A idealização do amor romântico em “500 dias com ela”

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Sigmund Freud fala sobre o amor narcísico, que consiste em projetar no outro o sujeito ideal, há uma busca de trejeitos semelhante aos seus, ou a inspiração do que deseja ser.

O filme “500 dias com ela” (2009) conta, de forma não linear, a perspectiva do personagem Tom (Joseph Gordon-Levitt) sobre seu romance vivido durante 500 dias, com Summer (Zooey Deschanel), cujo nome, não por acaso, significa “verão” (atenção, alerta de Spoiler). A comédia romântica já começa quebrando paradigmas quando é Tom que fantasia sobre o amor, ele acredita que sua vida irá realmente começar quando encontrar sua cara-metade. Do outro lado temos Summer, desacreditada dos relacionamentos fixos, a quem Tom julga, precipitadamente, ser quem ele sempre procurou. Se seguisse o fluxo dos outros romances clichês, Tom a convenceria do amor verdadeiro e eles viveriam juntos e felizes, mas o filme já alerta: “Esta é a história do garoto que conhece a garota. Mas você deve saber que não é uma história de amor. ”

Com o fim inesperado do relacionamento, Tom relembra a história para procurar pelos primeiros sinais de problemas. Ele cresceu acreditando que nunca seria feliz até que a conheceu, e no momento que se encontram no elevador e Summer diz também gostar de The Smith como ele, Tom joga sobre ela suas expectativas criadas durante toda uma vida e espera que ela corresponda, mesmo enquanto ela fala que eles só teriam algo casual, sem compromisso. “500 dias com ela” é só um recorte da realidade no qual pessoas atribuem a responsabilidade de seus anseios e sentimentos ao outro, e projetam neles suas próprias faltas.

Fonte: encurtador.com.br/ns356

“Só porque uma garota bonita gosta das mesmas coisas bizarras que você não significa que ela é sua alma gêmea” – 500 dias com ela

Mesmo sendo um filme simples, o considero bastante inteligente por nos enganar, porquê sutilmente ele faz o espectador acreditar que a vilã da história é a Summer, por não corresponder a tudo que Tom deseja. Mas, ela foi honesta desde o primeiro momento.

O amor romântico deixa Tom cego para o real relacionamento deles. Ele mente para ela e para si mesmo, ele se molda para o relacionamento e, assim, cede sua própria identidade.

De acordo com o psicanalista e filósofo alemão Erich Fromm, “ser capaz de estar sozinho é a condição para ser capaz de amar”. Usar o amor para apenas fugir da solidão pode acarretar em destruí-lo, também sendo uma forma de fugir de si mesmo, o que se torna patológico por impedir o desenvolvimento pessoal, responsabilizando terceiros sobre sua própria felicidade. No filme, Tom não se apaixona por Summer, ele se apaixona pela ideia de quem ela pode ser, do que ela representa.

Fonte: encurtador.com.br/bmpKQ

“As pessoas não percebem, mas a solidão é subestimada. ” – 500 dias com ela

Sigmund Freud fala sobre o amor narcísico, que consiste em projetar no outro o sujeito ideal, há uma busca de trejeitos semelhante aos seus, ou a inspiração do que deseja ser. Essa projeção é inconsciente e involuntária, passando despercebida para quem vivencia. Assim, Tom constrói um ídolo para si mesmo, espera que o outro corresponda, e se coloca como vítima quando isso não acontece. Antes da desilusão vem a ilusão, as ações das outras pessoas podem ser estímulos para nossos sentimentos, isso não faz com que ele seja responsável pelo que sentimos.

A idealização e procura pelo outro, nada mais é que uma forma inconsciente de se achar e de se completar. Dessa forma, percebe-se a insuficiência dos relacionamentos em garantir a felicidade, sendo que, para conseguir ser feliz em um relacionamento, é necessário aprender a ser feliz sozinho primeiro. O amigo de Tom diz a frase mais sensata do filme para a quebra desse padrão: “Acho que, tecnicamente, a garota dos meus sonhos, provavelmente teria peito avantajado, cabelo diferente, ela provavelmente gostaria de esportes, mas, na verdade, a Robin é melhor que a mulher dos meus sonhos. Ela é real. ”

Fonte: encurtador.com.br/goruA

“ – O que devo fazer?

– Pergunte a ela. ”

Diante do fato de que nada é obvio, por isso a comunicação é a base de um relacionamento saudável (seja qual for o rótulo que esse relacionamento receba), entramos na tão falada responsabilidade afetiva, conceituada basicamente como contar suas intenções através do diálogo. Muito se fala sobre responsabilidade afetiva, pouco se fala que temos que ter primeiro conosco, para depois com o próximo. De certa forma, é mais cômodo falar que foi iludido do que assumir que fez uma interpretação errada das atitudes do outro, enxergando de sua maneira e, com isso, se responsabilizar por suas próprias alegrias e frustações, do contrário, é injusto com o outro e consigo.

Acredito que seja impossível não colocar algum tipo de expectativa em algo (nem que seja mínimo). O que podemos fazer é tomar consciência e responsabilidade das expectativas que criamos. Entender que nosso bem-estar é cuidado nosso. Se libertando dessa escravidão emocional, que é manter a si mesmo sob custódia das ações/sentimentos dos outros, e também o libertar da autoridade que não deve ser dele.

Fonte: encurtador.com.br/bEY67

“ – Não queria ser a namorada de alguém e agora é a esposa de alguém.

– Me surpreendeu também.

– Acho que nunca vou entender. Quer dizer, não faz sentido.

– Só aconteceu.

– É, mas é isso que não entendo. O que aconteceu?

– Eu só acordei um dia e soube. O que eu nunca tive certeza com você. ”

Acredito que a interpretação pessoal de “500 dias” com ela varia muito do momento que cada um está vivendo. Tom pode ser visto como coitadinho em certo ponto, como também um insistente chato em outro. Summer pode ser vista como insensível para uns, e decidida para outros. Todos podemos ser Summer um dia e no outro ser Tom. Nem todo mundo quer a mesma coisa, ás vezes não é intencional, mas como o filme explica: é só a vida acontecendo.

A trama mostra como apenas 500 dias mudaram o futuro de Tom. Mostra que nas histórias reais não há desvio da rota pois é impossível planejar um caminho e jurar que é aquilo que vai acontecer. Que fechar ciclos também fez parte de relacionamentos e é inevitável. Que sua “alma gêmea” pode surgir e ficar apenas 500 dias. Mas que, principalmente, depois de Summer, sempre vem uma nova estação.

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Olhar diferente para ver diferente

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Antes mesmo de pensar em fazer medicina, o tema “psiquiatria” já era algo que me trazia a mente temas um tanto quanto polêmicos e vários dos “tabus” da sociedade. O que vinha à minha mente eram coisas do tipo “médico de louco”, “mexer com gente estranha”, “médico de desocupados” e por aí vai, numa lista que com a maior das certezas encheriam folhas e mais folhas. Isso, como era de se esperar, me fez ter certo receio de basicamente tudo que começasse com o radical psi. Psiquiatra, psicólogo, psicanálise, psicose, todas essas eram palavras que sem sequer saber o que significavam, eu tinha a maior das certezas de que seriam “Bichos de Sete Cabeças”.

Mas aí veio a faculdade, e todos os novos conhecimentos que ela nos traz. É algo equiparado a uma reforma, onde saímos de nossos “casebres” construídos durante os anos iniciais de nossa formação e vamos a cada dia colocando um “tijolinho” na construção da imensa “mansão de inúmeros quartos” de que, ao menos supostamente, devemos sair da graduação superior, com todos os quartos lotados de informação que contribui para o nosso futuro.

E os períodos foram passando, e as matérias foram aparecendo. Com a disciplina de psicologia fui tirando da minha cabeça muitos dos conceitos errados que todo aquele “trauma de infância” criou em mim. Foi então no 6º período que realmente tive o contato com a psiquiatria, e foi nesse momento que percebi que não há tabu algum na palavra e que o termo “saúde mental” é algo que realmente cabe ao médico, assim como a várias outras áreas de atuação na saúde.

Aprendi sobre as reformas psiquiátricas, sobretudo no Brasil, e sobre uma variedade de conceitos que trouxeram um pouco de luz e grandes quantidades de entendimento (além de algum desespero durante as provas). Entendi realmente qual a função do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), e os motivos que o levaram a ser idealizado dessa forma. Conceitos como desospitalização (retirar o paciente do ambiente hospitalar), desmedicalização (não recorrer somente a saberes médicos), interdisciplinaridade (vários profissionais da saúde trabalhando de forma conjunta) e horizontalização (não há uma pessoa no comando, todos os profissionais são aptos a intervir) foram escolhidos como eixo norteador para acabar com aquela antiga e ultrapassada, além de chocante é claro, ideia de que os “loucos” deviam ficar trancafiados e isolados nos manicômios. Na teoria isso tudo me parecia tão ideal e tão perfeito que por um momento acreditei que isso realmente havia sido um avanço único no campo da medicina, e que isso realmente integraria as pessoas tidas como “loucas” à sociedade. Mal podia esperar, no entanto, pra descobrir o meu ledo engano.

Após algumas semanas de aulas teóricas começaram as aulas práticas, e foi quando pude perceber que realmente tudo aquilo que aprendi e a forma que imaginei um CAPS em plena função ficariam apenas na minha cabeça. O primeiro contato foi agradável, a unidade do CAPS que visitei era relativamente nova, com amplo espaço, vários consultórios e uma distribuição de espaços que fazia inveja a muitos locais de lazer. Nesse ponto realmente não havia do que reclamar, a unidade fazia jus a praticamente todos, se não todos, os padrões que a literatura preconizava.

Então onde estaria os “erros” que me fariam entender que grande parte do que se passava na minha cabeça sobre o CAPS ideal era apenas uma utopia? Justamente nas “engrenagens” que deveriam ser as movimentadoras daquela “máquina”: as pessoas. E as coisas que aconteciam eram inaceitáveis, pelo menos para a minha opinião, pois eram absolutamente opostas ao proposto pela Reforma Psiquiátrica e pelos ideais de criação do CAPS. Tentarei citar o que vi de acordo com aqueles eixos que apresentei anteriormente no texto, de modo a tornar a leitura mais lógica.

A horizontalização, que defende a igualdade entre todos os funcionários do CAPS e onde não deve haver uma liderança única e concentrada, para mim, foi o eixo que está mais abandonado dentro da unidade com que tive contato. Nela o médico ainda é considerado o “detentor onipotente” do poder, e os demais profissionais se organizam em uma “escadinha” sob a sombra do poder do médico. Não sei dizer o motivo de tal problema acontecer, mas acredito que seja por um “mau costume” herdado das demais esferas de trabalho, e que as pessoas ainda são resistentes em abandonar, visto que passar de “ordenado” para um possível “ordenante” demanda uma grande carga de responsabilidade, que a grande maioria das pessoas não quer ou ainda não está preparada para assumir.

Outro ponto que pode ser colocado nesse eixo é de que todo e qualquer funcionário de uma unidade do CAPS deve estar preparado para lidar com pacientes psiquiátricos, posto que tais pessoas, em sua grande maioria, costumam abrir-se e compartilhar seus medos, inseguranças, experiências e etc. somente com um indivíduo por ela escolhido, por vários motivos, desde afinidade até por fatores ligados a uma carga emocional passada. Mas ainda são poucas as pessoas que dentro do CAPS estão abertas a esse papel, que considero fundamental para o sucesso ou o fracasso do tratamento de um paciente. Quando alguns pacientes tentam se aproximar, esses profissionais, sobretudo movidos pela falta de conhecimento do assunto, tendem a ignorar ou simplesmente evitar essas pessoas.

Em algumas ocasiões pude ver que a proposta da desmedicalização, que procura não recorrer somente a um tratamento farmacológico do paciente incluindo-o também em atividades que promovam o bem-estar e a socialização, foi deixada de lado. Após algumas consultas a decisão médica foi de apenas alterar o tratamento medicamentoso, seja aumentando-o, suspendendo-o ou diminuindo-o, sem tentar considerar abordagens terapêuticas mais brandas, onde o medicamento é utilizado em adição a alguma outra atitude. Mas nesse ponto prefiro não me aprofundar muito, sobretudo pela minha total falta de experiência na área, o que poderia ser uma tremenda injustiça da minha parte.

Para finalizar, comentarei sobre o campo da interdisciplinaridade, que entende que o diagnóstico psiquiátrico, assim como a abordagem e o tratamento, não deve ser algo depositado única e exclusivamente nas mãos do médico, e sim de uma equipe formada por vários profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e etc.) que, de acordo com a sua especialidade, decidem por um tratamento mais próximo do ideal. Novamente o que vi foi uma falta de “sincronia” entre tais profissionais, que não trocavam informações e muito menos opiniões em determinadas situações, simplesmente acatando o que o seu “superior”, o médico, decidiu. Poderíamos considerar novamente que essa atitude mostra certo receio do profissional de arcar com a responsabilidade de suas palavras, decisões e opiniões.

Enfim, realmente o que vi nas minhas (poucas, mas comprometidas) visitas a essa unidade do CAPS é que realmente ainda temos que percorrer um longo caminho até que todo o ideal proposto durante a Reforma Psiquiátrica Brasileira chegue a ser um padrão natural de todos os CAPS. O que vale na prática ainda é o antigo “faça o que digo, não faça o que faço”, e fatores como acomodação e medo dos profissionais envolvidos ainda falam mais alto. Acredito que ver tais coisas durante a minha graduação realmente servirão de experiência para evitar ao máximo reproduzir o que acontece no dia-a-dia dessa unidade, e quem sabe fazer a diferença em algum outro lugar. Afinal, burrice não é errar, mas sim cometer os mesmos erros várias e várias vezes!

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“Orientação Profissional: a Abordagem Sócio-Histórica”: autoreconhecimento e informação

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O texto traz uma reflexão acerca dos principais tópicos apresentados no livro: Orientação Profissional: A abordagem Sócio-Histórica de Silvio Bock, frisando especificamente a importância do autoconhecimento e da informação profissional na hora de o jovem escolher uma profissão.

Hoje, mais do que nunca, em nossa sociedade, os jovens vivem o grande desafio da corrida acelerada na busca da auto-afirmação profissional com seu engajamento no mercado de trabalho. E, considerando que a escolha profissional ocupará dois terços da vida do jovem, uma decisão maquinal e, muitas vezes, de cunho emotivo, sem analisar a futura profissão de forma minuciosa, ponderando também questões subjetivas, aumenta a probabilidade de frustração quanto à carreira e a realização pessoal.

A escolha de uma profissão é resultado de toda a bagagem histórica e cultural do indivíduo. Desde a fase escolar a criança já faz menção do que almeja ser quando crescer, essa escolha está pautada em suas relações familiares e sociais, exercendo influência direta em seu futuro, e na forma como constitui sua individualidade.

O mercado de trabalho influencia a escolha de uma profissão ao impor vagas que, nem sempre, vem de encontro com a aquilo que o individuo se identifica realmente. As leis de oferta e demanda de profissões acabam influenciando decisões de cunho emocional, visando apenas status social e retorno financeiro. A sociedade, as mídias televisivas e a família contribuem nessa decisão precipitada, obrigando o jovem a optar por profissões para as quais não tem nenhuma aptidão, gerando desgaste, stress e perca de um tempo, que muitas vezes, poderia ser mais bem empregado na busca pela profissão almejada.

O jovem sempre cria uma imagem idealizada de cada profissão. Sílvio Bock (2002) chama essa imagem idealizada de “Cara”.

 “A cara é resultado do contato direto ou não, como já afirmado, que ela teve com a área do profissional. Esta cara não é verdadeira nem falsa, não é nem mais próxima nem mais distante da realidade, não é correta ou incorreta, é simplesmente uma cara que deve ser trabalhada. As pessoas se identificam ou não com essas caras. É interessante perceber que essas caras são constituídas na interiorização e singularizarão do vivido, por isso são diferentes para cada pessoa. (BOCK, Orientação Profissional: A abordagem Sócio-Histórica, 2002, p. 81).

A escolha profissional sempre remete a condição social do individuo, e serve como subsidio para reforçar no jovem sua identidade e posição social.

Para Sílvio Bock (2002), A Orientação Profissional, nesse contexto de escolha profissional, pretende proporcionar ao sujeito, meios de se autoconhecer, pois, segundo ele, só desta forma o jovem terá ferramentas necessárias para buscar uma profissão numa área com a qual se identifica, seja ela: humanas, exatas ou biológicas. Vale ressaltar que, por mais lógica e racional que seja a escolha profissional, não se pode afirmar que ela seja totalmente correta ou errada. No meio do percurso o indivíduo pode mudar de idéia, e descobrir uma nova profissão com a qual se identifica, surge nesse momento uma nova indagação: Mudar ou não de profissão?

A Orientação Profissional apenas diminui a probabilidade de uma frustração, proporcionando ao individuo meios para escolher de forma coesa a profissão com a qual mais se identifica, e sem ignorar informações relevantes a respeito dela, tais como retorno: financeiro, ofertas de vaga no mercado de trabalho, realização pessoal, etc. A esse respeito, Sílvio Bock (2002), afirma que: “A melhor escolha profissional é aquela que consegue dar conta do maior número de determinações para, a partir delas, construir esboços de projeto de vida profissional e pessoal”.

O autoconhecimento e a informação profissional, portanto, usados como método de prática da Orientação Vocacional, têm como objetivo auxiliar o sujeito quanto à escolha de uma profissão. Pois o mais importante não é apenas escolher uma profissão lucrativa, ou em uma área que se tenha afinidade. O casamento das duas alternativas é que proporcionará ao individuo melhor oportunidade de sucesso. Para Silvio Bock (2002), a escolha profissional é sempre um ato de coragem.

Nota: Trabalho realizado e apresentado à Professora Nara Wanda Zamora Hernandez, da disciplina Psicologia Sócio-Histórica, do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA.

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Bicho de Sete Cabeças - Rodrigo Santoro

Bicho de Sete Cabeças: os “chiqueiros psiquiátricos” de Austregésilo Carrano

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Laís Bodanzky, diretora do filme brasileiro “O Bicho de Sete Cabeças”, baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, Cantos dos Malditos, problematiza aspectos sociais, culturais e econômicos da sociedade, assim como denuncia a realidade dos hospitais psiquiátricos brasileiros na década de 70, evidenciando a necessidade de uma reforma da assistência psiquiátrica.

No filme, o drama discorre sobre a vida de Neto, que é interpretado por Rodrigo Santoro, um jovem de dezessete anos, usuário de maconha, de classe social média baixa, sem uma boa relação familiar. A ideia da internação em um hospital psiquiátrico surge quando o pai encontra na roupa de Neto um “baseado”. O motivo da internação, por si, demonstra a falta de informação bem como a hipocrisia da sociedade diante das drogas, a ausência de diálogo no âmbito familiar, além da decisão precipitada do pai de internar o filho sem o consentimento deste.

Experiências vividas por Neto dentro da instituição, que vão desde o uso excessivo de remédios, falta de higiene, ausência de profissionais capacitados e principalmente interessados no tratamento dos pacientes, até o uso de eletrochoque, mostram a realidade manicomial brasileira da época. O hospital psiquiátrico apresentado no filme era baseado no modelo asilar, que exclui o paciente da sociedade e do seio da família.

Neto passou por essa situação sem compreender absolutamente nada, sendo reinserido à sociedade sem qualquer assistência pós-recuperação e quando algumas de suas faculdades mentais apontavam fragilidade – situação que levou a nova internação, desta vez, por solicitação do próprio Neto, já que lhe parecia que ele melhor se adaptava ao “universo dos loucos”. Ao mesmo tempo em que retrata os valores sociais que a reforma psiquiátrica buscou transformar em meio à sociedade, demonstrando o preconceito em relação aos diferentes, ou seja, pessoas que não se enquadram dentro daquilo que é o determinado pela coletividade, o filme aponta a total ausência do médico psiquiatra, que poucas vezes é presente no cotidiano do paciente.

O inspirador do filme, Austregésilo Carrano, foi um homem de uma personalidade fascinante e extremamente forte, que teve a coragem de denunciar, em seu livro, as arbitrariedades dos hospícios e dos “profissionais” que contribuíram para o seu sofrimento durante sua repressão asilar. Na sua obra descreveu as torturas a que foi submetido, como, por exemplo, as vinte e uma sessões de eletroconvulsoterapia, que lhe deixaram seqüelas tanto físicas quanto emocionais.

a época, Carrano ficou três anos e meio sendo transferido de um hospital para outro, recebendo altas doses de drogas terapêuticas, sem ao menos receber um diagnótisco. As atrocidades foram muitas, até o dia em que resolveu atear fogo na própria cela, ato que foi decisivo para os pais o acolherem novamente. Após conseguir se restabelecer na sociedade, Carrano tornou-se um homem de grandes feitos. Foi militante do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, designou os hospitais psiquiátricos como “Chiqueiros Psiquiátricos” e se tornou a primeira pessoa no Brasil a mover uma ação indenizatória contra um psiquiatra, por erro de diagnóstico. Porém, Carrano, foi condenado a pagar indenização a seus médicos e às suas famílias, pelo fato de os mesmos serem citados e criticados em seu livro.

Além disso, Carrano teve sua obra cassada e proibida de circular entre os anos de 2002 e 2004, quando o livro voltou a circular – fato que fez de Canto dos Malditos a primeira obra censurada após a ditadura. “Bicho de Sete Cabeças” foi aclamado por inúmeros prêmios, como o Prêmio Qualidade Brasil, o Grande Prêmio Cinema Brasil, e foi o filme mais premiado do Festival de Brasília e do Festival de Recife, entre outros. Austregésilo morreu, no dia 27 de maio de 2008, aos 51 anos, em razão de uma infecção generalizada resultante de um câncer no fígado.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

BICHO DE SETE CABEÇAS

Direção: Laís Bodanzky
Roteiro: Luís Bolognesi
Elenco: Rodrigo Santoro, Othon Bastos, Cássia Kiss, Caco Ciocler, Gero Camilo;
País: Brasil
Ano:
2000
Gênero: Drama

Nota: o texto é resultado de uma atividade da disciplina de Psiquiatria do curso de Medicina do ITPAC – Porto.

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