Efêmero e incerto: o futuro já chegou

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José Lauro Martins (2022) traz em sua obra, “Efêmero e Incerto: o futuro já chegou”, sobre a necessidade de uma mudança no contexto educacional atual para que dessa forma, seja possível acompanhar as atualizações que ocorrem a todo momento advindo da tecnologia e o grande leque de informações e/ou conhecimentos que são expostos. O autor traz suas perspectivas sobre o ensino, aprendizagem, docência e demais assuntos pertinentes. Referente à docência, o mesmo descreve nos capítulos 2, 6 e 9 os quais serão discorridos neste texto.

José Lauro Martins (2022), inicia o capítulo 2, “O Tempo Presente”, trazendo reflexões acerca do tempo. Conforme o autor, o momento em que rege a maneira como vivenciar, é o momento do agora, ou seja, o momento presente, presente esse que no passado foi chamado de “futuro”, mas que apesar disso, o passado é apenas um meio de busca por informações e/ou conhecimentos. Apesar do presente ser o momento de importância, é necessário ampliar o olhar e o pensamento sobre ele, visto que, há um futuro a caminho e o que hoje é presente, se tornará parte do passado.

O autor, José Lauro Martins (2022, p. 18), traz a fala de Padre Antônio Vieira (1608-1697), “o tempo tem apenas dois pólos: de um lado está o passado e do outro está o futuro e o presente é o lapso entre o passado e futuro. O problema é que o que chamávamos de futuro chegou e não sabemos o que fazer com o futuro que há de vir”. Vive-se em constante mudanças em todos os âmbitos e que por vezes, não há tempo para “digerir” e compreender de fato as mudanças que estão acontecendo, gerando assim, instabilidade para quem vivencia. José Lauro relembra Bauman com a liquidez do tempo fazendo a reflexão de que

É tempo em que tudo muda e a mudança é mais importante que a estabilidade. A geração das pessoas com 50 anos ou mais é desafiada a compreender um tempo em que o passado não é mais passaporte sequer para o presente: somos de uma geração que não consegue preparar a seguinte (…) os saberes de uma geração não são suficientes para instrumentalizar a geração em formação (p. 19).

Para o autor, o presente é o momento de ampla reflexão para assim, proporcionar tentativas de promover um futuro propício dentro das possibilidades. O principal meio para conseguir isso, Martins (2022) enfatiza que é por meio do investimento no conhecimento, pois de acordo com ele, dessa maneira seria um preparo para lidar com os desafios futuros, sendo o tempo presente “o ponto de partida” para o futuro de cada sujeito. O autor enfatiza que ao passo que o presente é crucial para preparar-se para os desafios futuros, é preciso compreender que ainda sim, ocorrerão situações que fujam do controle do sujeito.

Conforme a obra demonstra existir um tempo de realização da vida, realização social e realização tecnológica. A primeira, de acordo com o livro, refere-se ao biológico do ser humano, mas Martins (2022) relembra que conforme as mudanças ocorridas no meio social e cultural, geraram e continuam gerando impactos na qualidade e longevidade da vida humana (mudanças essas que chegam por meio de estudos/pesquisas). Enquanto a realização social, para o autor, é uma etapa complexa, pois não possui “receita” para tal feito, cada pessoa experimentará de uma maneira e em tempos diferentes, além de que cada um terá uma concepção do que é estar realizado. Por fim, a realização tecnológica José Lauro coloca como um “caos” (2022, p. 23), pois este é um campo está em constante atualização, algo novo está sempre surgindo ou substituindo algo.

José Lauro Martins (2022) elucida que a tecnologia traz feitorias importantes ao homem, desde a questão para expandir conhecimento relacionados à saúde (biológico) quanto permite a ampliação dos contatos sociais dos sujeitos. Em contrapartida, o autor evidencia que

A vida social foi severamente alterada para as novas gerações, o tempo se transformou numa armadilha para muitos aspectos da vida. Na medida em que as tecnologias se tornaram muito complexas, trouxe também o desafio de que para viver atualizado em sociedade precisa dominá-la não só pelo uso, mas também pelos seus resultados. O tempo de vida biológico muda muito pouco, a estrutura psicológica acompanha melhor as transformações que as estruturas biológicas (MARTINS, 2022, p. 23).

O autor ainda enfatiza que, toda essa acelerada mudança e grande fluxo de informações, geram impactos no psicológico dos sujeitos, necessitando de cuidados ao usar os meios tecnológicos. José Lauro Martins (2022) expõe acreditar que cada sujeito possui modos e tempos diferentes para lidar com o que acontece e que esse processo de adaptação ocorre de maneira natural, mas que ainda sim é preciso cuidado nas consequências que podem ocasionar. Como maneira de exemplificar, o escritor traz sobre o tempo de aprendizagem, onde cada pessoa irá aprender no seu tempo, mas para ele, é importante criar estratégias pedagógicas para que esse tempo não seja muito longo, proporcionando formas do sujeito “filtrar” o que é importante e o que não é nesse processo. Como finalização, o autor evidencia que apesar do acesso ao grande número de informações, o excesso pode se apresentar maléfico no social, qualidade de vida e até mesmo no processo de aprendizagem.

É exposto no subcapítulo sobre “inteligência potencial” que segundo José Lauro Martins (2022), “Trata-se do que acontece nas conexões dos sujeitos nas redes virtuais, é o que cada um faz com as informações que circulam nas redes. Portanto é mais humana que digital, e é potencializada a cada sujeito que interage nas redes” (p. 25), acredita ainda que é possível com essas tecnologias fomentar a inteligência humana, pois de acordo com ele “É o que fazemos com as informações que possibilitam a potencialização da inteligência” (p. 25).

Após a exposição referente ao tempo e as implicações nos processos humanos, José Lauro Martins (2022) traz sobre as bases para a docência referentes ao capítulo 6, onde antes era de conhecimento que o ato de ensinar era apenas o professor o sujeito ativo e detentor do conhecimento, alunos possuíam um papel mais passivo. Ao contrário disso, o autor enfatiza sobre a necessidade de uma renovação no ato de ensinar, pois diferente do que se pensava, “Havia uma narrativa equivocada de que o professor levava conhecimento e o aluno “absorvia-os”. Isso não está correto porque, como sabemos, o conhecimento não é transmitido, é um processo em construção no sujeito aprendente” (MARTINS, 2022, p. 63).

O autor traz uma observação ao professor, de que é necessário atenção e cuidado ao ato de promover o ensino, pois de acordo com ele, o professor pode acabar atrapalhando na aprendizagem do aluno, pois cada sujeito possui seu tempo ou não oferece recursos necessários para ele concretizar a aprendizagem. José Lauro Martins (2022) dá ênfase nas novas tecnologias e na ampla possibilidade de expansão de conhecimento é possível com elas, pois o autor acredita que seria mais eficaz do que as aulas em sala de aula. Apesar de acreditar na maior eficácia no modo tecnológico para a aprendizagem, o autor relembra que esses recursos não possuem uma só forma de lidar ou seguir, pois encontram-se em constante mudança.

Diante das transformações no papel do professor e nas novas configurações de ensino, José Lauro Martins (2022), traz exemplos de novos arranjos dos docentes e as parcerias nessa área. O primeiro é o que ele denomina de “professor conteudista” que é

O conteudista é o profissional especializado capaz de produzir os conteúdos que os estudantes vão ter acesso para a construção do conhecimento. Em geral, são professores com boa formação, boa capacidade de pesquisa bibliográfica e boa habilidade com a redação científica. Portanto, não é necessariamente o professor que fala bem, mas é o que tem conhecimento técnico. Não basta ser um resenhista, mas um autor. Pode agregar conteúdo de terceiro, desde que este seja para complementar a produção autoral. (p. 65).

Após, o autor traz sobre o “designer de conteúdo para web”, “O designer de conteúdo para web é um profissional que transita entre educação (didática), comunicação digital e o designer gráfico. (…) é ele o responsável pela qualidade gráfica dos conteúdos no ambiente digital” (Martins, 2022, p. 65). Já o “criador de conteúdos educacionais” esses são os sujeitos que realizam a “filtragem” dos materiais que são utilizados, de acordo com o autor, este realiza trabalho em conjunto com professor conteudista e paralelamente com o designer de conteúdo, é responsável pela fidedignidade das informações apresentadas.

O penúltimo é o “gestor de redes de aprendizagem”, este realiza o papel de mediação no processo de aprendizagem, tem como responsabilidade prestar orientação ou apoio entre os alunos e os conteúdos disponíveis nas redes. Por último, José Lauro Martins (2022) descreve a função de tutoria, figura esta que é presente nos ensinos na modalidade online, tem como uma das funções prestar auxílio aos seus “tutorados”, como descreve o autor. Além disso, é orientador da aprendizagem, no processo avaliativo dessa aprendizagem, analista e “o tutor tem o papel de manter o vínculo acadêmico e emocional dos estudantes” (Martins, 2022, p. 67).

Além das mudanças no papel do professor e possíveis ferramentas para a docência, José Lauro Martins (2022) evidência no capítulo 9 intitulado de “Novos Rumos” a chegada de novas maneiras de ensinar, deixando de lado apenas as aulas expositivas em sala de aula, pois ele acredita que utilizar-se das tecnologias e as vantagens que ela possui, seria de maior aproveitamento no processo de aprendizagem. O autor traz em seus escritos sobre a metodologia ativa que consiste em retirar o aluno de um papel passivo e inseri-lo no processo e que apesar de ser algo utilizado há algum tempo, ainda é interesse. E em contrapartida,

A dificuldade é usar qualquer estratégia nas salas de aula tradicionais que exija movimentação dos estudantes e a flexibilidade no tempo porque as paredes definem o espaço e o tempo de aula é predefinido. Há uma falta de espaço nas salas superlotadas, o acúmulo de conteúdos abreviou o tempo disponível. O que é possível, na maioria das escolas, é o uso esporádico dessas estratégias metodológicas. Outro aspecto a ser considerado é que, ainda que houvesse competência de todos os professores para atuar com as metodologias em que coloca os estudantes no centro do processo de aprendizagem, tem a resistência de parte dos professores, dos pais e também dos alunos, quando percebem que essas metodologias exigem mais trabalho. (Martins, 2022, p. 95).

Para Martins (2022), o processo de aprendizagem ultrapassa a sala de aula, é possível proporcioná-lo indo além, como por exemplo, por meio de aulas online ou aulas gravadas, mas, ele enfatiza a importância de um preparo de materiais, roteiro para seguir, um tempo curto para que não ocorra a fadiga e como consequência, a dispersão de quem assiste, produzir conteúdos de maneira que chamem a atenção do sujeito, assim como explicar de maneira clara, entre outros pontos importantes. Apesar da defesa do autor em que o expandir olhar sobre as formas e locais de ensinar, ele não descredibiliza o ensinar na escola, mas acredita que seja necessária uma boa estruturação, como por exemplo, tornar os alunos sujeitos ativos, proporcionar a aprendizagem de maneira mais dinamizada, proporcionar um momento ou espaço de construção mútua entre docente e discentes. O autor finaliza lembrando mais uma vez que o professor está passando transformações com os avanços tecnológicos e que o mais importante, seja presencial ou online, é a qualidade de ensino ofertada no ambiente educacional.

Referências

MARTINS, José Lauro. Efêmero e incerto: o futuro já chegou / José Lauro Martins. – Ponta Grossa – PR: Atena, 2022.

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Por que fazemos o que fazemos? – Uma reflexão acerca da motivação

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Qual é o propósito de tudo o que fazemos? O objetivo desta reflexão é buscar ter uma consciência mais aguçada em relação às razões que nos levam a fazer ou a deixar de fazer certas coisas, com base no livro do filósofo e escritor brasileiro Mario Sergio Cortella.

O livro, publicado pela Editora Planeta do Brasil, traz dentro dos seus 20 capítulos, pontos acerca da relevância do propósito no âmbito do trabalho, e como a busca por ser reconhecido e valorizado vai muito além do ganho salarial. Na capa está estampado o desenho de um alvo, remetendo a um objetivo, uma pretensão, algo que se almeja alcançar. No decorrer da leitura, nota-se que ele escreve mais voltado para o ramo empresarial, mas de forma alguma impede que as reflexões sejam levadas para outras áreas de nossas vidas a partir de diferentes associações e interpretações.

A palavra “propósito” em latim significa “aquilo que eu coloco adiante”.

O que estamos buscando? A clareza sobre esta questão dá mais sentido a nossa existência. No primeiro capítulo já nos é apresentada que a ideia de uma vida com propósito retoma um princípio do pensador alemão Karl Marx, do séc. XIX: a recusa à alienação. Alienado é aquele que não pertence a si mesmo. Uma pessoa alienada é alheia a algo. Ela não faz nada com intenção, não têm consciência direta no que produz, está vivendo automaticamente. No trabalho alienado, desumanizado, não existe a percepção autoral.

Fonte: encurtador.com.br/aor89

Atualmente, no ramo organizacional, a consciência do que se faz e o porquê é algo de muito valor. As empresas inteligentes incentivam isso nos funcionários, pois produz engajamento e inovação, que sejam pensadas outras formas de se fazer aquilo que se faz cada vez melhor. Não simplesmente fazer um trabalho de forma robótica e automática. No capítulo 3, “Odeio segunda feira”, aborda como a situação profissional e o desgosto com ela são as grandes causadoras do ódio coletivo à este dia. Na verdade quando a pessoa não se encontra naquilo que faz, precisa rever os propósitos que tem para aquilo que está fazendo. O propósito reordena as nossas ações.

Steve Jobs dizia “que a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz”. Sim, mas o autor traz a reflexão de que é mais fácil procurar gostar daquilo que se faz do que fazer o que gosta.

É possível ser feliz na empresa?

Segundo Cortella, a felicidade não é possível em lugar nenhum de maneira inteira, exclusiva, hegemônica. Há uma grande obsessão pela ideia da felicidade, e as pessoas acabam vivendo mais a expectativa do que a realização. O autor aborda no capítulo 10 sobre a ética do esforço, que a fixação hedonista de que encontrar prazer no mundo do trabalho, na empresa, é fora de propósito. Que quem entra no circuito do trabalho achando que irá encontrar um prazer imenso acaba se frustrando rapidamente. Porque trabalhar dá trabalho. O prazer de um trabalho bem realizado muitas vezes é a consequência de eventos anteriores não tão gratificantes. Como por exemplo, enquanto estou escrevendo esta resenha (em pleno sábado), estou abdicando de algo que no momento poderia ser muito mais prazeroso. No capítulo 12 ele traz o questionamento “por que eu faço o que faço”? E traz outra pergunta na sequência: “Por que não faço o que não faço?” nos mostrando que não há escolha sem exclusão, não há decisão sem abdicação. Se eu entendo a minha vida como resultante de opção livre, consciente, deliberada, intencional, todas as vezes que escolho, sei que deixo outras coisas de lado.

No contexto da psicologia, há uma diversidade enorme nos conceitos de motivação, e tais conceitos abordados de maneiras muito diferentes.

Vernon (1973) traz um conceito de motivação logo na primeira página do seu livro: Motivação Humana.

“A motivação é encarada como uma espécie de força interna que emerge, regula e sustenta todas as nossas ações mais importantes. Contudo, é evidente que motivação é uma experiência interna que não pode ser estudada diretamente”. (Vernon, 1973, p.11).

No início do trecho citado, motivação é uma força sem que se especifique de que natureza. Logo após, a motivação é tida como uma experiência interna, algo que sentimos e ninguém pode observar. No senso comum, costumamos utilizar esses dois significados como dois aspectos de um mesmo fenômeno. Motivação é uma força interna que nos leva a agir, e por ser interna só nós mesmos a podemos sentir.

Fonte: encurtador.com.br/owJS4

Para finalizar este resumo sucinto do livro, que em suma trata dos pilares do entendimento do ser humano como um ser que trabalha e se sustenta, levando em consideração alguns pontos que despertaram mais interesse, percebo que algumas questões estão atreladas ao surgimento da motivação, como estar em um ambiente onde haja aprendizado, pois aprendizado gera crescimento. Além disso, ter desafios a serem cumpridos e conseguir conquistar metas, fazem o sujeito se sentir competente, e isto é algo extremamente gratificante, principalmente quando há o reconhecimento desse esforço no dia a dia.

As insatisfações com o labor podem ser revistas a partir de algumas reflexões, se buscadas por uma lógica de trabalhar não apenas para o seu sustento, ou pagar as contas, e sim que seja algo socialmente relevante, que o esforço do trabalho repercuta em algo melhor ou um bem maior, algo de valor que não seja mensurado em números, mas sim que o sujeito se identifique e sinta que há um propósito positivo por trás disso, ou seja, que essa força que nos faz levantar e prosseguir, essa capacidade interna que nos faz agir nos alcance, para que possamos obter maior qualidade de vida não só dentro das organizações, mas em toda a amplitude da nossa existência.

Mario Sergio Cortella é um filósofo, escritor, educador, palestrante e professor universitário brasileiro. É autor de vários livros, entre os quais Por que Fazemos o que Fazemos?, em que analisa a vida profissional na contemporaneidade.

FICHA TÉCNICA 

Título: Por que Fazemos o que Fazemos?
Autor: Mario Sergio Cortella
Editora: Planeta
Páginas: 174
Ano: 2019

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Tecnologia, Humanidade e (R)Evoluções

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Desde a invenção da roda e das inúmeras possibilidades surgidas a partir dela, a tecnologia surpreende, intriga e provoca as mais diversas discussões. Se há alguma coisa que a história nos mostrou de forma contundente é que dificilmente conseguimos impedir que o avanço tecnológico seguisse seu curso.  Foi assim na Revolução Industrial, com as máquinas de teares substituindo o trabalho manual, é assim agora com a tecnologia permeando nosso cotidiano de forma tão profunda que é quase impossível desvencilhar a pessoa da técnica que a envolve.

Esse não é mais um texto falando dos perigos que tal “invasão” pode provocar, ou talvez seja. Mas, independente do que penso, ou dos infindáveis discursos sobre o “impacto” da tecnologia na sociedade e nas relações humanas, a trajetória do processo de “destruição criadora” (termo cunhado pelo economista Joseph Schumpeter) tende a seguir seu caminho. Por quê? Simplesmente porque é possível. Se é possível que uma grande empresa crie um produto que agregue informação ao que vemos, ou melhor, que vá além daquilo que vemos, então isso será feito. E mesmo que uma legião de pessoas crie teses e artigos sobre o mal que isso pode provocar nas relações humanas, na capacidade de atenção/foco/concentração, no nosso discernimento entre o que é real de fato e o que é real em potência, ainda assim, a inovação será efetivada, pois há meios para isso. Se há meio, é porque além da técnica necessária para que um produto seja desenvolvido, também há nicho de mercado, ou há poder suficiente para transformar aquilo que ainda nem existe em uma necessidade pungente.

 

Há inúmeras questões levantadas a partir da intensificação do uso de aparatos tecnológicos no cotidiano. Há pais preocupados se as várias janelas abertas na tela durante a execução de uma tarefa escolar pode prejudicar a atenção do filho, assim como alguns cientistas cognitivos também discutem se o uso de óculos que agregam informação pode tirar a atenção de um dado tempo/espaço, de forma a que o indivíduo, aos poucos, perca o controle dessas variáveis (tão humanas).

Houve um tempo que memorizávamos com facilidade o telefone de um amigo, da nossa mãe, do chefe, agora é difícil encontrar uma pessoa capaz de citar cinco números de telefone. Isso ocorre porque, de certa forma, a tecnologia nos permitiu criar uma memória externa. Então, muito do que lembramos, do que sabemos, está numa espécie de HD externo. Quantas particularidades podem ser guardadas de uma pessoa, de um objeto; quantos números podem ser associados, sem erro, sem dificuldade. Mas, há sempre algum romântico lembrando-se do tempo (nem tão distante assim) em que ele sabia do número do telefone fixo da casa de sua primeira namorada, ou dos rostos e do jeito dos seus colegas de infância mesmo tendo apenas uma foto amarelada e distante da turma. Essas lembranças nos definem? Há alguma diferença em carregar uma lembrança em um HD externo e em nossa mente? Se podemos tirar fotos com celular, postá-las e marcar pessoas na imagem em uma rede social, então para que o esforço em tentar guardá-las na mente? (ou no coração, como diria o romântico).

Estamos cercados de informação, ou melhor, elas explodem na nossa face. Podemos ter respostas para nossas mais complexas indagações. Como? Google, Wikipédia, Yahoo.respostas (Quem nunca?), bibliotecas digitais das melhores instituições de ensino (MIT, Yale). Nunca tivemos tantas possibilidades de respostas, mas (agora vou ser extremamente brega), nunca tivemos tantas dúvidas. E esse nunca é só um recurso linguístico para dar à sentença certa dramaticidade, pois, obviamente, não posso sustentá-lo.

Em tempos de wearable tech (“tecnologia feita para vestir”), podemos sair por aí com nossos óculos agregados a contextos/informações e concluirmos o inevitável, ou seja, que espaço/tempo não são constantes absolutas, mas variáveis que mudam a partir de determinadas perspectivas. Há, ainda, pesquisadores e empresas que procuram contextualizar os dados dispostos nas páginas da web de forma a criar sentido dentro de determinados universos (entretenimento, trabalho, estudo), assim podemos ter respostas mais eficientes para as nossas buscas quase infinitas.

As inovações tecnológicas são rápidas, inúmeras e constantes. Parece que sempre foi natural trocarmos de telefone a cada ano, ou as fotos sempre foram marcadas em um ambiente que agrega família, amigos e outras 500 pessoas que simplesmente estão por ali, vinculados a um dado contexto, a um tipo de relacionamento que pode advir de uma regra de transitividade, de uma necessidade profissional ou, simplesmente, de algum tipo de carência.

Não sei se informação substitui experiência, nem se simulação é equivalente à vivência. Mas, sei que vivo em um mundo repleto de tecnologias, muitas delas permitem que cirurgias sejam realizadas e possam salvar vidas, facilitam nosso trabalho e nos libertam de momentos solitários, mas, também, exigem cada vez mais um senso de atenção diferenciado, uma nova complexidade no campo da percepção. Talvez nos adaptemos a isso rapidamente, e aquele romântico que há em nós, do tipo melancólico, saudoso de uma carta escrita à mão, seja apenas mais uma memória armazenada em uma nuvem virtual. Talvez o Homem do Subsolo de Dostoiévski, ao final, tivesse razão: “em breve, inventaremos algum modo de nascer de uma ideia“.

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