A Independência depressiva

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Há duzentos anos o Brasil conquistava a independência de Portugal, se tornando uma nação solidificada, regida pelo Imperador Dom. Pedro I. De lá para cá, algumas “coisinhas” foram modificadas, por exemplo, vivemos em uma República Federativa em um Estado Democrático de Direito. Temos interações físicas e virtuais que nos conecta e permite interagir com todo o globo terrestre.

A passagem do tempo, as revoluções que ocorreram nesse período, trouxe novidades para a civilização. O acúmulo de conhecimento científico foi grandioso, assim como foi assombroso o avanço tecnológico, bem como o consumo alavancado de produtos supérfluos.

O Brasil moderno é independente, possui autonomia, mas sua população sofre diariamente com um mal silencioso, a depressão e o suicídio.

No último levantamento do IBGE, cerca de 16 milhões de brasileiros sofrem com algum tipo de depressão. Outros índices já mostram que, somente em 2022, cerca de 451 mil pessoas já encerraram o ciclo natural de suas vidas através do suicídio.

Mas por que isso? O que leva uma pessoa à depressão, o que faz com que alguém idealize ou até mesmo cometa o suicídio?

Fonte: Imagem de Heather Plew por Pixabay

Podendo ser enquadrado nos CIDs F32, F33, F34, F38.1, F41.2, por exemplo, a depressão pode ser descrita como um transtorno de causas multifatoriais, posto que não tem como origem uma causa universal, vez que pode surgir em decorrência de um evento traumático, questões genéticas e, até mesmo, alimentares.

Biologicamente associado aos baixos níveis de serotonina, dopamina e noradrenalina, os chamados “hormônios da felicidade”, a depressão cria nos indivíduos alguns comportamentos comuns, como a baixa autoestima, auto depreciação, complexos de inferioridade, tristeza profunda.

A depressão é, muitas vezes, incapacitante, impedindo o indivíduo de apreciar sua vida de forma plena e satisfatória, posto que muitas vezes este se sente preso em seus próprios devaneios.

Existe o ditado popular que diz que a pessoa com depressão é aquela que vive remoendo o passado, o que não deixa de ser verdade. Muitas vezes a pessoa deixa de viver plenamente sua vida em detrimento de eventos passados traumatizantes que bloquearam certos aspectos de seu desenvolvimento cognitivo.

Mas quais os perigos da depressão, e, por que eles estão diretamente ligados ao suicídio?

Bem, a depressão, como dito, é causada por questões multifatoriais que desregulam os hormônios humanos que influenciam a felicidade e o bem-estar de um indivíduo. Os sentimentos que decorrem da depressão muitas vezes são depreciados pela própria sociedade que os enxergam como fraqueza e menosprezando a luta individual do depressivo, demonstrando uma faceta totalmente apática.

A frieza e o excesso de cobrança, que resulta inclusive em outros transtornos, como o Burnout, agravam a auto depreciação juntamente com o complexo de incapacidade. A dor e a sensação de isolamento, até mesmo de banalização do problema faz com que os indivíduos se tornem cada vez mais solitários, se sentindo incompreendidos, afetando-os tanto profissionalmente quanto socialmente.

Fonte: Imagem de Victoria_Regen por Pixabay

É sempre importante lembrar que a depressão é um mal que pode atingir qualquer pessoa, independente da sua condição financeira ou status social, porém, há uma forte predisposição em determinados grupos sociais. Atores, profissionais liberais, pessoas públicas possuem grandes históricos depressivos, dada a cobrança que paira sobre estes.

Não raro há notícias de celebridades que sucumbiram à depressão e acabaram cometendo suicídio. Mas por que suicidar-se? Como um indivíduo entende que essa é a solução para seus problemas? A ideação suicida, o desejo da sua própria morte, é um sentimento inexplicável para aqueles que nunca o tiveram.

Em uma analogia nada convencional, imagine-se sentindo a dor de quebrar um braço ou ferir gravemente alguma parte do seu corpo, seu desejo imediato é que aquela dor acabe, que todo o sofrimento físico que está sentindo pare. No aspecto emocional, a dor depressiva pode ser levianamente comparada a um luto constante. O pesar carregado pelo indivíduo lhe causa tanta tormenta que este busca medidas para interromper aquele sentimento, e é aqui que se inicia grande parte do problema.

Não que seja regra, mas, na maioria dos casos, alguém com depressão sempre irá buscar meios para interromper essa dor. Alguns recorrerão aos antidepressivos, outros buscarão mudar seus hábitos alimentares, outros tantos pensarão que são capazes de lidar com aquilo sozinho e, por fim, tem aqueles que recorrem ao uso de substâncias químicas ilícitas ou a ingestão de álcool e nicotina.

A forma escolhida para lidar com este cenário influenciará diretamente na forma que a depressão irá reagir no corpo da pessoa. Infelizmente, aqueles que recorrem ao uso de álcool e outras substâncias dependentes acabam tendo uma tendência viciosa que sempre lhes fará sempre aumentar a dose dos “inibidores do sofrimento”, que pode acabar levando à morte intencional ou não do portador.

Chester Bennington (à direita), participando do programa Carpool Karaoke, junto com os membros da sua banda Linkin Park, 3 meses antes de ter cometido suicídio. Fonte: encurtador.com.br/muUV6

O suicida é, muitas vezes, uma pessoa que carrega uma culpa interna tenebrosa, avassaladora, onde não enxerga mais alternativas para interromper ou superar aquela dor, o sentimento de solidão acentuado pelas diversas facetas sociais que demonstram completo descaso com seu quadro psiquiátrico, muitas vezes dentro de sua própria casa com seus familiares, acaba lhe conduzido a cometer este ato fatal para sufocar e “destruir” a dor que lhe consome.

Como é cediço, o suicídio não resolve o problema, ele somente cessa a dor que o indivíduo carrega, porém lhe impede de prosseguir com sua vida, rouba-lhe todos os momentos que poderia usufruir caso conseguisse superar aquele quadro psíquico.

Por isso, no mês de setembro, mesmo mês que no Brasil se comemora a independência nacional, é criada a campanha chamada Setembro Amarelo, que incentiva a conscientização sobre a depressão e também busca reduzir os índices de suicídio em todo o globo.

Whindersson Nunes, humorista brasileiro que declarou sofrer de depressão. Fonte: encurtador.com.br/zSV27

Conscientizar-se sobre a depressão, ser solicito àqueles que se encontram nesta condição é conceder uma nova chance à vida, e lutar de forma silenciosa contra um dos maiores inimigos da sociedade moderna.

Assim como a independência do pais requereu esforços de toda uma população, a “independência” da sociedade da depressão também dependerá de um esforço mútuo de todos os personagens possíveis.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Fabiana de Oliveira; MACEDO, Paula Costa Mosca; DA SILVEIRA, Rosa Maria Carvalho.Depressão e o suicídio. Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar.Rev. SBPH vol.14 no.1, Rio de Janeiro. 2011.

CIVIDANES, Giuliana. Causas da depressão são multifatoriais. Brasil Telemedicina. Disponível em: <https://brasiltelemedicina.com.br/artigo/causas-da-depressao-sao-multifatoriais/> publicado em 28 jan 2015. acesso em 06 set 2022.

IBGE: depressão aumenta 34% e atinge 16,3 milhões de brasileiros. Disponível em: <https://noticias.r7.com/saude/ibge-depressao-aumenta-34-e-atinge-163-milhoes-de-brasileiros-18112020>. Acesso em 07 set 2022.

SABINO, Alline. Taxa de suicídio no Brasil aumento 43% em 10 anos. Disponível em <https://www.portalnews.com.br/mundo-gospel/2022/06/162279-taxa-de-suicidio-no-brasil-aumento-43-em-10-anos.html> acesso em 07 set 2022.

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Steven Universo – o amor próprio e o relacionamento não dependente em “Keystone Motel”

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Steven Universo (ou Steven Universe, nos Estados Unidos) é uma série animada norte americana produzida por Rebecca Sugar para o canal televisivo por assinatura Cartoon Network. Você pode conferir mais sobre o desenho neste link.

No episódio “The Question”, ou “A Pergunta” em português, temos uma abordagem sobre a importância do amor próprio e a não dependência em um relacionamento.

Sinopse: Steven e Ametista encontram Rubi conversando com o Greg. Após refletir sobre os seus sentimentos e sua existência, Rubi decide que não quer ser mais a Garnet. Ela quer ser apenas ela mesma, e decide pedir Safira em casamento.

O episódio começa com Steven e Ametista chegando em cima de um penhasco onde Rubi e Greg estavam conversando e comendo pizza. Eles estavam falando sobre a real identidade de Rose, assunto que no episódio anterior fez com que Rubi e Safira se desfundissem, com Safira dizendo que Rose mentiu e o relacionamento delas (Garnet) não passou de uma mentira construída por Rose.

Steven pergunta como Rubi está, e ela surpreendentemente diz que está bem, Steven não entende como ela consegue estar de bom humor com essa situação, mas Rubi disse que pensou bastante e que Safira tem razão, ela diz que a partir de agora quer ter uma vida por conta própria e não ser mais a Garnet, o que chocou Steven.

Após Rubi e Safira terem sido Garnet por tanto tempo, Greg diz que talvez estarem separadas seja o que Rubi precise, se ela não quer estar junta, então Garnet não iria querer também. Ametista pergunta o que Rubi pretende fazer e ela diz que a partir de agora irá viver de forma livre, como o protagonista do gibi que está lendo. Embora Steven fique triste, ele diz que dará suporte a essa decisão.

Seguindo a mesma ideia do protagonista do gibi, Rubi decide partir em uma aventura, e logo se depara com um obstáculo. Ela diz que não possui mais a visão do futuro de Safira, que a dizia constantemente para onde ir e o que fazer, ao tentar passar pelo obstáculo acaba caindo, mas se levanta rapidamente enquanto ri, animada, pois diz ter sido a primeira vez que toma uma decisão por conta própria.

Mais tarde, eles montam um acampamento em volta de uma fogueira. Rubi pega um violão e começa a cantar uma música sobre estar feliz com sua nova vida solitária

Tumblr: Image

Pouco antes de dormirem, Steven conversa com Rubi e diz que após ver como ela está se divertindo ele agora entende que não deveria ter tentado fazer com que ela voltasse a ser Garnet novamente. Rubi então começa a falar que aquela canção não era verdade, que embora ela tivesse se divertido, teria se divertido muito mais se estivesse com Safira.

Rubi diz se sentir frustrada por como ela ainda pensa em Safira com frequência, Steven diz que mesmo pensando em alguém, ela ainda é a mesma Rubi. Ele diz que no gibi, o protagonista também sente falta de alguém, mesmo ele vivendo por conta própria. Rubi então decide que quer permanecer com Safira, mas que dessa vez as coisas possam ser diferentes, para não voltarem ao mesmo estado de antes. Steven mostra uma página do gibi que dá uma ideia para Rubi.

De volta ao templo, Pérola estava confortando Safira quando Steven chega, dizendo que Rubi está do lado de fora. Ao se encontrarem, Safira pede desculpas pelas coisas horríveis que disse, Rubi diz que Safira estava certa e que não acreditava que elas eram a resposta até ouvir isso da própria Safira. Ruby então a pede em casamento, e diz que elas assim podem estar juntas mesmo quando separadas, e que ser a Garnet a partir de agora será uma decisão das duas. Elas se abraçam e começam a se fundir.

The Question&quot; | Steven Universe | Know Your Meme

The Question&quot; | Steven Universe | Know Your Meme

Rubi fica muito feliz por descobrir que pode tomar as próprias decisões e pode gostar de estar sozinha ao mesmo tempo em que também quer estar com alguém, de forma saudável e não dependente. Embora existisse uma pressão anterior para estarem juntas, o que ofuscava as próprias decisões de cada uma, elas agora podem permitir a si mesmas estarem sozinhas, tomarem decisões de maneira independente e escolherem o próprio caminho, estando juntas ou separadas.

The Question&quot; | Steven Universe | Know Your Meme

 

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As origens da família moderna e a Geração Canguru

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O capítulo “As Origens da Família Moderna”, do livro de Jonas Melman, “Família e Doença Mental – repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares”, discorre sobre o processo histórico que resultou na constituição da família moderna da forma como se configura nos dias atuais. A obra aborda a temática das transformações sociais ocorridas desde o final da Idade Média até a atualidade e aponta como esses acontecimentos sociais influenciaram e condicionaram as mudanças ocorridas na estrutura da organização familiar ao longo dos séculos.

Busca compreender como as mudanças na estrutura da sociedade influenciam na estrutura e dinâmica do grupo familiar, detendo-se em aspectos como criação dos filhos, afetividade, ambiente familiar, separação entre vida profissional, vida privada e vida social, educação escolar, dentre outros.

De acordo com o autor, a estrutura familiar, centrada na afeição e na intensificação das relações entre pais e filhos é uma invenção recente na história do homem ocidental (MELMAN, 2001, p. 39). Ele toma como exemplo a sociedade medieval, que não dispunha de condições propícias para construir essa noção de privacidade e intimidade que temos hoje, por conta da forma como os indivíduos se relacionavam com o espaço familiar.

Além de conviverem pessoas alheias ao núcleo familiar, como servidores e criados, a família se agrupava em grandes casas onde se reuniam amigos, religiosos, clientes e visitantes. E essa condição não dependia de classe econômica. Enquanto nos grandes casarões conviviam dezenas de pessoas, nas casas das pessoas mais pobres, pequenas e menos habitadas, a situação era a mesma, não havia espaço para o isolamento em ambientes privados.

Outro aspecto importante diz respeito à educação da criança. A transmissão de saberes e valores não era responsabilidade da família. Geralmente ao completar sete anos de idade, esta ia residir com outra família que ficava responsável pela sua socialização, onde tinham obrigações, realizavam trabalhos domésticos e eram tratados como aprendizes.

Dessa forma, desde muito cedo a criança se tornava independente da própria família, embora muitas vezes a ela retornasse. Nessas condições, não se alimentava um sentimento profundo entre pais e filhos, ao contrário, a família representava mais uma responsabilidade moral e social, destinada à transmissão dos bens e do nome.

Fonte: encurtador.com.br/vOVW7

O estudo mostra como se deu essa passagem da família medieval para a família moderna, construindo-se um novo modelo de família em que a escola passa a ser o principal meio de iniciação social da criança, desde a infância até a fase adulta. Gradativamente, com o aumento do número de instituições de ensino, a partir do século 18, a escola vai se estendendo aos diversos setores da sociedade. Ao mesmo tempo, impõe sua autoridade moral e passa a adotar um sistema disciplinar cada vez mais rigoroso.

Esse movimento vem acompanhado de modificações também no ambiente familiar, que vai perdendo seu aspecto de espaço aberto à visitação pública e passa ter uma fisionomia de espaço privado, reservado à segurança, intimidade e privacidade dos seus membros. A partir do final do século 19, a configuração da família vai se modificando, sendo raras as famílias mais abastadas que viviam como as famílias medievais, afastando as crianças da casa dos pais como processo de formação.

Após estudarmos um pouco mais sobre a história das origens da família, nos questionamos a forma como vivem hoje as famílias modernas, em que há um excesso de proteção por parte dos pais e até que ponto essa forma de educação contribui para a ampliação de experiências, para o alcance da autonomia da criança/jovem e sua preparação para a vida.

Temos observado com frequência, famílias em que os filhos entre 25 e 34 anos têm adiado a saída da casa dos pais, uma tendência em ascensão no Brasil. Atualmente, apenas um de cada cinco jovens nessa faixa etária já conquistou sua independência e autonomia. Há pouco mais de 10 anos, a proporção era maior, quando um de cada quatro jovens entre 25 e 34 anos eram independentes. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda destaca que a maioria dos jovens da Geração Canguru é composta por homens (60,2%).

Fonte: encurtador.com.br/vCEJO

Ou seja, o que era um processo natural há alguns anos – buscar a independência pessoal, seguir o próprio caminho – vem mudando gradualmente e dando origem a uma nova perspectiva. A lógica de caminhar com as próprias pernas tem ficado para trás, e vem dando espaço à chamada “Geração Canguru”.

Muitos fatores podem estar por trás do crescimento desse fenômeno no Brasil, que já foi registrado em outros países. O primeiro é financeiro. O aumento do custo de vida, principalmente nas grandes cidades, faz com que os jovens acabem morando por mais tempo na casa dos pais.

O segundo motivo que pode incentivar o crescimento da Geração Canguru é o receio de colocar em risco questões emocionais importantes, como a autoestima e a autoconfiança. Ou seja, possivelmente pela falta de oportunidades propiciadas ao longo da vida, o jovem/adulto não se sente preparado para enfrentar uma vida independente sem a proteção dos pais.

Daí a importância de questionar até onde é válida a educação nos moldes da família contemporânea, pois alimentar essa relação de dependência pode prejudicar não somente o amadurecimento dos jovens, mas ser prejudicial para toda família.

Referência

MELMAN,  J.  As origens da família moderna. In: Família e Doença Mental, repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares. São Paulo: Escrituras Editora, 2001. p. 39-54.

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‘Bao’ e o crescimento que se impõe com a força da vida

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Concorre com 1 indicação ao OSCAR:

Melhor animação.

Em situações recorrentes, os filhos são educados e preparados para experimentarem autonomia e, chegada a maturidade, saírem de casa e cuidarem de suas próprias vidas.

O curta metragem de animação Bao, vencedor do Oscar deste ano em sua categoria, é dirigido por Domee Shi e aborda de modo terno e emocionante o delicado tema da ‘Síndrome do Ninho Vazio’, problema psicológico que acomete inúmeros pais – sobretudo mães – ao redor do mundo.

Bao foi lançado pela Disney através da Pixar. A exibição, de modo inicial, ocorreu paralelamente aos ‘Incríveis 2’ e, de saída, já era o favorito para levar a estatueta mais cobiçada do cinema. Tem duração aproximada de 8 minutos e relata a estória de uma mãe que sofre com o ‘ninho vazio’ após seus filhos saírem de casa, num movimento natural rumo à independência.

De modo bastante criativo e com a assessoria de sua mãe, a diretora Domee Shi dá vida aos bolinhos artesanais produzidos pela mãe/personagem do curta. Neste sentido, quando a vida eclode em um dos bolinhos, a experiência da maternidade é colocada novamente diante da genitora e, similarmente ao que já havia ocorrido com os outros filhos, esta mãe é convidada a perceber que, no passar do tempo, a vida impõe o seu próprio ritmo e as ‘crias’ – mesmo as mais ‘doces’ e, eventualmente, apegadas – acabam por buscar a própria independência e identidade. Foi isso o que ocorreu com o bolinho artesanal. Ele cresce, se envolve com outras pessoas e não quer viver sob a influência exclusiva dos pais. Até desenvolve certa rejeição pela família nuclear – o que, em linhas gerais, ocorre com parte dos jovens em situação similar.

A mamãe da animação, então, vivencia e atualiza as mesmas frustrações e desencontros, o que causa profundo sofrimento psíquico. Este fenômeno abordado no curta metragem é a famosa ‘Síndrome do Ninho Vazio’, que em psicologia é caracterizada como um estado psicológico perturbador – patológico, quando associado a quadros depressivos –, marcada por sentimentos de tristeza e desânimo (sobretudo por parte da mãe) diante do processo de amadurecimento e independência dos filhos.

Foto: https://www.collater.al/en/bao-pixars-short/

Em situações recorrentes, os filhos são educados e preparados para experimentarem autonomia e, chegada a maturidade, saírem de casa e cuidarem de suas próprias vidas (conseguir emprego, relacionar-se afetivamente, constituir família, etc.). Alguns pais, no entanto, ao perceberem que dedicaram boa parte de suas vidas para os filhos, sem que tivessem a oportunidade de criar novos papeis para suas vidas, têm dificuldades de aceitar este processo de separação. Como já pontuado anteriormente, este movimento acomete, sobretudo, as mães, notadamente num cenário sociocultural de enfraquecimento da imago paterna, que pela Psicanálise edipiana é tradicionalmente vinculada a figura daquele que se responsabiliza por ‘acelerar’ a entrada dos filhos na dimensão pública (de enfrentamento do mundo).

Alguns dos desdobramentos da ‘Síndrome do Ninho Vazio’ abordados na animação e que, de fato, acometem muitas mulheres são distúrbios do sono, depressão, melancolia, raiva, distúrbios alimentares e diminuição da libido. Também há casos na literatura psicanalítica – no que se refere às fases do desenvolvimento humano e da psicologia das relações familiares – de pais que acabam por entrar num período de crise, após a saída dos filhos. Isso ocorre porque muitos casais giram em torno das demandas dos filhos e, na ausência destes, não conseguem reavaliar e ressignificar a própria relação. É neste momento que, em alguns casos, percebem não haver mais nenhum projeto em comum entre eles. É como se, inconscientemente, o vínculo marital só sobrevivesse à garantia da educação e independência dos filhos.

Para superar o ‘luto’ da saída dos filhos e a ‘Síndrome do Ninho Vazio’, a maioria das correntes teóricas da Psicologia prescrevem que é necessário reconhecer a naturalidade da saída dos filhos – isso pode ocorrer com a ajuda de um processo psicoterápico –, ao se debruçar sobre o fato de que a fase de proteção já passou. Algumas técnicas são aliadas poderosas deste processo, como a prática de atividades físicas, o engajamento no trabalho, em serviços comunitários e no próprio relacionamento afetivo, além da busca por atividades que reforcem o autodesenvolvimento e o desenvolvimento espiritual.

Fonte: https://goo.gl/NDmuu9

Os filhos de pais que desenvolvem a ‘Síndrome do Ninho Vazio’, de acordo com a literatura especializada, tendem a fazer um movimento de afastamento e de atrito em relação aos progenitores. Isto porque observam que o próprio princípio da liberdade está em crise, e em alguns casos passam a culpar os pais pelas suas demandas mais elementares, para a idade, como eventuais dificuldades para estabelecer vínculos e/ou outras inadequações que consideram ser fruto do processo de criação. Mais à frente, já como adultos, muito provavelmente estes filhos terão que se reconciliar com as imagos paternas e maternas, sob pena de carregarem um mal estar que pode interferir de modo negativo em suas ações cotidianas.

E é justamente neste cenário de resgate dos afetos que ocorre o desfecho de Bao, a partir de um enredo poético e emocionante em que mãe e filho se reconciliam, depois do tempo necessário para que a compreensão chegue e a cura se instale. O curta faz jus ao Oscar pela qualidade e função pedagógica que exerce. Um modo criativo de abordar um tema atual e desafiador.

FICHA TÉCNICA:

BAO

Título original: Bao
Direção:
Domee Shi
Elenco: Daniel Kailin – TV Son – e Sindy Lau – Mom
Ano: 2018
País: EUA
Gênero: Animação

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Mulheres Modernas – O preço da modernidade

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O sonho de ser uma mulher moderna e independente remete à minha infância. Naquele tempo, a ingenuidade me fazia acreditar que a vida de mulher moderna e independente seria como naquelas típicas cenas de filme. Lembram? A mulher chegando à sua bela casa branca com janelas azuis, descendo do seu lindo carro, usando um vestido vermelho com echarpee botas azul turquesa, carregando nas mãos um buquê de rosas vermelhas que ela acabara de comprar na floricultura. Então, ela adentraria na casa, toda mobiliada com tons verde piscina que contrastavam com o vermelho das almofadas de seda, daria comida para o peixe encarnado de cauda azul que nadava tranquilamente no aquário, arrumaria o buquê de rosas no vaso da sala. E iria para o quarto arrumar suas malas, pois, como era final de semana, ela iria viajar, como de costume, para um lugar bem exótico e encantador. Desta vez, iria fazer a trilha Embu das Artes.

Que sonho! Mas…PARE TUDO, caro leitor!

Para iniciar esta crônica, aproprio-me da letra da música do Kid Abelha que diz

A vida que me ensinaram como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal
Era tudo tão perfeito, se tudo fosse só isso
Mas isso é menos do que tudo
É menos do que eu preciso
Agora, você vai embora
E eu não sei o que fazer
Ninguém me ensinou na escola
Ninguém vai me responder

O fato é que a vida real difere um pouco da idealização dos filmes e contos de fadas. Afinal, como diz a letra da música “Ninguém me ensinou na escola” que a vida de Mulher Moderna e Independente não se resume ao enredo previsível com finais felizes. Essa é a temática deste texto, refletir acerca do preço que se paga pela liberdade e independência na Modernidade.

Primeiramente, fomos educadas a “brincar de casinha”, fazer “comidinha”, ser “comportadinha” e, leitores, acrescentem os outros “inhas” que julgarem necessários. Então, crescemos pensando em “cozinha”, “modinha” para andar “arrumadinha” , ser “prendadinha” para morrer “casadinha” na vida “lindinha” com a sua “prolinha” e ser “amadinha”. Como diz a letra da música “família , filhos e tal”. Mas, e se “tudo que nos ensinaram como uma vida normal” não acontecer? Vou perguntar com rima clichê “O que fazer”?

Por exemplo, imaginem que, abruptamente, você precisa aprender a dirigir e cuidar sozinha do seu carro. Para algumas mulheres, entende-se que para o pleno funcionamento do carro se precisa cumprir uma regra única e básica: SOMENTE ABASTECER O CARRO.

 

 

Então, um belo dia, você chega feliz ao posto de gasolina para ABASTECER o carro, quando é interpelada pelo gentil frentista:

– Seu carro precisa trocar o óleo – pronuncia com ar preocupado.

– Como você sabe disso? – retruco com ar de desconfiança.

– Porque estou vendo nesse papelzinho colado aqui no seu vidro- responde com tom de afirmação.

–  Como assim trocar o óleo?  Comprei esse carro há pouco mais de um ano. Já precisa trocar o óleo? – pergunto com ar de surpresa. (Para ser bem sincera, nem sabia de que óleo ele estava falando. Só conseguia lembrar do óleo da cozinha)

– Sim, seu carro já rodou mais de 3.000 km com óleo vencido. Há quanto tempo fez a última revisão? – perguntou com interesse sincero.

Lembrei que nunca me preocupei com isso, até porque nem sabia que tinha que fazer revisão, mas fiquei com vergonha de dizer, por isso preferi mentir:

–  Faz tempo- respondi desviando o olhar.

Então, senti meus ouvidos serem metralhados por palavras que “não aprendi na escola” como seu carro precisa“trocar o filtro de ar, filtro de óleo, olhar o bico da bateria, a pastilha de freio, balancear e alinhar os pneus, verificar ser tem água no tanque”( Meu Deus! Sempre achei que no tanque só cabia gasolina) e fazer “o rodízio dos pneus” do carro ( até então, o único rodízio que eu conhecia era o da churrascaria)

Então, fui convidada a responder uma das perguntas mais difíceis de toda a minha vida:

– O estepe do carro está em boas condições?- perguntou o frentista que me olhava com ar de quase súplica.

– Misericórdia! Como ele pode me perguntar isso?- pensei. E o pior, como eu poderia responder se eu nem sabia onde ficava o estepe! Calma, leitor! O motor do carro eu sabia onde ficava. Espero que essa informação melhore sua avaliação sobre minha pessoa.

Saí do posto de gasolina imaginando que meu carro estava depredado, arruinado, acabado, inutilizado. Por isso, entrei no primeiro lugar que vi escrito “Troca de óleo e balanceamento de carro”.

Quando o funcionário perguntou:

– Pra trocar tudo moça? – com ar de pontualidade.

– Tudo o que for preciso – respondi com ar de desespero.

Quando ele me devolveu o carro com o orçamento exorbitante, imaginei que ele deveria ter trocado até o motor do carro. Pensei em contestar, mas reivindicar o que você desconhece é missão impossível. Por isso, paguei o exigido e voltei para casa com a sensação de que eu deveria ter frequentado junto com as aulas de arte culinária, aulas de mecânica para carros.

Cheguei à minha casa (que não tem janelas azuis e nem peixe no aquário) e lembrei que mulher moderna precisa lavar roupa ( Engraçado! Nos filmes, as mulheres modernas nunca lavavam roupas. Será que lavavam sempre na lavanderia?)

Quando fui colocar as roupas na máquina, a mangueira estoura e, simplesmente, o apartamento é inundado. Não sei você, caro leitor, mas comigo as coisas ruins nunca vem sozinhas, elas sempre acontecem acompanhadas.

Então, ligo para a assistência técnica, ninguém atende. Mas como poderiam atender se o relógio já marcava18h30min. Imediatamente, optei pelo plano B, liguei para uma amiga e ouvi o que faltava para completar essa cena desoladora “Ligue para o Disk- Marido. Essas coisas, só homem resolve”.

Desliguei o telefone, permaneci em silêncio durante uns minutos com tempo de eternidade. Questionei-me do porquê de, no término do meu último relacionamento, eu não haver determinado como obrigação para a separação, que ele deixasse um MANUAL DE INSTRUÇÕES de sobrevivência na selva. Mas nem tive tempo de pensar mais comprido, pois lembrei que posso ser uma mulher que não entende muito de mecânica de carros e encanação. Mas, ainda assim,sou uma mulher  inteligente.

Por isso, olhei para aquela máquina de lavar e proferi com voz de guerreira da modernidade “Se Joana D’arc, uma mulher, conduziu todo um exército francês, eu, uma MULHER MODERNA e INTELIGENTE, também consertarei essa máquina.”

Dito isto, ordenei a meus neurônios que fizessem fila para que eu pensasse com mais organização e precisão, fiz uma acoplação à mangueira e….. a máquina voltou a funcionar, desta vez sem inundar o apartamento.

Descansei o sorriso no Olimpo dos VENCEDORES. Constatei que, realmente, a vida de Mulher Independente precisa ser aprendida no cotidiano. Cada dia nos ensina algo novo que “não aprendemos na escola”, fatos que fogem do ”padrão normal”. Mas, nem por isso, deixamos de nos encantar com os aprendizados e desafios dessa VIDA DE MULHER MODERNA!

Afinal, quem disse que é preciso ser fácil para ser feliz e se viver? Por isso, continuamos dispostas e seduzidas a pagar o preço da Modernidade.

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