Desafios da Casa de Marta – (En)Cena entrevista o Diácono Amilson

A Casa de Marta, fundada em 2002, é uma Instituição Filantrópica, de iniciativa da Igreja Católica, pertencente à Arquidiocese de Palmas. Ainda, é um Centro de Apoio a gestantes menores de idade, de 12 a 17 anos, expostas à insegurança, fragilidade e em situação de risco.

Além disso, a Casa oferece oficinas (alguns trabalhos manuais e confecção do seu próprio enxoval); treinamento de cuidados com os bebês; atendimento psicológico; momento de reflexão e espiritualidade, além de visitas domiciliares. Vale ressaltar que a Casa não funciona sob regime de internato, porém suas atividades são realizadas três vezes por semana (segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira das 8h30 às 16h30). No que tange à manutenção, a Casa conta com o voluntariado, além de doações externas (COMPROMISSO, 2014, p.1).

Foi realizada entrevista com o Diácono Amilson, que assumiu a direção da Casa de Marta há cerca de 5 anos.

(En)Cena – De quais necessidades surgiu a Casa de Marta?

Diácono Amilson – Surgiu do grande índice de gravidez na adolescência no município de Palmas, por volta de 2000, 2002, quando houve uma grande eclosão de construção de ponte, hidrelétrica… Houve uma grande migração de homens, vindos de diversos lugares para Palmas. Nesse período, Palmas chegou a ser a capital com o maior índice de gravidez na adolescência, no Brasil. Por causa dessa situação, a Igreja na época… D. Alberto Bispo perguntou “o que a Igreja pode fazer?” Foi quando surgiu a Casa de Marta para acolher, além das campanhas que eram feitas, prestando o serviço a quem era atingido por essa onda de violência. De lá pra cá, continuamos entre as cinco capitais com maior índice de gravidez na adolescência. Dos países da América Latina, o Brasil possui o maior índice de gravidez na adolescência.

 

(En)Cena – Como funciona a inserção das gestantes na dinâmica da Casa?

Diácono Amilson – Temos uma rede de parceiros que nos ajudam nesse sentido a detectar essas meninas nos bairros e regiões onde moram: Pastoral da Criança, Paróquias ou outras meninas que já passaram e conhecem a Casa que divulgam a outras adolescentes. O Conselho Tutelar também encaminha, os CRAS, as Unidades de Saúde… Então essa rede de parceiros nos ajuda a captar essas meninas para a Casa. Não basta estar grávida para vir para a Casa, é preciso passar por um processo de seleção para sabermos, de fato, os riscos… Porque se a gente fosse atender toda a gravidez não daríamos conta. Quando as adolescentes chegam aqui, geralmente, as irmãs fazem a entrevista e realizam esse processo de ouvir e conversar. Aquilo que dá para a gente atender, a gente atende na Casa. Mas tem casos que a gente não atende na Casa, mas não deixamos de atender de forma indireta, lá na família, na comunidade, as vezes a gente atende. Outros casos, a gente faz o encaminhamento devido para os órgãos públicos que têm a função de fazer esse acompanhamento.

 

(En)Cena – Qual a faixa etária das adolescentes?

Diácono Amilson – Ela precisa estar grávida e nós não temos uma idade mínima, basta que ela esteja grávida. Agora, ela precisa ter 17 anos e 11 meses. Até 18 anos a gente acolhe aqui na Casa. Quanto maior (idade) a menina, mais vai diminuindo a prioridade. Nossa prioridade é trabalhar com as mais novas. E a gente acompanha aqui, por exemplo: a menina que tem 17 anos de idade, ela ganha a criança aos 17 anos e elas ficam na Casa, no período de 6 meses, ou até mais, dependendo da necessidade.

Fonte: encurtador.com.br/bcjAZ

 (En)Cena – Desde sua fundação, quantas adolescentes, em média, já procuraram o trabalho da Casa?

Diácono Amilson – Não tenho um dado preciso porque a Casa de Marta surgiu em 2002 e já passou por várias gestões. Não tenho um histórico guardado de todo mundo que passou. Mas nós temos uma estimativa de ter passado pela Casa, em torno de 400 meninas, nesses quase 20 anos de Casa de Marta. Porque às vezes, a gente atende em média por ano, 10, 12 até 20 adolescentes. Por que isso? Porque mesmo em outros espaços que já tivemos (perto da São José), nosso espaço era para 8, 10 meninas. Hoje, continuamos com essa média de 8. Não temos espaço, não temos estrutura para atender um número maior. Então o máximo que a gente pode ter na Casa são 8, por quê? Porque 8 meninas adolescentes a gente tem na Casa e, se tiverem aquelas que estão com o bebê, elas voltam na quarta-feira com eles e esse número se multiplica para 16. E tem mais as crianças dessas meninas. Digamos, no total nós vamos ter, aproximadamente, 30 pessoas. Se vier todo mundo para dentro da Casa. Mas a média é de 8. Ano passado passaram pela Casa em torno de 20 adolescentes. Algumas ficaram no período de 6 meses, outras só 3 meses, mas passaram.

 

(En)Cena – Qual o máximo de adolescentes que podem buscar o suporte da Casa?

Diácono Amilson – Nosso planejamento anual é no máximo 20. Isso não significa que não atendemos outras pessoas. Nós temos atendimentos de forma indireta, de famílias, pessoas que estão em situação de risco e pobreza que atendemos nos bairros. Mas aí não é atendimento interno. Nós fazemos as visitas, atendimento com cestas básicas, enxoval dos bebês. Sempre que as meninas, as adolescentes vêm para a Casa… eu uso sempre a expressão “menina” porque pra nós elas são meninas… sempre que elas vêm pra casa elas fazem além do enxoval delas peças excedentes. Essas peças excedentes vão ajudar outras mães que estão em vulnerabilidade, mas que não estão na Casa por já serem maiores de idades. Tem uma mulher com 18 anos de idade, gestante e elas não pode ficar na Casa por causa da idade dela. Então não dá pra misturar uma pessoa maior de idade com as adolescentes, menores de idade. Aí nós atendemos com essas peças produzidas… a gente faz essas visitas na casa e atende lá. Mas o trabalho mais interno da Casa é só com essas adolescentes. Então quando a gente coloca público atendido direto e público atendido indireto (com as mães, crianças, famílias e outras pessoas) nós passamos de 80 pessoas atendidas no ano. É um número razoável. Pouca gente, poucas estruturas atendem uma quantidade de gente dessa natureza. Exceto os CRAS, mas não fazem o trabalho como a gente faz.

 

(En)Cena – Além da gravidez, por quais motivos, ainda, as adolescentes procuram a Casa?

Diácono Amilson – As meninas, quando vêm para a Casa, elas passam a ter aqui como a casa delas. É como se tem a casa do pai, a casa da mãe… Prova disso é quando elas chegam com os bebês. Tanto a alegria delas e das crianças, quanto da gente aqui, a alegria de receber. Então, nas dificuldades, elas voltam. Elas voltam 3 ou 5 anos depois… Quando pensa que não elas chegam aqui. E não pensa que elas vieram só visitar. Quando elas vêm estão precisando de algo, de um alimento, encaminhamento para trabalho. Então uma vez estabelecido o vínculo, ele não acaba. Porque aqui elas aprenderam a ter uma amizade. Uma amizade verdadeira, que transforma a vida delas. Aí, a partir dessa ligação, dessa amizade, elas conseguem. Então, ela tem um conflito familiar… Então elas correm e procuram as irmãs pra dialogar, conversam com a gente. Então assim, é muito tranquilo isso. É muito costumeiro de fazer.

 

(En)Cena – Quais são as condições socioeconômicas a que estão submetidas?

Diácono Amilson – Muita pobreza. A grande maioria são meninas pobres, sem o mínimo de condição de subsistência. Agora, essa última turma que a gente tinha, era uma turma até que tinha celulares, alguma coisa. Mas nós tivemos aqui, meninas que não tinham nem celular. Às vezes aparecia com um celularzinho quebrado por causa da situação mesmo de pobreza delas. Então a situação econômica muito baixa, muito precária mesmo.

 

(En)Cena – As adolescentes que buscam a Casa vivem com sua família nuclear?

Diácono Amilson – Algumas das meninas, às vezes. A grande maioria nem sempre. É um efeito cascata na questão cultural, familiar implantada nos tempos modernos de hoje. A grande maioria das meninas que vêm pra Casa, são meninas que foram criadas pelo padrasto, pela madrasta. A mãe que já teve duas três filhas e cada filho é um pai diferente. E nesse desenrolar da vida, elas foram rodando por aí. Aí vem o caso de algumas meninas que foram abusadas por padrasto ou por parente próximo, alguma coisa dessa natureza. Aí isso gera um conflito familiar e a grande maioria delas, às vezes, sai de casa. Na nossa missão, a primeira coisa que a gente faz aqui é ouvir, ver essa questão de fato, de que forma a gente pode intervir e nós vamos montar todo um processo, uma estrutura de que forma a gente atende. Aí depois a gente busca fazer um fortalecimento de vínculo, novamente, familiar dessas adolescentes quando não há risco para ela. Porque se há risco de ela continuar sendo abusada, ser violentada de forma física, verbal, moralmente, também a gente tem que trabalhar se pode ou não. E fazemos os encaminhamentos as unidades, CRAS pra poder fazer o acompanhamento devido porque eles têm uma estrutura maior: um psicólogo, assistente social de que forma pode fazer o fortalecimento de vínculo de forma mais efetiva.

 

(En)Cena – Qual a proposta da Casa diante das circunstâncias relatadas anteriormente?

Diácono Amilson – A nossa primeira ação é fazer com que elas se sintam valorizadas, levantar a autoestima delas e dizer que elas são capazes. Não é pelo fato de ser pobre, de estar sem pai e sem mãe que as pessoas são, digamos assim, descartadas da vida e da sociedade. Então a nossa missão é resgatar essas meninas e inserir elas nesse contexto de expectativa. Aí entra uma mística, uma espiritualidade que vai contribuir. É nesse contexto que a gente vai trabalhar com elas. Aí com isso, vamos fazer algumas ações para geração de renda.

 

(En)Cena – Qual a perspectiva de trabalho para 2018?

Diácono Amilson – A primeira preocupação nossa é a captação de recursos. Nesses últimos anos têm sido difícil a questão de recursos pra você gerenciar por questão de crise, situações políticas, diversas… A gente tem dificuldade nesse sentido, uma vez que aqui a gente não tem recurso público. Todos os nossos recursos são de doações, da iniciativa privada, instituições religiosas do Brasil e fora, que as vezes nos ajudam. Recursos do nosso bazar, festejos, quermesses. São essas coisas que a gente tem pra manter a Casa. Trabalho de rifa, coisas assim. Então nossa primeira preocupação é essa: fazer uma arrecadação, mas nós temos o planejamento pra atender 20 meninas, esse ano, dentro do mesmo patamar, com a mesma espiritualidade, as mesmas ações que a gente tem trabalhado nos anos anteriores. O que nós fazemos é ajustar nossa ação de acordo com a necessidade do grupo. Agora, um roteiro do nosso projeto, permanece. A questão das visitas às famílias, acolhimento, alimentação, transporte, oficinas didáticas que são feitas aqui, além das palestras educativas. Isso tudo vai se ajustando de acordo com a necessidade de cada grupo. Tem grupo que é mais difícil.

 

(En)Cena – De que forma a população pode se envolver ou contribuir com a Casa?

Diácono Amilson – São muitas formas. As doações podem ser feitas. Quando a gente fala de doações, não é só dinheiro. Têm doações de diversas formas porque as vezes a pessoa não pode doar dinheiro, mas podem doar kits de limpeza de bebê, fralda, material para confeccionar os produtos das meninas… Quando as pessoas doam isso, o restante vai ser mais fácil porque o recurso que eu poderia ter pra comprar pano, tecido, linhas… Aí nós vamos utilizar para o pagamento de água e energia. O que menos me preocupa aqui é pagamento de pessoal porque todo pessoal que tá aqui é voluntário. A gente dá apenas uma ajuda de custo de despesa pra transporte. O pessoal do CEPEMA que tem essa parceria que elas vêm pra poder ajudar com a questão da limpeza. Então são coisas que vão contribuindo. Então com o pessoal, se tiver dinheiro a gente fica, se não tiver, vamos ficar do mesmo jeito. Agora a preocupação maior, digamos assim, é manter a água, luz, energia e alimentação. Alimentação é uma despesa grande porque nós já não pagamos salário para os nossos colaboradores e aí esses colaboradores têm que se deslocar da casa deles pra comer? Então o que se come aqui na Casa, o que as meninas alimentam também é a nossa alimentação. Nós sentamos juntos na mesma mesa, tanto no café, como no almoço ou no lanche da tarde… Todos partilhamos do mesmo pão. Só não come aquilo que as pessoas, geralmente por natureza, não aceitam. Mas o que tem aqui, todo mundo senta na mesa e participa. Então eu tenho que alimentar tanto os colaboradores como as meninas. Nós temos 8, 10 meninas na Casa, mas aqueles que vêm para fazer o trabalho de voluntariado, como no caso de vocês, estagiárias, todos são convidados. E não falta. Deus é generoso e as pessoas colaboram. Então as pessoas podem colaborar com alimento, material de higiene pessoal das meninas, das crianças. A única coisa que a gente não recebe aqui é mamadeira, chupeta, essas coisas que os técnicos de saúde hoje orientam a não fazer para não correr o risco de a mãe tirar a amamentação da criança substituindo por esse tipo de coisa. Aí não recebemos. Quer dizer, se alguém quiser doar, a gente pode até pegar pra fazer doação a outros se, porventura, necessitam. Mas esse não é o nosso desejo.

 

(En)Cena – Existe algum meio de divulgação da Casa?

Diácono Amilson – É uma falha nossa isso. Ainda não temos assim, uma grande divulgação. Por um lado, nós temos um receio da divulgação porque as vezes a gente atende meninas que são vítimas de violência, então a gente não quer muito fazer essa exposição. Por outro lado, nós temos algumas meninas que são atendidas que não foram fruto da violência direta, mas as vezes de forma indireta ela foi fruto da violência e ela está em risco. Aí se a gente propaga muito a Casa nesse contexto, se uma adolescente dizer que ela está na Casa de Marta, as pessoas logo vão associar isso. E aí tem toda uma questão moral, um preconceito… Então para isso, nós precisamos manter um pouco de cautela. Nós divulgamos que a Casa de Marta atende meninas adolescentes. Não divulgamos quem está sendo atendida na Casa. Podemos dizer, nós temos 8 ou 20 meninas, mas os nomes a gente não divulga. A missão da Casa, mas tem todo um zelo com isso, até mesmo por causa do ECA que impede de fazer a divulgação de imagem delas.

 

(En)Cena – Qual a maior dificuldade que a Casa tem ou já possuiu?

Diácono Amilson – Nossa dificuldade maior é dar continuidade de acompanhar a menina, depois que ela passa pela Casa porque não temos a estrutura necessária pra fazer isso. Então enquanto ela está na Casa, três vezes por semana, nós estamos acompanhando, fazendo orientação, vendo a situação delas em relação ao risco de drogas, violência… Então nós vamos trabalhando essa prevenção com elas, mas quando elas saem daqui nós não temos uma ação de continuidade.

Referências:

COMPROMISSO com a vida. Palmas, TO: Casa de Marta, 2014.

 

Nota: A entrevista foi realizada com autorização dos dirigentes da Casa de Marta no período do desenvolvimento do Estágio Específico em Saúde Mental, do curso de Psicologia do Centro Universitário Luterano de Palmas – Ceulp/Ulbra, com a supervisão da Profa. Dra Irenides Teixeira.