A importância das lendas para a formação sociocultural

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A história é a verdade que se deforma, a lenda é a falsidade que se encarna – Jean Cocteau

Curupira, o grande protetor das florestas; Fonte: Imagem de Alieide por Pixabay.

Desde que o mundo é mundo compartilhamos inúmeras histórias, advindas de vários povos cada um em seu canto, e essas histórias perpassam as pessoas, fazendo delas o que são; a história de cada povo, sua cor, sua linguagem, suas crenças e valores, o que comem, suas vestimentas, suas preferências musicais, suas expressões artísticas, como se manifestam no amor, na guerra ou na dor. Isto tudo nos faze únicos e diversos em nossas culturas e o que comumente chamamos de diversidade cultural. Além destes elementos que são inúmeros, é esta dita diversidade que nos denomina. Ela pode dizer das diferenças, da pluralidade e da multiplicidade, ou seja, é a diferenciação dos indivíduos e de suas várias formas de ser no mundo.

Dentre os tipos mais importantes de diversidade, podemos destacar as étnicas, socioeconômicas, biológicas, cultural, religiosa e social. O Brasil é tido como destaque em diversidade étnica, somos uma grande explosão de indivíduos que fazem de nós uma variedade de povos, variedade esta pouco encontrada em outros lugares. Acompanhando nossas inúmeras diferenças de crenças, culturas e costumes, temos também um arcabouço enorme de folclore do nosso povo e que são de uma riqueza sem igual, são manifestadas através de histórias narradas (lendas), danças típicas, linguagens, superstições, catira, crenças, culinária, dentre outras.

E é sobre estas lendas que o texto tem intenção de dissertar, procurando levar ao leitor a importância que elas carregam, bem como a relevância de passarmos às gerações futuras o conhecimento das mesmas, pois esquecê-las, seria perder nossas memórias, nossas tradições e nossa identidade. Além disso, é uma forma rica de as crianças e ou/adultos, fazerem descobertas através da imaginação e ir construindo o seu nicho de realidade dentro das histórias. Estarmos inteirados do mundo que nos cerca de uma forma lúdica, também nos aproxima da construção do mundo real. O ato de imaginar nos possibilita criar formas onde no mais recôndito do nosso ser, floresça o melhor que há em nós.

Saci, o rei das travessuras; Fonte: Imagem de dinhochiz por Commons.wikimedia

Nossas lendas são histórias narradas que tem como propósito explicar eventos místicos e de onde eles surgiram, elas expressam nossos valores históricos, nos transportando para além da narrativa, causando em nossa imaginação o poder de estar naquele momento do acontecido. Os povos mudam, o tempo passa, mas nossas lendas permanecem (ou deveriam permanecer), e são passadas de pais para filhos, numa eterna e prazerosa reedição, passando assim como um telefone sem fio, com algumas mudanças aqui e ali, mas sem jamais perder a sua essência primeira, se tornando parte do enriquecimento de nossa cultura.

Clarice Lispector em sua riqueza literária faz os seguintes questionamentos:

Uma lenda é verossímil? Sim, porque assim o povo quer que seja. De pai para filho, de mãe para crianças, é transmitida uma fabulação de maravilhas que estão atrás da História. Como ao redor de uma fogueira em noite escura, conta-se em voz sussurrante um ao outro o que, se não aconteceu, poderia muito bem ter acontecido nesse imaginoso mundo de Deus. E assim oralmente se escreve uma literatura plena e suculenta, em que o espírito secreto de todo um povo vira criança e brinca e “faz de conta”. Brinca? Não, é muito a sério. Pois o que é que pode mais do que um sonho? (…) […]. As lendas são uma potência. Elas procuram nos transmitir alguma coisa importante que se passa na zona penumbrosa e criativa popular. E o que não existe passa a existir por força mesmo de seu encantatório enredo. Nos grandes centros culturais brasileiros, as lendas infelizmente se perdem, menosprezadas por uma civilização que luta pela vida real. (LISPECTOR, 2015, p. 3-4)

Sim, Clarice está certa, o povo quer que suas histórias tenham um total cunho de verdade, e tem. Quem nunca viu um redemoinho que surge do nada, arrastando papeis, terra e poeira em seu movimento em espiral, e pensou: Olha o Saci com suas brincadeiras; se nossa imaginação for fértil, podemos até vislumbrá-lo em meio ao espiral de poeira.

Para os que não têm conhecimento, o Saci Pererê é uma lenda que surgiu no Sul do Brasil, entre os índios Tupi-Guarani por volta do século XVIII. Trata-se de um menino negro de uma perna só, que faz arruaça por onde passa e não era um só, existiam mais versões do moleque, sendo elas: Saci-Cererê, Matimpererê, Matita Perê, Saci-Saçurá e Saci-Trique, todas as versões usavam um short vermelho e um gorro da mesma cor. Após sua morte, ele virava um cogumelo venenoso.

O Saci ganhou grande fama ao ser agraciado pela escrita de Monteiro Lobato, dando-lhe visibilidade no mundo inteiro. Além de tudo isto ele tem seu próprio dia, 31 de outubro. A data é fruto do Projeto de Lei Federal n.º 2.479, que foi elaborado pela Comissão de Educação e Cultura, em novembro de 2013, pelo deputado federal Chico Alencar e pela vereadora Ângela Guadagnin. A intenção é a valorização de nossa cultura e se justifica da seguinte forma,

Entendemos que a comemoração anual do “Dia do Saci” permitirá um contato sistemático com a variedade e a beleza das tradições do País, de modo a fortalecer o processo de consolidação da identidade nacional bem como a autoestima do povo brasileiro. (Projeto de Lei Federal n.º 2.479, 2013.).

Podemos através deste projeto de lei vislumbrar a importância que nossas raízes tem para todos nós, e o quanto precisamos, todos, resgatar essa fonte inesgotável de criatividade, do fazer refletir acerca de nossos valores e tradições. Repassar essas tradições é uma forma de perpetuar nossa cultura. É isso que continuaremos a fazer por este mágico passeio pelas lendas e entendê-las um pouco mais.

Em algum momento vocês já vislumbraram um moço bonito saindo de um rio a noite (pois sim, o Boto tem hábitos noturnos), e pensaram, que quem sabe aquele maroto garoto, poderia ser um boto disfarçado de moço, que saiu para encantar alguma bela donzela? O Boto é tido na lenda como um vilão, pois sua magia encanta as jovens que se entregam a ele, e ele as abandona. Dizem as más línguas, que as mães solteiras foram visitadas pelo Boto. Esta lenda tem origem no Norte do Brasil.

Boto em forma humana seduzindo uma bela donzela; Fonte: Imagem de Gordon Johnson por Pixabay

Há um canto sereno e profundo que encanta os pescadores, quem conhece sabe que é de Iara, a linda moça das águas que seduz e leva os homens para o fundo do rio. Esta moça é de rara beleza, metade mulher e metade peixe, é rica, linda e dona de uma voz encantadora. Por ser muito bonita, seus irmãos tinham inveja dela e a tentaram matar, mas ao contrário disso, ela que matou seus irmãos; como castigo seu pai a jogou no rio negro, e os peixes a salvaram e ela se transformou em sereia. Apesar de ser grandemente propagada por todos nós, esta lenda tem origem europeia, e foi espalhada entre nós através dos índios, que a tem como a mãe d’água.

Iara atraindo os navegantes com seu canto; Fonte: Sergei Tokmakov, Esq. https://Terms.Law

E para não perdermos o fio da meada, que moça não teria medo de encantar-se por um lindo padre (Hoje em dia temos uns belíssimos) e virar uma mula sem cabeça, em alguns casos será que valeria o risco? Na lenda reza que a moça que se encantava por um padre e acabava cedendo aos desejos carnais, fatalmente virava uma mula sem cabeça e saía louca e desvairada agredindo a quem passasse. O padre? Não, ele não era castigado, diziam que o castigo deles seria no plano divino. Acredita-se que esta lenda era contada como um sossega leão para as moçoilas mais afoitas, tipo um reforço para a prevalência dos “costumes morais”.

Invariavelmente as mães cantam para seus bebês dormirem, apesar do carinho na voz, soa como uma ameaça: Dorme neném que a Cuca vem pegar. Quase todas as crianças têm certa intimidade com a Cuca, com o boi da cara preta, o bicho-papão, o Tutu marambá. Deste jeito de carinho em forma de monstros imaginários as crianças foram cristalizando em si, as histórias de nosso povo. São tantas as manifestações culturais em forma de lendas que elas se tornam primordiais no resgate de nossas raízes a fim de tornar robusta nossa identidade. É necessário e urgente falar, contar, incentivar nossas crianças no contato com este acervo riquíssimo, para não incorrermos no risco de perdermos nossa origem cultural, como salienta Clarice no final de sua citação, seria um prejuízo enorme, seria o fim do diálogo com nossa ancestralidade. Segundo Roque Laraia (2001), antropólogo, “A cultura é uma lente através da qual a gente vê o mundo”.

Seria interessante que o folclore fosse uma matéria obrigatória para nossas crianças, com o intuito do desenvolvimento de espírito de nacionalidade, de pertencimento, uma maneira de descobrir-se como alguém dentro do universo, mais que isso, um cidadão do mundo, um conhecedor de suas raízes, identificando-se dentro de seu grupo, dentro de sua comunidade. Além do respeito às diversidades, o que indubitavelmente o faria um cidadão cônscio de seus direitos e deveres, um cidadão empático, tolerante e acima de tudo, respeitando a si mesmo e as pessoas que o cerca. Convido-os a saber mais sobre os personagens que não me aprofundei em suas histórias. Vale a pena passear por este mundo místico e encantado, sempre é tempo de libertarmos esta criança que existe dentro de todos nós. Permita-se.

Podemos começar assim: Era uma vez…Quanta imaginação cabe nesta simples frase, através dela podemos criar o que quisermos, deixar fluir nossa criatividade e revisitar todas estas histórias; e replicá-las aos nossos pequenos, para que eles não percam a magia e dentro dela se faça tão repleto de beleza, que sinta a necessidade de replicar e replicar, sem que nunca se perca essa linda forma de perpetuar nossos contos.

Era uma vez um gato xadrez que pelo simples fato de ler, de uma só vez levou cultura para mais de três. Seja como o gato Xadrez, replique de forma que as histórias se instalem de vez, porque alguns autores assim como Clarice, vê as lendas se extinguindo e junto a elas lá se vão nossas raízes, e nosso imaginário ficando mais pobre dia a dia. Replique.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Andréa. 2019. Personagem folclórico que vive na floresta. Disponível em: https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/artes/saci-perere. Acesso em10/02/2023

BEZERRA, Juliana. 2011. Cantigas de ninar – Folclore. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/cantigas-de-ninar/. Acesso em 10/02/2023

SILVA, Santos Dias Filipe.2021. MANIFESTAÇÕES CULTURAIS POPULARES. Disponível em: https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/602304/2/eBook_Manifestacoes_Culturais_Populares.pdf. Acesso em 10/02/2023

SILVA, N. Daniel. Boto-cor-de-rosa. (s.d.) Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/folclore/boto-corderosa.htm#:~:text=Trata%2Dse%20de%20um%20cet%C3%A1ceo,%C3%A0s%20festas%20para%20seduzir%20mulheres.. Acesso em 15/02/2023

WANDERLEY, Araújo Naelza. 2021. “Os adultos como eu, também criam lendas”: Clarice Lispector. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/NauLiteraria/article/view/116725. https://doi.org/10.22456/1981-4526.116725. Acesso em 08/02/2023

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A Origem dos Guardiões: a relação com o inconsciente na infância

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A Origem dos Guardiões é um filme de animação estadunidense. Lançado em 21 de novembro de 2012, o filme traz como personagens principais figuras do folclore famosas: Papai Noel, Fada do Dente, Jack Frost, Sandman e Bicho Papão. Papai Noel, Fada do Dente, Coelho da Páscoa e Sandman, são responsáveis por garantir a sobrevivência da inocência das crianças e das lendas infantis. Até que aparece um inimigo Breu (Bicho papão) que pretende transformar todos os sonhos das crianças em pesadelos, despertando medo em todas elas.

A inocência da criança, que ainda possui uma forte ligação com o inconsciente, e o encantamento com histórias, fábulas e contos de fadas é algo que perdemos quando nos tornamos adultos. Na Psicologia Analítica a criança possui um ego incipiente que se encontra ainda “mergulhado” no inconsciente coletivo. Seu pensamento é ainda simbólico e não linear. A infância é um período de grande intensidade emocional. E a juventude caracteriza-se por um despertar gradativo, um estado no qual o indivíduo se torna, aos poucos, consciente do mundo e dele mesmo.

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Fonte: http://migre.me/wAIFX

Ao chegar à idade escolar a criança começa a fase de estruturação do seu ego e de adaptação ao mundo exterior. Esta fase em geral traz um bom número de choques e embates dolorosos. E nessa fase o ego começa a se estruturar e a iniciar uma separação do inconsciente.  Conforme JUNG (2002)

“Ao mesmo tempo, algumas crianças nesta época começam a sentir-se muito diferentes das outras, e este sentimento de singularidade acarreta certa tristeza, que faz parte da solidão de muitos jovens. As imperfeições do mundo, e o mal que existe dentro e fora de nós, tornam-se problemas conscientes; a criança precisa enfrentar impulsos interiores prementes (e ainda não compreendidos), além das exigências do mundo exterior.”

Na segunda metade da vida, após ter se estabelecido no mundo exterior, o ego então recebe um “apelo” do inconsciente para se voltar a ele.  Este “apelo” se inicia com um choque inicial, apesar de nem sempre ser reconhecido como tal, causando sofrimento.  Ao contrário, o ego sente-se tolhido nas suas vontades ou desejos e geralmente projeta esta frustração sobre qualquer objeto exterior. Isto é, o ego passa a acusar Deus, ou a situação econômica, ou o chefe, ou o cônjuge como responsáveis por esta frustração (JUNG, 2002).

O filme então retrata esse momento da infância onde ainda nos “relacionamos” com o inconsciente. Os guardiões seriam então, uma espécie de apelo para que a nossa sociedade ocidental e industrializada não deixássemos as crianças perderem esse contato. Hoje nossas crianças têm cada vez mais acesso às informações, e sua infância fica cada vez menor. Isso por um lado desenvolve seu raciocínio, mas por outro lesa seu lado lúdico e estruturador da personalidade – que são os arquétipos do inconsciente coletivo.

Além disso, nós ocidentais – enquanto consciência coletiva – nos afastamos demais do inconsciente. Com isso ficamos longe do irracional e dos processos que ocorrem nas camadas mais profundas do inconsciente coletivo. Esse movimento de desenvolvimento da consciência foi até certo ponto importante, mas como hoje se tornou unilateral, precisamos encontrar um equilíbrio entre essas duas instâncias. Pois o processo de individuação consiste no desenvolvimento do eixo Ego – Self, e da relação entre os dois.

 Esse desprezo pelo inconsciente aparece simbolizado pela figura de Breu. Breu é o Bicho Papão que se esconde debaixo das camas das crianças e simboliza o medo de sermos engolidos, caso não nos comportemos. No filme, vive em um covil subterrâneo, que é o espelho maléfico dos reinos dos Guardiões. Ou seja, ele é o aspecto sombrio dos Guardiões.

Breu tem suportado gerações de pais que dizem aos filhos para não acreditarem nele, enquanto os demais Guardiões recebem toda a aclamação. Então ele decide mudar esta situação. Cria um plano para convencer as pessoas a acreditarem nele em vez de acreditarem nos Guardiões. Ele tenta fazer desaparecer sistematicamente os Guardiões, um a um, e o que eles representam, até não restar nada mais a não ser o medo.

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Fonte: http://migre.me/wAIG9

O Bicho Papão com o qual lidamos em nossa infância, simboliza nossos medos e aspectos sombrios reprimidos da consciência. Nossa sociedade Ocidental judaico – cristã também acabou menosprezando a questão do mal. A imagem de Deus foi dissociada de sua sombra e tida como modelo de perfeição. Isso acarretou alguns problemas para o processo de individuação do homem ocidental, pois esse se trata de um processo eu visa a completude e não a perfeição. A individuação visa a assimilação dos conteúdos do inconsciente na personalidade, e isso engloba também aspectos sombrios.

Breu é a noite, a sombra e o medo. Ao ser reprimido pela consciência coletiva é investido de mais energia e vem cobrar seu preço por ser negligenciado. Nós precisamos aprender a lidar com nossos medos e com nossos aspectos devoradores. Os outros Guardiões simbolizam outros aspectos da psique coletiva, bem como anseios infantis nossos. Além de serem figuras conhecidas do nosso folclore, as quais aceitamos de bom grado sem questionar e entender o porquê elas estão em nossa cultura.

Norte (Papai Noel) não é como o Papai Noel com o qual estamos familiarizados. Norte é um antigo cossaco russo que possui a palavra “mal comportado” tatuada em um braço e “bem-comportado” no outro. Os Cossacos são muito famosos pela sua coragem, bravura, força e capacidades militares (especialmente na cavalaria), mas também pela capacidade de auto-suficiência.Ele é impetuoso, exigente e impulsivo. Consegue ver tudo. Tem grande capacidade de estratégia e é o líder dos Guardiões. Ele emana felicidade e se acredita em uma causa, não há nada nem ninguém que o consiga segurar.

O Papai Noel tradicional é uma figura lendária que, em muitas culturas ocidentais, traz presentes aos lares de crianças bem-comportadas na noite de Natal. Foi inspirado por São Nicolau, arcebispo de Mira na Turquia, no século IV. Nicolau costumava ajudar, anonimamente, quem estivesse em dificuldades financeiras. Colocava o saco com moedas de ouro a ser ofertado nas chaminés das casas. Foi declarado santo após muitos milagres lhes serem atribuídos. Sua transformação em símbolo natalino aconteceu na Alemanha e daí correu o mundo inteiro. Esse caráter belicoso, cheio de força e bravura, atribuído a Norte no filme, é um aspecto valorizado pela consciência coletiva ocidental; muito diferente do caráter pacífico de São Nicolau.

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Fonte: http://migre.me/wAIGN

O outro personagem é Coelhão. Ele é o Coelho da Páscoa, um australiano querido e calmo, mas seco como o interior australiano. Um guarda-florestal por excelência, sempre pronto para o trabalho, além de ser um protetor da natureza duro e brusco. Segue os ritmos da natureza e quando chega a oportunidade de ação, espera pelo momento certo para agir. O Coelhão é completamente imperturbável. A única

coisa que o consegue deixar louco é a constante provocação do Norte, sempre a afirmar que o Natal é mais importante do que a Páscoa. Ele mede 1,80 metros de altura, e entra em sua toca abrindo buracos mágicos no chão que chegam de qualquer parte do mundo.

A tradição do Coelho da Páscoa foi trazida para a América pelos imigrantes alemães, entre o final do século XVII e o início do século XVIII. A Páscoa simboliza a ressurreição, vida nova, tanto entre os judeus quanto entre os cristãos. No entanto, o coelho e os ovos tratam de um costume pagão. No Antigo Egito, o coelho representava o nascimento e a nova vida. Além disso, coelhos são notáveis por sua capacidade de reprodução, e geram grandes ninhadas.

De acordo com a mitologia germânica, o coelho era um dos símbolos da deusa da fertilidade Ostara, deusa da primavera, ressurreição e renascimento. O culto a essa deusa costumava ser feito durante a primavera e uma das principais tradições desse festival é a decoração de ovos. O ovo representa a fertilidade da Deusa e do Deus, onde havia a tradição de esconder os ovos e depois achá-los. A partir desta mesma lenda mítica, surgiu entre os alemães a tradição de entregar ovos (de galinha) pintados de várias cores para as crianças.

E por este motivo os cristãos, para evitar as celebrações pagãs, os cristãos associaram o coelho e a tradição da “coleta dos ovos” à Páscoa Cristã. Portanto, o Coelho representa aspectos pagãos que ainda sobrevivem em nossa cultura e que são necessários. Os ritos de fertilidade e nova vida são de imensa necessidade

A Fada dos Dentes recolhe os dentes de leite que as crianças colocam debaixo dos travesseiros. No filme é meio humana e meio colibri. Representada como uma criatura iridescente, elegante, com tons azuis e verdes. Tem imensa energia, não para de se mexer, os seus pés nunca tocam no chão. Ela expressa um vasto cortejo de emoções através das penas e da cauda.

Na Europa Ocidental, antigamente, acreditava-se que os dentes deveriam ser guardados ou queimados para que não os procurássemos após a morte ou para que não caíssem no poder de bruxas, que poderiam usá-los em feitiços. Era dever dos pais cuidar para que os dentes dos filhos não caíssem em mãos erradas. Alguns pesquisadores acreditam que a lenda tenha apenas cerca de 200 anos e que descendeu do conto francês “O Bom Ratinho”, escrito por Madame D’Aulnoy em 1697, que conta história de uma Fada que se transforma em um ratinho para ajudar uma rainha escapar de um rei malvado que invadiu seu reino. Na história, o ratinho se esconde no travesseiro do rei para atormentá-lo. Trocar “dentes de leite” por presentes é algo que remonta aos vikings, mais de mil anos atrás.

A Fada do Dente simboliza um rito de passagem, quando começamos a sair do paraíso e encarar a realidade. Os dentes permanentes mostram que agora vamos crescer e nos tornar adultos. As fadas possuem poderes sobrenaturais, capazes de interferir na vida dos mortais em situações-limite. Por isso trocar os dentes, tenha um caráter mágico, pois esses novos dentes marcam nossa mudança e saída do uroboros, da inconsciência e o ego começa a se estruturar.

No filme esses dentes guardam as mais preciosas memórias de infância, e a Fada guarda-os no seu palácio, para quando mais tarde, na vida, precisarmos dessas memórias. Talvez essa seja a personagem mais importante e mais rica em termos simbólicos e sensibilidade. Esse banco de dados de memórias da infância seria a nossa ligação com aspectos de nossa formação e estruturação da personalidade. Acessar esse banco de dados pode trazer informações sobre nós riquíssimas. Emoções esquecidas, aspectos da personalidade e desejos reprimidos, podem nos auxiliar na expansão de nossa consciência.

O personagem Sandman é o arquiteto e portador de bons sonhos. Ele é mudo, comunica através de imagens de areia expressivas, que conjetura em sua mente. Existe um elemento de sábio e ancião neste personagem. No filme é quem mostra aos outros Guardiões o que é realmente importante. Sandman é uma figura do folclore europeu, conhecido como João Pestana em Portugal e Brasil. Ele vem para as pessoas no momento em que fechamos os olhos pela última vez antes de dormir.

É retratado com uma cabeça em forma de uma lua crescente, e às vezes com um gorro. Seus olhos são escuros e fundos, e dentro dele há estrelas, veste um casaco de seda, que muda de verde para vermelho e de azul para amarelo a cada vez que muda de posição. Ele carrega um guarda-chuva com a parte de dentro cheia de ilustrações das historias que gosta de contar e também um saco ou bisnaga com areia mágica, para jogar nos olhos das pessoas em pequenas quantidades; essa areia é cintilante como purpurina, e faz barulhos como uma caixinha de música ou o bater de asas de pequenas Pixies.

Sandman é então o guardião do sono e dos nossos sonhos. Ele é o guardião dos processos inconscientes que se manifestam nos sonhos. Ou melhor, ele é o arquiteto desses sonhos. Aquele que tece com suas areias o material necessário para compensar a consciência. No filme ele precisa ser resgatado pelos outros, o que simboliza que precisamos regatar a importância dos sonhos e da sua compreensão para a consciência. As crianças, assim como os povos mais antigos, dão muita importância às mensagens dos sonhos. Elas ficam muito assustadas com sonhos ruins. Com o tempo nossa sociedade deixou de acreditar nos sonhos e somente com a Psicanálise e a Psicologia Analítica sua mensagem pode ser resgatada.

Para combater Breu, a Lua então designa um novo guardião para ajudar o grupo: Jack Frost, um garotinho invisível que controla o inverno. Sem conhecer sua própria vocação de guardião, ele embarca em uma aventura na qual vai descobrir tanto sobre as crianças quanto sobre seu próprio passado. Jack Frost representa o inverno e o frio. Figura lendária do folclore anglo-saxão, ele era responsável por criar neve e condições típicas para o inverno. Ele costuma ser retratado como um velho, um jovem ou um espírito invisível. Embora amigável, ele se provocado pode matar suas vítimas soterrando-as na neve.

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Fonte: http://migre.me/wAIH5

Também é uma figura do paganismo antigo que tem se tornado popular, sendo considerado um dos integrantes da comitiva do Papai Noel. E assim se tornando uma figura Natalina. Jack na verdade é tido como um demônio do frio e da vida congelada, mas no filme é o heroi principal, mostrando um verdadeiro paradoxo. No filme Frost é um ser sobrenatural solitário, o clássico rebelde sem causa. É imortal, eternamente jovem, carismático e esperto. Lembrando uma versão do Puer Aeternus. Tem incríveis poderes climáticos, que controla com a ajuda do seu bastão mágico. Pode evocar o vento, a tempestade, o frio e a neve e viaja pelo vento como um snowboarder.

No filme, ele é humanizado. Salvou sua irmã quando a levou para brincar no gelo e esse estava tão fino que foi se quebrando. Ao resgatá-la de lá com auxilio de seu bastão mágico ele acabou caindo na água congelada. O homem na lua então o  transformou em um guardião. O homem da Lua já é algo bastante incomum na cultura Ocidental, que associa a Lua ao feminino e a mãe. Em culturas mais antigas, como a nórdica, a Lua era representada por um Deus. Vemos aqui resquícios de culturas antigas pagãs e a um retorno da valorização de conhecimentos perdidos.

Contudo, Frost representa – por mais humanizado que seja no filme – a vida congelada que o homem atual vive. Congelados em uma normose e na vida pautada em aquisições de bens materiais e conquistas externas. A falta de compromisso e a imaturidade que permeia o homem moderno congelam sua visão para novas formas de realização e para uma vida mais plena.

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Fonte: http://migre.me/wAIHh

A Humanização de Frost congelante e seu aspecto Puer, representam a humanização da alma do homem. A Lua, símbolo dos sonhos, dos mistérios da alma, da ligação com o inconsciente traz esse novo guardião. Os aspectos congelantes dos complexos e a paralisação da vida na neurose devem ser levados a sério e olhados com a alma. Somente trazendo-os à consciência podem ser humanizados e assim perdendo sua força demoníaca.

REFERÊNCIAS:

JUNG, C; VON FRANZ, M. L…(et al.). O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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A ORIGEM DOS GUARDIÕES

Direção: Peter Ramsey
Elenco: Hugh Jackman, Chris Pine, Isla Fisher, Jude Law;
País: EUA
Ano: 2012
Classificação: Livre

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