Depois do fim: narrativas entre perdas e permanências

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Inicio minha escrita dizendo que esse é um texto em duas mãos e, por conveniência nossa no que concerne à fluidez, preferimos não fazer diferenciações de autoria, sendo esta perceptível apenas no relato autoral escrito por uma de nós. Isso faz dele ainda mais especial: uma mistura de duas experiências subjetivas construindo narrativas sobre a vida, a morte e o luto.

Assistir ao curso “Depois do fim: vidas transformadas pelo luto”, ministrado pela médica Ana Claudia Quintana Arantes e pelo psicanalista Christian Dunker tinha um objetivo: colecionar informações teóricas a respeito do luto de modo que fosse possível mesclar com a experiência singular vivida pela Monique. O desagrado de não ter encontrado esse objetivo veio, justamente, como resposta: apesar das tentativas de estruturação sobre o processo de luto, ele configura-se como uma experiência completamente individual, única e intransferível. É impossível dizer qualquer coisa diante de tanto sofrimento, não há o que se afirmar. São tempos em que as palavras não chegam, e é no indizível que entramos em contato com o que há de mais profundo em nós mesmos, buscando respostas, sentido, verdade.

O mais curioso é como essa não estruturação é percebida por aqueles que passam pelo processo. E, mais ainda, como é possível escrever experiências totalmente significativas, que a teoria vem a postular depois, mesmo sem nunca ter entrado em contato com elas. Como se torna quase tangível o vazio do processo, a importância de vivenciar o sofrimento, de distinguir a ruptura que houve, da integração das memórias e do tecer novos caminhos a partir daí.

Nenhuma teoria, nada explica o luto.
Cada um tem uma experiência única. Sendo assim, nenhuma palavra tem o efeito de consolar, não existem palavras.
O luto te obriga a rever valores, eu digo como uma prova de autoconhecimento. Você pode se reinventar!
Precisa ser vivido, precisa ser sentido para toda sua evolução acontecer, mas o luto não segue fases.
Se você não vive seu luto, pode se manifestar em outras áreas do corpo.
O não deixar ir eu entendi como apego, e não podemos ter esse sentimento.
Eu te deixo ir e nossos momentos vivem em mim. Você vive em mim.
Monique, julho de 2014.

Em seu livro “A morte é um dia que vale a pena viver”, Ana Claudia discorre sobre o conceito de mundo presumido. Nesse sentido, esse mundo, que fornece a ideia de segurança, é baseado nas relações interpessoais que organizam o “eu” para lidar com o desconhecido, com o que seria o “mundo real”. Queremos nos reconhecer nos olhos das pessoas, porque nesse olhar reencontramos nossa história e nossa importância no mundo. Perder alguém importante tira de nós a percepção que cultivamos sobre a estabilidade, sobre a segurança do nosso mundo “presumido” e nossa ilusão de controle.

Trata-se de perder alguém que representou um parâmetro de nós mesmos, dando a impressão de que fomos privados de nos reconhecer, e é esse olhar da pessoa sobre nós que mais fará falta a partir de então. Como suportar uma dor que não cabe? Se a pessoa que eu amo não existe mais, como posso ser quem sou? Se preciso do outro para pensar sobre o mundo, como será o mundo sem ele?

Meu nome é Monique. Tenho 26 anos e carrego cicatrizes que o tempo não cura nem apaga, não por falta de tentativa, mas porque algumas dores se tornam parte de quem somos. Elas nos moldam.
Perdi minha mãe quando tinha 13 anos. Um ataque cardíaco fulminante.
Não houve despedida, não houve o último abraço, só o eco de um “eu te amo” dito por telefone, sem sabermos que seria o último. Ela estava feliz naquele dia. E eu também, por ela. É estranho como a vida parece tranquila antes da tempestade, e de repente tudo se parte em silêncio. Tudo muda.
Naquele momento, minha infância terminou. Minha irmã estava grávida de seis meses, depois de ter enfrentado dois abortos. Meu pai, já idoso. E eu, com apenas 13 anos, tentando ser forte para que o mundo deles não desmoronasse ainda mais. Foi quando aprendi a disfarçar a dor, a engolir o choro para não preocupar ninguém, e a ser forte quando tudo em mim gritava por colo.

Por isso, viver a perda de uma pessoa querida é entrar em uma caverna em que é impossível sair pelo mesmo lugar de entrada: cabe ao enlutado revirar ruínas e encontrar pistas para construir novos mundos presumidos e essa, até então, é uma viagem sem destino. Assim, a reconstrução da nossa vida e o reencontro com o sentido dela se dá ao longo do processo de luto, e uma das tarefas mais sensíveis é restabelecer a conexão com a pessoa que morreu por meio da experiência compartilhada com ela.

Mas o luto não tem pressa. Ele mora no tempo. No silêncio dos dias seguintes, dos meses seguintes, dos anos seguintes… ele estava crescendo em mim, devagar, mas implacável.
Enquanto o mundo me via crescendo, por dentro eu me sentia encolhendo. Tentando entender tudo sozinha, com uma dor que eu não sabia nomear. O vazio da perda virou morada de sentimentos que eu não conseguia colocar pra fora. Tudo ficou entalado: a saudade, a revolta, o medo, a culpa, o cansaço. E quando esses sentimentos não acham um lugar pra sair, eles transbordam em outros formatos.
Me tornei uma adolescente rebelde, tentando gritar por dentro o que ninguém via por fora. Ansiosa, deprimida, desconectada de mim mesma, tentando sobreviver em silêncio. Não era revolta pelo mundo. Era só o eco de uma dor não compreendida, de uma ausência que ninguém conseguia preencher.
O luto me acompanhava como uma sombra. Não falava, não gritava, mas me guiava sem que eu percebesse. Ele estava nas escolhas que fiz, nos erros que cometi, na forma como me afastei de mim mesma. Eu não sabia que sentir dor também era um processo de crescimento. Só sabia que doía.
Com 22 anos, vivi o mesmo vazio. Meu pai, meu companheiro, meu refúgio, foi mais uma vítima da pandemia. O hospital levou meu último pilar. E, quando ele partiu, a casa ficou cheia de ausências. Não havia mais ninguém para me lembrar como era o amor sem cobranças. Dessa vez, eu me senti totalmente sozinha.
Tranquei a faculdade. Comecei a trabalhar e a me sustentar, sem saber como o mundo poderia ser cruel. E, mais uma vez, me foi exigido coragem quando tudo o que eu queria era tempo para chorar.
A solidão não foi a única visitante. Vieram as perguntas também: “Por que comigo?”, “O que fiz de errado para merecer tudo isso?” ,“Será que sou uma péssima pessoa?”. E mesmo tendo ouvido tantas vezes que sou forte, corajosa, por dentro, eu me sentia pequena. Perdida.

Há um momento, ainda, do reconhecimento: “aqui aconteceu uma mudança”, permitimos o outro nos deixar. É preciso que haja esse momento do “se dar conta”, pois é a partir daí que o sofrimento pode ser transformado em algo que faz sentido. Chegamos ao muro e não dá para pular ou dar a volta: é preciso olhar e reconhecer que existe essa morte.

Mas o tempo também nos ensina. A dor educa, mesmo quando não queremos. O luto não é inimigo. Ele é um mestre duro. Ele nos obriga a olhar para dentro, a rever prioridades, a encontrar em nós aquilo que pensávamos ter perdido com quem partiu.
Não há regras para o luto. Ele não segue fases. Ele se move em espirais. Um dia melhora, no outro parece começar de novo.
Eu aprendi que não é fraqueza sentir. Que não é covardia parar. Que não é egoísmo cuidar da própria dor. E, acima de tudo, aprendi que deixar ir não é esquecer, é libertar.
A morte nos ensina sobre a vida.
Nos ensina que tudo é agora.
E que, apesar de tudo, nós podemos e devemos seguir.
Estarei sempre em constante aprendizado com a minha dor.

É a entrega total a essa experiência que permite o desapego, é o trânsito livre dos sentimentos dolorosos, como um gás, que permite sua dissipação. Não há nada a ser feito, entregar-se a essa dor é o melhor jeito de deixá-la ir embora. O luto não se supera, se atravessa: e ninguém precisa atravessar sozinho. Ana Claudia diz que é mágico como a dor passa quando aceitamos a sua presença e olhamos para ela de frente, pois ela tem nome e sobrenome. Quando reconhecemos esse sofrimento, ele quase sempre se encolhe. Quando o negamos, ele se apodera da nossa vida inteira.

Para ela, o mundo interior não tem grande potencial de transformação. O que tem esse potencial é o encontro verdadeiro com o outro, porque de outro ser humano talvez recebamos as chaves de algumas portas fechadas dentro de nós. É por meio do afeto que a transformação realmente se dá. É a partir do encontro com o outro que construímos novas realidades. É a partir da linguagem, que propicia o recontar de histórias (tão diferentes em cada repetição), que talvez possamos encontrar formas de viver com elas.

Mais do que receber as chaves de algumas portas fechadas dentro de nós, talvez sejam justamente esses encontros que possibilitem a criação de novos caminhos, narrativas e possibilidades. Talvez, mais do que abertas, essas portas sejam mesmo criadas, pois é no estar perdido que a gente encontra lugares que, se a gente soubesse onde estavam, jamais teria encontrado. Que possamos, também, aproveitar o tempo em que nos perdemos.
Entre memórias, silêncios e aprendizados, compreendemos que não há resposta definitiva sobre como lidar com a perda — há apenas o convite para atravessá-la com coragem, acolhendo o que ela nos traz. Que essa travessia, por mais árdua que seja, possa continuar gerando sentido, vínculo e humanidade. Porque, no fim, é no amor — e não na ausência — que os que partiram continuam vivos em nós.

Assim sendo, é no encontro com o outro e no (re)contar de histórias que abre-se espaço para que a dor respire, para que o amor se manifeste sem a presença física, para que o indizível encontre formas de existir. Transformamos a dor em palavra, o vazio em narrativa, a ausência em presença simbólica. Porque o luto não é uma estrada com fim, é um território que se aprende a habitar. E, nesse processo, descobrimos que não somos os mesmos de antes — e nem deveríamos ser. Talvez seja isso o que restou: um mundo em ruínas, sim — mas com mãos que insistem em reconstruí-lo, uma memória que pulsa e, sobretudo, uma vida que segue. Não apesar da dor. Mas com ela. Porque o luto não se supera. O luto nos refaz.

REFERÊNCIAS
ARANTES, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2019.

ARANTES, Ana Claudia Quintana; DUNKER, Christian. Depois do fim: vidas transformadas pelo luto. São Paulo: Casa do Saber, 2025. Curso online, 1h42min. Disponível em: https://curadoria.casadosaber.com.br/cursos/533/depois-do-fim-vidas-transformadas-pelo-luto. Acesso em: 16 de abril de 2025.

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Pandemia, dor, luto é justo? Quanto custo

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Psicologia: O que me levou a trilhar por esse caminho?

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            Fonte: imagem retirada em Pixabay

2019 foi um ano que iniciou de maneira muito difícil. No dia 20 de janeiro tive a terrível experiência de poder entrar para a estatística das pessoas que vivenciam um luto. Percebi que ao perder quem nós amamos, nos tornamos muitas das vezes pessoas sem chão, não conseguindo nem mesmo firmar nossos passos.

E foi assim o meu primeiro semestre daquele ano, não conseguia cumprir minhas metas pessoais, profissionais e nem enxergar de que maneira conseguiria levantar-me daquela situação. Viver o processo de perdas significativas sempre foi uma tarefa muito difícil para mim.

Vivenciar a partida de uma pessoa que era minha amiga, irmã, companheira para todas as aventuras, e saber que não poderia mais abraçá-la, fazer nossas sopas de ervilha, nosso Natal não seria o mesmo sem a presença dela, tudo isso me consumia dia após dia.

Foi em agosto do mesmo ano, em um acampamento de família que vi um anúncio sobre o curso de psicologia da Ulbra/Palmas, e estabeleci para minha vida o início de um novo ciclo. Diante da minha dor do luto, decidi buscar armas para lutar.

Encarar uma segunda graduação, após 12 anos longe de uma sala de aula, diversos sentimentos me definiam como: a insegurança, medo, cansaço, e tantos outros que não consigo nomear.

Os meses foram passando, e pude ver o que jamais imaginei presenciar nos telejornais, redes sociais. Pessoa a nível mundial morrendo por um vírus, muitas famílias sofrendo dor por uma perda irreparável, que não tinha volta.

Eram idosos, jovens e crianças, não fazia escolha de raça, classe social, profissão, mas ia pouco a pouco alcançando a humanidade e de maneira trágica fomos vendo o ciclo fechando e pessoas conhecidas partindo deixando um enorme vazio.

Comecei a compreender que o luto é algo público, em algum momento da vida todas as pessoas passam ou passarão por esse processo. Uns sofrem mais, uns expressam sua dor, chora intensamente, fala sobre o ocorrido, outros nem gostam de tocar no assunto.

Mas isso não significa que não estão vivenciando esse processo, pois cada um possui uma singularidade, expressões, maneiras e costumes diferentes. Assim como nossa impressão digital, assim também são as nossas reações.

Então comecei a encarar minha vida acadêmica com coragem e determinação, vivendo meus processos, buscando conciliar as demandas de casa, os filhos, esposo, mas sempre tentando realizar da melhor forma possível, priorizando o que é necessário e vivendo um dia de cada vez.

Gosto de ler assuntos que envolvem saúde mental, perdas significativas, seja artigo, livros, histórias e observo como as pessoas lidam diante das perdas. Desde os antepassados, perder gera os mais variados tipos de sentimentos na humanidade, mas quase sempre diante de uma perda as reações são as mais diversas.

Seja o fim de um relacionamento, uma empresa que não conseguirá mais manter-se aberta, pessoas que possuíam o nome sem restrição e de repente tudo desmorona e faz parte da lista de negativados, um brinquedo tão especial que quebra, a morte de um animal de estimação, ou de um ente querido.

Buscar entender de que maneira o luto pode afetar a saúde mental, os tipos de luto existentes, sempre mexeu muito comigo. E foi aí que comecei a ter alguns insights de minha missão como futura psicóloga, e o campo que desejo fazer especializações.

Em 2021/1 tive o privilégio de cursar a disciplina de Processos Grupais, onde fizemos a elaboração de um pré-projeto com o nome de Grupo Terapêutico para pais em situação de luto, que me fez compreender mais sobre a dor de pais enlutados.

Quando um dos cônjuges falece, certamente o estado civil passará a ser viúva(o), os filhos ao perderem seus pais tornam-se órfãos, mas quando trata-se de pais que perdem filhos, não existe uma palavra que defina tamanha dor.

Então, em minha caminhada acadêmica no ano 2021/2 tive a terrível sensação de perda, e dessa vez era diferente, pois minha mãe estava viva, mas havia recebido um diagnóstico de C.A em alto grau. A minha sensação era de luto, por não entender o processo que teríamos que enfrentar.

Em dezembro do mesmo ano foi submetida a uma cirurgia. Em Março de 2022 iniciaram-se as radioterapia da minha mãe. Eu não me sentia muito bem, mas não reclamava, pois entendia que a dor da minha mãe era maior.

Nesse mesmo mês após sair de uma aula passei mal e fui internada e logo após submetida a uma cirurgia também suspeita de C.A. no ovário. Eram muitas incertezas dentro de mim, medo, preocupação com a minha mãe, pois era uma das fases mais críticas do seu tratamento.

Durante todo esse tempo fui obrigada a descansar minha cabeça em relação ao tratamento da minha mãe pois nós tínhamos papai que cuidava dela da melhor forma possível. Fazia a comida, levava-a para a realização das sessões de quimioterapia, exames e retornos médicos.

Logo eu já estava na ativa com meus trabalhos acadêmicos, e a minha rotina em busca do meu CRP. Contei com a ajuda de amigos que a faculdade me presenteou durante esse processo muito difícil.

Em agosto de 2022 entrei para o tão sonhado estágio específico em processos clínicos, aguardei muito por esse dia. Após uma semana de treinamento, atendi o meu primeiro paciente, e a noite tive a pior notícia da minha vida, meu pai havia nos deixado em decorrência de um infarto fulminante.

Naquela noite nada fazia sentido, a dor era terrível sem descrição, palavras não são capazes de descrever tamanha dor, por ver mais uma vez a partida de quem amamos. Os sentimentos são os mais variados, mas o que me marcou desde o primeiro momento foi a saudade.

No mesmo mês minha mãe foi submetida a nova cirurgia, estávamos lá novamente no hospital, mas agora em um nível mais pesado, pois aquele que era nosso porto seguro já não estava mais, e continuamos lutando e em luto.

Se eu pensei em desistir? Sim. Mas o que fez a minha caminhada tornar-se mais leve, e continuar minha jornada acadêmica foi o acolhimento do meu professor, supervisor, e mestre Sonielson Luciano Sousa, durante esse processo difícil em minha vida. A maneira que ele transmite através da sua vida uma frase de Jung que diz: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

Atualmente estou cursando o último período, a abordagem que escolhi para ter como base foi a teoria de Carl Gustav Jung, conhecida como psicologia analítica. Buscando compreender os arquétipos, a psique, o inconsciente coletivo e pessoal, e o processo de individuação, onde tudo isso faz muito sentido para mim.

Apesar das lutas, sinto-me em paz com os processos que tenho enfrentado, buscando viver dias mais leves, acreditando que o tratamento da minha mãe está sendo eficaz, lutando pelo meu objetivo que é a minha formação em psicologia.

Vale a pena viver o processo e não desistir diante das lutas. Mas se não der para caminhar, e por algum motivo estagnou. Não se culpe, faça o que der conta e estará tudo bem. Respire, levante a cabeça e prossiga assim que for possível

Quando temos a convicção que estamos no caminho certo, embora surjam os espinhos, pedras, crateras, mas mesmo assim, ainda é possível ver o colorido das flores e o arco íris em dias chuvosos.

 

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Pieces Of A Woman: a perda de um filho recém-nascido e as ambiguidades vivenciadas no luto materno.

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Neste filme, o abismo de uma tristeza vivenciada por uma mulher após a perda do filho é retratado de maneira intimista e visceral

“Pieces Of A Woman” trata-se de um filme bastante intimista, em que o diretor Kornél Mundruczó faz questão de colocar o telespectador dentro da narrativa densa e intensa do enredo, fazendo com que seja despertada a sensação, para quem está assistindo, de estar vivenciando as experiências de cada personagem.

O filme fala sobre um casal que está no estágio final da primeira gravidez e os dois, Martha e Sean (Vanessa Kirby e Shia LaBeouf), decidem ter um parto humanizado em casa e o mesmo é feito por uma parteira, no processo do nascimento da criança houveram complicações mas, Martha e Sean conseguiram ver o rosto da criança, que morre minutos depois do nascimento.  Após esse momento trágico, o filme dá ênfase no impacto causado pela morte do bebê e como cada personagem está lidando com o processo do luto.

É socialmente empregado que os pais morram antes dos seus filhos, ou seja, que o ciclo natural da vida é os pais partirem antes de seus filhos, dando a entender que se o processo inverter-se é algo antinatural, podendo gerar dificuldades na elaboração do luto. Normalmente o entendimento que se tem sobre o ciclo da vida é o nascer, envelhecer e morrer, mas, em certas ocasiões, assim como na perda de um bebê, essa lógica é oposta ao que se é esperado e alguns indivíduos nascem, mas encontram a morte precocemente. Neste contexto, além da perda objetiva e física do bebê, a família ainda precisa acostumar-se a um cenário futuro em que suas expectativas, criadas e alimentadas em relação ao bebê, não serão concretizadas. Assim, além de ser uma perda física, é também simbólica. 

Fonte: encurtador.com.br/dhluz

Quando os pais vivenciam tal perda, o processo tende a se tornar algo difícil de ser compreendido ou aceito, pois, dentro da perspectiva de nascimento é criada expectativas de celebração de uma nova vida que irá chegar e não de uma perda precoce (AGUIAR; ZORNIG, 2016). Para a sociedade, a ideia que transpassa sobre a maternidade, em seu imaginário utópico, é de estar inteiramente ligada ao nascimento, alegria, começo e vida, porém, podem existir fatores que possam causar variações no ciclo gravídico puerperal, indo de contra com as idealizações sociais sobre a maternidade (MAUSHART, 2006).

A morte de um filho é visto como um acontecimento ilógico, incomum e injusto, pois, essa ruptura não é convencional ao que é pregado pelo senso comum de que os filhos não devem morrer antes dos pais, já que a morte de um filho é a quebra de sonhos e esperanças (FREITAS; MICHEL, 2021).  Ao contrário disso, a morte é mais do que comum dentro da maternidade e apesar disso, não se tem muitos estudos sobre tal acontecimento, tão pouco sobre orientações e manejos para pais que perdem seus bebês durante ou logo após o nascimento (IACONELLI, 2007). 

Considera-se que o luto perinatal tem a necessidade de um olhar e atenção mais amplo, perante o fato de ser uma perda que não se é plenamente legitimada e nem abertamente falada (GESTEIRA et al., 2006). O luto não legitimado ou não autorizado trata-se de um evento psicossocial, referente a uma perda que não pode ser abertamente assumida e não é autorizada para ser sentida. De tal modo, a perda é desconsiderada, necessitando de apoio social, legitimação e validação do que se está sentindo, e assim colocando o enlutado em um lugar de vazio e solidão (CASELLATO, 2015).

Martha pouco tempo depois voltou para sua rotina do dia a dia e aparentemente estava lidando bem com a perda da filha, já que a mesma não se preocupava com o processo contra a parteira e evitava sua mãe para não ser engolida pela cobrança da mesma perante a situação. Ao contrário de seu marido, o mesmo ficou emocionalmente instável e teve uma recaída no seu uso de substância alcoólica. O distanciamento entre eles fica claro no decorrer do filme e aparentemente se dá ao fato dos dois levarem o luto de forma diferente. 

Em um momento do filme fica evidente a crítica em relação a forma como Martha tem lidado com a situação, quando a mãe da personagem a cobra para ir ao julgamento da parteira e diz “isso é por você, você precisa enfrentar isso(…)’’, mas, afinal, existe forma correta de passar pelo luto? Segundo Ramos (2016) existe uma dificuldade em definir como é o “Processo de Luto” sendo esse um fenômeno subjetivo, que é vivenciado de forma diferente por cada indivíduo e são consideradas questões culturais, sociais e o contexto da perda, que também interfere na forma como cada indivíduo irá digerir o luto. E dentro dessa perspectiva, pode-se dizer que o luto é um processo difícil de ser passado e trabalhado, derivando-se justamente do fato de ser um processo e não um estado (PARKES, 1998). O luto pode ser entendido como uma reação normal e prevista dentro desse contexto de perda, e é acompanhado uma propiciação a reconstrução e adaptação às mudanças geradas em decorrência das perdas (GESTEIRA; BARBOSA; ENDO, 2006).

Fonte: https://shre.ink/ceDm

A perda de um bebê é um evento que não atinge um indivíduo, apenas, mas toda família e a dinâmica dela, torna-se notório no filme quando é mostrado o distanciamento entre o casal Martha e Sean e entre e sua mãe, irmã e cunhado. Segundo Luna (2014) quando ocorre a morte de um filho tal evento tem o poder de causar um desequilíbrio no núcleo familiar, já que o filho, por vezes, é uma simbologia de harmonia e equilíbrio na dinâmica familiar. Chega um momento em que Martha e Sean se separam e não há questionamentos nem hesitação na tomada de decisão, dando a entender que os dois são conscientes da mudança, de forma negativa, que foi causada na relação dos dois após o fatídico acontecimento, sendo assim, para o bem-estar dos dois, escolheram seguir caminhos diferentes, apesar da dor que é separar-se do seu cônjuge. 

Chegando no final do filme, Martha resolve ir ao tribunal e depõe contra a parteira, mas ao final do julgamento, decide depor a favor da mesma, entendendo que, a parteira não teve a intenção de machucar a sua filha e que um julgamento não iria mudar ou trazer sua filha de volta à vida e assim, mostrando que entende a partida da sua filha e que está, possivelmente, caminhando para um tipo de superação. Chegando quase no final do filme, sua mãe e sua irmã respeitam sua decisão e decidem sair às três, confirmando a reaproximação entre elas, podendo assim, a família passar por esse processo sem muitas feridas. Franqueira, Magalhães e Ferés-Carneiro, (2015) falam que, nessa experiência de perda, ter vínculos que sirvam de apoio é fundamental, podendo ser preventivo nas complicações do luto.

Fonte: https://shre.ink/ceDc

O luto, seja ele em qualquer contexto, pode ser um processo árduo e difícil. Perder um filho pode causar dores que possam ser quase impossíveis de serem descritas, mas o luto é um processo natural da vida, já que a única certeza da vida é a morte e nós, como seres sociáveis, estamos suscetíveis a enfrentar a dor de perder algo ou alguém. No final, de forma bem emblemática, Martha joga as cinzas da filha em um rio, representando a evolução da personagem perante a situação, sendo possível visualizar que mais uma etapa nesse processo difícil foi vencida.

 

REFERÊNCIA:

AGUIAR, H. C; ZORNIG, S. Luto fetal: a interrupção de uma promessa. Estilos Clin, São Paulo, v. 21, n. 2, p. 264-281, 2016. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v21n2/a01v21n2.pdf> Acesso em: 01 março 2023.

CASELLATO, GABRIELA. O resgate da empatia. Editora Summus, 2015.

FRANQUEIRA, Ana Maria Rodrigues; MAGALHÃES, Andrea Seixas; FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. O luto pelo filho adulto sob a ótica das mães. Estudos de Psicologia (Campinas), v. 32, p. 487-497, 2015. 

FREITAS, J. L; MICHEL, L. H. F. Psicoterapia e Luto: A Vivência de Mães Enlutadas. Psicologia: Ciência e Profissão. v. 41 (n.spe 3), 1-15, 2021. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/pcp/a/JrWpmChzV7r8rZNF64rHL7g/?lang=pt&format=pdf> Acesso em: 02 março  2023.

GESTEIRA, Solange Maria dos Anjos; BARBOSA, Vera Lúcia; ENDO, Paulo César. O luto no processo de aborto provocado. Acta Paulista de Enfermagem, v. 19, p. 462-467, 2006. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ape/a/hgSMBJmG7yMrq7mRRMkM9Gx/abstract/?lang=pt> Acesso em 03 março 2023. 

IACONELLI, Vera. Luto insólito, desmentido e trauma: clínica psicanalítica com mães de bebês. Luto insólito, desmentido e trauma, São Paulo, v. 10, n. 4, p. 614-623, dez. 2007. Disponível em; <https://www.scielo.br/j/rlpf/a/hz8B5Z66qkD4nDw8s76CKtn/?lang=pt> Acesso em 28 fev. 2023. 

LUNA, I. J. Histórias de perdas: uma proposta de (re) leitura da experiência de luto. Repositório Institucional UFSC. Santa Catarina. 2014. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/129248> Acesso em 04 março 2023. 

PARKES, Colin Murray. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. 3. ed. São Paulo: Summus Editorial, p. 50-100, 1998.

MAUSHART, Susan. A máscara da maternidade: Por que fingimos que ser mãe não muda nada?. 1. ed. São Paulo: Melhoramentos,  p.150-200, 2006.

RAMOS, Vera Alexandra Barbosa. O processo de luto. Revista Psicologia, v. 12, n. 1, p. 13-24, 2016. Disponível em; <https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1021.pdf> Acesso em 28 fev. 2023.

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Quando o luto bateu em minha porta, fiquei sem chão

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No dia 10 de agosto de 2022, quando acordei senti uma sensação terrível, pois havia sonhado que eu estava em uma moto e descia uma ladeira, caindo em uma cratera, e um amigo tentou ajudar-me, mas ele caia em um abismo e gritava para que os filhos dele não o vissem morrendo.  Acordei com uma sensação temerosa, muito medo. Havia programado uma faxina em casa, para ficar tudo limpo e organizado, e assim foi feito, tudo em seu devido lugar. À tarde levamos as crianças para a escola, fui para o meu estágio, fiz um atendimento, e após enviei uma mensagem a esse amigo. Ao buscar meus filhos na escola, aquele sentimento de angústia aumentava, não sentia muita graça em nada, só vontade de chorar. Fomos a uma lanchonete, falei com meu esposo que gostaria de ir à Paraíso ver meus pais, ele disse vai, o carro já está abastecido. 

Pensei por um instante em irmos, mas veio o medo e a angústia do sonho novamente. Resolvi ir para casa mesmo, com o coração apertado, deitei em uma rede na varanda de casa, pedi lanche, pois eu não estava com ânimo para fazer um jantar. Fiz uma chamada de vídeo para meus pais, lembro-me de cada detalhe, eles estavam no quarto, papai aferindo a pressão da minha mãe, pois ela não estava sentindo-se bem, vivia uma fase muito crítica do tratamento em busca da cura de um câncer. 

Ao finalizar aquela chamada, me veio um alívio em poder ter visto os amores da minha vida juntos, lutando incansavelmente nesta batalha. Meu esposo e meus filhos decidiram assistir a um filme e eu resolvi subir para tomar um banho e deitar-me.  Era 22h35 quando vi meu telefone chamar, era meu irmão. Atendi como sempre, “Oi meu irmão!”. Ele disse: “Márcio está em casa?”. Respondi: “Sim”. 

“Venham para cá, o pai passou mal e caiu no banheiro”. Eu desci as escadas correndo senti como se estivesse descendo uma ladeira de moto. Quando perguntei ao meu esposo, “me explica, meu pai partiu?” Ele disse “sim, seu pai faleceu”. 

Eu senti a sensação como se estivesse caindo em uma cratera, não senti meus pés, o desespero bateu em minha porta e entrou em minha casa, nada fazia sentido para mim, a casa lavada, tudo organizado fisicamente, mas dentro de mim entrou um furacão destruindo tudo. O sentimento que posso descrever foi saudade desde o primeiro momento que soube da partida do meu pai, doía dentro da minha alma, nada poderia me trazer um consolo naquele momento. Comecei a viver intensamente as fases do luto. 

Primeiramente eu não acreditei e fui negando essa terrível notícia até chegarmos à Paraíso na casa dos meus pais. Ainda era tudo incerto, sentimento misto de desespero, angústia, pavor, medo, choro, e o pior deles que era uma saudade imensa de poder pedir uma benção e beijar a sua mão.  Retiraram o corpo do meu pai, fui olhar todas as suas coisas, escolher roupas para vesti-lo, guardar seus pertences no devido lugar, pois ele era imensamente organizado. Tentei entender o porquê eu não obedeci meu coração e fui conforme havia falado com meu esposo. Como poderia finalizar uma chamada de vídeo e imediatamente receber a triste notícia da morte do meu pai? Como uma pessoa que era meu amigo, pai, conselheiro, provedor, forte, entrou em um banheiro e teve uma morte súbita? Eram muitas perguntas sem nenhuma resposta. 

Na madrugada do dia 11 de agosto, o pior dia da minha vida, ver meu guerreiro dentro de uma urna, eu já não sentia meus pés pisarem em terra firme, eu ainda flutuava em uma queda contínua. Deixar o seu corpo em um cemitério e retornar para casa foi devastador, uma dor indescritível. E então, chegando à casa mesmo sem entender muitas coisas, percebi que eu estava vivenciando um processo de luto, o qual milhares de pessoas vivenciam. 

Através de algumas postagens descrevem as fases do luto como: Negação, Raiva, Barganha, Decepção e a Aceitação. Mas na verdade não vivemos o luto em sequência lógica e nem todos sentem a dor na mesma intensidade e no mesmo período de tempo. O luto é de forma singular, ele é único, e não devemos tentar superá-lo, mas vivê-lo é o melhor caminho a seguir. Entendendo que não existe uma ordem nas fases, pois o luto não é linear, mas sim labiríntico. Nesse labirinto, devemos procurar um melhor caminho a seguir. Se não estamos conseguindo suportar essa tamanha dor, precisamos de ajuda da rede de apoio como familiares, amigos, o lado espiritual e profissional.

Há dias que estou melhor, outros pior, mas entendo que a minha maior dor é a saudade de não poder viver tudo que vivi um dia com o meu pai. Na minha caminhada não busco metas impossíveis, mas acordo todas as manhãs com o sentimento que a palavra luto trás no verbo “lutar”. Com esse sentimento que vivo, buscando dias melhores, guardando em meu coração o pai herói que sempre tive – José de Jesus Alves Barros, meu amor para sempre. Hoje compreendo que meu pai por ter sido sempre meu protetor, jamais gostaria que eu estivesse presente no momento de sua partida.

Fonte: encurtador.com.br/hiKN3

 

Acadêmica: Ellen Risia Moraes Alves

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“Uma questão de vida e morte”: a dança finita da vida

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O casal americano Irvin D. Yalom e Marilyn Yalom escrevem, juntos, essa magnífica obra retratando os últimos momentos de uma vida compartilhada embasada em um amor incondicional.  Ambos os escritores, já renomados e reconhecidos mundialmente, decidem redigir juntos um livro impactante, abarcando os seus sentimentos mais profundos e reais, tornando-os palpáveis para nós, leitores. O título por si só já nos impulsiona a refletir: “Uma questão de vida e morte: Amor, perda e o que realmente importa no final”, publicado pela editora Paidós.

Fonte: encurtador.com.br/ijlyL

Essas figuras emblemáticas, sustentadas de muita coragem e sinceridade, nos convidam a entrar na dança de suas vivências mais difíceis, porém mais humanas também. Relatam as experiências e lembranças de mais de 60 anos de matrimônio com muito afinco. No meio de uma situação complicada, decidem iniciar o registro escrito, para servir como fonte de inspiração; para deixar que o livro em si perdure contando essa história, mesmo após suas vozes se silenciarem – após o fim. E claro que conseguiram tal objetivo, com maestria. É um livro para ser lido e guardado na prateleira com um zelo especial. É uma leitura inesquecível que merece ser lida ativamente, sublinhando as partes comoventes e que tanto ensinam sobre uma vida bem vivida, as relações, as adversidades que chegam e o arsenal de sentimentos que advém de cada episódio.

Após Marilyn ser diagnosticada com uma doença terminal que coloca em risco a continuação de sua existência, os dois começam a jornada de detalhar os passos seguintes e cada sensação que surgem nos dias subsequentes, bem como os pensamentos, memórias e questionamentos que vão surgindo a cada consulta médica, nos diálogos compartilhados e nos momentos finais divididos com a família e amigos.

Fonte: encurtador.com.br/JKYZ1

A cada novo capítulo mergulhamos em palavras que conseguem elucidar as emoções mais complexas que um ser humano pode chegar a experienciar. Deparamos-nos com duas perspectivas distintas inteiramente conectadas pelo amor dos dois, que se completam e dão uma força inesgotável ao relato: de um lado temos Irvin, perdendo sua esposa; e do outro, temos Marilyn, sobrevivendo – e vivendo! – os seus últimos meses ao lado do seu marido e outras pessoas importantes.

Apesar de não ser uma leitura fácil, pode ser considerada necessária, pois entramos em contato com temas que na rotina trivial, temos o hábito de ignorar e evitar. Realmente é um assunto que pode alimentar certos medos e receios, mas a finitude é uma certeza implacável que temo. Mesmo que insistamos em carrega-la em absoluto silêncio, fugir pode ser uma opção inapropriada. É fato que iremos nos deparar com um fim, então por que não nos preparamos aprendendo a desfrutar uma vida com mais significado? Esse livro, com certeza, abre nossos olhos e acalenta o coração, servindo como um meio para se encontrar respostas à questionamentos que não ousamos dizer em voz alta.

De alguma maneira, todos nós passaremos por momentos assim. Sentiremos as mesmas dúvidas, os mesmos temores, as mesmas dores, os mesmos sentimentos de gratidão, as mesmas alegrias… Então talvez, após finalizarmos a leitura, estaremos mais preparados para viver a vida até o último suspiro – seja o nosso ou de alguém especial. Estaremos preparados para dançar no ritmo da vida até a última música tocar e as cortinas se fecharem. E então conseguir estar presente, seguir existindo, nas memórias daqueles que ficam, nas fotografias guardadas com carinhos, nas palavras que ousamos escrever ainda respirando…

Por fim, um trecho do livro, para avivar a curiosidade de leitura: “Quanto estamos dispostos a suportar para permanecer vivos? Como podemos terminar nossos dias da forma mais indolor possível? Como podemos delicadamente deixar este mundo para a próxima geração? (…) Escreveremos este diário do que está por vir na esperança de que nossas experiências e observações forneçam significado e socorro não apenas para nós, mas para nossos leitores.”

REFERÊNCIAS

YALOM, I. D.; YALOM, M. Uma questão de vida e morte. São Paulo: Planeta, 2021.

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Setembro Amarelo: acolhimento da indecifrável dor de quem fica

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O processo de luto se inicia depois de uma perda. Aquilo que perdemos e como perdemos, pode impactar na intensidade da nossa trajetória, nos impulsionando a vivenciar experiências únicas, que devem ser respeitadas e validadas. Em casos extremos, ao se perder uma pessoa fisicamente, inicia-se um processo repleto de emoções e reações intensas. É um processo difícil que pode ser passível de mais complexidade caso a morte aconteça por suicídio.

No que diz respeito ao suicídio concreto, este não pode ser entendido de maneira simplista, pois é algo profundo e multifatorial. Da mesma maneira devemos enxergar o sofrimento dos sujeitos abalados e enternecidos decorrentes de uma morte por suicídio: é preciso ver, de fato, sua total profundidade, para que desse modo a ação de acolher aconteça devidamente.

Levando em consideração que há uma alta taxa de incidência de morte consumada por suicídio, transportando-o à um patamar entendido como uma questão de saúde pública, isso implica paralelamente em um número elevado de pessoas impactadas por mortes de tal natureza. Para cada pessoa que se vai, ficam indivíduos extremamente abalados – conhecidos como os sobreviventes.

Fonte: Imagem de Arek Socha por Pixabay

Por essa razão, muitos estudos se debruça sobre a temática de enlutados que perderam pessoas por suicídio Trata-se de uma vivência repleta de sentimentos e sensações penosas, que podem oscilar e co-existir; como a raiva, tristeza, abandono, isolamento, solidão e culpa. Também é possível surgir a vergonha de se falar sobre o fato ocorrido, então muitas das pessoas ocultam como sucedeu a morte. Isso comprova a  estigmatização ainda existente no meio social frente a um tema que requer atenção e cuidado, e que não deve ser tachado e julgado.

O mês de setembro já é reconhecido como um período de conscientização acerca da temática, é um convite para se falar e refletir sofre, em busca de mitigar os índices. Nas redes sociais, o movimento se dá ativamente através de publicações que abordam o assunto. É uma época onde profissionais se empenham em oferecer palestras que abordam o tema. Porém, essa reflexão deve ser levantada sempre, de forma constante, em todos os meses do ano e deve ir além, visto que é importante abraçar aqueles que perderam alguém de forma abrupta.

Torna-se imperativo que haja ações de prevenção e, igualmente, de posvenção – termo que significa o cuidado com aqueles que ficam submergidos na dor após a perda. Se constituem como um grupo de risco, podendo implicar em novos casos, em uma trajetória de luto complicado, caso não sejam amparados adequadamente.

Fonte: Imagem por Freepik

Como Irvin Yalom e Marily Yalom bem dizem: “O luto é o preço que pagamos por ter coragem de amar os outros”, então é inegável que a dor após a partida de um ente querido está inteiramente interligada com a relação que se tinha com a pessoa que se foi. Questionamentos aparecem, é normal que seja difícil encontrar um sentido dentro da nova realidade que reflete a ausência. Trilhar o caminho da vida sem a pessoa que se foi pode ser penoso, porém, possível.

O singelo ato de falar é uma maneira terapêutica de trazer à consciência e ordenar todas as emoções que fazem parte do luto. Desse modo, é essencial encontrar uma rede de apoio para lidar com a singularidade de cada caso, para que haja uma restauração adequada e um redescobrimento de razões para seguir em frente. O falar – abertamente, sem receio, sem julgamento –, pode amenizar a dor, auxiliar na cura de uma ferida que se abriu, pode impedir que transtornos mentais surjam e que novos casos se repitam. Evitar o isolamento, reconhecer o fenômeno do luto e suas particularidades, respeitando sempre o próprio tempo e limites, são pontos necessários para reaprender a viver na nova realidade.

Fontes que podem auxiliar os sobreviventes enlutados por suicídio:

  • CVV GASS – Centro de Valorização à vida / Grupo de Apoio aos Sobreviventes de Suicídio
  • https://posvencaodosuicidio.com.br/
  • https://vitaalere.com.br/
  • Podcast Finitude
  • Cartilhas sobre o tema, filmes, séries etc.

Referências

FUKUMITSU, K. O.; KOVACS, M. J. Especificidades sobre processo de luto frente ao suicídio. Psico. Porto Alegre, 2016. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psico/v47n1/02.pdf>. Acesso em: 13 de set. de 2022.

RUCKERT, M. L. T.; FRIZZO, R. P.; RIGOLI, M. M. Suicídio: a importância de novos estudos de posvenção no Brasil. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 2019. Disponível em: <https://cdn.publisher.gn1.link/rbtc.org.br/pdf/v15n2a02.pdf>. Acesso em: 13 de set. de 2022.

SCAVACINI, K; et al. Posvenção: orientações para o cuidado ao luto por suicídio. São Paulo: Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, 2020.

YALOM, I. D.; YALOM, M. Uma questão de vida e morte. São Paulo: Planeta, 2021.

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A ascendência familiar no progresso das pessoas com deficiência

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A revelação da deficiência de um descendente pode originar um convívio traumático, que muda, mexe com o nível emocional de todos os membros da família. Por meio do diagnóstico, a família toda, busca se remodelar, na intenção de se adaptar, no objetivo de rebuscar o equilíbrio familiar, visto que, todos os membros da família serão tocados.

No decorrer da gestação até o nascimento do bebê, há em alguns integrantes da família uma intensidade de sentimentos, objetivos, probabilidades, ideias, quando acontece o nascimento da criança, que são desfeitas quando a verdade impõe uma situação distinta daquela anteriormente imaginada. A origem de um bebê “imperfeito”, quer dizer, deficiente justifica um impacto emocional aos pais, e essencialmente nas mães, e também à equipe de saúde responsável por comunicar o diagnóstico.

No tempo em que o diagnóstico ainda não foi notificado, manifesta-se um sentimento de negação da deficiência do filho, proporcionando aos pais um intervalo essencial para passar pelo impacto que virá depois. Em algumas ocasiões, as emoções preliminares dos pais e familiares, são repentinas e estáveis, porém, para outros familiares podem durar anos ou se tornarem permanentes.

Para os genitores do sujeito diagnosticado com alguma deficiência, este retrata o luto do filho projetado, aquele imaginado e esperado. Desta forma, para que o descendente verdadeiro, venha a ter existência, passe a ser aprovado, recebido é necessário que os pais e a família, passem pelo processo de luto do filho idealizado (BARBOSA; CHAUD; GOMES, 2008).

Conforme a forma que estes familiares passem por este luto, começam a produzir expectativas que vão de positivas até negativas. É primordial destacar, que essas expectativas também podem ser manipuladas pelas explicações que constituem a causa da deficiência (BRUNHARA; PETEAN, 1998).

Melhor dizendo, na imensa maioria dos casos, as mães anseiam que o desenvolvimento do filho progrida ou seja normal, ou seja, a obstinada busca pela “milagrosa” cura. Depois da passagem pelo período de luto do filho “ideal”, e adequação à nova realidade dos familiares, afloram as possibilidades a frente do filho “verídico”, isto é, com deficiência.

REFERÊNCIAS

ANACHE, A., A.; MITJÁNS, A., M. Deficiência mental e produção científica na base de dados da CAPES: o lugar da aprendizagem. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), Campinas,SP, v.11, n.2, p. 253-274, jul/dez. 2007.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BARBOSA, M. A M.; CHAUD, M. N.; GOMES, M. M. Vivências de mães com um filho deficiente: um estudo Fenomenológico. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, SP, v.21, n.1, p.46-52, Jan/Fev. 2008.

BASTOS, O.M.; DESLANDES, S., F. A experiência de ter um filho com deficiência mental: narrativas de mães. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, RJ, v.24, n.9, p.2141-2150, set.2008.

BRUNHARA, F. C. R. & PETEAN, E. B. L. Expectativas dos Pais Quanto ao Desenvolvimento de seus Filhos Portadores de Deficiência. Anais do II Congresso Brasileiro de Psicologia do Desenvolvimento. Gramado, R.S, 1998.

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É preciso discutir a gordofobia em uma sociedade que faz apologia a magreza

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A gordofobia não respeitou a morte da cantora Marília Mendonça, que morreu em um acidente de avião, o qual tinha como destino o município de Caratinga, no Estado de Minas Gerais, para a realização de mais um show. Sua morte teve uma imensa repercussão nacional e internacional, veículos de todo o mundo relembraram o trajeto da cantora, que tinha apenas 26, anos de idade. Nesse contexto, a publicação do historiador Gustavo Alonso denominada” Marília Mendonça, rainha da sofrência, não soube o que é fracasso”, na Folha de São Paulo sobre sua trajetória, gerou revolta entre os fãs e admiradores da cantora.

No artigo, o historiador diz “Nunca foi uma excelente cantora. Seu visual também não era dos mais atraentes para o mercado da música sertaneja, então habituado com pouquíssimas mulheres de sucesso – Paula Fernandes, Cecília (da dupla com Rodolfo), Roberta Miranda, Irmãs Galvão, Inhana (da dupla com Cascatinha”. Posteriormente ainda destacou, “Marília Mendonça era gordinha e brigava com a balança. Mais recentemente, durante a quarentena, vinha fazendo um regime radical que tinha surpreendido a todos. Ela se tornava também bela para o mercado. Mas definitivamente não foi isso que o Brasil viu nela”.

A ironia textual traz consigo a gordofobia, que é o preconceito com pessoas gordas, nem em sua morte Marília foi respeitada, colocando sua carreira em segundo plano, após focar em seu corpo. Atualmente, há muitos alertas sobre esse preconceito, o qual faz muitas pessoas em nome de um corpo perfeito, fazem dietas radicais, ingerem remédios, cirurgias, em nome de um corpo magro e aceito pela sociedade. Na contramão desse discurso, a escritora e jornalista, Alexandra Gurgel, em sua página do Instagram, aborda várias temáticas, entre elas auto aceitação do corpo, diversidade corporal e pressão estética.  Fundadora do Movimento Corpo Livre, ela incentiva mulheres a exporem seus corpos realmente como são, para incentivar o auto amor e pôr fim a ditadura da beleza.

Fonte: Caio Cal/ Divulgação

Criadora do Canal Alexandrismo no YouTube, Alexandra lançou o livro intitulado “Pare de se odiar- Porque amar o corpo é um ato revolucionário” (2018), com o intuito de ajudar pessoas a encontrar o caminho da auto aceitação, e ter uma imagem positiva do corpo, sem ceder a todo tipo de pressão social.  De acordo coma escritora e youtuber, sua obra foi feita para descontruir padrões e fazer com que as pessoas deixem de ter vergonha do próprio corpo, bem como sejam felizes. 

Arcoverde e Rodrigues (2014) explicam que “a gordofobia ocorre por meio de processos de discriminação social das pessoas que não se adequam ao padrão corporal de beleza considerada ideal, tendo como auxílio o discurso da medicina e do apelo estético, reforçando a dominação desses corpos frente aos padrões vigentes”. Para pôr fim a este padrão imposto, muitos nomes têm se levantado com a intenção de discutir sobre o empoderamento do corpo livre. Com o mesmo posicionamento da youtuber a atriz Mariana Xavier traz também a pauta sobre os perigos da gordofobia, e a necessidade de sentir bela com suas próprias curvas. 

Foto: Marcos Carvalho

 

É preciso combater toda forma de preconceito e isso inclui a gordofobia. Ninguém tem o direito de determinar o padrão corporal de outra pessoa. A sociedade não é uma modelo em série, cada indivíduo tem sua peculiaridade, a qual precisa ser aceita e respeitada.  Caso esteja passando por gordofobia, procure um psicólogo para ajudar em seu processo de autoaceitação e amor próximo. Outra dica, siga pessoas nas redes sociais que irão ajudar em seu processo. Seja feliz e livre com seu corpo. 

Referências

ALONSO, Gustavo. Marília Mendonça, rainha da sofrência, não soube o que é fracasso. Folha de São Paulo (2021). Disponível em < https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/11/marilia-mendonca-rainha-da-sofrencia-nao-conheceu-o-fracasso.shtml> Acesso: 10, de nov, de 2021.

Arcoverde, V., & Rodrigues, R. (2014). Cinderela não é gorda: análise de conteúdo da personagem Perséfone na novela Amor à Vida. Projeto Final em Jornalismo, Universidade de Brasília, Brasília.

GURGEL, Alexandra. “Pare de se odiar- Porque amar o corpo é um ato revolucionário” (2018).

XAVIER, Mariana (2021). Disponível em < https://www.instagram.com/marianaxavieroficial/> Acesso: 10, de nov de 2021.

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