A experiência de construir um memorial fotográfico

Compartilhe este conteúdo:

Me chamo Sara Denise, tenho 24 anos, sou acadêmica de psicologia no CEULP/ULBRA e moro em Palmas-TO. Por meio dessa escrita venho apresentar a vocês a experiência que tive em produzir um memorial fotográfico, situação essa que me permitiu viajar no tempo e desfrutar de múltiplos sentimentos.

Recebi a proposta como intenção de me deixar sentir sobre o que a fotografia é capaz de expressar no íntimo do ser. A aposta foi válida pois na construção dessa experiência pude perceber o quanto as imagens em sua íntegra falam por si só. O propósito para iniciar essa construção foi se basear em três fases da vida: infância, adolescência e juventude (atual). Diante do contexto ao qual me foi pedido, decidi inserir na construção desse memorial a contextualização entre fotografia e psicologia, assim o nomeando.

Com as fotos pude contar um pouco de minha trajetória (aqui estão apenas um pequeno número delas). Podendo dizer/perceber o quanto minha infância foi ótima, era super arteira, pois sempre tinha tempo livre para brincar. Meus pais sempre me deixaram livre para aproveitar minha meninice, por ser filha única de minha mãe, ela sempre teve um cuidado abundante em relação a tudo que eu fazia, acabava que isso me aborrecia as vezes, entretanto, era uma criança equilibrada e feliz. Cresci com estímulo à leitura, oportunidade de vivenciar a escrita e rodeada por pessoas.

Fonte: Arquivo Pessoal da Autora

Da creche, escola e colegial sempre extrovertida, rodeada de amigos e resolvida. Enquanto criança, amava me emperiquitar, na adolescência queria sempre seguir tendência, mais em um quesito não pestanejava, a escolha da profissão, essa sim, comigo já estava.

O tempo passou… E por si só me mostrou que a vida é uma verdadeira caixinha de surpresas, onde confiança, respeito e reciprocidade não se consegue com todos.

Fonte: Arquivo Pessoal da Autora

(Por isso, optei pelas fotos sozinha).

Meus pais sempre priorizaram meus estudos e, por isso, de forma alguma impediram minha escolha na graduação. Depois de uma vida estudando em escola pública, em um primeiro momento devido às circunstâncias da época, cursei por um período a faculdade de Serviço Social, e entre na Psicologia pouco tempo depois, no CEULP/ULBRA, realizando assim, finalmente, esse sonho.

Fonte: Arquivo Pessoal da Autora

Aquisição de algumas responsabilidades e experiências inesperadas, me levaram a uma maior frequência de tomadas de decisão e quanto mais o tempo passava, mais introvertida eu ficava. Foi aí que comecei a me tornar celetista, e querer saber ainda mais sobre os processos mentais, enxergando de forma nítida a necessidade de as pessoas compreenderem a relação mente e corpo.

Ao entrar na faculdade, o processo de adaptação me fez sentir um pouco de dificuldade, a grade aberta não me permitiu criar o mesmo vínculo que eu tinha com os amigos da época de escola. O tempo se tornou mais corrido e com o passar dos anos pude perceber o grau de dificuldade aumentando.

Fonte: Arquivo Pessoal da Autora

Em 2016, após 4 anos e 10 meses entre namoro e noivado, casei. Meu esposo sempre tem me dado apoio moral para continuar o curso, sendo meus estudos uma das adequações que temos até hoje. Com o casamento as questões ministeriais na igreja aumentaram, existindo a necessidade de nos dedicarmos também nessa obra.

Fonte: Arquivo Pessoal da Autora

Além de filha única, estudante, esposa e cristã, tenho mais uma responsabilidade, a de gerir um comércio, eu e meu esposo trabalhamos em um ramo especifico, confesso não achar simples essas conciliações com a vida acadêmica, mas há 5 anos venho encarando as peculiaridades que cada área me demanda.

Em busca de não viver de forma tão monótona, procuro me reinventar às vezes: um novo hobby, um novo visual, cursos que ensinam novas habilidades, etc. Na corrida da vida, meu maior desejo tem sido tornar o sonho de ser psicóloga em realidade; por isso me esforço, muitas vezes reconhecendo chegar no meu limite, mas desistir, jamais!

Fonte: Arquivo Pessoal da Autora

Ao chegar a fase adulta, compreendi a importância de valorizar momentos. Férias se tornaram necessárias, diferente de quando era imatura e não dava o devido valor. Não vendo a hora de alcançar minhas férias depois da tão esperada conclusão de curso, com a fé de ter em mãos o aguardado diploma, que depois de tantas lutas, falta pouco para alcançá-lo.

O experimento da construção de um memorial com fotos teve grande significado para mim, aposto que se você arriscar fazer um, também sentirá. Pude notar o quão evidente foi meu processo de amadurecimento, e olha que falta muita evolução (risos). Contudo, não me restou dúvidas que a fotografia possibilita uma visão mais ampliada de uma interpretação por um viés psicológico, podendo ser terapêutica. A representação visual e a representação mental ocorrem juntas, permitindo partir de um objeto material (foto) para um objeto imaterial (mente).

Fonte: Arquivo Pessoal da Autora
Compartilhe este conteúdo:

Os vestígios humanos pelo olhar de Cristiano Mascaro

Compartilhe este conteúdo:

Cristiano Mascaro, Paulista da cidade de Catanduva, nasceu em 1944. Graduou-se em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU-USP em 1968, mesmo ano que iniciou carreira de fotógrafo na revista Veja, onde ficou mais quatro anos até atuar de forma independente. Obteve o título de Mestre com a dissertação O Uso da Fotografia na Interpretação do Espaço Urbano em 1986 e de Doutor, com a tese Fotografia e Arquitetura, em 1995.

Fonte: http://googleshortener.com/BTEXi8D

A obra fotográfica de Mascaro se fundamenta na arquitetura das cidades e na paisagem urbana. Obra essa que traz um cenário que rastreia os vestígios humanos do dia a dia. Preocupa-se em denunciar os espaços ocupados e desocupados pelas pessoas, o cotidiano onde a vida acontece, sua preocupação é iluminar essa realidade, é fazê-la mais bela ao ponto de se tornar arte. Foi sua leitura do cotidiano, por meio do cotidiano, que o proporcionou a conquista de diversos prêmios nacionais e internacionais, dentre eles, o premio internacional de fotografia Eugene Atget (Paris) em 1984 e o Prêmio Abril de Jornalismo em 1991 (VASQUEZ, 2017).

O prêmio Eugene Atget, recebeu o nome do fotógrafo que inaugurou a fotografia urbana, o qual procurava fotografar o real. Considerado um dos mais importantes fotógrafos surrealistas, um artista a frente de seu tempo. Nascido na França em 1857, Atget foi primeiro a retratar o vazio das cidades, objetos comuns, o real, o primeiro fotógrafo tirar o ser humano do centro da fotografia.

Fonte: http://googleshortener.com/LkYW

Nesse contexto, vale dizer que o surrealismo foi o movimento literário que nasceu em Paris na década de 1920 e que teve influência direta da obra freudiana, visto que o papel do inconsciente na atividade artística marca as obras do surrealismo. André Breton foi seu representante quando em 1924 assinou a Manifesto do Surrealismo, propondo mudança na linguagem artística dominada pelo racionalismo. Foi um mergulho no inconsciente, daí a influência de Freud no campo das artes. Mascaro (2016) ao descrever a fotografia, a considera como a arte que toca o invisível das pessoas. Para ele “o olhar do fotógrafo tem que provir da sua sensibilidade”. O olhar como um sentido humano. O fotógrafo ainda complementa, que é como, extrair um prazer físico no ato de olhar.

Fonte: http://googleshortener.com/VjXr3K

O despertar pela fotografia se deu para Mascaro, ao ver uma foto de Henri Cartier – Bresson, a quem considera um gênio por reunir em seu trabalho a essência da fotografia destacando o momento decisivo, que segundo Bresson trata-se do momento exato de tirar a foto em que reúne o alinhamento entre “cabeça – olho – coração”. Outro ponto a destacar da obra bressoniana é a qualidade da luz como um elemento primordial que aparece como um ponto marcante em suas fotografias. Esse desenhar com a luz é percebido na obra de Mascaro.

Fonte: http://googleshortener.com/xub1Lxen

Cristiano Mascaro ao mergulhar na linguagem fotográfica, descobriu um universo fascinante. Percebe-se em seus registros que, para ele, o ato de fotografar é uma forma de fixar a vida, ele não só observada, mas sente os lugares por onde passa, sua intenção é um impulso pessoal sem pretensão de dar forma ou desvendar alguma coisa para as pessoas. Para ele o ato fotográfico é “um ato de liberdade e felicidade” poder “retratar os vestígios humanos” na concepção dele “é aí que a vida se fixa” (MASCARO, 2009).

.REFERÊNCIAS:

MASCARO, Cristiano. Rastreando cidades. Entrevista com Cristiano Mascaro [abril. 2016]. Entrevistador: LEGIERSKA, Anna: Disponível em: <http://culture.pl/pt/article/rastreando-cidades-entrevista-com-cristiano-mascaro.
.
MASCARO, Cristiano. Sobre o autor.: Disponível em: http://www.cristianomascaro.com.br/sobre. Acesso em: 08/02/2017.Rastreando cidades. Entrevista com Cristiano Mascaro> Acesso em: 08/02/2017.VASQUEZ, Pedro. Biografia de Cristiano Mascaro.
.
Brasil, memória das artes. Disponível em: http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/infoto/biografia-de-cristiano-mascaro/. Acesso em: 08/02/2017.
.
MASCARO, Cristiano – Encontros: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=faFGlzhgVdA. Acesso em: 11.05.2017.
Compartilhe este conteúdo:

As faces da guerra nas lentes de Robert Capa

Compartilhe este conteúdo:

“Para mim, Capa vestia os trajes de luz de um grande toureiro, mas nunca para matar;
como grande guerreiro, ele embatia generosamente por si próprio
e
pelos outros em meio a um furacão.
Quis a fatalidade que fosse derrotado no auge de sua glória.”
Henri Cartier-Bresson

Robert Capa em Paris, 1952. Foto: Ruth Orkin

O testemunho visual do fotógrafo Robert Capa confirma a sua própria fé na capacidade do homem em persistir e triunfar. Obstinado, buscava superar seus limites quando o assunto era a documentação fotográfica. Obsessivo, queria a imagem mais verossímil possível e não media esforços para atingir seus objetivos. No campo de batalha, ia além do que a capacitação técnica dos aparelhos fotográficos da época permitia… Capa chegava perto, se aproximava da sua “presa”.

Robert Capa em atividade de documentação fotográfica

De posse de uma Leica 35mm, seus movimentos eram rápidos e discretos, a sagacidade com que se mobilizava o permitia focalizar rostos e gestos, o que nos permite, a cada mergulho em sua obra, experimentar uma sensação de envolvimento, como se estivéssemos presentes com ele na guerra. Uma das fotografias mais famosas de Capa mostra um combatente voluntário do governo espanhol sendo baleado. Sentimos a morte chegar com essa imagem. Caímos antes dele. Em 1936, quando foi publicada, ninguém jamais tinha visto uma imagem que transmitisse a tragédia com tanta proximidade, simultaneidade, verdade.

A morte de um legalista, próximo ao cerco de Muriano (fronte de Córdoba),
por volta de 5 de setembro de 1936.

Em 1938, então com 25 anos, Robert Capa foi consagrado pela revista britânica Picture Post como “o melhor fotógrafo de guerra do mundo”. Passados mais de 70 anos, críticos de fotografia acreditam que a cobertura de cinco guerras e a força de seus registros não tiram dele esse título. Sua obra é marcada por imagens que expressa um lirismo delicado e momentos decisivos que mostra a face da guerra como ela realmente foi. A guerra para o fotógrafo não possuía máscaras. Suas imagens, revestidas de sensibilidade, impressionam pelo verismo fotográfico.

Soldado americano morto por franco-atiradores alemães, Leipzig, 18 de abril de 1945

Capa tinha aversão da guerra e o que ela provocava nos indivíduos surpreendidos por ela – como ele próprio o foi. Embora fosse um homem corajoso, que se adaptava com facilidade aos rigores da vida militar nos campos de batalha, era um pacifista e não se achava capaz de se tornar um fotógrafo de guerra.  Da mesma forma que detestava os conflitos, Capa acreditava intensamente que, se a guerra tinha de ser a realidade do momento, era fundamental que o lado vencedor fosse o do bem, o da justiça.

Soldados perto de Nápoles, setembro de 1943

Em suas fotografias percebemos traços da personalidade de Capa. Com unanimidade, amigos que conviviam com ele o consideravam um homem extraordinário: generoso, perspicaz, detalhista, bem humorado. Desprezava hipocrisia e pretensão e jamais se considerou um artista. Embora suas fotografias sejam lembradas como um registro visual definitivo de acontecimentos decisivos, como o cerco de Madri, o bombardeio japonês em Hankou e a chegada dos aliados no Dia D, muitas das imagens de Capa são de uma qualidade eterna e universal, que transcendem os limites da história.

Tropas dos EUA desembarcando no Dia D em Omaha Beach, costa da Normandia, 6 de junho de 1944

Além de documentar a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), Capa passou seis meses na China em 1938 para registrar a resistência à invasão japonesa, e mais tarde prosseguiu com a cobertura da segunda Guerra Mundial (1941-1945), a Guerra de Independência de Israel (1948) e a Guerra da Indochina (1954). Enquanto fotografava as manobras francesas no delta do Rio Vermelho (Red River), Capa avançou sobre uma mina antimilitar e foi morto, em 25 de maio de 1954, aos 40 anos. A sua morte foi uma conseqüência revestida de ironia se pensarmos em seu próprio legado: “Se as fotografias não são suficientemente boas, é porque não se está suficientemente perto”.

No caminho de Namdinh a Thaibinh, 25 de maio de 1954. Uma de suas últimas fotos que Capa tirou antes de ser morto num campo minado.

Curiosidades:

  • Endre Erno Friedmann, verdadeiro nome de Capa, nasceu em Budapeste em 22 de outubro de 1913. Ativista de esquerda, foi obrigado a sair da Hungria, indo morar na Alemanha onde começou a trabalhar como assistente de revelação da Agência Dephot. Logo tomou gosto pela fotografia e começou se expressar por meio dessa linguagem.
  • O “fotógrafo americano” Robert Capa foi criação de Gerda, talentosa fotógrafa e o amor de sua vida, quando decidiu, com ela, partir para a Espanha, para apoiar a causa republicana. Lá ficou amigo de Ernest Hemingway, Martha Gellhorn e Herbert Matthews, correspondente do “New York Times”.
  • Durante a primavera e o verão de 1936, Capa cobriu o tumulto das passeatas, manifestações e ocupações de prédios parisienses durante a eleição da coalizão de liberais, socialistas e comunistas, conhecidas como Frente Popular, formada para combater o surgimento do fascismo.


Gerda Taro por Robert Capa

  • Depois que Gerda Taro, refugiada alemã que ele conheceu em 1934 foi morta por um tanque, em julho de 1937, Capa foi para Nova York visitar seus familiares e depois, em 1938, passou seis meses na China. Após seu retorno, em outubro de 1938, instalou-se em Barcelona, então bombardeada pelas tropas fascistas em rápido avanço. Algumas de suas fotografias mais emocionantes registram o êxodo da cidade para a fronteira francesa, no final de janeiro de 1939. Madrid resistiu até março, quando sua queda culminou com a vitória fascista.
  • Dos seus romances mais famosos, o mundo acompanhou o seu namoro com a atriz Ingrid Bergman (do filme Casablanca), com quem passou conturbado período. Bergman pediu que Capa a acompanhasse em Hollywood, onde ele trabalhou por algum tempo fazendo fotografias do set de filmagens de “Interlúdio” (1946), de Alfred Hitchcock.

Set de filmagens de ‘Interlúdio’ com Ingrid Bergman e a direção de Alfred Hitchcock

  • Hitchock acabou observando de perto a relação de Robert Capa e Ingrid Bergman e usou o romance como fonte de inspiração para o seu “Janela Indiscreta” em 1954. Ela, uma das mulheres mais cobiçadas da época, estava disposta a deixar o marido se ele se casasse com ela. Capa não quis. Um boêmio assumido,  prezava a liberdade a ponto de perder Ingrid para não se sentir preso.

Ingrid Bergman por Robert Capa

  • O roteirista Arash Amel vai adaptar o romance inédito “Seducing Ingrid Bergman”, escrito por Chris Greenhalgh. A obra irá retratar o tórrido e clandestino romance entre a belíssima atriz e Capa, que provocou uma mudança na imagem que o mundo tinha de atriz. A trama irá mostrar as decisões apaixonadas que fizeram Ingrid ser denunciada pelo Senado americano por causa de seu comportamento imoral. Acusada de adúltera e de mau exemplo para as mulheres americanas, ela ficou anos sem filmar nos Estados Unidos.
  • Na primavera de 1942, Capa havia percorrido os Estados Unidos de costa a costa, mas, para um fotógrafo que documentara com brilhantismo a Guerra Civil Espanhola e a invasão japonesa na China, esses trabalhos eram desestimulantes. Para ele, faltava emoção.
  • No Dia D, 6 de junho de 1944, Capa fotografou a chegada por mar das tropas americanas na costa francesa da Normandia, cujo codinome era Omaha Beach. Ele alcançou a terra com as primeiras tropas, um pouco antes do amanhecer, e fotografou os soldados enquanto avançavam numa praia fortemente protegida.
  • Com exceção de onze negativos de Capa, todos os outros foram danificados por um funcionário demasiadamente imprudente da câmara escura do escritório da Time Inc., que deixou o secador em temperatura muito alta no momento de secar os negativos.

Tropas dos EUA desembarcando no Dia D em Omaha Beach, costa da Normandia, 6 de junho de 1944.

  • As fotos de Robert Capa do Dia D inspiraram o diretor Steven Spielberg para o filme o Resgate do Soldado Ryan.
  • Em 1947, com seus amigos Henri Cartier-Bresson, David Seymor (“Chim”), George Rodger e William Vandivert fundou a famosa Magnum, uma agência cooperativa de fotografia. Foi presidente da agência de 1950 a 1953, época que dedicou seu tempo ao recrutamento e formação de jovens fotógrafos.
  • Em 1955, a revista Life e Overseas Press Club criaram o prêmio anual Robert Capa “para exímios fotógrafos com coragem e atuação excepcionais no exterior”.
  • Capa produziu em torno de 72 mil negativos e muitas imagens nunca foram publicadas. Parte de seu acervo está disponível para consultas no Robert Capa Archive localizado noInternational Center of Photography.

As balas abriam buracos na água a minha volta,
e eu corria em direção da proteção de aço mais próxima
.”
Robert Capa

Tropas dos EUA desembarcando no Dia D em Omaha Beach, costa da Normandia, 6 de junho de 1944.

Ainda era muito cedo e bastante escuro para conseguir boas fotos,
mas a água e o céu cinzas fizeram daqueles homens,
que se esquivam por entre o design surrealista antiinvasão
montado por especialistas de Hitler, uma imagem muito forte
.”
Robert Capa

Robert Capa em ação no Dia D

Referências:

CAPA, Robert.Images of Wart. Nova York: Grossman, 1964.
CAPA, Cornell e WHELAN, Richard. Children of War, Children of Place: Photographs by Robert Capa. Boston: Bullfinch Press/Little, Brown, 1991.
WHELAN, Richard. Robert Capa: A Biography. Nova York: Knopf, 1985.
KERSHAW, Alex. Sangue e Champanhe: A Vida de Robert Capa. Rio de Janeiro: Record, 2002.

Compartilhe este conteúdo:

Robert Mapplethorpe: entre o erótico e o sublime

Compartilhe este conteúdo:

Robert Michael Mapplethorpe era um homem dividido. Em 1977, apenas para ilustrar tal fato, Mapplethorpe inaugurava, no mesmo dia e na mesma hora, o que se pode designar como suas duas primeiras exposições que alcançaram algum sucesso. A apenas poucos metros de uma galeria a outra, ele mostrava suas duas faces. Em um dos espaços, para uma assistência mais requintada, o fotógrafo expunha seus retratos e suas naturezas mortas; na outra galeria, via-se o tema que o fascinou durante quase toda a sua vida: a estética do sexo sadomasoquista e o submundo guei. Essa última exposição estava voltada para um público saído dos bares underground da cidade de Nova York.

Self Portrait, 1980

Não poderia ser diferente. Mapplethorpe nunca encontrou um ambiente completamente propício para a exposição de seus trabalhos que traziam a temática sexual, apesar de seu incontestável apuramento estético e rigor técnico. O fotógrafo descobria caminhos alternativos. Suas flores, talvez, sejam o melhor exemplo de tais subterfúgios.

Calla Lily, 1984

Mapplethorpe odiava as flores ao mesmo tempo em que fez, talvez, as melhores fotos de flores que se conhece hoje. Como seria possível? Quiçá a resposta está na frase que, no fim de sua vida, o fotógrafo pronunciou por ocasião de uma entrevista a uma revista: “Eu fotografo flores como quem fotografa uma pica”. Basta olhar para a maioria de suas flores para se ter uma idéia da justeza dessa afirmação. O artista, mesmo diante de flores, fotografava o erótico. E sua relação com as flores era a mesma que mantinha com a maioria de seus modelos masculinos: uma relação fortemente sexualizada e objetal. É possível que isso explique o fato de o fotógrafo jogar suas flores/modelos no lixo imediatamente após suas fotos/coitos.

Double Jack in the Pulpit, 1988

Nascido em 4 de novembro de 1946, terceiro filho de uma prole de seis, Mapplethorpe lutou durante toda a sua infância e parte de sua adolescência para conquistar um lugar junto aos carinhos do pai. Contudo, o pequeno Robert sempre encontrou um forte concorrente: seu irmão Richard, cerca de um ano e meio mais velho. Richard era uma criança expansiva, bonita e máscula, enquanto Robert, descrito pelo pai como “nervosinho”, sempre fora tímido, distraído, deslocado e fisicamente mais frágil que o irmão. Cedo, a mãe de Robert percebera a diferença entre os filhos e, naturalmente, Robert passara a ser seu preferido. Contudo, com o nascimento de outros filhos (mais três, depois de Robert), a atenção de sua mãe teve de se voltar para os menores, fazendo com que o pequeno Robert permanecesse sem um lugar muito claro na dinâmica de sua família.

A família Mapplethorpe prezava por uma vida metódica e sem grandes novidades. O avô de Robert, apesar de declaradamente odiar o serviço bancário, fora funcionário exemplar, durante cinqüenta anos, em um banco. Casados em 20 de junho de 1942, os pais do fotógrafo, Harry e Joan Mapplethorpe, após a Segunda Guerra Mundial, mudaram-se para o bairro do Queens, na periferia da cidade de Nova York, e viveram lá toda sua vida conjugal. Moravam em um conjunto operário – de casas brancas, com quatro quartos, idênticas entre si – chamado de Floral Park. Na década de 50, para se ter uma idéia do ambiente de Floral Park, o simples fato de se mudar a cor da fachada de uma casa provocava comentários e mesmo revolta dos vizinhos. Foi nesse ambiente completamente avesso ao novo que Robert Michael Mapplethorpe foi criado.

O pai de Robert, Harry Mapplethorpe, trabalhou durante quase sua vida inteira nos Laboratórios Underwriters, em Manhattan e, apesar de ser um dos poucos habitantes de Floral Park com diploma universitário (Harry era engenheiro), não conseguia ganhar substancialmente mais que seus vizinhos. Harry Mapplethorpe amava a rotina e a continuidade, prezava por manter o controle de todas as situações, o que fazia com que ele exercesse grande poder sobre os filhos. As manias de Harry beiravam a esquisitice: colecionava peixes tropicais, moedas, selos e construía relógios cuco. Gostava ainda de fotografia (embora se dedicasse bem mais ao processo de revelação e cópia das fotos do que propriamente ao que a fotografia poderia lhe proporcionar de criatividade e inovação) e consertava pequenos aparelhos eletrodomésticos (como batedeiras e aspiradores de pó).

A mãe de Robert, Joan Mapplethorpe, era uma mulher expansiva e de hábitos arraigados. Bem quista na vizinhança de Floral Park por sua simpatia e personalidade forte, manteve até sua velhice o hábito de se reunir com as amigas para o boliche, todas as terças feiras. Joan tinha uma espécie de obsessão por limpeza e organização da casa, coisa que lhe levava, não raro, à exaustão completa. Levantava pela madrugada para continuar a limpeza do dia que, parecia-lhe, não fora satisfatória. Joan, que sofreu vários episódios de depressão durante a vida, mais tarde foi diagnosticada como portadora de transtorno afetivo bipolar.

Robert Mapplethorpe teve que tentar se adaptar à mediocridade de seu ambiente. Nem um pouco ligado a atividades atléticas, teve de lidar com o sucesso esportivo de seu irmão Richard. A relação entre eles ia da indiferença à hostilidade aberta e, apesar de dividirem um quarto por boa parte de suas meninices, havia como que uma linha imaginária mas intransponível entre “o lado de Robert” e “o lado de Richard”.

Richard era tido como o exemplo de um bom filho. Jamais questionava as decisões do pai e isso era uma atitude que gerava muita animosidade entre os dois irmãos. Apesar dessa animosidade ou por causa dela, Robert Mapplethorpe tentava, de uma ou outra forma, seguir os passos do irmão mais velho. Foi nesse sentido que Robert, seguindo Richard, acabou por entrar em um grupo de adolescentes católicos, ligado à igreja de sua comunidade, que era tido como muito conservador e machista. Foi ainda seguindo Richard que Robert, ao final de sua adolescência, já na universidade, optou por ingressar em um destacamento militar extremamente rigoroso.

Robert, contudo, intimamente nunca pertencera de fato a tais grupos. Antes de darem um real lugar a Robert ou fornecerem uma identidade, tais grupos faziam com que ele fosse duplamente excluído. Excluído de seu ambiente originário pela própria associação a grupos fechados e não totalmente aceito por essas agremiações.

Robert Mapplethorpe era um estranho em seu próprio meio. Mostrou muito cedo habilidades com o desenho, mas tais habilidades nunca foram realmente valorizadas nos diversos ambientes que freqüentava. Vindo de uma família católica, Robert, ainda criança, mostrava grande interesse em desenhar a Virgem Maria. Fazia-o decompondo o rosto da Virgem de tal forma que quase sempre seus desenhos eram vistos como grosseiros e mal elaborados. Durante toda a vida, Robert Mapplethorpe seria fascinado por temas religiosos, que iam da magia à astrologia, da adoração ao demônio ao catolicismo mais fervoroso. Após sair de casa, durante toda sua vida, o artista manteve um altar em seu quarto, onde se viam imagens de Cristo crucificado, crânios, demônios e símbolos esotéricos. Robert também não se encontrava nas coisas da religião.

Com cerca de 12 anos, Robert Mapplethorpe teve contato, pela primeira vez, com uma revista destinada ao público homossexual masculino, na qual havia gravuras de teor sexual. Aquilo teria exercido tão grande impacto sobre a sexualidade de Robert que, durante o resto de sua vida, o fotógrafo lembraria desse episódio. Como era ainda menor de idade, portanto proibido de ter acesso a tais revistas, Robert decidiu roubá-las de um comerciante cego. Contudo, em sua primeira tentativa, foi pego e, por muito pouco, sua família não ficou sabendo. Decidiu, a partir daí, eliminar de sua vida esse aspecto de sua sexualidade. Ainda por muitas semanas a fio, Robert teria pesadelos com o jornaleiro cego.

Em 1963, Mapplethorpe, a conselho do pai, ingressou no Pratt Institute, mas a contragosto de Harry, Robert se matriculou no curso de arte daquela escola. O próprio Harry havia sido aluno do Pratt cerca de 25 anos antes e gostava do fato de que o instituto tivesse uma rígida disciplina e uma abordagem educacional bastante pregmática. Harry acabou por convencer Robert a fazer sua especialização em ilustração e tipografia. Robert, contudo, jamais terminaria aquele curso apesar de freqüentá-lo por cerca de quatro anos.

Em setembro de 1963, Robert decidiu sair de casa e morar em um apartamento alugado. Na época, contava com o pequeno salário relativo a seu ingresso em um grupo militar, vinculado ao Pratt, com características fascistas e extremamente homofóbico. No grupo, por sua sensibilidade e gentileza, Robert servia como uma espécie de saco de pancadas para os integrantes mais antigos.

Foi no Pratt Institute que Mapplethorpe, pela primeira vez, teve contato com drogas. Na época, o LSD estava em alta e gozava de grande popularidade entre os jovens. De 1966 até sua morte, as drogas lhe seriam companheiras inseparáveis. Maconha, cocaína, LSD, mescalina e anfetaminas fariam parte de seu cotidiano. É possível que Robert, a partir de então, jamais fotografou sem antes se drogar.

Self Portrait, 1975

Em 1967, Robert conhece Patti Smith, mais tarde estrela do rock-punk, e passa a dividir um apartamento com ela. Robert e Patti tiveram um intenso caso de amor por cerca de dois anos e, mesmo depois de separados, foram amigos por toda a vida. Ambos tinham o sonho de viver de suas artes: Patti, de poesia e música; Robert, de artes plásticas (naquele tempo, ele ainda não usava a fotografia como meio de expressão).

Na época, Robert lutava contra sua homossexualidade e seu relacionamento com Patti Smith deu-lhe uma espécie de segurança. Patti, apesar de declaradamente heterossexual, freqüentemente se vestia com roupas masculinas e, fisicamente, parecia com Robert, que sempre teve uma aparência andrógina. Chegavam mesmo, quando juntos, a serem confundidos um com o outro. Em 1967, quando Patti anunciou o fim do relacionamento, Robert avisou-lhe que se tornaria guei.

Como principal porto de desembarque das tropas americanas que haviam lutado no pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, São Francisco, na época, contava com uma grande população homossexual, originada do contingente de homossexuais expulsos das forças armadas após o fim dos combates. Foi para lá que, em 1968, Robert decidiu fazer uma viagem de alguns dias para ver “de uma vez por todas” se era mesmo guei.

Do final da década de sessenta para o início dos anos setenta, Robert entrou em contato com a cultura guei sadomasoquista. Nessa época, havia uma glamourização da estética sadomasoquista, conhecida como “brutalidade chique”, retratada principalmente nas revistas de moda. Contudo, em tais revistas, o sadomasoquismo era representado sempre em sua versão heterossexual. Mapplethorpe passou, então, a freqüentar regularmente (coisa que faria até seus últimos dias) os bares gueis sadomasoquistas em busca de parceiros sexuais.

Ken Moody and Robert Sherman, 1984

Robert Mapplethorpe, segundo entrevista posterior, descrevia como um verdadeiro frenesi a sensação que teve quando se deparou com tal cultura. Teria, segundo ele mesmo dissera, encontrado finalmente “sua forma de sexo”.

Até a década de setenta, Mapplethorpe não usava a fotografia em seus trabalhos. Na época, trabalhava principalmente com montagens de diversos objetos (roupas, bijuterias e pedaços de tecidos) sobre tela. Foi apenas a partir dos primeiros anos da década de setenta que passou a se arriscar pelos caminhos da fotografia. Sem quase nenhum rigor técnico, usava uma câmera Polaroide para seus trabalhos.

Em 1972, Robert conheceu Wagstaff, um colecionador de arte bem sucedido e bem mais velho que ele, que lhe acompanhou e lhe protegeu durante quase toda sua carreira. O fotógrafo teve um relacionamento duradouro e tumultuado com Wagstaff, principalmente pelo comportamento sexual de Robert.

Ajitto, 1981

Na época, o fotógrafo estava extremamente fascinado pelo submundo sadomasoquista guei e isso teria virado uma espécie de obsessão sua. Embora Wagstaff nunca lhe tenha exigido exclusividade, o comportamento de Mapplethorpe era cada vez mais difícil de tolerar. Freqüentemente, saía á noite à procura de parceiros sexuais que compartilhassem suas fantasias. Nunca estava exatamente saciado e, freqüentemente, transava com vários homens toda noite. Essa era a forma de Robert encontrar seus modelos. Suas fotos de conteúdo sadomasoquista eram freqüentemente feitas durante ou logo após o ato sexual.

Em 1973, apresentou sua primeira exposição fotográfica já com os temas que pontuariam toda sua carreira: retratos, flores e fotos eróticas de teor sadomasoquista.

Com a convivência com Wagstaff, que provinha de uma tradicional família americana, Robert passou a viver em dois mundos completamente diferentes. Essa era uma conhecida habilidade de Mapplethorpe: transitar em ambientes completamente opostos. Essa sua versatilidade lhe rendeu importantes contatos no mundo da arte.

Durante toda a década de setenta, Mapplethorpe lutaria tanto com a rejeição relativa ao conteúdo de suas fotos quanto com a própria dificuldade de a fotografia se estabelecer como arte. Inegavelmente, Mapplethorpe foi um dos grandes responsáveis pela mudança do status da fotografia ocorrido, principalmente, a partir dos anos oitenta, época em que obteve reconhecimento em nível mundial, apesar das freqüentes censuras que sofria a cada exposição. Seus contatos na Europa, propiciados por Wagstaff, rendiam-lhe alguma fama, principalmente em Londres.

Foi na década de oitenta que Robert conheceu definitivamente a fama. Apenas em 1981, Mapplethorpe faria dez exposições individuais em cinco países diferentes. Nos últimos 10 anos de sua vida (1979 a 1989), fez 69 exposições individuais, participou de 5 livros e 15 catálogos.

Foi também nos anos oitenta que surgiu a GRID (Gay-Related Immune Deficiency), mais tarde conhecida como AIDS. Vários amigos e parceiros sexuais de Mapplethorpe estavam morrendo e não se sabia muito bem a razão. A síndrome atingia, sobretudo, homens homossexuais brancos. Nessa época, Robert tinha uma diarréia crônica provocada por amebíase intestinal, atribuída a seus hábitos coprófilos. Em 1982, internou-se pela primeira vez por um quadro que hoje teria sido diagnosticado como conseqüência da infecção pelo vírus da AIDS. Contudo, na época, o vírus ainda não tinha sido isolado e os exames imunológicos só apareceriam dois anos mais tarde.

Depois do diagnóstico de AIDS, em uma espécie de tentativa de remissão, Robert passou a fotografar temas de uma erótica heterossexual. Contudo, tais fotografias jamais alcançaram o sucesso de seus temas tradicionais, já que – mesmo quando se debruçava sobre temas explicitamente sexuais, o fotógrafo, através de um inteligente jogo de luz e do uso de filtros, obtinha uma aura lírica para suas fotos.

Robert Michael Mapplethorpe morreu de AIDS, no auge de sua carreira de fotógrafo, em 16 de março de 1989, aos 42 anos, tendo aproveitado muito pouco de sua fama. Apenas no mês de dezembro de 1988, cerca de 3 meses antes de sua morte, vendeu algo em torno de U$ 500.000,00 em fotografia.

Mapplethorpe havia virado uma febre entre os compradores de arte e marcara indelevelmente tanto o mercado da fotografia quanto toda a cultura americana.

Compartilhe este conteúdo: