Um Sonho de Liberdade: ser livre como sentido de vida

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Quem tem porquê viver pode suportar quase qualquer como.
Nietzsche

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Foi em meio aos horrores da Segunda Guerra Mundial, a partir da experiência em campos de concentração, que Viktor Emil Frankl, um judeu, faz emergir a Logoterapia, também chamada como psicologia do sentido, ou a Terceira Escola Vienense de Psicoterapia. Tal teoria fundamenta-se nos pressupostos humanístico-existenciais. A logoterapia é permeada pelo existencialismo cristão de Soren Aabye Kierkegaard (1813 -1855). Para este a existência precede a essência, esta afirmação salienta que o sujeito é um ser único e mestre dos seus atos e, por conseguinte, do seu destino. Este postulado é o cerne da angústia existencial, ou seja, ao se dar conta que o “Eu” é o próprio legislador da sua vida e ação, transportam o sujeito a um vazio de sentido (ALMEIDA, 2007).

Frankl visava compreender o ser humano em sua totalidade, o qual necessita de liberdade e é constituído pela capacidade de suportar o sofrimento, mesmo quando a vida parece não ter significado (RODRIGUES e BARROS, 2009). Como ressalta Moreira e Holanda (2010), a logoterapia concebe uma visão humana que se difere das demais concepções psicológicas de seu tempo, na medida em que propõe a compreensão da existência mediante fenômenos especificamente do ser humano e a identificação de sua dimensão noética ou espiritual.

Para Frankl (1984) a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida, “esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode ser cumprida somente por aquela determinada pessoa. Somente então esse sentido assume uma importância que satisfará sua própria vontade de sentido” (p.87). Esta busca de sentindo é individual e intransferível, e o sentido da vida é mutável, cada individuo deve buscar algo o satisfaça e o objeto de satisfação modifica-se conforme a perspectiva do sujeito e sua existência.

Um Sonho de Liberdade

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O longa metragem “Um Sonho de Liberdade” (The Shawshank Redemption, 1995), escrito e dirigido por Frank Darabont, usa como base a novela de Stephan King e narra a história de Andy Dusfresne (Tim Robbins). Nas primeiras cenas do filme o personagem descobre que está sendo traído pela esposa, esta e o amante são assassinados e Andy é condenado por duplo homicídio, crime o qual não cometeu.

Posteriormente, o personagem é encaminhado para a Penitenciária Estadual Shawshank para cumprir prisão perpétua. Já na entrada do presídio é possível vê a institucionalização do personagem, pois ao entrar, o sujeito perde sua identidade, isso fica visível no uniforme que lhe é dado, cuja função é de homogeneizar. Na prisão o indivíduo recebe um estigma, e a disciplina que lhe é aplicada tem a função de torná-lo dócil.

Como afirma Foucault (1999):

o corpo humano entra em numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica de poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas de rapidez e eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim, corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis” (FOUCAULT, 1999. p. 110).

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A partir disso, pode-se observar que uma vez institucionalizado e “docilizado”, o sujeito pode em algum momento, se acomodar com sua condição diante do sofrimento, encontra conforto neste sentimento e dá significado a sua dor. Afinal a vida é sofrimento, e sobreviver é encontrar significado na dor, e se de algum modo, a vida tem sentido, há propósito na dor e na morte (FRANKL, 1984). Dentro do universo cinematográfico do longa o sofrimento está dissociado do desejo de vida, torna-se sentido da mesma, o sujeito resigna-se e confortavelmente acomoda-se a realidade que o circunda.

Isso ocorre com Brooks, um idoso que se encontra preso há cinquenta anos na prisão de Shawshank; ao ser liberto, não consegue se desvincular do ambiente penitenciário e se adaptar à sociedade, pois, o cenário datado antes de sua prisão era mais estático e quando foi liberto, havia se modificado, tornando-se mais dinâmico. O mundo da prisão era estável, diferente do ambiente que se apresentava a ele naquele momento “a liberdade de agora era fictícia, pois permanecia preso as regra estabelecida aos detentos. Havia, portanto, assimilado a identidade dos prisioneiros” (MOTTA, 2011, p.1). Assim, o personagem idoso comete suicídio, pois prefere isso a encarar o desafio de se adaptar a uma nova vida, não conseguindo ressignificar e encontrar sentido de vida neste novo momento que iria experienciar.

O filme retrata o cerne dos conflitos do ser humano no contexto penitenciário. Além de todo o sofrimento ocasionado pela privação de liberdade, Andy ainda sofre violência sexual de outros presos, sendo que chega até a se tornar passivo diante dessa situação, uma vez que as reclamações e pedidos de ajuda não são ouvidos. Mesmo diante do supracitado, o protagonista demonstra uma civilidade, uma serenidade no agir divergindo dos comportamentos dos demais, como cita Red, personagem o qual nos narra a história.

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Na prisão têm se todos os reflexos do contexto cultural de forma mais acentuada, assim, nota-se aspectos de uma sociedade individualista ainda mais forte no presídio uma vez que, não se pode confiar nas pessoas, pois, ocorre uma luta pela sobrevivência. Embora isso seja parte do cotidiano desses sujeitos, Andy consegue estabelecer relações de amizade, como ocorre com Red. O espirito de comunidade também se apresenta no filme, pois, os encarcerados, buscam estratégias de sobrevivência, seja por troca de favores ou contrabandos de alguns objetos feitos por Red para tentar amenizar a vida na cadeia.

Andy consegue desenvolver até mesmo o altruísmo, o que na vida lá fora talvez não fosse possível visto que, o personagem conta em algum momento que sua mulher se queixava que não conseguia compreendê-lo, interpretá-lo, sempre introspectivo. Porém, quando privado de liberdade, começa a repensar o sentido de sua vida e de suas práticas, desse modo, o personagem utiliza-se de sua experiência como bancário para facilitar sua vida e de seus companheiros.

Em relação a isso, temos uma cena emocionante na qual Red consegue que ele e seus companheiros trabalhem na área externa do presidio, na impermeabilização do telhado.  O protagonista auxilia um guarda com seu imposto de renda, como recompensa solicita cerveja para seus companheiros, ao contemplar esse momento, os personagens sente como se tivesse retomado sua vida antes da prisão. Sem dúvidas, o personagem consegue manter sua motivação para sair daquele lugar, no caos, ele consegue redescobrir o sentido da vida, desenvolve estratégias e se utiliza de toda sua história e potencial criativo para conquistar a tão sonhada liberdade.

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Aproximação entre Viktor Frankl e Andy

Paiva (2009) aponta que a linguagem cinematográfica, em sua expressão, permite uma interação entre obra, autor e público, de modo que é possível alcançar uma abrangência intertextual, e ainda, a capacidade de olhar e interpretar o mundo sobre várias perspectivas. Assim, é possível recriar a vida, fato que se aproxima da filosofia, pois, o cinema revela as contradições da existência humana, mostrando seus conflitos e denunciando suas realidades.

A partir disso, percebe-se que o filme Um Sonho de Liberdade faz intertextualidade com a história do criador da logoterapia, Viktor Frankl, uma vez que assim como Frankl vivenciou os terrores de um campo de concentração nazista, o personagem do longa metragem passa por momentos angustiantes e é privado de liberdade por um crime que não cometeu.

Motta (2012) observa que a fotografia do filme nos mostra através das cores, uma alusão à Idade Medieval, período no qual os seres humanos viviam em conflito existencial, pairando entre o teocentrismo e o antropocentrismo; enquanto o primeiro estava ligado ao cristianismo, sendo que as pessoas pautavam-se nas leis bíblicas para controlar e docilizar os outros, o antropocentrismo configurava o desejo do ser humano se reafirmar, criar uma identidade e se fazer respeitar pelos outros.

Fonte: http://migre.me/vFtdA

Nesse sentido, a história do criador da Logoterapia nos mostra esses paradoxos de existir e afirma que não há sentido apenas na beleza e gozo da vida, mas que também é possível encontrá-lo mediante experiências devastadoras, pois, mesmo que essas reservam apenas uma possibilidade de configurar a existência, a atitude a qual a pessoa se coloca em face à restrição forçada de fora sobre seu ser, pode produzir o sentido da vida (FRANKL, 1984, p. 63).

Como ressalta o autor:

Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente o terá. Afinal de contas o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo que o destino e a morte. Aflição e morte fazem parte da existência como um todo. (FRANKL, 1984, p. 63).

Nota-se que ambos passam por momentos de profunda reflexão e busca do sentido da vida, sendo este a principal força motivadora do ser humano. Para tal, é imprescindível a vontade de sentido, nada é mais insubstituível – mesmo em circunstancias adversas, do que vivenciar o insight, isto é, compreender que sua vida tem sentido (PEREIRA, 2007).

Frankl (1984), quando retrata esses momentos de imersão em si mesmo, elucida que a tendência para a intimização percebida por ele em alguns prisioneiros, possibilita a mais viva percepção da arte ou da natureza uma vez que a intensidade desta experiência faz esquecer por completo o mundo que o cerca e todo o horror da situação.

Vemos então, que mesmo diante de uma tragédia, o ser humano pode re-significar sua existência através de um ajuste criativo. Ser saudável existencialmente não implica necessariamente em não experimentar sofrimento ou viver em um estado de constante tranquilidade; o que consiste em equilíbrio existencial é a coragem de assumir riscos e situações novas, ou seja, a capacidade de desenvolver estratégias para vivenciá-las da melhor forma possível (FORGHIERI, 1996).

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Forghieri (1996) ressalta que a coexistência de opostos é que nos dá o verdadeiro significado de cada um dos extremos que acreditamos ser contrastantes em nossa vida cotidiana, porém, esses polos constituem uma totalidade, assim, “se consigo sentir-me verdadeiramente alegre é porque já me tenho sentido profundamente triste; se consigo sentir plenamente a ternura de uma convivência amorosa é porque já conheço a angústia de minha solidão” (FORGHIERI, 1996, p. 103).

Assim, Frankl e Andy conseguem mesmo privado de liberdade, desenvolver estratégias para sobreviver naquele local. O primeiro, por ser médico, utilizava-se dos seus saberes para ajudar os enfermos, enquanto que o segundo teve experiências como bancárias e utiliza-se disso a seu favor para conseguir recursos para amenizar a vida na prisão, como por exemplo, a reforma da biblioteca.

O fluxo do existir e dos acontecimentos, vão modificando o sentido de existir, pois, o ser humano é mutável. O existir está repleto de incertezas, mesmo quando o sujeito tenta se apoiar em experiências do passado, pois, o presente é também abertura para o futuro e este é incerto (FORGHIERI, 1996).

Vale ressaltar, que ambos elaboram planos de fuga, o que afirma mais uma vez a tendência auto realizante do ser humano, ou seja, o desejo de sempre melhorar e ir além, pois está intrínseco ao sujeito a vontade de expansão, a busca pelo sentido da vida. Frankl tinha no amor pela esposa – a qual também estava presa em outro campo de concentração, a motivação para se manter vivo, e Andy, por sua vez, mesmo não tendo mais laços afetivos, consegue encontrar em si mesmo o sentido de viver.

Frankl, além de sobreviver ao horror dos campos de concentração, contribuir como logoterapeuta na busca de sentido das pessoas ao seu redor durante o cárcere, ainda deu sentido ao seu sofrimento e dor ao elaborar a sua teoria, negando o pessimismo e dizendo sim à vida, em todos os seus aspectos.

Um simbolismo muito forte presente no longa metragem, diz respeito à fuga do personagem , pois, no início, o interlocutor acredita que Andy é culpado, este passou por um túnel impuro e imundo- o que também é retratado pelas cores frias da fotografia do filme, e saiu do outro lado, puro e limpo para recomeçar uma nova vida (MOTTA, 2012).

Fonte: http://migre.me/vFteW

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, J. M. “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano III – Número III – janeiro a dezembro de 2007. Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/existenciaearte/Edicoes/3_Edicao/Jorge%20Miranda%20de%20Almeida%20FILOSOFIA%20ok.pdf>. Acesso em: 28 de abril de 2016.

FRANKL, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Porto Alegre, 1984.

FOUCAULT. M. Vigiar e Punir, Nascimento da Prisão. Ed. Vozes. Petrópolis, 1999.

FORGHIERI, Y. C. Saúde e adoecimento existencial: o paradoxo do equilíbrio psicológico. Revista Temas em Psicologia, vol.4 no.1 Ribeirão Preto, 1996.

MOTTA, C. M. M. Um Sonho de Liberdade – Análise Semântica. 2012. Disponível em:<http://leiturasinterdisciplinares.blogspot.com.br/2011/12/analise-do-filme-um-sonho-de-liberdade.html>. Aceso em: 28 de abril de 2016.

PEREIRA, I. S. A vontade de sentido na obra de Viktor Frankl. Psicologia, USP, Brasil, v. 18, n. 1, p. 125-136, 2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/pusp/v18n1/v18n1a07.pdf>. Acesso em: 8 de abril de 2016.

RODRIGUES, L. A. ; BARROS, L. A. Sobre o fundador da logoterapia Viktor Emil Frankl e sua contribuição à psicologia.  Revista Estudo, v. 36, n. 1/2, p. 11-31s, , Goiânia, 2009. Disponível em: <http://espiritualidadesentido.yolasite.com/resources/sobre%20o%20fundador%20da%20logoterapia.pdf>. Acesso em: 28 de abril de 2016.

PAIVA, C. M. S. C. Cinema e Filosofia: Uma Interlocução Possível – A ética, a cultura organizacional e a estética da violência nos filmes Clube da Luta e Tropa de Elite.  São Paulo, 2009. Disponível em: <http://portal.anhembi.br/wpcontent/uploads/dissertacoes/comunicacao/2009/dissertacao_celinamariasilvacastropaiva.pdf>. Acesso em: 05 de maio de 2016.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

UM SONHO DE LIBERDADE

Diretor: Frank Darabont
Elenco: Tim Robbins, Morgan Freeman, Bob Gunton, Clancy Brown;
País: EUA
Ano: 1995
Classificação: 16

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O Aconselhamento Psicológico segundo Yolanda Forghieri e a Abordagem Centrada na Pessoa

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Para se entender o atual panorama do Aconselhamento Psicológico, é necessário buscar informações acerca dessa prática terapêutica a épocas primitivas e a forma de terapia que se utilizava, haja vista que o aconselhamento remete a tempos remotos, quando ainda nem se sabia o que seria o termo “aconselhar”. Além disso, é sempre interessante buscar a compreensão de um processo vigente e em constante desenvolvimento.

Levando ao plano da questão de saúde-doença, podemos observar, as “terapias” vigentes a épocas primitivas. Na pré-história, as doenças se remetiam a espíritos do mal e eram tratadas com trepanação ou rituais de feitiçaria. No Antigo Egito, a crença era de que as doenças eram causadas por demônios e punições de deuses, tendo como tratamento, a magia e algumas formas primitivas de cirurgia e higiene. Na China Antiga, acreditava-se que as doenças eram causadas em detrimento do desequilíbrio de forças da natureza e o tratamento consistia em ervas medicinais e acupuntura. Hoje, conhecemos esse tratamento como medicina chinesa tradicional (STRAUB, 2014).

Já na civilização grega, doença e terapia passam para o plano natural e científico. Vale ressaltar, nesse período, as significativas contribuições de alguns filósofos: Sócrates, Platão e Aristóteles. Hipócrates foi responsável por iniciar esse enfoque do ponto de vista racional, porém, há um retrocesso nessa visão, “assim, o tratamento das doenças mentais passou a ser sinônimo de exorcismo, representando uma união da demonologia primitiva e da mitologia cristã” (FORGHIERI, 2007, p.12).

 O ar contaminado e os humores do corpo eram as causas das doenças, na Roma Antiga. O tratamento utilizado era a flebotomia, banhos e enemas. Na Idade Média, a doença era vista como punição divina, devido aos pecados do indivíduo, e curada através de milagres, santos e também, a partir flebotomia. Já na Renascença, surge com Descartes a divisão entre mente e corpo (dualismo cartesiano ou dualismo mente-corpo), onde a causa da doença devia-se a uma condição física do corpo, sendo este último, separado da mente. Ou seja, mente e corpo funcionam separadamente, sem interação. Nesse período, utilizaram-se as primeiras técnicas cirúrgicas como tratamento das doenças. Na década de 1920, as causas das doenças tinham influência da mente e suas emoções (medicina psicossomática), sendo tratadas através da psicanálise (STRAUB, 2014).

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São diversas as terapias praticadas antigamente que podem ser consideradas como matrizes do Aconselhamento Psicológico, que surgiu como “uma ajuda terapêutica destinada a aliviar os sofrimentos existenciais dos seres humanos, com procedimentos variados, sem o estabelecimento de teorias ou regras rígidas” (FORGHIERI, 2007, p. 38). Sendo assim, mesmo que de forma indireta ou não, podemos perceber as contribuições de períodos primitivos da história para a origem do Aconselhamento Terapêutico.

Além disso, a partir do século XX, pode-se constatar que a origem do Aconselhamento Psicológico também está relacionada à orientação profissional e vocacional, haja vista o estabelecimento de uma relação terapêutica entre o profissional que auxilia na tomada de decisão e o indivíduo.

Forghieri (2007) diz que, devido às Grandes Guerras e as consequências trágicas de tais acontecimentos, um elevado número de pessoas necessitou de atendimentos psicológicos. Logo, apesar de apenas psiquiatras e médicos terem a autorização da prática psicoterápica, outros profissionais, tais como da área da enfermagem, assistência social e orientação educacional, também puderam exercer um papel de aconselhadores terapêuticos, a fim de dirimir a demanda. Foi com a publicação da obra de Carl Rogers, em 1942 nos Estados Unidos sobre Aconselhamento Psicológico (Cousenling Psychology) que foi reconhecida essa prática na comunidade científica da Psicologia. Porém, somente a partir da década de 1950, a APA (American Psychology Association) oficializa o Aconselhamento Psicológico como uma prática terapêutica.

O novo movimento encerra dados teóricos e técnicos da psicoterapia, inclui orientação profissional e ocupa-se sobretudo do indivíduo como indivíduo, procurando ajudá-lo a adaptar-se com sucesso aos vários aspectos da vida. Os aconselhadores ou orientadores, nesse ponto de vista, ocupam-se de pessoas normais podendo, ainda, cuidar daquelas que apresentam deficiências e são mal ajustadas, porém, de maneira diferente daquela que caracteriza a Psicologia Clínica (SUPER, 1955 apud FORHIERI, 2007, p.43-44).

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 O Aconselhamento Psicológico hoje

A atual conjuntura apresenta-se como um entrave nas escolhas acerca da vida. Os acontecimentos que antes eram isolados pelas distâncias que separavam as pessoas umas das outras, hoje, acontecem quase que em tempo real, pela rapidez dos meios de comunicação, redes sociais, entre outros. É nesse movimento frenético do ser humano, em busca de trabalho, da realização pessoal, de sua emancipação como pessoa na sociedade, que o aconselhamento psicológico acontece (FORGHIERI, 2007).

O aconselhamento psicológico visa prestar ajuda de uma forma mais rápida ao indivíduo, no que tange às suas decisões relacionadas a escolha profissional, relacionamentos, família, entre outros. Preocupa-se, sobretudo, em auxiliar a pessoa a encontrar um norte para o seu existir, quanto esta se vê emaranhada pela tristeza, angústia e sem uma perspectiva de vida. Além disso, não consegue perceber em meio as dificuldades de seu cotidiano, uma solução que possa dirimir tais angústias.

Diante disso, Forghieri cita dois extremos envolvidos no processo de aconselhamento terapêutico

A saúde existencial consiste no bem-estar geral que cada um de nós experiencia no decorrer da própria existência, caracterizado por uma vivência global de liberdade, acolhimento e sintonia em relação a si, aos seus semelhantes e ao mundo em geral (…). Inversamente, o adoecimento existencial consiste em mal-estar, contrariedade e angústia, caracterizando-se por uma vivência global de impotência, insatisfação em relação a si mesmo, à proposta vida e aos seus semelhantes, e por uma revolta, ou uma apatia, um conformismo pessimista de que nada adianta fazer para melhorar ou mudar essa situação (…). Saúde e adoecimento existenciais fazem parte da vida de todos nós. São como dois polos constituintes da totalidade da existência. São maneiras de existir de certo modo opostas, paradoxais, que se alternam constantemente no decorrer de nossa vida, às vezes tão próximas que chegam a se entrelaçar (FORGHIERI, 2007, p.103).

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Sendo assim, o terapeuta do aconselhamento psicológico deve estar à escuta do cliente, compreendendo os fatores contextuais, o tipo de problema situacional ou a um desconforto emocional. Caso seja identificado algo patológico, o cliente deve ser encaminhado para a psicoterapia (atendimento em longo prazo), pois tal sentimento refere-se a um estado de passividade diante de uma situação que o indivíduo não consegue resolver sozinho.

O aconselhamento psicológico tem seu foco no acompanhamento breve onde o psicoterapeuta e o cliente desenvolvem um diálogo. A duração do aconselhamento psicológico/terapêutico é fixado entre o aconselhador e cliente. Logo, pode ser realizado em uma ou mais sessões. Vale ressaltar a importância de haver uma reciprocidade na relação entre terapeuta-cliente, sendo que o terapeuta deve-se mostrar disposto a ajudar o cliente e este, disposto a discorrer sobre suas dificuldades. (FORGHIERI, p. 127).

Ou seja, o cliente fala e o aconselhador vai dando devolutivas, no sentido de estar mobilizando o cliente a fazer o que só ele pode fazer por si mesmo, diante de algo que sua existência lhe apresenta. Essa escuta proporciona um clima para que o cliente comece a ressignificar sua vida, constituindo um comportamento de aceitação diante de suas necessidades. O cliente deve sentir-se acolhido pelo aconselhador, e este oferecer-lhe uma compreensão daquilo que se trata, deixando claro o quanto é importante e benéfico o aconselhamento psicológico, pois rememorar certas situações difíceis de sua vida o ajudará a transcender e tornar sua caminhada existencial mais prazerosa.

  Sobre Carl Rogers e sua teoria

Diante do exposto, o Aconselhamento Psicológico contempla os aspectos da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) de Carl Rogers (1902-1987). Tal abordagem possui suas bases na Psicologia Fenomenológica, oriunda da Fenomenologia de Husserl (1859-1938). A partir de protestos no século XX, este filósofo “colocou em questão a diversidade dos sistemas filosóficos da época, assim como o emprego exclusivo do método experimental pelas ciências na aquisição de conhecimento, que predominava nessa ocasião” (FORGHIERI, 2007, p.91).

A ACP não se constitui apenas como sendo de domínio psicológico, mas também é uma filosofia de vida, pautando seus princípios na “honestidade, a dedicação, o respeito e a consideração para com o outro como se o outro fosse você mesmo (…), promovendo cura, desenvolvimento, crescimento e aprendizagem (SANTOS; ROGERS; BOWEN; 2004, p.43).

Os principais fundamentos da ACP dividem-se em três etapas. A primeira delas é a congruência que consiste na ideia do terapeuta ser ele mesmo na relação com o cliente, de modo a dirimir as fronteiras profissionais e/ou pessoais com o outro, além de qualquer resistência por parte desse profissional. A segunda etapa consiste na aceitação positiva incondicional que o terapeuta deve ter para com o cliente, aceitando-o em sua integralidade sem julgamentos previamente estabelecidos. A terceira etapa refere-se a empatia, onde o terapeuta deve permitir-se entrar no mundo interno de seu cliente, ao compreender os sentimentos deste último e o significado dado a eles (ROGERS, 1987). Vale ressaltar que estas três etapas não seguem uma ordem cronológica dos fatos.

Essas etapas são apenas atitudes que Rogers se baseia para o bom desenvolvimento dos relacionamentos interpessoais que devem ser levadas em consideração. Enfim, congruência, aceitação positiva incondicional e empatia, contribuem para abertura do cliente em seu processo e avanço no atendimento psicológico, seja ele Aconselhamento Psicológico ou a Psicoterapia.

Justo (2002) diz que Rogers fez a escolha pela abordagem fenomenológica, haja vista que a mesma é menos suscetível a erros e eficaz na prática, sendo assim, mais concernente aos seus objetivos enquanto terapeuta. Assim sendo, a ACP leva o indivíduo, ao longo de sua existência, a uma tomada de consciência, ensinando-o a trabalhar sua própria dimensão psicológica, bem como seu lado emocional.

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Diante do exposto, podemos observar que as várias fases da saúde-doença, desde a pré-história até os tempos de hoje, contribuíram para a história e evolução do aconselhamento psicológico. Yolanda Forghieri utiliza-se do termo “Aconselhamento Terapêutico”, porém, nos utilizamos tanto desta denominação quanto “Aconselhamento Psicológico”. Além disso, essa autora teve influência de diversos filósofos, psicólogos e psiquiatras, sendo uma das precursoras dessa especialidade da Psicologia no Brasil.

O campo de aconselhamento ampliou-se focando na relação cliente- terapeuta, onde através da escuta e devolutivas, o terapeuta tem como objetivo ajudar o cliente a tomar decisões e não adoecer existencialmente. Yolanda (2007) diz que a relação entre terapeuta e cliente requer humanidade de ambos, mas também profissionalismo do terapeuta, a fim de auxiliar o indivíduo para que este se conheça melhor e exista no mundo de maneira satisfatória.

Tendo em vista que o indivíduo vive em busca de sua realização pessoal, o Aconselhamento Psicológico é um meio para auxiliá-lo nesse intento. Para tal, Rogers asseverou sua abordagem na “terapia centrada na pessoa”, com o intuito de auxiliar o indivíduo a encontrar respostas para suas indagações no seu próprio interior, pois é ele mesmo que possui condições de fazer suas próprias mudanças no que tange às suas necessidades; o terapeuta apenas o auxilia.

Nessa perspectiva, consideramos o Aconselhamento Psicológico, um campo de extrema importância para a Psicologia, conforme as considerações realizadas por Forghieri acerca dessa prática. Além disso, demonstramos aqui sua execução a partir da Abordagem Centrada na Pessoa de Carl Rogers, a qual possibilita um clima facilitador de crescimento na relação entre terapeuta e cliente.

REFERÊNCIAS:

ROGERS, C. Os fundamentos de uma abordagem centrada na pessoa. In: Um jeito de Ser. São Paulo: EPU, 1987.

 FORGHIERI, Y. C. Aconselhamento terapêutico: origens, fundamentos e práticas. São Paulo: Thomson Learning, 2007.

_____________. O aconselhamento terapêutico na atualidade. Rev. Abordagem Gestalt, Goiânia, v.13, n.1, p. 125-133, jun. 2007. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672007000100009&lng=pt&nrm=iso>. Acessado em  21  de abril de  2016.

JUSTO, H. Abordagem centrada na pessoa: consensos e dissensos. São Paulo: Vetor, 2002.

SANTOS, A.M; ROGERS, C; BOWEN, M.C.V. Quando fala o coração: a essência da psicoterapia centrada na pessoa. São Paulo: Vetor, 2004.

STRAUB, R.O. Psicologia da saúde: uma abordagem biopsicossocial. Porto Alegre: Artmed, 2014.

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