 2016).

A pessoa pode nascer com um determinado sexo biológico, porém, se identificar com outro. Geralmente sentem que seu corpo não está adequado à forma como pensam, e querem adequá-lo à imagem de gênero que têm de si. Isso se dá de várias formas, desde uso de roupas, passando por tratamentos hormonais, até procedimentos cirúrgicos, ou seja, a pessoa pode se identificar com o sexo biológico de seu nascimento, ou não, e isso necessariamente não irá definir sua orientação sexual.

Fonte: encurtador.com.br/hprCH

Cisgênero abrange as pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento, e transgênero abrange o grupo diversificado de pessoas que não se identificam, em graus diferentes, com comportamentos e/ou papéis esperados do gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento (JAQUELINE GOMES DE JESUS, 2012).

A orientação sexual de uma pessoa indica por quais gêneros ela sente-se atraída. Seja física, romântica e/ou emocionalmente, diz respeito a preferência do desejo afetivo e sexual. Algumas pessoas dão-se conta dos seus sentimentos muito cedo, outras não. Mas apesar de tudo, estes sentimentos podem mudar ao longo da vida.

Toda pessoa, além do sexo, tem uma orientação íntima que define seus interesses, um impulso que configura sua atração sexual. Esse é o aspecto psicológico que complementa o sexo, possibilitando à pessoa estabelecer quais são suas preferências nas relações sexuais e sentimentais. Isso é o que define a orientação sexual da pessoa, que pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual. Para alguns especialistas, apesar de não haver consenso, ser assexual também é uma orientação sexual. (MUNDO PSICOLOGOS, 2016).

Fonte: encurtador.com.br/bnosK

A orientação sexual refere-se ao tipo de atração que temos por outras pessoas. Sendo assim, alguém pode se interessar por pessoas do mesmo sexo (homossexual), do sexo diferente (heterossexual), dos dois sexos (bissexual), ou também pode não se interessar por ninguém (assexual). Essa atração afetivossexual por alguém é uma vivência interna relativa à sexualidade. Portanto, é diferente do senso pessoal de pertencer a algum gênero.

Esses tipos de atrações citadas não define todas as possíveis orientações sexuais. Apenas as mais comuns, pois existe uma infinidade de possibilidades para se sentir atraído. A orientação sexual existe num continuum que varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade. (BRASIL, 2004, p. 29).

Portanto, compreende-se que a sexualidade é um dos pontos centrais na identidade do ser humano, que se manifesta através da emoção e da afetividade. É o modo como cada indivíduo vivencia suas experiências, que se tornam únicas. A sexualidade fundamenta os cuidados corporais e as relações de gênero, além de fundamentar também a busca do amor e do contato mais pleno com o outro.

Compreender a sexualidade em seu processo de contínua transformação é a condição necessária para identificar as diversas formas de vivenciar a subjetividade, no qual permite que cada indivíduo tenha uma forma única e particular de ser e sentir. Em muitos aspectos isso tem relação com aquilo que se aprende ao longo da vida, e uma das coisas que as pessoas aprendem é significar sentimentos e comportamentos.

REFERÊNCIAS

GUERRA, Luiz Antônio. Sexo, Gênero e Sexualidade. Disponível em: <https://www.infoescola.com/sociologia/sexo-genero-e-sexualidade/>. Acesso em: 20 mai. 2019.

JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. 2012. Disponível em: <https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_SOBRE_IDENTIDADE_DE_G%C3%8ANERO__CONCEITOS_E_TERMOS_-_2%C2%AA_Edi%C3%A7%C3%A3o.pdf?1355331649>. Acesso em 20 mai. 2019.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação. 2003. Disponível em: <https://bibliotecaonlinedahisfj.files.wordpress.com/2015/03/genero-sexualidade-e-educacao-guacira-lopes-louro.pdf>. Acesso em: 27 mai. 2019.

MUNDO PSICÓLOGOS. Diferenças entre sexo, orientação sexual, e gênero. 2016. Disponível em: <https://br.mundopsicologos.com/artigos/diferencas-entre-sexo-orientacao-sexual-e-genero>. Acesso em: 20 mai. 2019.

ROSA, Cristiano. Questão de gênero. 2016. Disponível em: <https://www.jornalnh.com.br/_conteudo/2016/08/blogs/cotidiano/questao_de_genero/371790-genero-x-sexo-biologico.html>. Acesso em 20 mai. 2019.

SENEM, Cleiton José; CARAMAMASCHI, Sandro. Concepção de sexo e sexualidade no ocidente: Origem, História e Atualidade. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/issue/download/492/69>.  Acesso em: 25 mai. 2019.

SILVA, Ariana Kelly Leandra Silva da. Diversidade sexual e de gênero: a construção do sujeito social. Universidade Federal do Pará (UFPA). Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912013000100003, 2013>. Acesso em: 20 mai. 2019.

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Desafios da Casa de Marta – (En)Cena entrevista o Diácono Amilson

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A Casa de Marta, fundada em 2002, é uma Instituição Filantrópica, de iniciativa da Igreja Católica, pertencente à Arquidiocese de Palmas. Ainda, é um Centro de Apoio a gestantes menores de idade, de 12 a 17 anos, expostas à insegurança, fragilidade e em situação de risco.

Além disso, a Casa oferece oficinas (alguns trabalhos manuais e confecção do seu próprio enxoval); treinamento de cuidados com os bebês; atendimento psicológico; momento de reflexão e espiritualidade, além de visitas domiciliares. Vale ressaltar que a Casa não funciona sob regime de internato, porém suas atividades são realizadas três vezes por semana (segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira das 8h30 às 16h30). No que tange à manutenção, a Casa conta com o voluntariado, além de doações externas (COMPROMISSO, 2014, p.1).

Foi realizada entrevista com o Diácono Amilson, que assumiu a direção da Casa de Marta há cerca de 5 anos.

(En)Cena – De quais necessidades surgiu a Casa de Marta?

Diácono Amilson – Surgiu do grande índice de gravidez na adolescência no município de Palmas, por volta de 2000, 2002, quando houve uma grande eclosão de construção de ponte, hidrelétrica… Houve uma grande migração de homens, vindos de diversos lugares para Palmas. Nesse período, Palmas chegou a ser a capital com o maior índice de gravidez na adolescência, no Brasil. Por causa dessa situação, a Igreja na época… D. Alberto Bispo perguntou “o que a Igreja pode fazer?” Foi quando surgiu a Casa de Marta para acolher, além das campanhas que eram feitas, prestando o serviço a quem era atingido por essa onda de violência. De lá pra cá, continuamos entre as cinco capitais com maior índice de gravidez na adolescência. Dos países da América Latina, o Brasil possui o maior índice de gravidez na adolescência.

 

(En)Cena – Como funciona a inserção das gestantes na dinâmica da Casa?

Diácono Amilson – Temos uma rede de parceiros que nos ajudam nesse sentido a detectar essas meninas nos bairros e regiões onde moram: Pastoral da Criança, Paróquias ou outras meninas que já passaram e conhecem a Casa que divulgam a outras adolescentes. O Conselho Tutelar também encaminha, os CRAS, as Unidades de Saúde… Então essa rede de parceiros nos ajuda a captar essas meninas para a Casa. Não basta estar grávida para vir para a Casa, é preciso passar por um processo de seleção para sabermos, de fato, os riscos… Porque se a gente fosse atender toda a gravidez não daríamos conta. Quando as adolescentes chegam aqui, geralmente, as irmãs fazem a entrevista e realizam esse processo de ouvir e conversar. Aquilo que dá para a gente atender, a gente atende na Casa. Mas tem casos que a gente não atende na Casa, mas não deixamos de atender de forma indireta, lá na família, na comunidade, as vezes a gente atende. Outros casos, a gente faz o encaminhamento devido para os órgãos públicos que têm a função de fazer esse acompanhamento.

 

(En)Cena – Qual a faixa etária das adolescentes?

Diácono Amilson – Ela precisa estar grávida e nós não temos uma idade mínima, basta que ela esteja grávida. Agora, ela precisa ter 17 anos e 11 meses. Até 18 anos a gente acolhe aqui na Casa. Quanto maior (idade) a menina, mais vai diminuindo a prioridade. Nossa prioridade é trabalhar com as mais novas. E a gente acompanha aqui, por exemplo: a menina que tem 17 anos de idade, ela ganha a criança aos 17 anos e elas ficam na Casa, no período de 6 meses, ou até mais, dependendo da necessidade.

Fonte: encurtador.com.br/bcjAZ

 (En)Cena – Desde sua fundação, quantas adolescentes, em média, já procuraram o trabalho da Casa?

Diácono Amilson – Não tenho um dado preciso porque a Casa de Marta surgiu em 2002 e já passou por várias gestões. Não tenho um histórico guardado de todo mundo que passou. Mas nós temos uma estimativa de ter passado pela Casa, em torno de 400 meninas, nesses quase 20 anos de Casa de Marta. Porque às vezes, a gente atende em média por ano, 10, 12 até 20 adolescentes. Por que isso? Porque mesmo em outros espaços que já tivemos (perto da São José), nosso espaço era para 8, 10 meninas. Hoje, continuamos com essa média de 8. Não temos espaço, não temos estrutura para atender um número maior. Então o máximo que a gente pode ter na Casa são 8, por quê? Porque 8 meninas adolescentes a gente tem na Casa e, se tiverem aquelas que estão com o bebê, elas voltam na quarta-feira com eles e esse número se multiplica para 16. E tem mais as crianças dessas meninas. Digamos, no total nós vamos ter, aproximadamente, 30 pessoas. Se vier todo mundo para dentro da Casa. Mas a média é de 8. Ano passado passaram pela Casa em torno de 20 adolescentes. Algumas ficaram no período de 6 meses, outras só 3 meses, mas passaram.

 

(En)Cena – Qual o máximo de adolescentes que podem buscar o suporte da Casa?

Diácono Amilson – Nosso planejamento anual é no máximo 20. Isso não significa que não atendemos outras pessoas. Nós temos atendimentos de forma indireta, de famílias, pessoas que estão em situação de risco e pobreza que atendemos nos bairros. Mas aí não é atendimento interno. Nós fazemos as visitas, atendimento com cestas básicas, enxoval dos bebês. Sempre que as meninas, as adolescentes vêm para a Casa… eu uso sempre a expressão “menina” porque pra nós elas são meninas… sempre que elas vêm pra casa elas fazem além do enxoval delas peças excedentes. Essas peças excedentes vão ajudar outras mães que estão em vulnerabilidade, mas que não estão na Casa por já serem maiores de idades. Tem uma mulher com 18 anos de idade, gestante e elas não pode ficar na Casa por causa da idade dela. Então não dá pra misturar uma pessoa maior de idade com as adolescentes, menores de idade. Aí nós atendemos com essas peças produzidas… a gente faz essas visitas na casa e atende lá. Mas o trabalho mais interno da Casa é só com essas adolescentes. Então quando a gente coloca público atendido direto e público atendido indireto (com as mães, crianças, famílias e outras pessoas) nós passamos de 80 pessoas atendidas no ano. É um número razoável. Pouca gente, poucas estruturas atendem uma quantidade de gente dessa natureza. Exceto os CRAS, mas não fazem o trabalho como a gente faz.

 

(En)Cena – Além da gravidez, por quais motivos, ainda, as adolescentes procuram a Casa?

Diácono Amilson – As meninas, quando vêm para a Casa, elas passam a ter aqui como a casa delas. É como se tem a casa do pai, a casa da mãe… Prova disso é quando elas chegam com os bebês. Tanto a alegria delas e das crianças, quanto da gente aqui, a alegria de receber. Então, nas dificuldades, elas voltam. Elas voltam 3 ou 5 anos depois… Quando pensa que não elas chegam aqui. E não pensa que elas vieram só visitar. Quando elas vêm estão precisando de algo, de um alimento, encaminhamento para trabalho. Então uma vez estabelecido o vínculo, ele não acaba. Porque aqui elas aprenderam a ter uma amizade. Uma amizade verdadeira, que transforma a vida delas. Aí, a partir dessa ligação, dessa amizade, elas conseguem. Então, ela tem um conflito familiar… Então elas correm e procuram as irmãs pra dialogar, conversam com a gente. Então assim, é muito tranquilo isso. É muito costumeiro de fazer.

 

(En)Cena – Quais são as condições socioeconômicas a que estão submetidas?

Diácono Amilson – Muita pobreza. A grande maioria são meninas pobres, sem o mínimo de condição de subsistência. Agora, essa última turma que a gente tinha, era uma turma até que tinha celulares, alguma coisa. Mas nós tivemos aqui, meninas que não tinham nem celular. Às vezes aparecia com um celularzinho quebrado por causa da situação mesmo de pobreza delas. Então a situação econômica muito baixa, muito precária mesmo.

 

(En)Cena – As adolescentes que buscam a Casa vivem com sua família nuclear?

Diácono Amilson – Algumas das meninas, às vezes. A grande maioria nem sempre. É um efeito cascata na questão cultural, familiar implantada nos tempos modernos de hoje. A grande maioria das meninas que vêm pra Casa, são meninas que foram criadas pelo padrasto, pela madrasta. A mãe que já teve duas três filhas e cada filho é um pai diferente. E nesse desenrolar da vida, elas foram rodando por aí. Aí vem o caso de algumas meninas que foram abusadas por padrasto ou por parente próximo, alguma coisa dessa natureza. Aí isso gera um conflito familiar e a grande maioria delas, às vezes, sai de casa. Na nossa missão, a primeira coisa que a gente faz aqui é ouvir, ver essa questão de fato, de que forma a gente pode intervir e nós vamos montar todo um processo, uma estrutura de que forma a gente atende. Aí depois a gente busca fazer um fortalecimento de vínculo, novamente, familiar dessas adolescentes quando não há risco para ela. Porque se há risco de ela continuar sendo abusada, ser violentada de forma física, verbal, moralmente, também a gente tem que trabalhar se pode ou não. E fazemos os encaminhamentos as unidades, CRAS pra poder fazer o acompanhamento devido porque eles têm uma estrutura maior: um psicólogo, assistente social de que forma pode fazer o fortalecimento de vínculo de forma mais efetiva.

 

(En)Cena – Qual a proposta da Casa diante das circunstâncias relatadas anteriormente?

Diácono Amilson – A nossa primeira ação é fazer com que elas se sintam valorizadas, levantar a autoestima delas e dizer que elas são capazes. Não é pelo fato de ser pobre, de estar sem pai e sem mãe que as pessoas são, digamos assim, descartadas da vida e da sociedade. Então a nossa missão é resgatar essas meninas e inserir elas nesse contexto de expectativa. Aí entra uma mística, uma espiritualidade que vai contribuir. É nesse contexto que a gente vai trabalhar com elas. Aí com isso, vamos fazer algumas ações para geração de renda.

 

(En)Cena – Qual a perspectiva de trabalho para 2018?

Diácono Amilson – A primeira preocupação nossa é a captação de recursos. Nesses últimos anos têm sido difícil a questão de recursos pra você gerenciar por questão de crise, situações políticas, diversas… A gente tem dificuldade nesse sentido, uma vez que aqui a gente não tem recurso público. Todos os nossos recursos são de doações, da iniciativa privada, instituições religiosas do Brasil e fora, que as vezes nos ajudam. Recursos do nosso bazar, festejos, quermesses. São essas coisas que a gente tem pra manter a Casa. Trabalho de rifa, coisas assim. Então nossa primeira preocupação é essa: fazer uma arrecadação, mas nós temos o planejamento pra atender 20 meninas, esse ano, dentro do mesmo patamar, com a mesma espiritualidade, as mesmas ações que a gente tem trabalhado nos anos anteriores. O que nós fazemos é ajustar nossa ação de acordo com a necessidade do grupo. Agora, um roteiro do nosso projeto, permanece. A questão das visitas às famílias, acolhimento, alimentação, transporte, oficinas didáticas que são feitas aqui, além das palestras educativas. Isso tudo vai se ajustando de acordo com a necessidade de cada grupo. Tem grupo que é mais difícil.

 

(En)Cena – De que forma a população pode se envolver ou contribuir com a Casa?

Diácono Amilson – São muitas formas. As doações podem ser feitas. Quando a gente fala de doações, não é só dinheiro. Têm doações de diversas formas porque as vezes a pessoa não pode doar dinheiro, mas podem doar kits de limpeza de bebê, fralda, material para confeccionar os produtos das meninas… Quando as pessoas doam isso, o restante vai ser mais fácil porque o recurso que eu poderia ter pra comprar pano, tecido, linhas… Aí nós vamos utilizar para o pagamento de água e energia. O que menos me preocupa aqui é pagamento de pessoal porque todo pessoal que tá aqui é voluntário. A gente dá apenas uma ajuda de custo de despesa pra transporte. O pessoal do CEPEMA que tem essa parceria que elas vêm pra poder ajudar com a questão da limpeza. Então são coisas que vão contribuindo. Então com o pessoal, se tiver dinheiro a gente fica, se não tiver, vamos ficar do mesmo jeito. Agora a preocupação maior, digamos assim, é manter a água, luz, energia e alimentação. Alimentação é uma despesa grande porque nós já não pagamos salário para os nossos colaboradores e aí esses colaboradores têm que se deslocar da casa deles pra comer? Então o que se come aqui na Casa, o que as meninas alimentam também é a nossa alimentação. Nós sentamos juntos na mesma mesa, tanto no café, como no almoço ou no lanche da tarde… Todos partilhamos do mesmo pão. Só não come aquilo que as pessoas, geralmente por natureza, não aceitam. Mas o que tem aqui, todo mundo senta na mesa e participa. Então eu tenho que alimentar tanto os colaboradores como as meninas. Nós temos 8, 10 meninas na Casa, mas aqueles que vêm para fazer o trabalho de voluntariado, como no caso de vocês, estagiárias, todos são convidados. E não falta. Deus é generoso e as pessoas colaboram. Então as pessoas podem colaborar com alimento, material de higiene pessoal das meninas, das crianças. A única coisa que a gente não recebe aqui é mamadeira, chupeta, essas coisas que os técnicos de saúde hoje orientam a não fazer para não correr o risco de a mãe tirar a amamentação da criança substituindo por esse tipo de coisa. Aí não recebemos. Quer dizer, se alguém quiser doar, a gente pode até pegar pra fazer doação a outros se, porventura, necessitam. Mas esse não é o nosso desejo.

 

(En)Cena – Existe algum meio de divulgação da Casa?

Diácono Amilson – É uma falha nossa isso. Ainda não temos assim, uma grande divulgação. Por um lado, nós temos um receio da divulgação porque as vezes a gente atende meninas que são vítimas de violência, então a gente não quer muito fazer essa exposição. Por outro lado, nós temos algumas meninas que são atendidas que não foram fruto da violência direta, mas as vezes de forma indireta ela foi fruto da violência e ela está em risco. Aí se a gente propaga muito a Casa nesse contexto, se uma adolescente dizer que ela está na Casa de Marta, as pessoas logo vão associar isso. E aí tem toda uma questão moral, um preconceito… Então para isso, nós precisamos manter um pouco de cautela. Nós divulgamos que a Casa de Marta atende meninas adolescentes. Não divulgamos quem está sendo atendida na Casa. Podemos dizer, nós temos 8 ou 20 meninas, mas os nomes a gente não divulga. A missão da Casa, mas tem todo um zelo com isso, até mesmo por causa do ECA que impede de fazer a divulgação de imagem delas.

 

(En)Cena – Qual a maior dificuldade que a Casa tem ou já possuiu?

Diácono Amilson – Nossa dificuldade maior é dar continuidade de acompanhar a menina, depois que ela passa pela Casa porque não temos a estrutura necessária pra fazer isso. Então enquanto ela está na Casa, três vezes por semana, nós estamos acompanhando, fazendo orientação, vendo a situação delas em relação ao risco de drogas, violência… Então nós vamos trabalhando essa prevenção com elas, mas quando elas saem daqui nós não temos uma ação de continuidade.

Referências:

COMPROMISSO com a vida. Palmas, TO: Casa de Marta, 2014.

 

Nota: A entrevista foi realizada com autorização dos dirigentes da Casa de Marta no período do desenvolvimento do Estágio Específico em Saúde Mental, do curso de Psicologia do Centro Universitário Luterano de Palmas – Ceulp/Ulbra, com a supervisão da Profa. Dra Irenides Teixeira.

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CID 10: FXX.X – Transtorno homofóbico

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As palavras, como que a reboque, trazem consigo marcas, cicatrizes e acessórios que denunciam para os mais atentos sua história e genealogia. Marcadas na própria carne, elas contam algo de seu tempo e de seus usos; não raro, absorvem conceitos paralelos, abrigando-os das intempéries sob o mesmo teto significante para, em seguida, deixar vagando ao léu significados que outrora lhe pertenceram. Pequena mas significante vitrina de uma época. É importante e prudente que estejamos atentos a essa dimensão histórica dos termos para que possamos apreendê-los de forma consciente e contextualizada.

Importante, já que é a partir daí, numa espécie de desconstrução, que se pode entender o uso corrente de determinada palavra. Prudente, pois em sua aparente banalidade, os termos carregam potencialidades de uso nem sempre ingênuos ou bem intencionados. Assim, as palavras revelam um passado e, ao mesmo tempo, apontam – dedo em riste – para um futuro.

Atualmente, com o importante papel da imprensa, notamos a cada dia a maior visibilidade que o movimento gay vem conquistando. Segundo Pereira (2004), dos anos noventa para cá, a própria cultura gay e as referências na mídia de um “gay way of life” estão cada vez mais comuns.

Com o aumento dessa visibilidade, vemos surgir, geralmente a partir dos movimentos GLBTT (Gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) ou de teóricos da sexualidade, todo um novo léxico que com uma velocidade nunca antes vista ganha os mais diversos ambientes. Exemplos disso são os termos: identidade de gênero, orientação sexual, gay, queer e etc. Outro desses exemplos é o termo homofobia. Cunhado no meio científico para designar, inicialmente, a sensação de mal-estar experimentada por uma pessoa que se mantivesse em presença de um homossexual em um lugar fechado (Weinberg, 1972), o termo ganhou, ao longo dos anos, sentidos mais amplos e conquistou a língua corrente, falada no cotidiano.

Usado há décadas e totalmente consagrado, o termo mencionado se por um lado revela extrema força política, por outro – é o que tentarei demonstrar – carrega consigo uma ambiguidade perigosa.

Não faz parte dos objetivos desse trabalho a análise histórica ou a abordagem dos aspectos subjetivos, culturais, sociais ou políticos que envolvem a homofobia. É tão somente na discussão do termo homofobia e no risco do uso desse termo que mora o sentido desse texto.

Para tanto, algumas considerações se fazem necessárias.

Usar-se-á, na maior parte das vezes, para efeitos desse texto, a palavra homofobia em um sentido amplo e não para designar o discurso e a prática aversivos de homens que se dizem heterossexuais para com homossexuais masculinos. Essa opção se dá pela maior consagração do termo homofobia em relação a termos como lesbofobia, travestifobia ou bifobia e, ainda, por achar que, no que se refere a esse texto, as observações tecidas podem ser facilmente extrapoladas para as realidades da lesbofobia, travestifobia ou bifobia e etc. Assim, a tessitura dos comentários ao longo do presente trabalho poderá ser, sem grande dificuldade, aplicada às outras formas de homofobia.

Há, ainda, mais uma consideração. É inevitável que se lance mão, no corrente artigo, de conceitos psicopatológicos. Contudo, para fins desse texto, o referencial de psicopatologia será principalmente o da psicopatologia fenomenológica, pois em tal referencial teórico, em minha opinião, o conceito de fobia se aproxima mais do conceito que social e correntemente se dá a ele. E como o termo homofobia, como citado acima, tem ganho o cotidiano e já há muito se desvinculou do discurso acadêmico ou militante, um referencial teórico que aborde o fenômeno da forma que ele se dá a conhecer será mais útil para os fins a que se propõe esse artigo.

A ETIMOLOGIA

O ano, a safra, a origem, o solo, o processo de envelhecimento de um termo fazem parte de uma estranha degustação e se configuram numa espécie de “enologia da palavra”. Assim, para que possamos voltar a essa origem, às vezes esquecida, servimo-nos da Etimologia.

A Etimologia é definida por Cunha (1986) como a ciência que investiga as origens próximas e remotas das palavras, assim como sua evolução histórica. Para os fins a que se propõe esse artigo, é de grande importância que nos apropriemos do sentido original do termo “fobia” para que, a partir daí, possamos tecer o comentários a que nos propomos.

Usada inicialmente para compor termos eruditos como hidrofobia, claustrofobia, antropofobia, a palavra fobia, derivada do grego, teria se transformado em vocábulo independente na língua portuguesa, segundo Machado (1952), no final do século XIX, por volta de 1890.

No Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, Silveira Bueno nos dá uma definição de fobia: “Fobia – s.f.. Nome geral que se dá a diversas inibições do espírito, medos e receios doentios. Gr. Phobia, medo, receio, de phobos + ia” (Bueno, 1965).

Para Cunha: “Fobia sf. ‘designação genérica das diferentes espécies de medo mórbido’” (Cunha, 1986).

Já Antônio de Morais e Silva, em seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa, vai além e nos presenteia com o termo “foba”:

Foba, adj e s. m. Bras. da Baía. Designativo do indivíduo ou o próprio indivíduo medroso, molengão, preguiçoso ou apalermado.
Fobia, s. f. (do gr. phobein). Designação genérica das diversas espécies de medo mórbido. // Horror instintivo, aversão a alguma coisa. (Silva,1949)

Interessante apropriação do termo, o uso baiano da palavra foba. Através dela, com seus sentidos de “molengão, preguiçoso ou apalermado”, somos remetidos semanticamente a uma ideia de “não movimento”, inação e indolência. Coisa que diferenciará muito do termo grego φ?βος (phóbos), que segundo Ferreira (1999) e Machado (1952) remete a uma ideia de movimento: ação de pôr em fuga, ato de expulsar, ato de fazer fugir.

A PSICOPATOLOGIA

Para Dalgalarrondo (2000), a psicopatologia, enquanto campo de conhecimento, caracteriza-se pela multiplicidade de referenciais teóricos que tem incorporado nos últimos 200 anos. Dentre as várias escolas de psicopatologia, por motivos já mencionados, falaremos a partir da psicopatologia fenomenológica à qual, segundo o mesmo autor, interessa principalmente a forma das alterações psíquicas, a estrutura dos sintomas e aquilo que caracteriza a vivência patológica.

A partir desse referencial teórico, vejamos o que alguns autores têm a dizer sobre o conceito de fobia. Para Kaplan e Sadock:

Fobia é um medo irracional de um objeto, atividade ou situação específica que leva ao evitamento. O fracasso em evitar o estímulo causa severa ansiedade. O paciente percebe que o medo é irrealista, e a experiência toda é disfórica (Kaplan e Sadock, 1995).

É interessante ver que aqui vemos a coerência com a origem grega do termo, a partir do momento em que se introduz o “movimento de fuga” no conceito. Não será muito diferente para outros autores que, com freqüência, vinculam o sentimento fóbico à necessidade de fuga e evitação. Para a Associação Psiquiátrica Americana (apud Caixeta, 2004), a fobia se caracterizaria por quatro fatores: medo importante, persistente e irracional de objetos e situações; a exposição à situação ou objeto provoca reação de ansiedade; o paciente reconhece que o medo é excessivo e irracional; e, por fim, a presença de comportamento de evitação, atrapalhando a vida da pessoa.

Um ponto de extremo interesse para a análise proposta no presente trabalho é a unanimidade, entre os psicopatologistas, do caráter irracional e incontrolável da fobia.

O termo fobia é definido como “um temor insensato, obsessivo e angustiante, que certos doentes sentem em determinada situação”.
A característica essencial da fobia consiste no temor patológico, que escapa à razão e resiste a qualquer espécie de objeção. Refere-se a certos objetos, certos atos ou certas situações. Podem apresentar-se sob os aspectos mais variados. (Paim, 1980).

Seguindo nesse caminho, vemos Jaspers (1979) descrever fobia como um “medo espantoso” que ocorreria em situações corriqueiras e naturais.

Baseado nos autores citados acima, alguns aspectos do conceito de fobia nos saltam aos olhos. Primeiramente, vemos o caráter patológico do sentimento fóbico. A psicopatologia fenomenológica não encara a fobia como um evento que pode ser observado em pessoas/situações ditas normais, sendo, portanto, considerada como uma doença. Um outro aspecto é que os psicopatologistas insistem que a fobia é uma espécie de medo exagerado, medo mórbido que, muito importante, foge ao racional e ao lógico. De outra forma, não depende da vontade e é vivido como extremamente desagradável (um sentimento disfórico, estranho, vivido como uma sensação de estranheza e de não pertencimento).

Portanto, duas características, entre muitas outras, que serão importantes para nossa análise: o teor patológico da fobia e sua característica de irracionalidade e estranheza, seu caráter involuntário.

COMENTÁRIOS

Segundo Louis-Georges Tin, no Dictinnaire de l’homophobie, é possível que o termo homofobia já fosse usado na década de 60, mas foi após a publicação, em 1971, do artigo Homophobia: A Tentative Personality Profile, de Kenneth Smith, no Psychological Report, que o termo ganhou popularidade (Tin, 2003). Ainda segundo aquele autor, apesar de décadas de uso na língua francesa (aparecendo nela pela primeira vez em 1977), foi apenas em 1994 que a palavra entrou oficialmente no léxico francês.

A partir de conceitos extremamente restritivos como o de Weinberg (1972), citado acima, que definia homofobia como a sensação de se estar com um homossexual em um lugar fechado, o termo, em geral, vem ganhando novos conceitos ao longo de seus anos de uso, fazendo com que, atualmente, o termo sirva para denunciar não só práticas individuais, mas, sobretudo toda uma ideologia, que prescreve práticas coletivas, cujo discurso leva a hierarquização entre homossexualidade e heterossexualidade. Assim, a restrição legal para a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a restrição quanto a adoção de crianças por casais homossexuais, todos os demais direitos que são negados aos homossexuais, algumas teorias psicanalíticas sobre a homossexualidade e etc. seriam fatos característicos dessa “ideologia homofóbica”.

Ao lado dessa cada vez maior abrangência do termo, vemos movimentos restritivos com a intenção de evitar abrigar sob o mesmo termo fenômenos completamente diferentes. Propôs-se, portanto, termos como lesbofobia, bifobia e transfobia, para designar práticas ditas homofóbicas relativas ao grupo de lésbicas, bissexuais e transexuais/travestis (Tin, 2003).

Usado principalmente para denunciar práticas e discursos baseados na hegemonia do ser humano heterossexual – e principalmente do macho heterossexual – assim como para denunciar práticas, muitas vezes violentas, que revestem a homossexualidade de um caráter negativo em nossa sociedade, esse termo nasce investido de uma significação política incontestável e um dos sinais de sua força é a gritante atualidade do termo, apesar dos anos corridos.

Acredito que, na raiz dessa força política, more uma poderosa característica. Ao introduzir a ideia do medo (fobia) na atitude que delega a um plano secundário a homossexualidade, essa palavra diz de forma sutil, mas com todas as letras, que “macho tem medo”. E como socialmente homem que é homem não tem medo, esse termo atinge as práticas machistas em sua própria essência. Portanto, a prática homofóbica não denunciaria raiva, conservadorismo ou sexismo apenas, mas medo.

Dessa sutileza, nasce o risco do uso do termo.

Se temos, por um lado, uma ideia de aversão, nojo e ojeriza, raiva e hostilidade – ideia referendada pela etimologia – temos, por outro, uma ideia de medo mórbido, doença, sentimento doentio incontrolável e, principalmente, involuntário – ideia referendada tanto pela etimologia como pela psicopatologia. O primeiro dos sentidos seria mais próximo do uso que a militância GLBTT e os teóricos da área emprestam ao termo homofobia, contudo não creio que esse seja o sentido de fobia a que mais correntemente não militantes e não teóricos são remetidos quando entram em contato com a expressão.

Assim, possivelmente influenciadas pelo discurso psi, através de termos mais populares como claustrofobia, fobia de altura, agorafobia e etc., as pessoas associam a fobia muito mais a um medo e a uma doença do que propriamente ao ódio e à hostilidade.

Perigosa dubiedade e importante contradição: quando se usa o termo homofobia, pelo menos no sentido não coletivo do termo, refere-se, em geral, à agressividade e ao ódio que se tem em relação a homossexuais, ao passo que quando se usa o termo fobia, refere-se, sobretudo ao medo exagerado de que alguém involuntariamente pode ser vítima. Se no primeiro sentido somos remetidos a algo ativo, dirigido para o exterior, algo que potencialmente vai contra o outro e visa seu aniquilamento, no segundo sentido somos remetidos a alguma coisa interna, a uma experiência emocional, algo ameaçador apenas para quem vivencia essa experiência.

Como visto acima, pelas características de irracionalidade e morbidez da fobia, assim vista através da ótica da psicopatologia e aceita pela maior parte das pessoas, o que impediria um movimento de desreponsabilização – tanto legal quanto moral – do homofóbico por suas atitudes hostis?

Assim, se a palavra traz à cena (e porque não dizer à cena do crime) o medo que estaria em jogo nas práticas ditas homofóbicas, perigosamente retira da cena – já que estamos falando do medo – a responsabilidade de quem a pratica.

As palavras andam, voam e adquirem sentidos diversos.

A psiquiatria, que se imiscui nos interstícios do cotidiano, histórica e repetidamente, tem mostrado seu poder fagocítico ao abocanhar o mundo e digeri-lo através de sua lógica patologizante (Birman, 1978). O que faltaria para a homofobia fazer parte do DSM-IV ou da CID-10?

Apenas recentemente a homossexualidade saiu da CID-10, mas não esqueçamos que constam ainda daquela classificação o travestismo, o voyerismo, transexualismo e etc (OMS, 1993)

Sobre a retirada da homossexualidade da CID-10, é interessante notar que ainda consta daquela classificação a orientação sexual egodistônica. Esse transtorno seria o quadro “patológico” de uma pessoa que estivesse descontente, sofrendo e não aceitasse sua orientação sexual. Ora, em uma sociedade normatizadora como a nossa – auxiliada na normatização pelo próprio saber psiquiátrico – é muito difícil conceber alguém com uma orientação homossexual que não passe por conflitos quanto a sua sexualidade. Interessante movimento. A psiquiatria abdicou da “doença” homossexualismo, mas não abdicou dos “doentes”.

A orientação sexual egodistônica pode ser entendida como a patologização da homofobia quando voltada para si mesmo. Assim, a partir desse transtorno, não vejo um caminho muito longo para a patologização da homofobia voltada para o outro.

CONCLUSÃO

Em nenhum momento, o presente trabalho se propôs a questionar a validade tanto política quanto cultural, social e mesmo etimológica do termo homofobia.  Mostrando a ambigüidade que o termo traz, o que se fez foi um questionamento dos riscos potenciais de seu uso. Portanto, não há propostas, mas entenda-se este texto como um alerta.

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