Persépolis – infância em HQ

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“Eu vivi uma revolução que fez perder uma parte da família.
Sobrevivi a uma guerra que me afastou do meu país e
dos meus pais… e foi uma banal história de amor
que quase me levou embora”

Embora essa História em Quadrinhos (HQ) tenha sido escrita no início dos anos 2000, antes do atentado de 11 de setembro, antes da crise de refugiados, Persépolis continua mais atual do que nunca. A obra tem esse nome em referência a cidade de Persépolis — foi uma das capitais do Império Aquemênida, o primeiro Império Persa, que hoje leva o nome de Irã.

O Irã era comandado por um Rei que é chamado de Xá, ele foi deposto em 1979 em uma revolução popular chamada de Revolução Iraniana ou Revolução Islâmica e com isso o Irã passou a ser comandado por um Aiatolá, que é uma autoridade religiosa islâmica. É diante desse contexto histórico que Marjane Satrapi escreve – e desenha, sua autobiografia intitulada Persépolis.

Diante dos olhos de Marji (como é chamada pelos amigos e família), vemos como tal revolução mudou a vida da população iraniana. Aos 10 anos de idade ela, que vivia em um Irã não tão fundamentalista (muito pelo contrário porque durante Xá o Irã era um país até bem ocidentalizado), vê-se obrigada a usar véu, ela que estudava em uma escola francesa laica, onde meninos e meninas estudavam juntos agora há uma divisão entre eles e a lei islâmica passou a ser ensinada de modo obrigatório. Evidentemente, o processo de compreensão dessa mudança em sua cabeça não foi pacífico, pois ela cujos pais eram muito politizados, não conseguia compreender porque agora os pais não podiam mais falar certas coisas, não podem mais ir a festas etc.

Fonte: encurtador.com.br/vwzLV

Durante a sua adolescência seus pais decidem mandá-la para Áustria, para que assim Marji possa realmente se expressar sem a preocupação de ser presa (por usar batom por exemplo). Ela conta com uma riqueza de detalhes como foi essa mudança cultural em sua cabeça, pois ela que vinha de um país com cultura extremamente religiosa, agora vivia na Áustria e convivia com jovens do movimento anarquista, vamos saber também como foi o seu primeiro relacionamento e o primeiro término, ela nos mostra toda a sua jornada de amadurecimento e como foi a sua adaptação nessa sua nova realidade.

Essa HQ nos faz entrar em contato com a condição da mulher em um Irã fundamentalista, mostrando como elas passam a ter o seu direito de escolha reprimido desde a infância, esse quadrinho é ótimo para abrir os olhos a uma realidade pouco estudada. Essa história nos faz pensar que aquele estereótipo de submissão de algumas mulheres não é bem assim, já que mostra o inconformismo e a reação delas diante das circunstâncias, outro ponto muito legal nesse quadrinho é o senso de humor que vai sempre estar presente.

Então essa é a minha dica de livro/quadrinho para você compreender um pouco mais a realidade da Revolução Islâmica diante dos olhos de Marji ao longo de sua história.

Referência:

SATRAPI, Marjane. Persépolis. 1.ed. São Paulo: Quadrinhos na Cia, 2007.

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Superman: o nascimento de um herói

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Ele não era como os demais; ainda criança notou que era diferente. Seus pais cuidavam com zelo de sua criação, porém seu verdadeiro pai não era daqui.  Cedo estava ciente de que algo diferente o esperava, porém somente mais tarde trocou poucas palavras com seu verdadeiro pai, de forma não muito convencional. Sabia que tinha grandes responsabilidades e o fato de ser filho de quem era só aumentava a sua certeza de que devia cuidar daqueles que eram fracos e oprimidos na luta contra as violências e as injustiças. Ainda que soasse absurdo, entendia que essa preocupação lhe traria mais incompreensões do que apoios e que quem estivesse ao seu lado seria alvo de perseguições. Melhor seria permanecer incógnito, se isso lhe fosse possível. Tudo era fácil para ele e, também por isso, tudo seria difícil para ele.

Poderia ser comparado a Hércules, o herói grego popularizado pelos seus doze trabalhos. Filho de Zeus, o mais poderosos dos deuses, vivia na Terra como mortal, tendo sido criado por pais adotivos. Realizou inúmeras façanhas que o destacavam dos mortais comuns. Enquanto sofria sua morte, foi arrebatado por Zeus e levado ao Olimpo, o lar dos deuses, onde alcançou a imortalidade.

Como Moisés, foi deixado em uma “cesta” (guardadas as devidas proporções, é claro), para escapar da morte certa e, com uma pequena ajuda ao destino, ser encontrado por novos pais que cuidariam de sua educação e crescimento.

Por fim, teve sua história cristianizada no decorrer dos anos, sendo sucessivas vezes apresentado de braços abertos, em dúvidas existenciais a respeito de assumir ou não sua responsabilidade perante os pobres mortais, e até mesmo a sua idade ao começar suas ações (a idade de trinta e três anos significa alguma coisa para você?); até um momento Pietá já apareceu em um de seus quadrinhos.

Quem o conhece de priscas eras sabe que suas histórias podem ser vistas como algo simplesmente lúdico, sem implicações político-religiosas-sociais-econômicas, e nesse contexto podemos simplesmente nos divertir, rir de sua cueca por cima das calças, implicar com o poder dos óculos e do penteado que o tornam irreconhecível e ajudam-no a manter sua identidade secreta.

Sem contar as infindáveis versões para TV e cinema, além dos quadrinhos e as mirabolantes invenções para aumentar as vendas. Superboy, supergirl e, céus, supercão que o digam.

Mas também podemos vê-lo como um personagem que foi criado em 1938, em um período especialmente conturbado (estaríamos falando do início da Segunda Guerra Mundial?). Poderíamos ver no seu uniforme as cores da bandeira americana, algo que foi até discreto ao comparar com as estrelinhas da calçola da Mulher Maravilha e o escudo, além do próprio nome, do Capitão América.

Podemos ver sua conotação messiânica como algo possivelmente oriundo dos seus criadores judeus, Joe Shuster e Jerry Siegel. Poderíamos até ver sua luta contra o capital nas tentativas do empresário Luthor de vencer nosso herói.  Enfim, podemos ver o quanto desejarmos ver ao acompanhar as histórias de um herói septuagenário, mas que consegue se manter interessante para as novas gerações.

E, claro, o super-homem de Nietzsche necessita de um outro momento só para ele.

 


A propósito,

– sobre o conflito entre história e estória, e porque optei pela primeira, recomendo a leitura de “História x estória, um conflito histórico”, em  http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/consultorio/historia-x-estoria-um-conflito-historico/

– sobre o conflito entre O personagem e A personagem, e porque escolhi usar a palavra como comum-de-dois, indico “A personagem ou o personagem”, em http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/2412953

– sobre o novo filme do Superman – “O Homem de Aço” – acessem na seção Em Cartaz –  http://ulbra-to.br/encena/2013/07/02/O-Homem-de-Aco-a-face-obscura-do-Superman

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O Homem de Aço: a face obscura do Superman

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O novo filme do Superman, intitulado O Homem de Aço, mescla cenas de ações com imagens eloquentes que deslizam lentamente sobre a tela dando ao contexto uma conotação quase espiritual.

Nesse filme, o Superman é um ser angustiado, em fuga, que não sabe o que ou quem é, nem de onde veio, e que está em constante retorno às suas memórias da infância, da adolescência e até daquelas que ele nem consegue identificar em qual tempo ou espaço existiram. Assim, o que diferencia esse Superman de tantos outros que já assistimos talvez sejam os sentimentos (tão humanos) de raiva, frustração e insegurança que o acompanham desde a infância.

Enquanto filmes como “Os vingadores” tinham nos elementos cômicos alguns dos seus melhores momentos, um recurso até mesmo usado no sombrio Batman (seja na comicidade mórbida do Coringa, ou no tom engraçado e paternal do seu fiel mordomo Alfred), em o Homem de Aço, a ausência desse tipo de recurso dá ao filme um diferencial ousado.

Nos outros filmes do Superman, aqueles em que o herói-alienígena ainda usava uma cueca sobre a calça colante, o personagem tinha um ar mais ingênuo, politicamente correto, com um senso moral irrepreensível, alguém que parecia ser um ideal humano. Talvez bem diferente do Super-Homem imaginado por Nietzsche em “Assim Falou Zaratustra”, um conceito que surgiu na medida em que “o homem se tornou uma coisa que tinha de ser superada”, pois este “é uma corda esticada entre o animal e o super-homem, uma corda por cima do abismo”.  Mas, do que estava falando mesmo? Ah, sim… dos outros filmes do Superman.

Pois bem, o novo filme tem lá suas mudanças, mas ainda assim é um filme do Superman. Logo, mesmo que ele já consiga admitir que tenha vontade de esmurrar os moleques que o tornaram o adolescente de Kansas que mais sofreu bullying, ou, em um dado momento, tenha estraçalhado – de fato – um pobre objeto inanimado (não estou nomeando-o aqui para não estragar a surpresa) evitando, com isso, machucar um bêbado insolente, ainda assim, é um jovem íntegro, com vários preceitos morais, criado por uma pacata família do Kansas.

Já tivemos uma apresentação magnífica do Jor-El, feita por Marlon Brando, em Superman – O filme (de 1978), mas nunca tivemos (já estou esperando um comentário dizendo: você esqueceu de…. ) uma reconstituição tão surpreendente do planeta Krypton. Um planeta mais avançado tecnologicamente que a Terra e que, por isso mesmo, sofreu algumas das nefastas consequências que acompanham determinadas inovações. A destruição de Krypton teve relação com duas situações: o excesso da extração de seus recursos naturais e a degeneração do meio social devido ao uso da engenharia genética para a criação de um novo modelo de vida.

Em Krypton, cada pessoa nasce com UM PROPÓSITO. E isso poderia ser uma coisa positiva, dado o fato de que a maioria de nós passa toda uma vida a procura de um propósito, de um sentido. Mas por que em Krypton, Jor-El (o eterno gladiador Russel Crowe) e sua esposa vão de encontro a essa premissa e dão ao seu filho, literalmente, um mundo de dúvidas? Sendo bem ingênua, diria que talvez seja porque não há ser humano (ou kryptoniano) que suporte viver num ambiente totalmente programado,  direcionado pelos preceitos de uma lógica que tem apenas doisstatus: zero ou um (verdadeiro ou falso, bom ou mau, professor ou médico etc ).

Então, nesse mundo de dúvidas que é a Terra, o Clark adulto, além da sua mãe Martha, pode contar com a Lois, que é apresentada nesse filme como uma mulher com a inquietação  e curiosidade peculiares desse personagem, porém mais proativa e independente.

Estamos no século XXI, logo seria complicado nos depararmos com uma Lois que não reconhecesse o Clark por causa dos óculos, ou que gritasse a cada cinco minutos para que ele viesse salvá-la do perigo (ops.. isso é o Super Mouse, mas está valendo). Lois, nesse filme, consegue interagir com um programa de computador com consciência (sem detalhes rs), guardar em sua memória fantástica um plano extraordinário e… Enfim, é um filme de superheróis, e isso não pode ser esquecido. Você só pode aceitar um alienígena que voa, que tenha visão de raio-x e entorta aço ou qualquer coisa que ele queira, se estiver embuído de um espírito imaginativo e permeado por licença poética rs.

Há no filme uma tentativa de aproximar a figura do Superman (cujo S significa Esperança no dialeto de Krypton) ao Messias do Cristianismo. O que é comum em muitas histórias de heróis da ficção científica. Talvez em O Homem de Aço essa proximidade ficou ainda mais evidente, pois há uma série de elementos na tela que remete a isso, seja nas constantes apresentações do Superman de braços abertos (como se estivesse na cruz), seja no fato de ter um pai que existe além desse universo.

Inclusive, em um dos momentos de decisão de Clark, no qual ele precisa ir contra o seu pai da Terra e atender a sua consciência, que é uma mescla da consciência de seu pai de Krypton, é mostrada na tela a clássica imagem de Jesus no Jardim de Getsêmani na noite que antecedeu a traição que ele sofreu por um dos seus discípulos.


Talvez, metaforicamente, o diretor quisesse transmitir a ideia de que ao colocar-se como um defensor da humanidade, o Superman também pudesse ser traído por ela. E é esse o embate principal do filme, o Clark que é tão humano, mas paradoxalmente, tão deus, para salvar a Terra, teria que ir contra aquele que era, de certa forma, seu semelhante, apresentado na figura do General Zod (um homem com um propósito).

O conjunto de elementos que permeia a personalidade do Superman fez nascer uma expressão, que parece ter sido introduzida em 1954 pelo Dr. Fredric Wertham em seu livro Seduction oft he Innocent: complexo de Superman. Tal complexo advém de um “sentimento doentio de responsabilidade, ou na crença de que todos os outros não têm a capacidade para executar com êxito uma ou mais tarefas” 1 . É como se a pessoa tivesse a necessidade constante de “salvar” os outros, já que tem os meios mais concretos para isso (ao menos, em sua concepção).

Um dos pontos mais bonitos do filme é a imagem do Superman a partir do olhar de Jonathan Kent (Kevin Costner). Como um pai amoroso, ele quis proteger seu filho da complexidade que seria revelar sua natureza tão diferente e, de certa forma, tão superior fisicamente à humana. Pela primeira vez em um filme do Superman, essa situação estranha de ter um homem em nosso meio que voa e que tem uma força descomunal é apresentada de forma tão sensível.  A existência de alguém assim poderia representar a ruptura dos mais profundos conceitos que sustentam e definem a humanidade.

Ao ver seu filho brincando de ser um herói, uma brincadeira que faz parte do universo de tantas crianças, ele começa a temer o inevitável, ou seja, parece que aquele indivíduo já nasceu com um propósito. Logo, não haveria meios capazes de provocar uma mudança em sua natureza, pois os poderes que ele possui não existem a partir de uma escolha, mas de uma condição. Não sei se essa conclusão é assustadora ou libertadora, mas, acredito que seja, ao menos, inquietante.

Nota:

1 http://en.wikipedia.org/wiki/Superman_complex


FICHA TÉCNICA DO FILME

O HOMEM DE AÇO

Título Original: “Man of Steel”
Direção: Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer, Kurt Johnstad
Criadores do Superman:Jerry Siegel& Joe Shuste
Elenco Principal: Henry Cavill, Amy Adams, Russell Crowe, Michael Shannon, Diane Lane, Kevin Costner, Laurence Fishburne.
Produção: Charles Roven, Christopher Nolan, Deborah Snyder, Emma Thomas
Fotografia: Amir M. Mokri
Ano: 2013

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