K-POP: apoio emocional em relações parassociais dentro dos fandoms

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O movimento do kpop é mais do que uma febre. Para várias pessoas, ele significa vida, alegria, e força para viver mais um dia

Ídolos não são figuras completamente desconhecidas na cultura pop. Eles podem ser encontrados até mesmo em 1954, com o surgimento de Elvis Presley na indústria musical americana. A sociedade não é estranha ao ato de ser fã, de idolizar indivíduos que trazem alegria a certo grupo de pessoas das quais acompanham esse ídolo. Muitos escutam as músicas de seus ídolos em busca de divertimento, para aproveitar um tempo sem preocupações. Cercados de preocupações com vida social, relacionamentos, estudos, trabalho, problemas familiares, o ser humano está em uma constante busca por alívio do peso imposto sobre elas.

O K-pop é um gênero musical que tem seu marco inicial em 1992, com o lançamento da música Nam Arayo de Seo Taiji&Boys que misturou elementos musicais coreanos, hip-hop, coreografias e letras dos quais os ouvintes jovens poderiam se identificar. Conhecido como movimento Hallyu (onda coreana), o gênero musical está se desenvolvendo no mercado musical internacional, constantemente revelando diversas camadas de gêneros e estilos musicais, imagens estéticas, e letras que ressoam com o público que as escuta. A ascensão mundial lenta porém constante se dá desde que Psy abriu as portas com a viralização de Gangnam Style em 2012.

O K-pop veio como um movimento capitalista de comercialização de música e imagem em uma tentativa bem sucedida de melhorar a economia da Coreia. No entanto, essa parte da cultura hallyu que engloba música, produtos de beleza, dramas de TV (conhecidos como doramas ou K-dramas), figuras culturais e vestimenta, se tornou muito mais do que isso para diversas pessoas.

BTS atualmente é o grupo coreano que está na frente do movimento de popularidade da música coreana. Lançado em 2013, o grupo é composto por sete membros que variam de 28 a 23 anos de idade. Cinco anos atrás, o BTS não possuía o reconhecimento que atualmente tem. Mas hoje, oito anos depois do debut (ou seja, lançamento) do grupo, existem poucas pessoas que nunca ouviram falar deles. Há oito anos, o grupo com sete membros luta contra a corrente em indústrias (tanto norte-americana quanto a coreana) que os recusam afirmando que certos membros não têm talento, que não têm beleza o suficiente, não cantam bem o suficiente, e até mesmo o racismo norte-americano desenfreado.

(BTS, grupo coreano composto por sete membros. Fonte: bit.ly/38leF2o)

Recentemente em uma entrevista do site americano Billboard divulgada em 28 de Agosto de 2021 a pessoa responsável por conduzir a entrevista abertamente acusou BTS, os fãs, e a empresa responsável por eles — Hybe Entertainment, de manipulação dos charts da Billboard. Na realidade, o esforço do fandom (fã-clube), é terminantemente mais intenso do que quaisquer outros fandoms por conta dessa barreira de racismo. Tal situação não acontece com artistas de origem americana, pois a viralização de algo americano, em inglês ou não, não é visto com estranheza pela indústria. As portas são conscientemente fechadas para esses artistas por uma clara representação de racismo e desrespeito.

Tal fidelidade, tal foco e amor aos grupos de k-pop e seus membros se dá pelo apoio emocional que muito frequentemente é fornecido aos fãs.

O apoio emocional se caracteriza como a capacidade de oferecer apoio, cuidado, conforto e segurança frente a momentos de estresse. Esse tipo de apoio faz parte de uma dimensão que engloba alguns modelos básicos de apoio social, incluindo autoestima, rede de vínculos e outros elementos que vão desde saber instruir os indivíduos na resolução de problemas a oferecer os recursos necessários para uma assistência concreta (CUTRONA; RUSSELL, 1990). O crescimento emocional está diretamente ligado ao processo de apoio emocional, por este estar diretamente ligado ao fato de que ao adquirir apoio emocional, o indivíduo encontra liberdade de desabafo, expressão das emoções, e crescimento psicológico.

Devido a diversos movimentos de desenvolvimento tecnológico e social do século XXI, foi criada uma subjetividade quanto ao que pode se apresentar como apoio emocional. Pela tecnologia, pessoas de países diferentes podem se unir em apoio e cuidado, utilizando de interesses em comum e vivências similares para dar forças uns aos outros. Tal movimento foi maximizado por conta da pandemia, e houve uma aproximação emocional dentro do distanciamento social.

Muitos fãs e ídolos entram em um processo de apoio emocional que pode até mesmo se apresentar de forma mútua. O apoio emocional por parte dos fãs é uma narrativa constante dentro desse universo, relatos dos quais os fãs afirmam que um grupo salvou a vida delx, que por causa de um grupo elx tem força para viver mais um dia, dentre diversas outras falas. O apoio emocional de fã para fã também é visível, visto que muitos passam por experiências similares de transtornos mentais tais como ansiedade, depressão, e até mesmo ideação suicida.

Grupos de K-pop perceberam a sua voz, o alcance que eles possuem, e começaram a estender a mão para os fãs da melhor forma possível.

Em Setembro de 2018 o grupo BTS entregou o primeiro discurso na câmara da UNICEF, no evento “Youth 2030: The UN Youth Strategy”, do qual tinha o objetivo de debater e levar a frente movimentos de melhoria no futuro dos jovens de todo o mundo. Foi o primeiro discurso de um total de dois (o segundo sendo feito em 2020 de forma remota), e o primeiro grupo do gênero a praticar tal ato. O discurso foi feito para levantar a campanha Love Myself, da qual eles unem forças com a UNICEF para promover doações e vendas dos quais os fundos são utilizados para proteger crianças de violência.

(BTS, grupo composto por 7 membros durante promoção em 2020 da campanha Love Myself. Fonte: https://www.love-myself.org/eng/home/)

No discurso RM, o líder do grupo também conhecido como Namjoon, disse:

“[…] E eu gostaria de começar falando sobre mim mesmo. Eu nasci em Ilsan, uma cidade próxima de Seul, na Coreia do Sul. É um lugar muito bonito, com um lago, montanhas, e até mesmo com um festival anual de flores. Eu tive uma infância muito feliz lá. E eu era apenas um garoto comum. Eu costumava olhar para o céu para pensar, e eu costumava sonhar os sonhos de um garoto. Eu imaginava que eu era um super herói que podia salvar o mundo.

E na introdução de um dos nossos primeiros álbuns, tem uma frase que diz: ‘Meu coração parou quando eu tinha nove ou, talvez, dez anos’. Olhando para trás, acho que foi quando eu comecei a me preocupar sobre o que outras pessoas pensavam de mim, e comecei a me enxergar pelos olhos deles. Eu parei de olhar para o céu à noite e para as estrelas. Eu parei de sonhar acordado.

Ao invés disso, tentei apenas me encaixar nos moldes criados por outras pessoas. Logo, comecei a calar minha própria voz e passei a escutar as vozes dos outros. Ninguém chamava meu nome, nem eu mesmo chamava. Meu coração parou e meus olhos fecharam-se. E é assim, dessa forma, que eu, nós, todos perdemos nossos nomes. Nos tornamos fantasmas.

Mas eu tinha um refúgio, e era a música. Tinha uma pequena voz dentro de mim que dizia: ‘Acorde, cara. E escute a si mesmo!’ Mas demorou um tempo para que eu ouvisse a música chamando meu verdadeiro nome.

[…] E eu posso ter cometido um erro ontem, mas o eu de ontem ainda sou eu. Hoje, eu sou o que sou com todos os meus defeitos e erros. Amanhã, eu posso ser um pouco mais sábio, e isso também será eu. Essas falhas e erros são o que eu sou, compondo as estrelas mais brilhantes da constelação da minha vida. Eu aprendi a me amar pelo o que eu sou, pelo o que eu fui, e pelo o que eu espero me tornar.

Eu gostaria de dizer mais uma última coisa. Depois de lançar a série de álbuns ‘Love Yourself’ e a campanha ‘Love Myself’, eu comecei a escutar histórias impressionantes de nossos fãs pelo mundo, de como nossa mensagem os ajudou a superarem as dificuldades da vida e de como eles passaram a se amar. Essas histórias constantemente nos lembram de nossa responsabilidade.

Então, vamos todos dar mais um passo. Aprendemos a nos amar. Agora, eu insisto que falem por si mesmos. Eu gostaria de perguntar a todos vocês: Quais são seus nomes? O que anima vocês e o que faz seus corações baterem? Me digam suas histórias, eu quero ouvir suas vozes e ouvir suas convicções.

Não importa quem você seja, de onde você venha, sua cor de pele, sua identidade de gênero, apenas fale! Encontre seu nome e sua voz, falando por si próprio.”

O impacto de seu discurso foi tamanho que os fãs desenvolveram um movimento mundial dos quais eles filmavam vídeos curtos, faziam tweets, posts no Facebook e Instagram relatando suas vivências, dizendo seus nomes e suas origens. Por conta disso, houve uma reação em cadeia de apoio emocional e cuidados promovidos pelos próprios fãs pela validação das falas de cada um deles seguidos de respostas de apoio nos comentários desses posts.

Atualmente, a campanha tem um valor arrecadado acumulado de 2,600,000,000 KRW, que fazem cerca de 11 bilhões de reais. A campanha continua em andamento até hoje, e os efeitos sociais de Love Myself permanecem e marcam fãs até hoje.

Siga ligadx no site (En)Cena para a segunda parte.

REFERÊNCIAS

Bhrescya Ayres ABADE; Ana Letícia Guedes PEREIRA. Ídolos e Apoio Emocional: Reflexões Sobre a Dinâmica do Fã Adolescente Contemporâneo. JNT- Facit Business and Technology Journal. QUALIS B1. 2021. Julho. Ed. 28. V. 1. Págs. 74-92.

MADA, Larissa Sumi.  A experiência de ser k-popper no brasil – uma visão fenomenológica sobre os armys. Universidade Federal de São Paulo. Santos, 2017.

Kpop como aliado no tratamento de doenças mentais. K4us, 2019. Disponível em <https://k4us.com.br/kpop-como-aliado-no-tratamento-de-doencas-mentais/>. Acesso em 28 de Ago. de 2021.

CRUZ, Caio Amaral da. E precisa falar coreano? Uma análise cultural do K-Pop no Brasil. 104 f. il. 2016. Monografia – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.

BTS Cover Story: Inside the Band’s Business & Future. Billboard, 2021. Disponível em <https://www.billboard.com/articles/news/9618967/bts-billboard-cover-story-2021-interview>. Acesso em 30 de Ago. de 2021.

BTS Struggles & Hardships. Amino, 2017. Disponível em: <https://aminoapps.com/c/btsarmy/page/blog/bts-struggles-hardships-what-can-we-learn-from-this/xpjw_WpXh2uwG56agBwlaG33zkB2PvGjGZN>. Acesso em 29 de Ago. de 2021.

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Apagaram-se as luzes, perdi o show

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Meu pai só gostava de músicas sertanejas, mas quando o cantor Roberto Leal aparecia na TV, ele me chamava para assisti-lo e ficava ouvindo junto. Ele sabia que aquele loirinho era o ídolo da filha de 15 anos. Numa época sem Internet e YouTube, eu dependia da TV para ver meu cantor predileto e das rádios para ouvir suas músicas. Seus discos me inspiraram a criar diários e a sonhar com o amor. Um dia lhe escrevi uma carta. A resposta veio rápida e com uma foto autografada. 

Aos 17 anos, mudei-me para São Paulo. Estaria mais perto do ídolo, mas continuei o vendo só pela TV e ouvindo suas músicas pelas rádios, porque assistir a um show para mim era um luxo na época. O tempo passou e substituí o ídolo da adolescência por outros da minha juventude. As décadas passaram e ao passar de meio século de vida, eu tive uma crise de flashback. Mergulhei nas profundezas do tempo e na descida encontrei algumas frustrações e tristezas que deixei no fundo do mar do passado onde já estavam naufragadas. Para a superfície, resgatei alguns tesouros, como a paixão pelo ídolo dos 15 anos.

Fonte: encurtador.com.br/CTY08

 O ano era 2017 e, na ânsia de dar vida a desejos antigos, decidi assistir a um show do cantor. 365 dias voaram. Adiei o desejo para 2018. Mais um ano voou e veio 2019. Prometi que daquele ano não passaria. Eu estava certa. Jamais passaria de 2019. Um dia, olhando mensagens no celular, uma notícia me paralisou. A vida tinha me dado uma rasteira por ter me esquecido do hoje e confiado no amanhã. Os olhos do cantor loirinho Roberto Leal que tantas alegrias me deu na adolescência se fecharam em 15 de setembro de 2019. Não o vi e jamais o verei num palco. Restou a imortalidade do ídolo.

Eu não sabia da luta do cantor contra o câncer. Mas sabia que a morte é a realidade da vida. No vídeo de seu último show, Roberto Leal disse que jamais se imaginou cantando sentado e eu que sempre me imaginei aplaudindo-o de pé. Um ano após sua morte, o consolo é a foto autografada emoldurada e os vídeos no YouTube.

Os sonhos são os combustíveis da vida. Existem aqueles sonhos mais singelos e acessíveis de curto prazo e os grandes de longo prazo. Não importa o tamanho e o tempo de um sonho, o importante é não se iludir com mais 365 dias de um ano vindouro para dirigir alguns quilômetros rumo a uma casa de show ou para dar pequenos passos diários rumo aos grandes sonhos de longo prazo. 

A luz da vida do cantor se apagou. As músicas brilharão para sempre. 

Vira-vira! Arrebita! 

Aplausos ao show da vida!

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Atrás de toda celebridade, tem um fã

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Atores, cantores, humoristas, atletas, jornalistas, personagens da ficção, séries, filmes, novelas, livros, reais ou direto da ficção, todos são figuras públicas com espaço nas diversas mídias. Mas não seriam famosos se não fosse uma pessoa ou uma legião de pessoas, os fãs. O fã é aquele que gosta de estar por dentro do mundo do seu ídolo. Alguns são fanáticos, loucos por celebridades, ao ponto de quererem se tornar parecidos. Por isso, as perguntas: o que é ser fã? Este ‘ser’ é controlado pelos veículos de comunicação ou pela indústria cultural?

 Segundo o dicionário Aurélio, a palavra “fã” significa: “pessoa que tem grande admiração por artistas (de cinema, teatro, televisão) ou figuras populares (campeões esportivos, jogadores de futebol etc.)”. Na sociedade, há vários tipos de indivíduos assim, alguns são até mesmo retratados pela própria mídia. Um exemplo recente é a personagem Valdirene da telenovela “Amor à Vida”,  interpretada por Tatá Werneck. A figura é uma fã fake,pois na verdade busca também a famosidade dos ídolos.

 Os fãs, numa definição simples, são admiradores de pessoas midiáticas, porém essa mesma admiração pode ser tornar uma doença, uma obsessão, ao ponto de fazer alterações no corpo, na voz, no cabelo e replicar um guarda-roupa igual a sua celebridade idolatrada. O “Capitão Hayes” é um personagem ficcional de um desenho animado famoso no Brasil  que retrata uma pessoa com “Síndrome de Adoração a Celebridade” (SAC). O personagem sequestra um mega avião no vôo inaugural, cheio de celebridade, com a intenção de se tornar o único amigo.

 A equipe do Portal (En)Cena questionou sobre o que é ser fã para as pessoas. Leia algumas respostas:

 “Ser fã é ter alguém como referencial, ter uma admiração, e as vezes isso pode ser ao extremo como podemos ver nas mídias. Pessoas que fazem tatuagens pelo seu ídolo, acampam dias na frente dos shows, fazem promessas, etc.” Laryssa Martins

 “Ser fã é compreender tão bem o trabalho de alguém a ponto de fazer com que aquela compreensão faça parte do seu dia a dia, remontando seus valores e construindo sua personalidade com base nos aspectos que você admira em algum ídolo.” Hérica Rocha

 “Fã é um admirador por uma determinada pessoa, por algo que ela faça, ou seja, para mim ser fã é diferente de ser idolatra. Idolatria é colocar uma pessoa ou algo acima de qualquer coisa na sua vida.” João Coelho

 O entrevistado João Coelho é fã do universo gospel, além de acompanhar informações, ele repassa  o conteúdo para o um portal de informações do mesmo ramo, em Palmas(TO). No tempo livre, trabalha como DJ para festas e show do gênero gospel e comenta sobre essa troca de papel, de deixar de ser fã e se tornar celebridade.  “Bom, primeiro não acho que eu tenha fãs (risos), talvez minha mãe, minha namorada (risos), mas caso eu tenha, acho legal, desde que eu não esteja tomando o lugar de Deus na vida da pessoa”, esclarece.

 Fã que é fã sempre faz ou já fez uma loucura para estar próximo do seu ídolo. Veja o exemplo de Brisa (nome ficcional). Quando ela descobriu que a sua banda favorita iria tocar no sul do país, resolveu pegar um vôo para assistir ao show numa terra totalmente desconhecida. Olhe só a história.

Sou fã de uma banda uruguaia [No Te Va Gustar] e no fim do ano de 2011 fiz uma promessa de que iria assistir a um show da banda em 2012 onde quer que fosse que eles tocassem. E assim eu o fiz, em abril de 2012, descobri que a banda iria tocar em Porto Alegre/RS, eu não conhecia a cidade nem ninguém que morasse lá, mesmo assim comprei passagem e fui lá assistir ao show da minha banda preferida. Enfrentei 8 horas de voos e paradas em aeroportos, até chegar em Porto Alegre, fiquei menos de 24 horas na cidade, fui exclusivamente para assistir a apresentação. Fui para o local do show, assisti a tudo e duas horas depois do final do show eu já estava embarcando de volta para a minha cidade com a alma leve e feliz da vida por ver os meus ídolos cantando. O show foi incrível, cantei, gritei, chorei, me emocionei mesmo. Valeu cada centavo que gastei nessa viagem relâmpago“, conta Brisa.

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