Desnudando alguns mitos a respeito do uso da maconha

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Bem, desde criança, ouço falar da possível legalização da maconha no Brasil, e sempre que esse assunto aparece na mídia, há vários debates sobre os seus possíveis malefícios e benefícios. Muitos desses debates sustentam-se em questões de saúde pública, onde, acredita-se que a maconha traria vários males à saúde. Por outro lado, os que defendem a liberação da mesma também tentam se basear em questões de saúde pública, afirmando que drogas liberadas, tais como o álcool ou o cigarro, causam mais malefícios à saúde que a maconha. Esses argumentos, em sua maioria, sustentam-se em mitos acerca da maconha sem nenhuma base científica.

Eu tenho minha própria opinião sobre a legalização da maconha, mas antes de falar, tentarei explicar os principais mitos acerca dessa planta tão polêmica.

Primeiramente, o que é a maconha?

Maconha é nome popular da planta Cannabis Sativa. Não se sabe ao certo quando a humanidade começou a utilizar essa planta, mas há relatos de sua utilização como medicamento desde o século XV a.C.

No Brasil, acredita-se que a planta foi trazida pelos escravos africanos por volta do século XV d.C.. Por muito tempo a maconha foi utilizada como medicamento, sendo inclusive seu plantio incentivado pela coroa portuguesa no Brasil. A maconha só foi legalmente proibida no Brasil no ano de 1930, quando foi proibido o uso recreativo e medicamentoso da mesma. A partir desse ano, começaram a surgir os grandes mitos acerca dos possíveis males e benefícios que a planta poderia proporcionar, e até hoje esses mitos são difundidos pela mídia, e a população, leiga, aceita como verdade científica. Então vamos aos principais mitos e verdades científicas por traz da maconha.

 

A maconha é menos prejudicial que o cigarro aos pulmões?

Muitos acreditam que a maconha, por conter menos “química” que o cigarro, cause menos mal ao pulmão quando fumada. Eis um grande mito difundido pelos que defendem sua legalização.

Por não ter filtro a fumaça na maconha e totalmente absorvida pelos pulmões; isso leva a um dano respiratório muito maior. Já se sabe que 1 cigarro de maconha equivale de 2,5 a 5 cigarros em termo de obstrução respiratória. Porém, diferente do que se acredita, não há relatos de enfisema (uma doença pulmonar que dilata e rompe a passagem do ar nos pulmões, levando a problemas respiratórios) causado pela maconha.

 

A maconha pode levar a câncer de pulmão?

Argumento que os contrários à legalização da maconha adoram usar. Bem, se o medo de câncer de pulmão é real, porque permitir o cigarro, onde o risco é maior?  Não há evidencias suficientes para crer que a maconha pode levar ao câncer, porém podemos de fato especular que isso é possível, já que a fumaça do cigarro de maconha contém substâncias irritantes e cancerígenas assim como o cigarro.

O uso de maconha pode levar a um infarto?

Este é um mito com fundo de verdade. De fato, um dos efeitos do uso agudo da maconha é elevar o trabalho do coração, além de que a sua fumaça é rica em monóxido de carbono, o que piora os danos ao coração.

Porém, o risco de enfarta com uso de maconha não é tão alto. Se você não tiver nenhum tipo de doença cardiovascular, o risco é realmente baixo. Agora, se você tiver alguma doença como Angina Pectoris ou Doença Coronária, é melhor evitar o uso, pois a chance de você enfartar após o uso aumenta em até 4 vezes.

O uso de maconha pode causar dano hepático igual ao consumo de álcool?

Não sei afirmar quem teve essa ideia, já até usaram esse argumento contra mim. Fiquei sem entender como a maconha pode causar dano no fígado. Após muita pesquisa cheguei a uma conclusão: a maconha só pode causar dano ao fígado se você a ingerir junto com álcool, e tem que ser um volume elevado de álcool. Há varias pesquisas que mostram que a maconha não causa dano hepático nenhum.

A maconha destrói os neurônios e te deixa “burro”?

Outro grande mito usado por quem é contra a legalização. Várias pesquisas provam que o uso de maconha não causa qualquer tipo de dano de cerebral e nem afeta seu QI. Contudo, essas pesquisas foram realizadas em adultos. O uso da maconha durante a adolescência pode sim levar a um leve dano cerebral, mas nada muito significativo. Já sobre as funções cognitivas, pesquisas indicam que o uso crônico da maconha pode levar a um declínio dessas funções.

A maconha pode causar doenças psiquiátricas, tais como esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar e ansiedade?

Eis uma questão polêmica, e de constantes discussões entre a comunidade científica. Vale lembrar que todas essas doenças são multifatoriais e que o simples uso da maconha não pode desencadeá-las.

Várias pesquisas indicam que o uso da maconha na adolescência é um fator de risco para o surgimento da esquizofrenia na fase adulta, além de acelerar o inicio da doença. Vale lembrar que um dos efeitos da intoxicação pela maconha e a alucinação, conhecido entre os usuários como “má viagem”.

Um dos efeitos agudos é do uso de maconha, é uma crise de ansiedade, que acomete principalmente os usuários recentes da droga. Mas há pesquisas que mostram que o uso crônico da maconha pode levar a um quadro de ansiedade e/ou síndrome do pânico.

Sobre a depressão e o transtorno bipolar, não há provas que indicam que a maconha induza a esses quadros. Talvez o mito tenha surgido justamente pelo fato de que pessoas diagnosticadas com essas doenças tendem a usar mais drogas, principalmente a maconha.

A maconha pode levar a overdose e a dependência?

A maconha pode matar sim, mas só se um caminhão carregado com ela cair em cima de você. Brincadeiras a partes, não há relato que o uso de maconha pode levar a um quadro de overdose. Porém, a dependência, apesar de ser rara se comparada a outras drogas, é um risco real.

Bem, esses são os principais mitos acerca da maconha, essa planta tão polêmica que causa tantas discussões.

Minha opinião sobre a legalização da maconha?

Sou contra o uso recreativo dela, pois já bastam o álcool e o tabaco para complicar a vida do sistema público de saúde e o trânsito (a maconha reduz o reflexo igual o álcool, o que pode levar a um aumento de acidentes). Contudo, renegar totalmente a planta é um erro, pois ela tem um potencial para o uso medicinal. Nesse caso, sou a favor da liberação do seu uso medicinal.

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Sobre gordura, maconha e cenouras

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O texto “Histérica e Magérrima” de Hudson Eygo, publicado no EnCena, sobre a questão da forma como lidamos com a gordura é fantástico. Instiga o debate e a reflexão sobre a vida. Eu acho que, de fato, a gordura no corpo é desprezada. Mas, ao mesmo tempo, ela é muito disseminada. Na culinária é bastante usada e na publicidade lhe é criada uma aura de delícia; basta ver as fotos de filés, o uso de manteigas, margarinas e óleos diversos, além de outros alimentos constituídos também por ela; por esses motivos e por que é boa mesmo, tanto no sabor quanto para o uso do próprio corpo, que acho que ela, antes de ser menosprezada quando depositada no corpo, é tão badalada; se não fossem as gorduras, mulher nenhuma teria a beleza das curvas do corpo. Junto à aura de delícia tem a aura de prejudicial, nas propagandas que abominam as gorduras de maneira obsessiva, por vezes preconceituosa acerca da subjetividade de quem é ou se sente gordo e também nas propagandas burocráticas de Secretarias de Saúde. Ou seja, fica, por fim, como se fosse um fruto proibido que ninguém pode chegar perto, mas todo mundo chega, pecando ou não.

É muito parecido com o que ocorre com o uso de drogas. Por exemplo, é comum nas discussões sobre o uso de drogas, associá-las à desorganização mental e à perda da razão, ou seja, é comum associarmos as drogas à loucura e, por herança histórica associada a esse termo, ao pecado, que é, em sua gênese, o acesso ao fruto proibido. De forma bem resumida e grosseira resumo que o meu envolvimento como psicólogo com relação às drogas é permeado de, ainda, um receio de falar sobre o tema e tabus quase que mitológicos sobre o tema; completaria ainda com uma ideia que escuto muito no meio da psicologia: a loucura ocasionada pela droga é uma loucura diferente da ocasionada pelas doenças mentais e que, pra essa loucura das drogas, o psicólogo é quase impotente e que sem uma medicação (outra droga) a pessoa não vai “melhorar”.

Pouco discutimos acerca do fato de que costurar ou implantar elementos técnico-terapêuticos no milenar uso que o homem faz de drogas é muito difícil; pouco discutimos acerca do fato de que algumas drogas lícitas possuem efeitos colaterais danosos; pouco falamos sobre o absurdo que é um governo, seja ele qual for, monopolizar o acesso e o cultivo de uma planta, seja ela qual for, como o é com a Canabis Sativa e a Canabis Indica, duas espécies da maconha. Sinto que filosoficamente encontro-me, na minha profissão, num estado embrionário de análise com relação a essa temática sempre empolgante. Já identifico que, em nosso cotidiano profissional, devemos esclarecer acerca de que drogas falamos, quando delas falarmos, pois uma coisa é falar de cafeína, outra de maconha e outra bem diferente sobre sertralina, todas pareadas no grupo das drogas, mas cada uma com seus próprios gêneros e espécies, cada qual com seus receptores cerebrais e princípios ativos.

Portanto, eu gostaria de falar, aqui nesse espaço, sobre a maconha, lembrando que estava falando sobre gordura e cheguei na conclusão de que a forma como temos convivido com ela parece com a forma como convivendo estamos com as drogas. Daí a necessidade de falar mais sobre as drogas para então falar sobre a gordura.

Descobri coisas fantásticas sobre a maconha. Primeiramente que se trata de uma espécie de planta da divisão Magnoliophyta e da ordem das Rosales. Com isso vemos que, como qualquer coisa viva nesse planeta, as espécies do gênero Cannabis possuem uma família. A maconha faz parte da mesma ordem das rosas, flores que, juntamente com as magnólias, dividem o posto de primeiras flores que surgiram no planeta, de acordo com o Instituto Ciência Hoje (conforme o próprio site “é uma sociedade civil sem fins lucrativos responsável por uma série de publicações e projetos de divulgação científica e por um programa inovador de apoio à educação em ciências.” (http://cienciahoje.uol.com.br/instituto-ch). Isso liga a erva a um tempo em que nem se precisava discutir a questão do cuidado ao planeta, o homem ainda não tinha descoberto o seu devir-câncer na Terra. Ou seja, controlar de forma governamental o plantio e o uso dessa planta é, como dito acima, um absurdo.

Outra coisa interessante é que a maconha consta como planta medicinal na enciclopédia de plantas intitulada Pen Ts’ao Ching do Imperador Shen Nung, considerado o Pai da Agricultura e da Medicina na China, de acordo com o sítio do Bihrmann’s Caudicifoms no endereçohttp://www.bihrmann.com//. Ou seja, há um acúmulo de conhecimento milenar sobre essa droga e ligá-la de forma hegemônica aos males modernos como a violência e a desordem mental é, no mínimo, ignorância. Logicamente que os fatores envolvidos à proibição da posse de uma planta, seja ela qual for, certamente ultrapassa a falta de informação e, certamente também, deve englobar fatores econômicos, sociais, todos eles políticos.

O aproveitamento da maconha vai muito além de seus efeitos psicoativos. Sua ligação com a sustentabilidade é incrível. De acordo com o site “Planeta Maconha”, acessado pelo endereçohttp://www.planetamaconha.com/2011/11/maconha-sustentabilidade-e-economia.html, a maconha é uma ótima alternativa contra o desmatamento de matas, pois produz, no mesmo espaço, uma quantidade quatro vezes maior de papel que uma plantação de eucaliptos. A fibra da maconha, chamada cânhamo, é usada para produzir um “material semelhante á fibra de carbono, porém mais leve, o que reduziria o peso dos carros, proporcionando menor esforço do motor e, consequentemente, menor gasto de combustível fóssil.” Além disso: “O Cânhamo também pode produzir biocombustíveis, menos poluentes e muito mais baratos, pois sua queima não produz resíduos, é renovável e não contribui na formação de chuva ácida.” O site ainda aponta a importância do cânhamo para a indústria têxtil na produção de uma fibra mais resistente que o algodão, podendo ser usada na confecção de lonas, cordas e jeans.

André Barros e Marta Peres, no texto “Proibição da maconha no Brasil e suas raízes escravocratas”, publicado na Revista Periferia, no segundo número de seu terceiro volume, afirmam que os 135 primeiros exemplares da Bíblia, impressos por Gutemberg, foram impressos com cânhamo. Além disso, as telas usadas por muitos artistas do movimento Renascentista europeu eram feitas da mesma fibra bem como as velas e cordas necessárias para a expansão européia ao Novo Mundo.

Incluindo velame, cordas e outros materiais, havia 80 toneladas de cânhamo no barco comandado por Cristóvão Colombo, em 1496 (Robinson, 1999). O cultivo de cânhamo em terras lusas tornou-se massivo à época das Grandes Descobertas, pois fornecia o material das embarcações portuguesas. Decreto do rei D. João V, de 1656, comprova que o incentivo à produção de maconha era uma política de Estado.(Barros e Peres, s/d, s/p).

Os mesmos autores, ao tratarem sobre a criminalização da maconha, expõem que o Brasil foi

(…) o primeiro país do mundo a editar uma lei contra a maconha: em 4 de outubro de 1830, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro penalizava o `pito de pango`, denominação da maconha, no § 7º da postura que regulamentava a venda de gêneros e remédios pelos boticários: “É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia.” (Mott in Henman e Pessoa Jr., 1986). Barros e Peres, s/d, sem página.

O dado fornecido por Barros e Peres é divergente com o dado exposto pelo jornalista Tarso Araújo, em seu trabalho “Drogas: proibir é legal?”. Para este, quem primeiramente proibiu a maconha foi Napoleão, em 1789, na conquista do Egito, como forma de interromper o fornecimento do cânhamo para a inimiga Inglaterra fazer seus barcos, velas e cordas, ou seja, para enfraquecer o poderio militar da ilha. Para Araújo, a proibição

(…) saiu pela culatra. Os egípcios ignoraram a lei e continuaram fumando como sempre fizeram. Em compensação, os europeus ouviram falar da droga e ela rapidamente virou moda na Europa, principalmente entre os intelectuais. “O haxixe está substituindo o champagne”, disse o escritor Théophile Gautier em 1845, depois da conquista da Argélia, que, na época, era outro grande consumidor de THC.

Divergências à parte, a conclusão a que Barros e Peres chegam, convincente e argumentada, é a de que a polícia no Brasil surgiu na primeira metade do século XIX com o intuito, dentre outros, de controlar as manifestações culturais dos africanos trazidos para o Brasil como escravos e de seus descendentes, dentre os quais havia o uso da maconha, ou seja, uma atitude oriunda de uma política preconceituosa, moralista e higienista.

Contudo, Elisaldo Carlini em entrevista concedida para Dráuzio Varela afirma que “(…) em 1905, a Gazeta Médica de São Paulo publicava um encarte de propaganda a respeito de cigarros de maconha importados da França: Cigarros Índios (outro nome da maconha) importados da França”. O encarte segue abaixo:

Logicamente que os cigarros importados da França para o Brasil, em 1905, não eram para uso popular e sim para elites. Notem a “bula” do cigarro. Os efeitos medicinais da maconha serão tratados ao longo desse texto.

Mesmo com as políticas repressivas, no mundo todo, o uso da maconha não foi, não é e nem será extinto. A maconha está ligada a muitas práticas sociais e culturais que são tão complexas em simbologia e promoção de relações afetivas quanto rituais das igrejas cristãs. Danilo Rabelo, em sua tese “Rastafari: identidade e hibridismo cultural na Jamaica” fala da ligação que os adeptos à religião fazem entre a maconha e a vida espiritual, entre a maconha e a paz. Bob Marley, cantor nascido jamaicano, mas ligado politicamente à Etiópia, grande difusor do Rastafari, promoveu, ao longo de sua vida, não somente músicas que promovem a paz, como também eventos pacifistas. Em junho de 1978, as Nações Unidas o condecorou com a Medalha de Paz do Terceiro Mundo, prêmio sobre o qual não achei nenhuma outra referência de outro condecorado. Nunca foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, o do primeiro mundo. Em 1999, a Revista Times elegeu o seu álbum EXODUS como o melhor álbum do século XX. Sua canção ONE LOVE foi eleita pela BBC (a Corporação Britânica de Radiodifusão) como a canção do milênio. Em resumo, Bob Marley era defensor da maconha e sua vida reverberou mundialmente em prol da paz; isso não é decorrência direta daquilo, mas nos serve de um claro exemplo que defender e fumar maconha não é coisa do demônio e nem de pervertidos criminosos que querem corromper as pessoas e o Estado. A maconha está mais intimamente relacionada à paz do que à guerra (que é legal e é política de Estado de qualquer estado).

Ao longo dos anos até os dias atuais, alguns mitos foram criados em torno da maconha. O site “Diário da Erva” (http://www.diariodaerva.com/2011/12/11-mitos-sobre-maconha.html) ressalta, de maneira bem didática e clara, 11 deles:

1- De que a maconha é perigosa;

2- De que é inofensiva;

3- De que ninguém nunca morreu por fumar maconha;

4- De que os efeitos de um baseado dura semanas;

5- De que maconha é causadora de acidentes de trânsito;

6- De que a maconha de hoje é mais perigosa do que a da época de nossos pais;

7- De que a maconha mata células do cérebro;

8- De que a maconha causa infertilidade e diminui a produção de testosterona;

9- De que promove mal-formação fetal;

10- De que prejudica o sistema imunológico;

11- E de que é porta de entrada para outras drogas.

Kátia Honório e Albérico da Silva, no artigo “Aspectos terapêuticos de compostos da plantaCannabis Sativa”, relatam o uso da erva no alívio dos sintomas decorrentes do tratamento de câncer, AIDS, esclerose múltipla e síndrome de Tourette. Relatam ainda sobre o uso da planta no tratamento de glaucoma por seu efeito de diminuição da pressão ocular, sendo, contudo, necessária uma dose grande da droga para os efeitos esperados. Explicam que os compostos psicoativos da maconha são chamados de canabilóides e são o Δ9-THC e o Δ8-THC. Os medicamentos Marinol e Cesamet desenvolvidos nos EUA e com uso permitido no Reino Unido são à base de canabilóides e usados para

“(…) tratamentos de quimioterapia e como estimulantes do apetite, durante processos de anorexia desenvolvidos em pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).” (p.320).

O Δ9-THC aumenta o apetite. O documentário “Dirijo”, disponível no endereço eletrônicohttp://www.youtube.com/watch?v=QgMIbL_NZXI, relata a vida de uma comunidade indígena da Amazônia que fazia uso da maconha em situações de falta de apetite e desânimo para o trabalho além de espantar mosquitos na hora da pesca e de servir como instrumento de compartilhamento coletivo em roda. O documentário relata ainda acerca da forma como a proibição chegou à tribo. O filme me passa a mensagem do quanto, a essa tribo, uma lei surgiu e modificou um hábito quiçá centenário, mas sem produção de sentido coletivo além da simples frase repetida por alguns: “o capitão mandou parar de usar”.

Quanto à dependência, a pessoa pode apresentar agitação, insônia, náusea e caimbras. De acordo com Kátia Honório e Albérico da Silva, na pesquisa citada acima, “a Cannabis não causa dependência física (como cocaína, heroína, cafeína e nicotina) e que a suspensão do uso não causa síndrome de abstinência (como o álcool e a heroína).” (p. 319).

Em entrevista concedida a Dráuzio Varela, Elisaldo Carlini revela um estudo interessante sobre a questão da dependência. Primeiramente, parece haver uma relação direta entre a dependência de maconha (não comum) e pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, em especial as que experimentam o sintoma de embotamento afetivo. A hipótese das pesquisas diz que isso se dá, pois o uso da maconha evoca sentimentos e sensações que, no curso da esquizofrenia, essas pessoas ou perderam ou nunca acessaram. Como se vê, o tema da dependência é em si polêmico como bem fala Elisaldo Carlini:

Quanto ao problema da dependência, é importante considerar as conclusões de alguns estudos sobre o fenômeno da dependência. Pode parecer incrível, mas há trabalhos descritos na literatura sobre a dependência, por exemplo, da cenoura. As pessoas comem tanta cenoura que ficam com a pele amarelada e, por alguma razão, impedidas de comer, entram em crise de abstinência. Há também descrição de dependência, inclusive com síndrome de abstinência, entre pessoas que tomam placebo, substância inócua que não deveria causar alteração nenhuma nesse mecanismo (s/d).

Em relação à maconha, há casos registrados de dependência, mas eles não são freqüentes, se considerarmos a imensa população mundial de usuários. Além disso, comparada com outras drogas, a maconha é muito menos indutora de dependência química.

De acordo com o “Guia Prático sobre uso, abuso e Dependência de Substâncias Psicotrópicas para Educadores e Profissionais da Saúde”, organizado por Ana Cecília Petta Roselli Marques e Marcelo Ribeiro de Araújo, “Uma recente revisão da literatura não encontrou evidências acerca da existência de uma síndrome de abstinência específica para a maconha, preferindo denominar os sintomas observados de sintomas de rebote”, dentre os quais se encontram a irritabilidade, nervosismo, inquietação, insônia, cefaléia e falta de apetite.

Algo interessante é acerca de um dos recorrentes efeitos oriundo do uso da maconha como fumo: pessoas que usam maconha relatam o aguçamento dos sentidos além dos acessos de risos (que muitas pessoas insistem em descrever como um sintoma); talvez isso diga um pouco da relação que há entre a maconha e as rosas (juntamente com as magnólias): enquanto essas são, em tese, a origem primitiva das flores, aquela faz o homem acessar o seu lado mais primitivo, fluido e comunitário, pois desburocratizado do contrato social, promovendo mais desenvolvimento nessa dimensão humana. Tal dimensão é nomeada por Deleuze e Guatarri de molecular. O molecular abarca uma dimensão das relações que se conecta com a dimensão molar. A dimensão molecular é caracterizada pela flexibilidade, pelo primitivo e pelo micropolítico. Distingue-se do aspecto segmentar, duro e moderno do molar, mas coexistem, atravessam-se, sem valores morais que as distingam. De acordo com Liliana da Escóssia e Virgínia Kastrup, no artigo “O conceito de coletivo como superação da dicotomia indivíduo-sociedade”, publicado em 2005 pela revista “Psicologia em Estudo”,

Deleuze e Guattari advertem que, ao distinguir as duas séries, devem-se evitar três erros: o axiológico, que consiste em positivar a molecularização em detrimento da molarização, uma vez que as duas podem ser extremamente perigosas, como é o caso do fascismo, que se apresenta também sob a forma de microfascismo; o psicológico, que consiste em confundir molecular com individual ou interindividual e reduzir o molar ao domínio social; e finalmente, tomar o tamanho como critério de distinção e considerar a forma molecular como pequena e a molar como uma forma grande. A distinção deve ser buscada na natureza do sistema de referência a que se remetem o molar e o molecular. Isto leva a reservar as palavras “linhas” e “segmentos” para tratar da organização molar, enquanto a palavra “fluxo” passa a ser utilizada para tratar da composição molecular (p. 300).

Portanto, pode-se dizer, por aquilo do aguçamento dos sentidos e do afrouxamento do riso, que a maconha pode promover uma vida mais fluida, menos burocrática, mais criativa e mais solidária, afinal o riso é instrumento de cuidado e de afeto solidário.

Atualmente, o tema da legalização e-ou da discriminalização da maconha está em pauta no Brasil. Mas esse tema não cabe aqui a essa reflexão.

Volto agora ao tema inicial que é o valor que damos à gordura em nossa sociedade. Disse, no início, que a forma como lidamos com a gordura é semelhante à forma com que lidamos com as drogas (no caso deste artigo, refiro-me, à maconha), criando um fetiche e uma polêmica em torno de algo que se encontra na natureza em estado bruto. Por essa forma, pipocam receitas e prescrições sobre como lidar com essas coisas, as drogas, as gorduras e as cenouras também. Existem vários tipos de gorduras e pouco sabemos sobre os efeitos de cada uma delas como não o sabemos também sobre os da maconha; as gorduras movimentam muito capital, como também o faz a maconha, basta ver a quantidade de gordura que comemos nos restaurantes, em casa, nas escolas, nas prisões, na rua, nos hospitais…em todo lugar comemos gordura. A sociedade depende de gorduras. Ainda podemos contabilizar o preço de cada cirurgia de lipoaspiração para retirar a mesma gordura que comemos e a produção e comercialização de saponáceos em geral. E, em contrapartida, uma política midiática fortíssima de eudeusamente do formato esquelético, que, de qualquer maneira, gira em torno da gordura. Concordo com Hudson quando diz que

A imagem pré-concebida e difundida pelas mídias atuais é a de pessoas morbidamente gordas e depressivas. Essa imagem está embutida em minha cabeça quando penso em x-burguer ou em uma porção de batata frita, por exemplo. Não se pode mais sentir prazer em comer, assim como não existe mais felicidade, beleza e nem saúde fora de um corpo magro.

A forma que a indústria da moda arrumou para fechar a boca de suas modelos é endemoniando a gordura, da mesma forma como se faz com a maconha. Concordo ainda com Hudson quando afirma que

É fácil perceber esse movimento social em busca do corpo perfeito, basta nós nos atentarmos para o crescente número de pessoas, nas mais variadas faixas etárias, que frequentam as academias e se matam fazendo exercícios físicos, usam anabolizantes, tomam inibidores de apetite e mergulham em dietas milagrosas muitas vezes sem preparo algum, outras vezes, apoiados em dietas e na orientação profissional de pessoas que se justificam na ciência ao proclamar: Abaixo ao gordo!

E, se no papel a gordura é legalizada, na prática há a tendência (mesmo que remota) de se tornar algo proibido e controlado, da mesma maneira como ocorreu com a maconha, o que seria mais um dos absurdos inventados pelo homem. Para encerrar, deixo aqui minha singela opinião: legalize já, a gordura, a maconha, a reflexão, a educação e as cenouras.

Referências:

BARROS, André e PERES, Marta. Proibição da maconha no Brasil e suas raízes escravocratas, in Revista Periferia, número dois, volume III, s/d.

ARAÚJO, Tarso. Drogas: proibir é legal? Será que a legalização das drogas pode acabar com o ciclo de tráfico e violência que afeta a todos?, in Super Interessante, outubro de 2007.

ESCÓSSIA, Liliana e KASTRUO, Virgínia. O conceito de coletivo como superação da dicotomia indivíduo-sociedade, in Psicologia em Estudo, Maringá, v 10, n 2, p. 295-304, mai./ago, 2005.

HONÓRIO, K. Et al. Aspectos terapêuticos de compostos da planta Cannabis sativa.Química Nova, vol. 29, n.2, 2006. p.318-325.

MARQUES, ACPR & RIBEIRO, M. Guia prático sobre uso, abuso e dependência de substâncias psicotrópicas para educadores e profissionais da saúde. Prefeitura da Cidade de São Paulo, Secretaria Municipal de Participação e Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool de São Paulo – COMUDA, 2006.

RABELO, Danilo. Rastafari: identidade e hibridismo cultural na Jamaica, 1930-1981. 2006. 119 f. Tese (Doutorado em História)-Universidade de Brasília, Brasília, 2006.

Saiba mais:
Entrevista de Elisaldo Carlini a Dráuzio Varela: http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/maconha/

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Bicho de Sete Cabeças - Rodrigo Santoro

Bicho de Sete Cabeças: os “chiqueiros psiquiátricos” de Austregésilo Carrano

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Laís Bodanzky, diretora do filme brasileiro “O Bicho de Sete Cabeças”, baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, Cantos dos Malditos, problematiza aspectos sociais, culturais e econômicos da sociedade, assim como denuncia a realidade dos hospitais psiquiátricos brasileiros na década de 70, evidenciando a necessidade de uma reforma da assistência psiquiátrica.

No filme, o drama discorre sobre a vida de Neto, que é interpretado por Rodrigo Santoro, um jovem de dezessete anos, usuário de maconha, de classe social média baixa, sem uma boa relação familiar. A ideia da internação em um hospital psiquiátrico surge quando o pai encontra na roupa de Neto um “baseado”. O motivo da internação, por si, demonstra a falta de informação bem como a hipocrisia da sociedade diante das drogas, a ausência de diálogo no âmbito familiar, além da decisão precipitada do pai de internar o filho sem o consentimento deste.

Experiências vividas por Neto dentro da instituição, que vão desde o uso excessivo de remédios, falta de higiene, ausência de profissionais capacitados e principalmente interessados no tratamento dos pacientes, até o uso de eletrochoque, mostram a realidade manicomial brasileira da época. O hospital psiquiátrico apresentado no filme era baseado no modelo asilar, que exclui o paciente da sociedade e do seio da família.

Neto passou por essa situação sem compreender absolutamente nada, sendo reinserido à sociedade sem qualquer assistência pós-recuperação e quando algumas de suas faculdades mentais apontavam fragilidade – situação que levou a nova internação, desta vez, por solicitação do próprio Neto, já que lhe parecia que ele melhor se adaptava ao “universo dos loucos”. Ao mesmo tempo em que retrata os valores sociais que a reforma psiquiátrica buscou transformar em meio à sociedade, demonstrando o preconceito em relação aos diferentes, ou seja, pessoas que não se enquadram dentro daquilo que é o determinado pela coletividade, o filme aponta a total ausência do médico psiquiatra, que poucas vezes é presente no cotidiano do paciente.

O inspirador do filme, Austregésilo Carrano, foi um homem de uma personalidade fascinante e extremamente forte, que teve a coragem de denunciar, em seu livro, as arbitrariedades dos hospícios e dos “profissionais” que contribuíram para o seu sofrimento durante sua repressão asilar. Na sua obra descreveu as torturas a que foi submetido, como, por exemplo, as vinte e uma sessões de eletroconvulsoterapia, que lhe deixaram seqüelas tanto físicas quanto emocionais.

a época, Carrano ficou três anos e meio sendo transferido de um hospital para outro, recebendo altas doses de drogas terapêuticas, sem ao menos receber um diagnótisco. As atrocidades foram muitas, até o dia em que resolveu atear fogo na própria cela, ato que foi decisivo para os pais o acolherem novamente. Após conseguir se restabelecer na sociedade, Carrano tornou-se um homem de grandes feitos. Foi militante do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, designou os hospitais psiquiátricos como “Chiqueiros Psiquiátricos” e se tornou a primeira pessoa no Brasil a mover uma ação indenizatória contra um psiquiatra, por erro de diagnóstico. Porém, Carrano, foi condenado a pagar indenização a seus médicos e às suas famílias, pelo fato de os mesmos serem citados e criticados em seu livro.

Além disso, Carrano teve sua obra cassada e proibida de circular entre os anos de 2002 e 2004, quando o livro voltou a circular – fato que fez de Canto dos Malditos a primeira obra censurada após a ditadura. “Bicho de Sete Cabeças” foi aclamado por inúmeros prêmios, como o Prêmio Qualidade Brasil, o Grande Prêmio Cinema Brasil, e foi o filme mais premiado do Festival de Brasília e do Festival de Recife, entre outros. Austregésilo morreu, no dia 27 de maio de 2008, aos 51 anos, em razão de uma infecção generalizada resultante de um câncer no fígado.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

BICHO DE SETE CABEÇAS

Direção: Laís Bodanzky
Roteiro: Luís Bolognesi
Elenco: Rodrigo Santoro, Othon Bastos, Cássia Kiss, Caco Ciocler, Gero Camilo;
País: Brasil
Ano:
2000
Gênero: Drama

Nota: o texto é resultado de uma atividade da disciplina de Psiquiatria do curso de Medicina do ITPAC – Porto.

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