Demeter e a representação do instinto maternal

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Demeter é a deusa grega da vegetação, deusa da terra cultivada, das colheitas e das estações do ano. É conhecida como Ceres em Roma.

Filha de Cronos e Réia, irmã de Zeus, Hades, Posseidon, Héstia e Hera, as origens de seu culto são atestadas em Creta e o santuário de Elêusis data da época micênica (Brandão, 1986).

A planta a ela dedicada é o trigo e juntamente com Dioniso saiu ensinando aos homens a cuidarem da terra e da vegetação.

É retratada como uma mulher de cabelo dourado e vestida com roupão azul, ou, mais comumente na escultura, como figura matronal, sentada.

Teve uma filha, Perséfone, com seu irmão Zeus e esse mito é o centro dos Mistérios Elêusis da qual é um personagem vital.

Com seu irmão Posseidon teve um casal de gêmeos: a menina Despina(“a deusa das sombras invernais”) e Árion. Mas Demeter abandonou a menina ao nascer para procurar Perséfone quando raptada. Despina, que representa o inverno, é o oposto de sua irmã, Perséfone, que representa a primavera e de sua mãe, deusa da agricultura. O filho chamado Árion, era um cavalo de crinas azuis, tinha o poder da fala e de ver o futuro. Foi o cavalo mais rápido de todos os tempos e ajudou muitos heróis bravamente em suas conquistas. Ela também é uma das deusas que tiveram filhos com mortais. Com o herói cretense Jasãoteve o deus Pluto. Um fragmento do Catálogo de Mulheres, de Hesíodo, sugere que Deméter teve um outro amante mortal, Eetion, que foi fulminado por um raio de Zeus.

O culto a Deméter era levado muito a sério. A dor pela qual a deusa passou com o rapto de Coré por Hades, com o consentimento do pai Zeus fez com que ela deixasse de dar vida e alimento aos homens. A vegetação deixou de crescer e os alimentos se tornaram escassos.

Coma volta de Perséfone por dois terços do ano a sua companhia, Demeter devolveu os grãos da vida ao homem.

O período em que Perséfone passa com sua mãe corresponde à primavera, onde os grãos brotam, saindo da terra assim como a Perséfone. Ao retornar ao Hades inicia-se o outono, quando os grãos são enterrados, da mesma forma que Perséfone volta ao reino do marido. Durante o inverno, Despina mostra sua ira contra sua mãe Demeter e sua irmã, congelando lagos e destruindo plantações e flores.

Demeter é então uma deusa nutridora, a Terra-Mãe que envia seu filho Pluto (Rico), o deus da riqueza agrária aos homens piedosos. Ela é a mãe do grão, e o grão é Perséfone que fica escondida por certo tempo no interior da Terra para se tornar espiga, ou seja, alimento.

Ela então está ligada as estações do ano e aos ciclos da colheita do trigo e foi ela que ensinou os homens à arte de fabricar pães.

Demeter está indissoluvelmente ligada a sua filha Perséfone, formando com ela uma dupla denominada As Deusas. O mito do rapto de Coré /Perséfone já foi descrito no texto anterior sobre essa deusa, por isso não vou citá-lo novamente.

Um ponto importante na história do sofrimento de Demeter é que ela tentou tornar Demofonte imortal, mas foi impedida pela mãe do menino.

Essa decisão pode ser interpretada como o desejo de ‘adotar’ um filho (que a consolaria da perda de Perséfone) e, ao mesmo tempo, como uma vingança contra Zeus e os Olímpicos, pois Demeter estava transformando um homem em deus. As deusas possuíam esse poder de outorgar a imortalidade aos humanos, e o fogo ou o cozimento do neófito figuravam entre os meios mais reputados.

Isso significa que o homem jamais encontrará a imortalidade física.

Enquanto figura arquetípica, a relação de Demeter e sua filha representa a ligação mãe e filha arquetípica presente na estrutura psíquica de toda mulher.

Von Franz (2010), diz que na psicologia da mulher, o arquétipo do Self  pode se apresentar sob os traços de uma mulher mais velha, ou então mais jovem (Demeter e Coré).

No processo de individuação a mulher na primeira metade da vida deve recolher as projeções que faz em sua mãe para que se torne individuo. E na segunda metade a mulher deve retirar a projeção que faz em sua filha. E essa ligação não é nada fácil de ser feita, pois se trata de uma ligação muito forte, e a ruptura dessa relação simbiótica é sentida como uma morte (Hades).

Demeter então representa o instinto maternal. Ela não consegue se ver como indivíduo fora da relação com um filho, por essa razão ela busca um filho substituto em Demofonte.

Como arquétipo materno representa a nutrição e a generosidade. Além de mãe de Perséfone era fornecedora de alimentação (como deusa do cereal) e de alimento espiritual (os mistérios eleusinos) (Bolen, 1990).

Deméter é a grande deusa das alternâncias de vida e de morte, que regularizam não somente o ciclo da vegetação, mas também de toda a existência. Ou seja, sem esses ciclos de vida e morte, não há fertilidade na terra, nem fertilidade psicologia.

O ato de descer ao Hades, realizado por Perséfone, simboliza uma descida ao inconsciente na busca do sentido da vida e da própria personalidade. Um processo iniciatório de morrer e nascer renovado.

O lado sombrio desse arquétipo é o a mãe que impede o crescimento dos filhos. A mãe destruidora. É o arquétipo que impede a independência do filho e o subseqüente desenvolvimento da personalidade. A perda do filho para o mundo é sentido como rejeição.

Toda mãe de certa forma e em variados graus, passam por esse sentimento quando os filhos crescem e saem de casa. É a síndrome do ninho vazio. Por essa razão é importante que a mulher desenvolva atividades criativas fora do âmbito da maternidade.

Esse é, portanto, um arquétipo que auxilia tanto homens e mulheres a nutrirem a si mesmos e aos outros, a serem generosos, a doar atenção e zelo, e a encontrarem satisfação como alguém que zela e provê a subsistência de outro. Ela nos proporciona a segurança interior que nos leva a crescer e prosperar.

É ela quem provê nossa subsistência física e nosso alimento espiritual, fornecendo o significado de nossas vidas por meio de uma iniciação nos mistérios da morte e renascimento.

 

 

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Perséfone – a deusa virgem e rainha do submundo

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Coré ou Perséfone é filha de Zeus, o senhor do Olimpo e Deméter, a Senhora da vegetação e da produtividade da terra. Conhecida como Prosérpina pelos romanos. A palavra Coré ou Kore, em grego, significa donzela ou filha. Por isso enquanto Coré é a Deusa doce e virgem.

Hades e Perséfone

Seu mito conta que vários deuses como Hermes, Ares, Apolo e Dioniso cortejaram Coré. Sua mãe Deméter, no entanto rejeitou a todos e escondeu a filha longe da companhia dos deuses.

Quando os sinais de sua grande beleza e feminilidade começaram a brilhar, em sua adolescência, Coré chamou a atenção de seu tio Hades que a pediu em casamento. Zeus, sem sequer consultar Deméter, atendeu ao pedido de seu irmão, que, impaciente, emergiu da terra e raptou-a enquanto ela colhia flores com as ninfas, ou segundo os hinos Homéricos, a deusa estava também junto de suas irmãs Atena e Artemis. Hades levou-a para seus domínios (o mundo dos mortos), desposando-a e fazendo dela sua rainha.

Irritada com Hades e Zeus, decidiu não mais retornar ao Olimpo, permanecendo na terra, abdicando de suas funções divinas, até que lhe devolvessem a filha. Inconsolável, acaba por se descuidar de suas tarefas levando as terras a tornarem-se estéreis e a escassez de alimentos.

Ela então se recusa a ingerir qualquer alimento e começa a definhar. Ninguém sabe lhe contar o que aconteceu com sua filha, mas Deméter depois de muito procurar finalmente descobre através de Hécate e Hélio que a jovem deusa havia sido levada para o mundo dos mortos, e junto com Hermes, vai buscá-la no reino de Hades (ou segundo outras fontes, Zeus ordena que Hades devolva a sua filha).

Como, entretanto Perséfone tinha comido uma semente de romã concluiu-se que não havia rejeitado inteiramente Hades. Assim, estabelece-se um acordo, ela passaria metade do ano junto a mãe, quando seria Koré, a eterna adolescente, e o restante com Hades, quando se tornaria a sombria Perséfone (Wikipedia, 2014).

Perséfone e Hades Plutão (com a cornucópia): gravura em fundo vermelho numa cílice, ca. 440–430 a.C.

A papoula e o narciso são as plantas a ela dedicadas. A papoula devido ao fato de ter abrandado a dor de sua mãe na ocasião de seu rapto. E o narciso, pois estava colhendo esta flor quando foi raptada por Hades. A ela também são associadas as serpentes.

Em seu mito podemos ver várias imagens arquetípicas importantes. Um deles é a imagem do rapto. A imagem do rapto representa um ritual de iniciação pertencente a ritos da vegetação. Normalmente, o rapto se consuma no outono, “quando os trabalhos agrícolas estão terminados”, os celeiros estão cheios e é, portanto, o momento de se pensar e preparar a próxima colheita (Brandão, 1986).

O rapto da noiva também era um costume entre os gregos e romanos onde a noiva sendo levada nos braços do noivo simula uma fuga e começa a gritar, pedindo o auxílio das mulheres que a acompanham. Psicologicamente isso significa que para a mulher o ato do casamento significa a morte. A morte de sua ligação com a mãe e de sua imaturidade enquanto mulher.

Pois para a relação mãe e filha o masculino é visto como violador e sequestrador.

Outro tema importante é o da heroína ou deusa que cai no sono da morte. Esse é um tema comum em contos de fadas. Heroínas como Branca de Neve e A Bela Adormecida ficaram adormecidas por um tempo devido a maldição de uma bruxa e despertaram por meio de um beijo de amor.

O mito de Perséfone pode fazer o seguinte paralelo com A Bela Adormecida: No conto a maldição do sono tem a duração de cem anos. Durante esse tempo o reino se tornou estéril e uma parede de espinhos cresceu ao redor do castelo. No mito a terra se torna estéril e sem vida, pois Demeter está sofrendo.

A esterilidade da Terra significa psicologicamente que o feminino está dormente, por essa razão não há fertilidade e tudo se tornou árido.

Ou seja, o mito da descida cíclica de Perséfone ao Hades e seu retorno a superfície simboliza as estações do ano e a fertilidade da terra, assim como os mistérios femininos, que inclui a espera pelo tempo certo para que algo amadureça.

Perséfone foi a figura central nos Mistérios de Elêusis, que por dois mil anos antes do cristianismo foi a principal religião dos gregos. Nos Mistérios de Elêusis os gregos experienciavam a volta ou renovação da vida depois da morte através da volta anual de Perséfone do Inferno (Bolen, 1990).

Era um rito centrado na Grande Mãe. Perséfone era uma deusa tipicamente cretense, assim como Hera, ou seja, ela era uma transposição da Grande Mãe, que foi assimilada pelos gregos, recebendo uma mãe grega, mas mantendo seu aspecto de fecundidade. Por essa razão era chamada de Hera infernal.

Perséfone também se liga a Afrodite, sendo que as duas rivalizavam em beleza. Com ela forma um par de opostos: a deusa da morte dos grãos e a deusa da vida dos grãos.

A híbrida Coré-Perséfone nos mostra dois arquétipos distintos em uma mesma divindade: o da jovem-virgem e o da rainha do mundo dos mortos.

Como a jovem Coré esbelta e bonita, está associada com símbolos de fertilidade: a romã, o grão, o milho, e também com o narciso. Como rainha do Inferno, simboliza uma deusa experiente que reina sobre os mortos, guia os vivos que visitam o mundo das trevas, e pede para si o que deseja.

Demeter e Perséfone

Coré representa a mulher presa a uma mãe dominadora e protetora. A eterna adolescente que não sabe o que quer e se deixa manipular por outras pessoas. Mesmo adulta está sempre voltada a agradar a mãe. Geralmente seu lado masculino é ausente e primitivo. O homem é visto como intruso nessa relação, sendo que somente um rapto, ou seja, uma possessão para ajudá-la a se relacionar com ele e adquirir características como objetividade e foco. Assim como A Bela Adormecida, espera para ser acordada de seu sono.

Já como Perséfone ela representa o aspecto feminino que empreendeu a descida ao inconsciente e ao sofrimento e por isso é capaz de guiar os outros em suas jornadas. Ela alcança um desenvolvimento psicológico e uma autonomia ao entrar em contato com sua subjetividade e não ficar presa a ela.

Perséfone é aquela que é capaz de regredir ao mundo interior quando necessário e de saber quando voltar para as exigências do mundo externo renovada.

Assim como Hera ela também é uma Rainha e ao contrário dela tem um casamento harmonioso com Hades, com raras brigas.

O rapto de Perséfone por Hades

Perséfone é o símbolo da função intuição, mas que amadureceu e mantém um relacionamento com sua contraparte inferior a sensação, representada pelo mundo subterrâneo e seu marido Hades. Nesse compromisso estabelecido com a função inferior é possível para a intuição materializar suas ideias no mundo exterior.

Para concluir, Perséfone é o arquétipo que nos auxilia em nossa descida a nossa própria profundeza. Ela é um guia, um psicopompo. A mediadora entre a realidade externa e a subjetividade interna. É ela, portanto, quem pode nos auxiliar na compreensão do significado simbólico de nossos próprios sofrimentos.

 

 

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Athè ou Hybris?

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Nunca conheci pormenorizadamente – não por falta de vontade, mas por outros motivos que não cabem nesse insight – as histórias marchetadas naquilo que chamamos de Mitologia Grega; no entanto, duas palavrinhas gregas prenderam-me a atenção enquanto eu assistia a uma aula chata na pós-graduação. Tais palavras foram: Athé e Hybris.

Explicarei, à grosso modo – até mesmo porque não achei quaisquer outras referências sobre o termo “athé”- , como o significado destas duas palavras chegaram a mim para que eu, por fim, pudesse elucidar algumas questões.

O termo “Athé”, na Mitologia Grega, significa “Loucura” (explicarei!) como um castigo dos deuses. Dessa forma, se alguma pessoa desobedecesse às vontades dos deuses poderia ser castigado com essa espécie de loucura, que era caracterizada pela perda do discernimento e da sabedoria.

Já o termo Hybris pode ser sucintamente explicado como uma loucura que se dá pelo excesso, pelo transbordante (em sua conotação negativa), pelo exagero de uma conduta gananciosa e egoísta do homem; ou seja, como consequência de seus sentimentos, pensamentos, atos ou mesmo cultivo dos pecados capitais (termo introduzido no Cristianismo). Aqui, é como se o homem pudesse escolher ser louco em troca dos prazeres que tais ganâncias dispunham.

Hoje, conseguimos associar a palavra “exagero” à loucura, mas podemos pensar também sobre sofrimentos e prazeres, escolhas ou alternativas embutidas nessa associação que às vezes fazemos de forma banalizada e impensada. Pensando bem, acredito que não há tanta diferença entre Athè e Hybris. Os dois termos se aproximam quando pensamos que ambos tratam-se de uma espécie de transgressão. E isso nos leva para reflexões mais prolongadas sobre, por exemplo, a chatice que o mundo é; o que nos obriga a transgredir suas (muitas vezes) infundadas normas em busca do prazer e da satisfação. É um tiro no pé, e nem mesmo o mundo sabe, ao certo, se nos quer loucos ou não, quando ele mesmo, por ser incoeso, mostra-se mais louco do que a mistura de todas as outras pequenas loucuras que nele existem ou mais louco do que a quantidade de pessoas que são diagnosticadas com um CID F.20 por aí. Mas esta já é outra história. Continuemos…

Sabemos que a loucura moderna – esta que lidamos hoje no século XXI – é, por diversos motivos, diferente da loucura “Hybris”, a qual responsabiliza só (e somente só) o sujeito pela sua condição de portador de transtorno mental. Já evoluímos o bastante para sabermos que os determinantes para o desenvolvimento de um transtorno mental não são puramente orgânicos e tampouco tratam-se simplesmente do cultivo consciente de uma luxúria ou gula. Quem dera fosse! Talvez algumas religiões dessem conta do recado. Talvez a Psiquiatria não ‘nascesse’ e ‘crescesse’ (e talvez mais um monte de coisa que só existiria porque são só ‘talvez’)…

Não é a minha pretensão estender tanta polêmica sobre Diagnóstico e práticas Psi’s. Minha indagação é básica, quiçá dispensável a outros leitores. O que venho colocar em análise é: a ciência moderna (nisto encastôo a Psiquiatria, a Psicologia e qualquer outro saber que lide com o sofrimento mental) tende a responsabilizar ou desresponsabilizar o sujeito de seu sofrimento mental? Como isso acontece, e porque?

Como dizer hoje em dia que o sujeito é agente responsável de seu tratamento e de sua melhora sem generalizá-lo como o único responsável pelo seu adoecimento? Como ponderar todos outros determinantes do adoecimento sem vitimar o sujeito? Como usar o diagnóstico como uma ferramenta de auxílio no tratamento e não como um álibi que o desresponsabiliza frente a todas suas condições de vida? Como não cair numa tendência assistencialista que, à vontade, fornece laudos e pareceres para defensorias e INSS, invalidando e incapacitando o sujeito? Como direcionar sua prática de modo que faça com que o sujeito se responsabilize por si próprio, não repetindo aquela velha ladainha de que ele é a doença? Como tentar promover a autonomia se você, como profissional, tem a crença de que aquele fulaninho nunca conseguirá fazer algo útil? Como olhar nos olhos do usuário ao invés de olhar somente as informações contidas em seu prontuário? A parte metodológica do processo é sempre a mais difícil de ser respondida. O que é certo ou errado nos salta aos olhos prontamente, mas a visualização do caminho a ser percorrido, ou seja, do ‘como’ fazer, encontra-se de tão embaçada, embaraçada.

A loucura ainda é Athé, se considerarmos o mundo, as ciências e nós sociedade como deuses preconceituosos, inflexíveis e incompreensíveis que castigam amiúde seus homens quando estes tentam fazer com que a vida seja, ao menos, suportável. E, em partes, a loucura ainda é Hybris também, porque há aqueles que protestam e tentam transpor (eis a característica transbordante do Hybris), a barreira alienante de um mundo alucinado. No fim das contas, a questão não é a de culpar alguém: deuses ou pecadores, é só a de pensarmos se às vezes estamos nos endeusando demais ou nos culpando demais. Acho que é isso.

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