Harry Potter e o Enigma do Príncipe: a separatio no processo de individuação do herói

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Harry Potter e o enigma do Príncipe é o sexto filme da franquia e se inicia logo após o confronto com Voldemort e os comensais da morte. Harry é levado por Dumbledore para o povoado de Buddleigh Baberton, onde conhece Horácio Slughorn, professor antecessor de Severo Snape de Poções da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Dumbledore o que de volta, pois o ex-professor possui em segredo muito importante.

Apesar do tom obscuro e do estado da nigredo permanecer no filme, a ênfase principal do filme é o crescente interesse de Harry por Gina Weasley. Potter já havia iniciado um encontro com o feminino nos filmes anteriores, mas com Gina está também em desenvolvimento o que na alquimia é conhecida como Coniunctio, o casamento sagrado. No filme a Câmara Secreta esse encontro já se anunciava. Potter mata o monstro e salva Gina.

Gina estava sendo controlada por Voldemort mostrando que a anima do herói estava enfeitiçada, ou seja, misturada com aspectos sombrios. Se em Câmara Secreta o lado feminino do herói se encontrava contaminado por elementos sombrios e precisou ser resgatada para que ocorresse a diferenciação desse componente psíquico. Em O enigma do Príncipe vemos Gina diferenciada e sendo por vezes auxiliar e inspiradora de Harry.

Pois bem com Gina mais amadurecida e diferenciada, Harry passa a estabelecer um relacionamento com ela. Mas antes de aprofunda no tema da coniunctio é importante salientar que Harry ainda está vivendo a sua nigredo, a noite escura da alma, e a mortificatio ainda está acontecendo. A morte ainda está presente em O Enigma do Príncipe.

Nessa continuação o professor Snape se mostra um traidor e que está aliado a Voldemort. Dumbledore ainda confia nele e o coloca no posto de professor de Defesa Contra as Artes das Trevas. A traição, o medo e a busca de defesa contra o lado sombrio do inconsciente. Psicologicamente o uso de magia é uma forma do ego se proteger daquilo que não conhece, ou seja, da força do inconsciente, a qual é assustadora para o ego.

Os povos mais primitivos se valiam muito de magia, mas ainda vemos resquícios das artes mágicas nas religiões e ordens esotéricas atuais. Apesar de nossa sociedade ocidental conscientemente ter evoluído em termos culturais, tecnológicos e intelectuais e de haver alcançado um nível de ciência que explica boa parte dos fenômenos, ainda estamos engatinhando quando o assunto é o inconsciente. Por mais que nos vangloriemos de ser uma sociedade evoluída intelectualmente ainda somos tomados por atitudes “mágicas” como forma de proteção. Fazemos isso quando queremos nos proteger do mau olhado, inveja e tomamos banhos, oramos, rezamos e fazemos alguns rituais para ocorra a proteção externa.

Carregamos de nossos ancestrais esse costume. Ainda está entranhado em nosso inconsciente esse pensamento mágico, fantasioso e mitológico e a saga Harry Potter nos mostra isso: em momentos de crise, quando ocorre um abaixamento do nível mental e da consciência do ego, regredimos a um nível mais arcaico e primitivo e essa herança, que faz parte de nossa história é acessada.

Harry descobre que Voldemort que usou um feitiço para se tornar imortal: maldição das Horcruxes. Horcruxes são objetos nos quais um indivíduo pode depositar parte de sua alma para continuar vivo caso seu corpo seja destruído. Isso é alcançado através do assassinato de uma pessoa. Voldemort, obcecado pela imortalidade, dividiu sua alma em sete pedaços, criando seis Horcruxes que se esconde nos seguintes locais: O diário de Tom Riddle; O anel de sua mãe, O medalhão de Salazar Sonserina; a taça de Helga Lufa-Lufa; O diadema de Rowena Corvinal e a serpente Nagini. Duas já foram destruídas (O diário e o anel), e uma terceira foi localizada: O medalhão.

Essa operação da Horcruxes simboliza a operação alquímica da separatio. A separatio consiste em pegar o composto conhecido como matéria prima, que se trata de uma confusa mistura indiferenciada. Em termos psicológicos significa a criação da consciência por meio da separação dos opostos. E o primeiro par de opostos com os quais nos deparamos é o Eu e o Não – Eu; Ego e inconsciente.

A separatio é por vezes acompanhada da mortificatio, ou seja, em toda separação há dor lamentação e perda. A separação da alma do corpo também é um símbolo dessa operação alquímica. Essa separação da alma de Voldemort significa que o conteúdo sombrio se dividiu ao atingir a consciência e agora pode ser digerido pelo ego. Pois assim como o organismo precisa quebrar as moléculas dos alimentos para que se possa fazer a absorção do que é necessário para o corpo e descartar os resíduos, os conteúdos do inconsciente precisam ser separados para que o ego assimile melhor os aspectos sombrios sem sucumbir a uma dissociação.

Além disso, a operação mortificatio ainda está em andamento e Dumbledore é morto por Severo Snape, que revela a Potter ser o Príncipe Mestiço. Harry, na aula de poções mágicas, começou a usar um livro que um dia foi propriedade desse Príncipe Mestiço. Graças a uma série de encantos e dicas escritas nos versos do livro, o herói torna-se o melhor aluno da classe e ganha do professor Slughorn um frasco de Felix Felicis, uma poção da sorte, que lhe auxilia na descoberta das Horcruxes.

Pois bem, a morte de Dumbledore, mostra que Harry está mesmo sozinho e precisará confrontar seus aspectos renegados e esquecidos sem ajuda mágica. Quanto ao Príncipe Mestiço, ainda paira um segredo sobre essa figura que será revelado nos próximos filmes, pois o mesmo possui uma atitude bem ambígua: ele mata Dumbledore, mas acaba auxiliando Potter com as dicas no livro. Ele de fato, sabia que o livro cairia nas mãos do menino bruxo.

A separatio é uma operação alquímica que prepara para a coniuctio superior, ou seja, para o casamento do Sol e da Lua, masculino e feminino e a junção e para a ampliação de consciência. Resta saber se Potter irá suportar essa separação de opostos e a mortificatio que lhe acompanha.

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E. F. Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. Psicologia e Alquimia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1990.

VON FRANZ, M. L. Alquimia – Introdução ao simbolismo. São Paulo, SP: Cultrix, 2004.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E O ENIGMA DO PRÍNCIPE

Adaptação de: Livro Harry Potter e o Enigma do Príncipe
Direção: David Yates
Duração: 2h 33m
Série de filmes: Harry Potter
Ano: 2009

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Harry Potter e a Ordem da Fênix

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O filme se inicia com um ataque dos dementadores ao mundo dos trouxas. Harry usa seus poderes para livrar seu primo Duda do ataque dos dementadores e vai a julgamento por isso, pelo Ministério da Magia Harry inicia essa nova jornada ainda no estágio da mortificatio, como citado no texto anterior: Harry Potter e o Cálice de Fogo. Aqui partes do ego do herói ainda precisam morrer para que ele se desenvolva e amadureça mais ainda.

O Ministério da Magia não acredita que “Aquele que não se pode pronunciar o nome voltou” e sobre isso é importante colocar algumas observações.

Quando algo, ou alguém, não tem um nome também não possui existência. Ao nascermos, recebemos nomes e um registro de nascimento. No nome está a nossa personalidade. Ao não nomear o mal, estamos nega-se a sua existência. Essa é uma atitude muito comum no Cristianismo, que se refere ao Mal como a ausência do Bem.

Pois, por mais paradoxal que isso possa soar, ao não nomear o Mal e ignorar a sua existência lhe damos mais força. É comumente dito pela psicanálise e pela psicologia analítica que todo conteúdo psíquico ignorado retorna ao inconsciente se transformando em um complexo autônomo, com força e energia para tomar o ego e deixá-lo subjugado.

Em psicoterapia ao nomear um problema é colocado um rótulo nesse problema. Ao dizer ao paciente: “Isso é um Complexo Materno!”, rotula-se o problema e se utiliza a racionalização. Conforme Von Franz (1984) nomear um complexo é um produto da esperteza humana. Uma forma de aprisionar, por meio de sua sagacidade e inteligência, coisas que comumente lhe escapam.

Nós comumente desaprovamos a racionalização, pois usamos a palavra no sentido depreciativo. Dizemos: ‘”Não racionalize!”. Mas como em tudo mais, existe um duplo aspecto nisso: de fato, constantemente temos que utilizar a mente e a inteligência para aprisionar gênios e outros demônios.”(VON FRANZ, 1984).

A questão é que usar um pouco de racionalização pode auxiliar a pessoa a sair do estado caótico e seguir em frente. Essa é obviamente uma solução temporária e o conteúdo aprisionado pelo rotulo deve ser encarado. E é justamente a luta pela aceitação por parte da consciência de que existe um problema, ou seja, um complexo autônomo sombrio atuando, que o herói trava nesse filme da série.

Harry então é levado até a casa de Sirius Black e lá ele conhece a Ordem da Fênix. Uma ordem secreta de bruxos que acreditam em Harry e estão em prontidão de combate contra o Voldemort e seus aliados. Harry, Hermione e Rony retornam a Hogwarts e lá há outra professora de Defesa contra as Artes das Trevas, contratada do Ministério da Magia. A irritante Dolores Umbridge, que resolve ensinar a eles por um livro, ao invés da prática. Ela também desacredita Harry dizendo, que Lord Voldemort não voltara. Ela passa a perseguir Potter e praticar bullying com ele e com quem se aliasse ao garoto.

Depois de algum tempo, Dolores é colocada pelo Ministério como Alta Inquisidora de Hogwarts. Com isso, Harry e alguns de seus amigos fazem um grupo secreto chamado Armada de Dumbledore para ensinar verdadeira Defesa contra as Artes das Trevas. E o professor é Harry!

Sobre essa Inquisição imposta por Dolores é importante colocar que a professora é o símbolo da repressão que a consciência impõe a qualquer conteúdo do inconsciente que está aflorando. Toda e qualquer mudança não é bem vinda pelo ego, em um primeiro momento. Vide as principais mudanças da humanidade: todas precedidas por perseguições e guerras.Sobre o bullying sofrido por Potter é importante salientar que existe uma tendência na consciência a se manter no mesmo estado. Há uma força que nos impele a nos manter inconscientes e dissolvidos no coletivo.

Quando uma pessoa se individua, deixa de ser um carneiro do rebanho e o equilíbrio do grupo deve ser restabelecido. No momento em que um dos fatores se retira os outros sentem como uma ameaça a lacuna assim criada; tornam-se então agressivos e tentam forçar o infiel a retornar ao nível inconsciente anterior (VON FRANZ, 2010).

Harry está seguindo no caminho da individuação e não está mais no estado inconsciente a respeito dos aspectos sombrios reprimidos e esquecidos. Por essa razão a figura da Inquisidora aparece. É como a pessoa que empreende um processo de analise e em seguida a família toda começa a ficar agitada e agressiva com essa pessoa.

No entanto, no aspecto positivo, quem segue o processo de individuação consegue influenciar sem esforço, outras pessoas; pois existe uma força no interior de cada ser humano que impele à consciência.
Essa força de atração para a consciência se vê no filme, quando Potter se torna professor. Sua vivencia com o inconsciente e com os desafios e as dores superados, o acionam como alguém que pode ensinar a outros a seguir seu próprio caminho.

Como citado ano começo do texto, Harry ainda está no processo alquímico denominado Mortificatio, que se iniciou com a morte de Cedrico. Ele parte com seu grupo de amigos em busca da profecia a respeito dele e de sua ligação com Voldemort, e descobre que um só pode viver se o outro morrer. A mortificatio está associada à nigredo, ou seja, ao negrume e à cor negra.

A nigredo é um estado muito doloroso muito difícil, pois se refere à sombra. No filme Potter reclama, xinga e é injusto muitas vezes, principalmente com Hermione e Rony. Ele está em contato com o que há de pior em sua alma, ele está se conscientizando sobre sua própria sombra. Esse negrume tem origem com a morte de alguma coisa. Como visto no filme anterior, o que morreu foi uma parte de Harry identificado com uma persona perfeita.

Conforme Edinger (2006), explosões de afeto, ressentimento, prazer e exigência de poder devem se submeter à mortificatio para que a libido emaranhada em formas infantis e primitivas se transforme. E Potter vai submeter essas explosões de afeto infantis suas à mortificatio. Ao buscar a resposta sobre sua condição seus amigos se tornam presas do grupo e Voldemort. A Ordem da Fênix então vai até lá e se inicia o confronto; um embate entre opostos onde Harry se encontra.

E nesse embate Sirius Black morre.

Sirius, como visto em O Prisioneiro de Azkhaban, é o padrinho de Harry e um símbolo do complexo paterno do menino. Von Franz (2010) diz que quando alguém morre em um sonho, isso indica que essa pessoa não representa mais de maneira válida o conteúdo inconsciente que nela se encarnava. Mas a energia psíquica que estava investida sob essa forma não se perderá; reaparecerá em outro nível.

A energia então investida em Sirius Black foi transformada e Potter agora terá que investi-la em algo mais evoluído. O arquétipo do Pai que está por trás do complexo paterno de Potter será investido em algo mais evoluído. Potter admira e busca figuras paternas em pessoas mais velhas. Observamos esse complexo atuando, quando o bruxo busca constantemente a atenção e aprovação de Dumbledore.

A questão do complexo paterno para o menino está ligada a formação de sua identidade masculina. Na relação com Sirius e Dumbledore, o menino descobriu o pai humano e acessível e essa imagem deixou de ser distanciada da realidade e idealizada. Agora ele consegue ver as qualidades e defeitos do pai. Potter está em processo de afirmação de sua identidade masculina e assimilando em sua personalidade as características desse pai da qual ele foi privado de contato afetivo. Por essa razão Potter é tão inseguro quanto a si mesmo.

É o pai que permite que o filho se lance no mundo externo com segurança. Ele sai do âmbito familiar para a sociedade, para colocar seus dons e criatividade a serviço do coletivo. A relação com o pai permite que o menino não caia na imagem do puer aeternus e assuma a sua virilidade e passe a ter um papel social. Potter então terá que colocar seus dons a serviço de algo maior. Ele assumirá a responsabilidade de ser o herói. Veremos então esse desenvolvimento da personalidade do herói nos próximos filmes da série.

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E. F. Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.
VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.
VON FRANZ, M. L. A individuação nos contos de fadas. 3 ed. Paulus: São Paulo: 1984.
VON FRANZ, M. L. O feminino nos contos de fada. Vozes. São Paulo: 2010.

FICHA TÉCNICA 

HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX

Adaptação de: Livro Harry Potter e a Ordem da Fênix
Direção: David Yates
Série de filmes: Harry Potter
Duração: 2h 22m
Ano: 2007

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