Experiência com um grupo de adolescentes: a dor que agrega

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“Quando percebem que foram profundamente ouvidas, as pessoas quase sempre ficam com os olhos marejados. Acho que na verdade trata-se de chorar de alegria. É como se estivessem dizendo: “Graças a Deus, alguém me ouviu. Há alguém que sabe o que significa estar na minha própria pele”

 (Carl Rogers)

  Eu os ouvi atenciosamente. Mas eles me ouviram sem eu dizer ao menos, uma só palavra.

Era correria, eu precisava iniciar mais um semestre. Devido a motivos pessoais, voltar as atividades acadêmicas foi um grande desafio.  Nem de longe, imaginei que esse período seria repleto de tantas mudanças. Estou cursando o quinto período de psicologia e depois de ter contato com tantas teorias, tive a oportunidade de aplicá-las e pude sentir na pele os desafios da profissão.

Matéria prática, primeiro grupo que tive oportunidade de gerir, teríamos que trabalhar com adolescentes. Éramos em três, eu, Isaura e Lorena. Tivemos o primeiro contato com o grupo e foi desesperador. 19 adolescentes e três estagiárias – já contava que iria ser difícil, de fato isso é uma coisa que qualquer acadêmico deve esperar.

Tivemos literalmente que nos desdobrar, era muita coisa a ser feita, conhecer os participantes, se apresentar, falar o motivo de estarmos ali, colher demandas… e opa, colher demandas.

Esse foi o meu primeiro choque. A primeira coisa que me fez despertar para o real sentido de estarmos ali, longe de qualquer teoria ou obrigação, eram DEZENOVE adolescentes, cada um com uma história de vida e apesar de terem “só” 12 anos já possuíam muitas aflições.

A cada encontro era perceptível como cada um deles me afetava diretamente. Então percebi, minha grande superação não estava relacionada somente ao profissional, estava interligada a minha vida pessoal!

As demandas eram diversas, mas se resumiram basicamente em comunicação não assertiva, depressão, automutilação e suicídio.

Fonte: https://goo.gl/XdDCpm

Como que em tantas possibilidades, eu fui gerir um grupo exatamente com demandas similares às minhas?  Já dizia Jung:

“O que não enfrentamos em nós mesmos, encontraremos como destino”

Acho que foi isso, talvez o destino tenha me presenteado com a possibilidade de enfrentar minha dor juntamente com aqueles 19 adolescentes. Não tive a alternativa de desistir, não tive escolha. O destino, dessa vez, me acertou em cheio!

Recentemente perdi um amigo para o suicídio e isso tem me feito passar por várias transformações. Tentar ressignificar essa perda me fez sentir muitas dores. Não me sinto totalmente livre delas e durante um período significativo, reprimi qualquer tipo de sentimento que surgia em mim.

Mas agora, eu estava ali.  Naquele grupo, com aquelas demandas. Eu era exposta diariamente a minha dor e a dos demais participantes.

Eu via meus medos. Eu via minha incapacidade de revolução. Eu via todas as possibilidades infinitas dos diversos fatores que levam uma pessoa a ter práticas de autolesão. Eu via minhas angústias. Eu via meu amigo em cada rostinho daquele.

Eu não podia transferir esses sentimentos para o grupo. Me resguardava na ética profissional e dava o meu melhor a cada encontro. Era libertador participar de um grupo tão bem desenvolvido. Era reconfortante perceber como um auxiliava na dor do outro e como o grupo por inteiro, se engajava. No final, era terapêutico e o grupo em si, era uma grande rede de apoio.  

Mas não vou negar, após finalizar eu sempre me permitia sentir o impacto, o peso, a responsabilidade de estar ali. As lagrimas escorriam, e meu coração mesmo estando cheio de gratidão, pagava o preço. E assim como eles se tinham, eu tinha eles, e tinha principalmente, minhas colegas de estágio.

Essa experiência singular foi um grande crescimento profissional e acrescentou significativamente minha história de vida pessoal.  Pra finalizar, eu quero dizer que:

“Eu sinto que sei que sou um tanto bem maior”
(O Teatro Mágico)

Gratidão grupo, por tanto crescimento!

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Experiência com um grupo de adolescentes: ninguém é feliz sozinho

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Meu primeiro estágio em campo. O primeiro grupo que ajudei a gerir. Meu primeiro dilema ético relacionado à minha futura profissão.

No início, eu imaginei que não seria fácil lidar com pessoas entrando na adolescência e com demandas tão sérias. Até então automutilação, depressão, bullying e depressão na adolescência eram palavras. Palavras, daquelas que você escuta, lê em textos, e até usa pra dar sua opinião com base em coisas que você acredita. Era o que eu sabia sobre esses temas.

Essa é dificuldade de saber qual é a real situação pela qual uma pessoa passa, ouvir em sala de aula (o que é muito importante) não é suficiente pra te amparar na realidade. Eu não estava nervosa ao ver dezenove pessoas sentadas ao chão, contando suas necessidades, dividindo suas histórias conosco. Me senti feliz por terem confiado na gente, as palavras fluíram como se já estivéssemos acostumadas.

O primeiro choque foi também no primeiro dia, quando uma adolescente se abriu para nós em prantos. Ao final do encontro todos a abraçaram, aquilo foi especial. Durante o acolhimento, em uma sala reservada, enquanto ela falava, eu soube o que era a realidade, dessa vez com meus próprios olhos. Aquilo aconteceu muitas outras vezes.

Durante os outros encontros tive a certeza de que aquelas pessoas, todas elas, eram especiais. O grupo tinha uma energia própria antes mesmo da gente intervir, existe um termo psicológico pra isso. Porém, aqueles seres humanos para os quais devíamos oferecer ajuda nos ensinaram tantas coisas que não caberiam nesse relato. Eles transcenderam qualquer expectativa.

Fonte: https://bit.ly/2IyAOLp

Uma vez, eu estava em um fórum no qual um palestrante americano relatou uma experiência sua em grupo, onde em um momento de solidariedade todos se abraçaram e repetiram juntos:

“Miracles can happen! Miracles can happen!”

“Milagres acontecem! Milagres acontecem!”

Ele contava rindo, pois foi algo que julgou ser impossível de acontecer, até as pessoas simplesmente fazerem. O relato daquele palestrante foi a única coisa que veio à minha cabeça quando, ao final de um encontro todos aqueles jovens se abraçaram chorando e cantaram uns para os outros:

“Eu ouvi palavras ditas com carinho

De que na vida ninguém é feliz sozinho

E você é um alguém que sempre me fez bem

Me protegeu e me tirou de todo perigo

E quando eu precisei você chorou comigo

Valeu por você existir, é tão bom te ter aqui […]”

Nem eu, ou minhas colegas conseguimos conter as lágrimas. Aquele gesto daqueles adolescentes vistos como brigões, imaturos e indisciplinados me ensinou algo que nenhum professor poderia, que transcendeu qualquer aprendizado acadêmico. Dar apoio para quem precisa, estar perto, se abrir, ser honesto, agradecer uma amizade, são gestos que devemos levar para nossas vidas.

Imagem do adesivo confeccionado como lembrança e entregue aos integrantes do grupo.

Nossa vontade ao ver tanto sofrimento naqueles jovens, que até alguns dias atrás eram crianças, às vezes era de chorar com eles, às vezes era de iniciar uma revolução. Nos controlamos para não fazer nenhum dos dois. Nosso trabalho foi de “formiguinha”, pois a verdadeira revolução deve ocorrer dentro de cada um.

Depois de tudo que vivi esta frase nunca fez tanto sentido como hoje faz:

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

Carl Jung

Espero ter ajudado cada uma daquelas almas. Espero que essa frase faça mais sentido a cada dia.

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Grupos Operativos: da teoria à prática

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Ao longo do processo de formação, principalmente do profissional da saúde, os acadêmicos de cursos superiores se deparam com muitas situações conflitantes, especialemente no último ano do curso. Além das demandas acadêmicas, surgem as demandas da prática pré-profissional e a preocupação com o seu futuro mercado de trabalho.

Conhecer as inseguranças dos futuros profissionais passa a ser então uma preocupação, principalmente para a Universidade e o Mercado de Trabalho, pois se o primeiro ser continente a esses receios do início da atividade profissional, o mercado de trabalho terá pessoas melhores preparadas para a realidade dos serviços.

Pensando nisso, a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (EERP/USP) usou a teoria de Grupos Operativos criada pelo psicanalista suíço Pichon Rivière, para proporcionar aos discentes do oitavo período um momento de trocas de experiências quanto às demandas, emocionais e profissionais, que surgem na reta final do curso.

Fonte: goo.gl/D5cUkG

Grupos Operativos

Um Grupo Operativo tem por objetivo proporcionar aos seus participantes um espaço que o auxilie no processo de aprendizagem, seja ela de qualquer natureza, em um movimento de desestruturação, estruturação e reestruturação (BASTOS, 2010).

A técnica de grupos operativos pressupõe uma tarefa explícita, podendo ser um tratamento ou aprendizagem; uma implícita, que é a maneira como cada integrante do grupo irá vivenciar o grupo; e o enquadre, que é composto por elementos fixos, como o tempo, a duração das sessões, a frequência dos encontros, local, o papel exercido pelo coordenador, observador, e participantes do grupo (BASTOS, 2010).

Nesse pensamento, a teoria pichoniana, abarca também, dois conceitos que completam a estruturação do grupo, a verticalidade e horizontalidade. A primeira diz respeito à história individual de cada sujeito, enquanto a segunda refere-se ao campo grupal. As duas afetam e são afetadas pela dinamicidade do grupo (MENEZES; AVELINO, 2016).

Fonte: goo.gl/hCWjZj

Bastos (2010) aponta esse movimento como um cone invertido, e nele ele estão incluídos seis vetores, que estão ligados e permitem visualizar o crescimento grupal.

Em poucas palavras, a pertença consiste na sensação de sentir-se parte, a cooperação consiste nas ações com o outro e a pertinência na eficácia com que se realizam as ações. Por outro lado, a comunicação pode ser caracterizada como o processo de intercâmbio de informação, que pode ser entendido desde o ponto de vista da teoria da comunicação ou a partir da teoria psicanalítica, etc.; a aprendizagem, como a preensão instrumental da realidade e a telé – palavra de origem grega, tomada de Moreno –, como a distância afetiva (positiva-negativa) (VISCA, 1987, p. 39apud BASTOS, 2010, p. 165).

Um Grupo Operativo possui, basicamente, três momentos, sendo eles: a pré-tarefa, tarefa e projeto. A pré-tarefa, que é caracterizada pela resistência a inicialização da tarefa, isso porque o desconhecido produz medos e insegurança. A tarefa é basicamente o momento em que o grupo consegue elaborar os medos e ansiedades provocados pelo novo e se engajar no processo de mudança, e assim, consegue surgir o projeto, momento de planejamento e execução dos objetivos iniciais. (ZIMERMAN; OSORIO, 1997)

Sobre os papeis que compõe o grupo, Campos (2010) pontua que alguns são fixos, como o de coordenador, sendo esse responsável por direcionar o grupo a sua tarefa, articulando e problematizando os discursos sobre os temas propostos; e o observador observar e registrar tudo que ocorre no grupo, assim como resgatar demandas do grupo. Já outros surgem no decorrer do processo, como por exemplo, o porta- voz (expõe conteúdos latentes do grupo), bode- expiatório (depositório dos aspectos negativos do grupo), Sabotador (representa a resistência à mudança).

Apresentação do Grupo

Trata-se de uma intervenção que foi desenvolvida de 15 de outubro a 03 de dezembro de 2001. Foram sete encontros, que ocorreram semanalmente às segundas-feiras com duração de uma hora e trinta minutos, das 17 às 18h 30min, sendo realizado na EERP/USP por uma equipe constituída por um coordenador e dois observadores, que eram professores do curso de enfermagem.

Todos os alunos matriculados no oitavo período foram informados sobre a finalidade do grupo, porém apenas sete participaram efetivamente, sendo que ocorreram faltas esporadicamente, por convergir com horários de estágios supervisionados. O grupo foi heterogêneo quanto ao sexo e homogêneo quanto ao curso e período dos discentes. Os próprios alunos, no primeiro encontro, deram sugestões dos temas a serem trabalhados nos próximos encontros, e à medida que os encontros iam acontecendo, tantos os alunos quanto os coordenadores faziam contribuições e sugestões de novos temas a serem trabalhados.

Fonte: goo.gl/X8mNa1

Objetivo da intervenção

O objetivo do grupo foi proporcionar aos estudantes, matriculados no oitavo semestre, do curso de Graduação em Enfermagem da EERP/USP, um momento de compartilhar as suas ansiedades, medos e dúvidas, que surgem em decorrência das exigências do último ano da graduação em um formato de grupo operativo. Desse modo os temas discutidos e escolhidos pelos discentes foram relacionados à sua futura prática profissional, como por exemplo: “transição aluno-enfermeiro”, “perspectivas futuras”, “competição”, “o ser enfermeiro” ou mesmo “funcionamento de grupos”. Ou seja, a tarefa explícita do grupo foi conhecer como seria a transição do “ser aluno, para o ser enfermeiro”, e assim tentar diminuir as ansiedades advindas do processo.

Fonte: goo.gl/VGyRzv

Metodologia

O primeiro contato com o possível grupo foi feito por meio de correspondência, onde foi informado o objetivo do grupo e o primeiro estabelecimento do enquadre do grupo, onde foram passadas as informações sobre duração, local, hora, objetivos e término do grupo, (deixando aberta a possibilidade de negociação dos horários e local) e que os estudantes que tivessem interesse procurassem os responsáveis pelo grupo. No encontro inicial foi restabelecido o enquadre e as funções do coordenador e dos participantes. As atividades e temas foram propostos pelos próprios estudantes, sobre questões que classificaram como importante, para facilitar a fluidez do grupo segundo seu tempo e necessidades

A configuração dos encontros e a maneira de trabalhar os temas propostos foram da seguinte forma: nos primeiros 30 minutos era realizado um aquecimento inespecífico e um disparador temático para os temas que seriam tratados em cada encontro. Em cinco encontros foram trabalhadas as crônicas referentes aos temas levantados e os observadores sempre ficavam atentos aos vetores que emergiam a cada encontro.

Apesar da influência das ansiedades iniciais no primeiro encontro, pôde-se considerar que os participantes cumpriram a tarefa, exercendo os vetores de pertença, cooperação, pertinência, comunicação e aprendizagem. A partir do segundo encontro, encontrou-se mais dificuldade com a aparição de um sabotador e na tentativa de tratar o tema proposto pelo coordenador.

Fonte: goo.gl/kpdJRQ

No terceiro encontro, o problema anterior foi superado e identificou-se fantasias em relação ao futuro por parte do grupo. Os vetores do encontro foram pertença, pertinência, cooperação, comunicação, e predominantemente a aprendizagem. O quarto encontro teve uma fuga do tema inicial, possivelmente denotando outras ansiedades dos formandos, porém posteriormente com um movimento de aproximação à temática. Os vetores principais foram afiliação, pertença, cooperação, pertinência e comunicação.

Para finalizar, no último encontro foi realizada uma avaliação final, na qual os integrantes do grupo tiveram a oportunidade de relatar como foi a experiência de pertencer ao grupo e se as suas expectativas foram atingidas. Os coordenadores/observadores apresentam ao final, suas dificuldades relacionadas a executar um grupo através da proposta Pichoniana, pois também exerciam a tarefa de professores dos formandos.

Fonte: goo.gl/dHZzij

Desse modo pôde-se observar como a dinâmica grupal proposta por Pichon se estrutura na prática, em uma realidade totalmente pertinente que propicia a evolução dos indivíduos envolvidos. Os grupos à luz de Pichon, focados na aprendizagem, demonstram grande eficácia em um leque grandioso de áreas de atuação. Como demonstrado pelo grupo de formandos, outros grupos formados com base nessa teoria, de maneira responsável e crítica, podem alcançar excelentes resultados.

REFERÊNCIAS:

CAMPOS, Alice Beatriz B. Izique. A técnica de grupos operativos à luz de Pichon-Rivière e Henri Wallon. Psicólogo in Formação, ano 14, n. 14, jan./dez. 2010

CORRÊA, Adriana Katia; SOUZA, Conceição B. de Mello e; SAEKI, Toyoko. Transição para o exercício profissional em enfermagem: uma experiência em grupo operativo. Escola Anna Nery, [s.l.], v. 9, n. 3, p.421-428, dez. 2005. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1414-81452005000300010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ean/v9n3/a10v9n3>. Acesso em: 05 fev. 2018.

MENEZES, Kênia Kiefer Parreiras de; AVELINO, Patrick Roberto. Grupos operativos na Atenção Primária à Saúde como prática de discussão e educação: uma revisão. Cadernos Saúde Coletiva, [s.l.], v. 24, n. 1, p.124-130, mar. 2016. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1414-462×201600010162. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cadsc/v24n1/1414-462X-cadsc-24-1-124.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2018.

ZIMERMAN, D. E.; OSÓRIO, L. C. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

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