O uso de frases em inglês por BTS como um reforço positivo de amor próprio

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Desde 2013 o grupo de k-pop vem levantando reflexões de protesto e usando frases de afirmação positiva em inglês para o incentivo da saúde mental e do amor próprio.

O nome “BTS” não soa estranho para a maior parte dos fãs de música. O BTS é o grupo coreano que atualmente está na frente do movimento de popularidade da música coreana, e que já está na indústria faz nove anos. Lançado em 2013, o grupo é composto por sete membros que variam de 29 a 24 anos de idade. 

Da mesma forma que o nome “BTS” não é estranho para os que acompanham música, a psicologia não é completamente desconhecida pelos artistas. Em 2019 o grupo lançou a trilogia “MAP OF THE SOUL”, que tem sua base inspirada nas teorias propostas por Carl Jung, mais especificamente nas descritas no livro “Mapa da Alma” lançado em 1998, por Murray Stein. Muito além do título do álbum, as letras e os títulos das músicas se aprofundam muito nos conceitos de Jung, compilados por Stein. 

Persona, shadow (sombra), ego, não são só o nome de arquétipos e termos trabalhados por Carl Jung mas também se tornaram a tríade que segura o conceito de cada um dos álbuns. Nas músicas, intituladas persona, shadow, e ego respectivamente, são expostos cada um desses conceitos em sua forma artística e clara para um público que, grande parte, só aprendeu sobre a psicologia analítica depois de ouvir os álbuns, se interessar no assunto, e ler o livro de Murray Stein.

Mas além do aprofundamento do BTS nos estudos de Carl Jung, o BTS já tem proposto histórias que falam muito sobre a saúde mental, sobre estender a mão uns para os outros. Em uma de suas músicas mais famosas, eles cantam:

“Ay, you never walk alone”
You never walk alone – BTS

A tradução literal, ay você nunca caminha sozinhx, se tornou fonte de inspiração para diversos fãs e ouvintes, ainda mais pelas palavras usadas nas músicas sendo em inglês.

De acordo com o site Statista, em 2021 foi constatado que 1.35 bilhões de pessoas são fluentes em inglês. Esse dado conta tanto com as pessoas que usam inglês como língua nativa, como os que usam como uma segunda língua. Se comparado com o coreano, dos quais não há estatística oficial em relação aos que usam como segunda língua, apenas 77.3 milhões usam essa língua como a primeira língua. Entre o uso do inglês versus o coreano para trazer frases de impacto positivo, a escolha acaba sendo óbvia.

“You’ve shown me I have reasons
I should love myself”
Answer: Love Myself – BTS

A tradução literal do trecho citado acima, você me mostrou que eu tenho motivos, eu devo amar a mim mesmx, é de uma música extremamente significativa que fala sobre amor próprio. Com o título que pode ser traduzido como resposta: amar eu mesmx, BTS narra no decorrer da história a luta para atingir o amor próprio, sobre o fato de que os padrões que exigimos dos outros, são na verdade mais duros conosco mesmos.

Dentre as existentes abordagens da Psicologia, a análise do comportamento explora os tipos de comportamento, além de reforçadores que ajudam na manutenção desses comportamentos.

Skinner (1957/1978) define que comportamentos verbais: a) são comportamentos reforçados mediacionalmente; b) devem ter pelo menos um falante e um ouvinte (episódio verbal); c) falante e ouvinte devem pertencer à mesma comunidade verbal, ou seja, as práticas de reforçamento que controlam seus comportamentos devem ser similares. Nas músicas, nós temos falantes e ouvintes, que de certa forma não pertencem à mesma comunidade verbal mas que podem pertencer rapidamente, graças a ajuda de tradutores. Os comportamentos verbais estão ligados ao processo de correspondência verbal.

A correspondência verbal, por sua vez, de acordo com Medeiros (2012), os estudos em correspondência verbal investigam diferentes tipos de cadeias que variam conforme a ordem de emissão dos comportamentos verbais e não verbais. As principais cadeias são: a cadeia fazer-dizer; a cadeia dizer-fazer; e por último, a cadeia dizer-fazer-dizer (Beckert, 2005; Weschler & Amaral, 2009).

Relacionando ambos os fatos teóricos e práticos que ocorrem ao se cantar uma música, as palavras em inglês usadas por BTS, frases de fácil acesso e repetição, causam uma cadeia de dizer-fazer-dizer. Dentre os fãs, há uma clara internalização das falas de amor próprio que por efeito refletem em seus comportamentos. Ao ouvir as músicas repetidas vezes, há um reforçamento positivo pois se seus ídolos estão falando sobre o quão difícil foi, e que finalmente eles podem alcançar o amor próprio, os fãs se sentem validados em sua luta pelo amor próprio e as suas dificuldades de se encaixar.

“I’m the one I should love in this world”
Epiphany  – BTS (Jin)

O último trecho citado, eu sou a pessoa que eu devo amar neste mundo, faz parte de uma música que descreve uma epifania: eu sou a principal pessoa da minha vida, e por isso eu devo me amar não importa as minhas falhas.

REFERÊNCIAS:

“Answer: Love Myself” by BTS promotes self love. Disponível em: <https://tricolortimes.com/4615/showcase/answer-love-myself-by-bts-promotes-self-love/#:~:text=The%20song%20%E2%80%9CAnswer%3A%20Love%20Myself,who%20are%20learning%20self%20love.>. Acesso em 18 de mar. de 2022.

How BTS taught me to love myself. Disponível em: <https://assembly.malala.org/stories/how-bts-taught-me-to-love-myself>. Acesso em 18 de mar. de 2022.

Jung lovers: BTS delve into psychology on their album: Map Of The Soul. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/entertainment-arts-47965524>. Acesso em 18 de mar. de 2022.

MEDEIROS, Fabio Hernandes de. Contingências de reforçamento positivo e punição negativa na correspondência verbal. 2012, TCC (graduação) – Curso de Psicologia, Faculdade da Educação e Saúde (FACES). Brasília, 2012. Disponível em: <https://repositorio.uniceub.br/jspui/handle/123456789/2610>. Acesso em 18 de mar. de 2022.

 

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K-POP: apoio emocional em relações parassociais dentro dos fandoms

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O movimento do kpop é mais do que uma febre. Para várias pessoas, ele significa vida, alegria, e força para viver mais um dia

Ídolos não são figuras completamente desconhecidas na cultura pop. Eles podem ser encontrados até mesmo em 1954, com o surgimento de Elvis Presley na indústria musical americana. A sociedade não é estranha ao ato de ser fã, de idolizar indivíduos que trazem alegria a certo grupo de pessoas das quais acompanham esse ídolo. Muitos escutam as músicas de seus ídolos em busca de divertimento, para aproveitar um tempo sem preocupações. Cercados de preocupações com vida social, relacionamentos, estudos, trabalho, problemas familiares, o ser humano está em uma constante busca por alívio do peso imposto sobre elas.

O K-pop é um gênero musical que tem seu marco inicial em 1992, com o lançamento da música Nam Arayo de Seo Taiji&Boys que misturou elementos musicais coreanos, hip-hop, coreografias e letras dos quais os ouvintes jovens poderiam se identificar. Conhecido como movimento Hallyu (onda coreana), o gênero musical está se desenvolvendo no mercado musical internacional, constantemente revelando diversas camadas de gêneros e estilos musicais, imagens estéticas, e letras que ressoam com o público que as escuta. A ascensão mundial lenta porém constante se dá desde que Psy abriu as portas com a viralização de Gangnam Style em 2012.

O K-pop veio como um movimento capitalista de comercialização de música e imagem em uma tentativa bem sucedida de melhorar a economia da Coreia. No entanto, essa parte da cultura hallyu que engloba música, produtos de beleza, dramas de TV (conhecidos como doramas ou K-dramas), figuras culturais e vestimenta, se tornou muito mais do que isso para diversas pessoas.

BTS atualmente é o grupo coreano que está na frente do movimento de popularidade da música coreana. Lançado em 2013, o grupo é composto por sete membros que variam de 28 a 23 anos de idade. Cinco anos atrás, o BTS não possuía o reconhecimento que atualmente tem. Mas hoje, oito anos depois do debut (ou seja, lançamento) do grupo, existem poucas pessoas que nunca ouviram falar deles. Há oito anos, o grupo com sete membros luta contra a corrente em indústrias (tanto norte-americana quanto a coreana) que os recusam afirmando que certos membros não têm talento, que não têm beleza o suficiente, não cantam bem o suficiente, e até mesmo o racismo norte-americano desenfreado.

(BTS, grupo coreano composto por sete membros. Fonte: bit.ly/38leF2o)

Recentemente em uma entrevista do site americano Billboard divulgada em 28 de Agosto de 2021 a pessoa responsável por conduzir a entrevista abertamente acusou BTS, os fãs, e a empresa responsável por eles — Hybe Entertainment, de manipulação dos charts da Billboard. Na realidade, o esforço do fandom (fã-clube), é terminantemente mais intenso do que quaisquer outros fandoms por conta dessa barreira de racismo. Tal situação não acontece com artistas de origem americana, pois a viralização de algo americano, em inglês ou não, não é visto com estranheza pela indústria. As portas são conscientemente fechadas para esses artistas por uma clara representação de racismo e desrespeito.

Tal fidelidade, tal foco e amor aos grupos de k-pop e seus membros se dá pelo apoio emocional que muito frequentemente é fornecido aos fãs.

O apoio emocional se caracteriza como a capacidade de oferecer apoio, cuidado, conforto e segurança frente a momentos de estresse. Esse tipo de apoio faz parte de uma dimensão que engloba alguns modelos básicos de apoio social, incluindo autoestima, rede de vínculos e outros elementos que vão desde saber instruir os indivíduos na resolução de problemas a oferecer os recursos necessários para uma assistência concreta (CUTRONA; RUSSELL, 1990). O crescimento emocional está diretamente ligado ao processo de apoio emocional, por este estar diretamente ligado ao fato de que ao adquirir apoio emocional, o indivíduo encontra liberdade de desabafo, expressão das emoções, e crescimento psicológico.

Devido a diversos movimentos de desenvolvimento tecnológico e social do século XXI, foi criada uma subjetividade quanto ao que pode se apresentar como apoio emocional. Pela tecnologia, pessoas de países diferentes podem se unir em apoio e cuidado, utilizando de interesses em comum e vivências similares para dar forças uns aos outros. Tal movimento foi maximizado por conta da pandemia, e houve uma aproximação emocional dentro do distanciamento social.

Muitos fãs e ídolos entram em um processo de apoio emocional que pode até mesmo se apresentar de forma mútua. O apoio emocional por parte dos fãs é uma narrativa constante dentro desse universo, relatos dos quais os fãs afirmam que um grupo salvou a vida delx, que por causa de um grupo elx tem força para viver mais um dia, dentre diversas outras falas. O apoio emocional de fã para fã também é visível, visto que muitos passam por experiências similares de transtornos mentais tais como ansiedade, depressão, e até mesmo ideação suicida.

Grupos de K-pop perceberam a sua voz, o alcance que eles possuem, e começaram a estender a mão para os fãs da melhor forma possível.

Em Setembro de 2018 o grupo BTS entregou o primeiro discurso na câmara da UNICEF, no evento “Youth 2030: The UN Youth Strategy”, do qual tinha o objetivo de debater e levar a frente movimentos de melhoria no futuro dos jovens de todo o mundo. Foi o primeiro discurso de um total de dois (o segundo sendo feito em 2020 de forma remota), e o primeiro grupo do gênero a praticar tal ato. O discurso foi feito para levantar a campanha Love Myself, da qual eles unem forças com a UNICEF para promover doações e vendas dos quais os fundos são utilizados para proteger crianças de violência.

(BTS, grupo composto por 7 membros durante promoção em 2020 da campanha Love Myself. Fonte: https://www.love-myself.org/eng/home/)

No discurso RM, o líder do grupo também conhecido como Namjoon, disse:

“[…] E eu gostaria de começar falando sobre mim mesmo. Eu nasci em Ilsan, uma cidade próxima de Seul, na Coreia do Sul. É um lugar muito bonito, com um lago, montanhas, e até mesmo com um festival anual de flores. Eu tive uma infância muito feliz lá. E eu era apenas um garoto comum. Eu costumava olhar para o céu para pensar, e eu costumava sonhar os sonhos de um garoto. Eu imaginava que eu era um super herói que podia salvar o mundo.

E na introdução de um dos nossos primeiros álbuns, tem uma frase que diz: ‘Meu coração parou quando eu tinha nove ou, talvez, dez anos’. Olhando para trás, acho que foi quando eu comecei a me preocupar sobre o que outras pessoas pensavam de mim, e comecei a me enxergar pelos olhos deles. Eu parei de olhar para o céu à noite e para as estrelas. Eu parei de sonhar acordado.

Ao invés disso, tentei apenas me encaixar nos moldes criados por outras pessoas. Logo, comecei a calar minha própria voz e passei a escutar as vozes dos outros. Ninguém chamava meu nome, nem eu mesmo chamava. Meu coração parou e meus olhos fecharam-se. E é assim, dessa forma, que eu, nós, todos perdemos nossos nomes. Nos tornamos fantasmas.

Mas eu tinha um refúgio, e era a música. Tinha uma pequena voz dentro de mim que dizia: ‘Acorde, cara. E escute a si mesmo!’ Mas demorou um tempo para que eu ouvisse a música chamando meu verdadeiro nome.

[…] E eu posso ter cometido um erro ontem, mas o eu de ontem ainda sou eu. Hoje, eu sou o que sou com todos os meus defeitos e erros. Amanhã, eu posso ser um pouco mais sábio, e isso também será eu. Essas falhas e erros são o que eu sou, compondo as estrelas mais brilhantes da constelação da minha vida. Eu aprendi a me amar pelo o que eu sou, pelo o que eu fui, e pelo o que eu espero me tornar.

Eu gostaria de dizer mais uma última coisa. Depois de lançar a série de álbuns ‘Love Yourself’ e a campanha ‘Love Myself’, eu comecei a escutar histórias impressionantes de nossos fãs pelo mundo, de como nossa mensagem os ajudou a superarem as dificuldades da vida e de como eles passaram a se amar. Essas histórias constantemente nos lembram de nossa responsabilidade.

Então, vamos todos dar mais um passo. Aprendemos a nos amar. Agora, eu insisto que falem por si mesmos. Eu gostaria de perguntar a todos vocês: Quais são seus nomes? O que anima vocês e o que faz seus corações baterem? Me digam suas histórias, eu quero ouvir suas vozes e ouvir suas convicções.

Não importa quem você seja, de onde você venha, sua cor de pele, sua identidade de gênero, apenas fale! Encontre seu nome e sua voz, falando por si próprio.”

O impacto de seu discurso foi tamanho que os fãs desenvolveram um movimento mundial dos quais eles filmavam vídeos curtos, faziam tweets, posts no Facebook e Instagram relatando suas vivências, dizendo seus nomes e suas origens. Por conta disso, houve uma reação em cadeia de apoio emocional e cuidados promovidos pelos próprios fãs pela validação das falas de cada um deles seguidos de respostas de apoio nos comentários desses posts.

Atualmente, a campanha tem um valor arrecadado acumulado de 2,600,000,000 KRW, que fazem cerca de 11 bilhões de reais. A campanha continua em andamento até hoje, e os efeitos sociais de Love Myself permanecem e marcam fãs até hoje.

Siga ligadx no site (En)Cena para a segunda parte.

REFERÊNCIAS

Bhrescya Ayres ABADE; Ana Letícia Guedes PEREIRA. Ídolos e Apoio Emocional: Reflexões Sobre a Dinâmica do Fã Adolescente Contemporâneo. JNT- Facit Business and Technology Journal. QUALIS B1. 2021. Julho. Ed. 28. V. 1. Págs. 74-92.

MADA, Larissa Sumi.  A experiência de ser k-popper no brasil – uma visão fenomenológica sobre os armys. Universidade Federal de São Paulo. Santos, 2017.

Kpop como aliado no tratamento de doenças mentais. K4us, 2019. Disponível em <https://k4us.com.br/kpop-como-aliado-no-tratamento-de-doencas-mentais/>. Acesso em 28 de Ago. de 2021.

CRUZ, Caio Amaral da. E precisa falar coreano? Uma análise cultural do K-Pop no Brasil. 104 f. il. 2016. Monografia – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.

BTS Cover Story: Inside the Band’s Business & Future. Billboard, 2021. Disponível em <https://www.billboard.com/articles/news/9618967/bts-billboard-cover-story-2021-interview>. Acesso em 30 de Ago. de 2021.

BTS Struggles & Hardships. Amino, 2017. Disponível em: <https://aminoapps.com/c/btsarmy/page/blog/bts-struggles-hardships-what-can-we-learn-from-this/xpjw_WpXh2uwG56agBwlaG33zkB2PvGjGZN>. Acesso em 29 de Ago. de 2021.

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