As faces da guerra nas lentes de Robert Capa

“Para mim, Capa vestia os trajes de luz de um grande toureiro, mas nunca para matar;
como grande guerreiro, ele embatia generosamente por si próprio
e
pelos outros em meio a um furacão.
Quis a fatalidade que fosse derrotado no auge de sua glória.”
Henri Cartier-Bresson

Robert Capa em Paris, 1952. Foto: Ruth Orkin

O testemunho visual do fotógrafo Robert Capa confirma a sua própria fé na capacidade do homem em persistir e triunfar. Obstinado, buscava superar seus limites quando o assunto era a documentação fotográfica. Obsessivo, queria a imagem mais verossímil possível e não media esforços para atingir seus objetivos. No campo de batalha, ia além do que a capacitação técnica dos aparelhos fotográficos da época permitia… Capa chegava perto, se aproximava da sua “presa”.

Robert Capa em atividade de documentação fotográfica

De posse de uma Leica 35mm, seus movimentos eram rápidos e discretos, a sagacidade com que se mobilizava o permitia focalizar rostos e gestos, o que nos permite, a cada mergulho em sua obra, experimentar uma sensação de envolvimento, como se estivéssemos presentes com ele na guerra. Uma das fotografias mais famosas de Capa mostra um combatente voluntário do governo espanhol sendo baleado. Sentimos a morte chegar com essa imagem. Caímos antes dele. Em 1936, quando foi publicada, ninguém jamais tinha visto uma imagem que transmitisse a tragédia com tanta proximidade, simultaneidade, verdade.

A morte de um legalista, próximo ao cerco de Muriano (fronte de Córdoba),
por volta de 5 de setembro de 1936.

Em 1938, então com 25 anos, Robert Capa foi consagrado pela revista britânica Picture Post como “o melhor fotógrafo de guerra do mundo”. Passados mais de 70 anos, críticos de fotografia acreditam que a cobertura de cinco guerras e a força de seus registros não tiram dele esse título. Sua obra é marcada por imagens que expressa um lirismo delicado e momentos decisivos que mostra a face da guerra como ela realmente foi. A guerra para o fotógrafo não possuía máscaras. Suas imagens, revestidas de sensibilidade, impressionam pelo verismo fotográfico.

Soldado americano morto por franco-atiradores alemães, Leipzig, 18 de abril de 1945

Capa tinha aversão da guerra e o que ela provocava nos indivíduos surpreendidos por ela – como ele próprio o foi. Embora fosse um homem corajoso, que se adaptava com facilidade aos rigores da vida militar nos campos de batalha, era um pacifista e não se achava capaz de se tornar um fotógrafo de guerra.  Da mesma forma que detestava os conflitos, Capa acreditava intensamente que, se a guerra tinha de ser a realidade do momento, era fundamental que o lado vencedor fosse o do bem, o da justiça.

Soldados perto de Nápoles, setembro de 1943

Em suas fotografias percebemos traços da personalidade de Capa. Com unanimidade, amigos que conviviam com ele o consideravam um homem extraordinário: generoso, perspicaz, detalhista, bem humorado. Desprezava hipocrisia e pretensão e jamais se considerou um artista. Embora suas fotografias sejam lembradas como um registro visual definitivo de acontecimentos decisivos, como o cerco de Madri, o bombardeio japonês em Hankou e a chegada dos aliados no Dia D, muitas das imagens de Capa são de uma qualidade eterna e universal, que transcendem os limites da história.

Tropas dos EUA desembarcando no Dia D em Omaha Beach, costa da Normandia, 6 de junho de 1944

Além de documentar a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), Capa passou seis meses na China em 1938 para registrar a resistência à invasão japonesa, e mais tarde prosseguiu com a cobertura da segunda Guerra Mundial (1941-1945), a Guerra de Independência de Israel (1948) e a Guerra da Indochina (1954). Enquanto fotografava as manobras francesas no delta do Rio Vermelho (Red River), Capa avançou sobre uma mina antimilitar e foi morto, em 25 de maio de 1954, aos 40 anos. A sua morte foi uma conseqüência revestida de ironia se pensarmos em seu próprio legado: “Se as fotografias não são suficientemente boas, é porque não se está suficientemente perto”.

No caminho de Namdinh a Thaibinh, 25 de maio de 1954. Uma de suas últimas fotos que Capa tirou antes de ser morto num campo minado.

Curiosidades:

  • Endre Erno Friedmann, verdadeiro nome de Capa, nasceu em Budapeste em 22 de outubro de 1913. Ativista de esquerda, foi obrigado a sair da Hungria, indo morar na Alemanha onde começou a trabalhar como assistente de revelação da Agência Dephot. Logo tomou gosto pela fotografia e começou se expressar por meio dessa linguagem.
  • O “fotógrafo americano” Robert Capa foi criação de Gerda, talentosa fotógrafa e o amor de sua vida, quando decidiu, com ela, partir para a Espanha, para apoiar a causa republicana. Lá ficou amigo de Ernest Hemingway, Martha Gellhorn e Herbert Matthews, correspondente do “New York Times”.
  • Durante a primavera e o verão de 1936, Capa cobriu o tumulto das passeatas, manifestações e ocupações de prédios parisienses durante a eleição da coalizão de liberais, socialistas e comunistas, conhecidas como Frente Popular, formada para combater o surgimento do fascismo.


Gerda Taro por Robert Capa

  • Depois que Gerda Taro, refugiada alemã que ele conheceu em 1934 foi morta por um tanque, em julho de 1937, Capa foi para Nova York visitar seus familiares e depois, em 1938, passou seis meses na China. Após seu retorno, em outubro de 1938, instalou-se em Barcelona, então bombardeada pelas tropas fascistas em rápido avanço. Algumas de suas fotografias mais emocionantes registram o êxodo da cidade para a fronteira francesa, no final de janeiro de 1939. Madrid resistiu até março, quando sua queda culminou com a vitória fascista.
  • Dos seus romances mais famosos, o mundo acompanhou o seu namoro com a atriz Ingrid Bergman (do filme Casablanca), com quem passou conturbado período. Bergman pediu que Capa a acompanhasse em Hollywood, onde ele trabalhou por algum tempo fazendo fotografias do set de filmagens de “Interlúdio” (1946), de Alfred Hitchcock.

Set de filmagens de ‘Interlúdio’ com Ingrid Bergman e a direção de Alfred Hitchcock

  • Hitchock acabou observando de perto a relação de Robert Capa e Ingrid Bergman e usou o romance como fonte de inspiração para o seu “Janela Indiscreta” em 1954. Ela, uma das mulheres mais cobiçadas da época, estava disposta a deixar o marido se ele se casasse com ela. Capa não quis. Um boêmio assumido,  prezava a liberdade a ponto de perder Ingrid para não se sentir preso.

Ingrid Bergman por Robert Capa

  • O roteirista Arash Amel vai adaptar o romance inédito “Seducing Ingrid Bergman”, escrito por Chris Greenhalgh. A obra irá retratar o tórrido e clandestino romance entre a belíssima atriz e Capa, que provocou uma mudança na imagem que o mundo tinha de atriz. A trama irá mostrar as decisões apaixonadas que fizeram Ingrid ser denunciada pelo Senado americano por causa de seu comportamento imoral. Acusada de adúltera e de mau exemplo para as mulheres americanas, ela ficou anos sem filmar nos Estados Unidos.
  • Na primavera de 1942, Capa havia percorrido os Estados Unidos de costa a costa, mas, para um fotógrafo que documentara com brilhantismo a Guerra Civil Espanhola e a invasão japonesa na China, esses trabalhos eram desestimulantes. Para ele, faltava emoção.
  • No Dia D, 6 de junho de 1944, Capa fotografou a chegada por mar das tropas americanas na costa francesa da Normandia, cujo codinome era Omaha Beach. Ele alcançou a terra com as primeiras tropas, um pouco antes do amanhecer, e fotografou os soldados enquanto avançavam numa praia fortemente protegida.
  • Com exceção de onze negativos de Capa, todos os outros foram danificados por um funcionário demasiadamente imprudente da câmara escura do escritório da Time Inc., que deixou o secador em temperatura muito alta no momento de secar os negativos.

Tropas dos EUA desembarcando no Dia D em Omaha Beach, costa da Normandia, 6 de junho de 1944.

  • As fotos de Robert Capa do Dia D inspiraram o diretor Steven Spielberg para o filme o Resgate do Soldado Ryan.
  • Em 1947, com seus amigos Henri Cartier-Bresson, David Seymor (“Chim”), George Rodger e William Vandivert fundou a famosa Magnum, uma agência cooperativa de fotografia. Foi presidente da agência de 1950 a 1953, época que dedicou seu tempo ao recrutamento e formação de jovens fotógrafos.
  • Em 1955, a revista Life e Overseas Press Club criaram o prêmio anual Robert Capa “para exímios fotógrafos com coragem e atuação excepcionais no exterior”.
  • Capa produziu em torno de 72 mil negativos e muitas imagens nunca foram publicadas. Parte de seu acervo está disponível para consultas no Robert Capa Archive localizado noInternational Center of Photography.

As balas abriam buracos na água a minha volta,
e eu corria em direção da proteção de aço mais próxima
.”
Robert Capa

Tropas dos EUA desembarcando no Dia D em Omaha Beach, costa da Normandia, 6 de junho de 1944.

Ainda era muito cedo e bastante escuro para conseguir boas fotos,
mas a água e o céu cinzas fizeram daqueles homens,
que se esquivam por entre o design surrealista antiinvasão
montado por especialistas de Hitler, uma imagem muito forte
.”
Robert Capa

Robert Capa em ação no Dia D

Referências:

CAPA, Robert.Images of Wart. Nova York: Grossman, 1964.
CAPA, Cornell e WHELAN, Richard. Children of War, Children of Place: Photographs by Robert Capa. Boston: Bullfinch Press/Little, Brown, 1991.
WHELAN, Richard. Robert Capa: A Biography. Nova York: Knopf, 1985.
KERSHAW, Alex. Sangue e Champanhe: A Vida de Robert Capa. Rio de Janeiro: Record, 2002.

Psicóloga. Doutora em Educação (UFBA). Mestre em Comunicação e Mercado (FACASPER). Especialista em Psicologia Clínica. Especialização em Gestão e Docência no Ensino Superior. Formação em Arte Terapia. Graduada em Publicidade e Propaganda (CEULP/ULBRA), em Ciências Sociais (ULBRA) e em Processamento de Dados (UNITINS). Coordenadora geral do Portal (En)Cena. Atualmente é professora e coordenadora do curso de Psicologia no Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA).  E-mail: irenides@gmail.com