Melancolia com doses de solidão

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Quando abri os olhos, vi somente a escuridão, meus braços e pernas não reagiam aos comandos, meu corpo inerte me deu a sensação de estar presa em um cadáver que já não anda mais. Busquei minha voz, mas esta não veio, tentei ouvir os sons, mas a cidade estava silenciosa.

Depois de horas, recuperei o controle sobre meu corpo, consegui levantar e me dirigir ao banheiro, me olhei no espelho e não reconheci o corpo que me encarava, era uma pessoa amargurada, solitária, abandonada, não havia marcas de expressões felizes, tudo em seu corpo acentuava a tristeza de sua mente.

Fonte: encurtador.com.br/fuBLX

Tive pena daquela pessoa, quando me dei conta de que eu me encarava, o sofrimento atingiu meu peito de maneira. Busquei meu celular, minhas redes sociais é o único lugar que encontro pequenas doses daquilo que algumas pessoas entendem como felicidade.

As afirmações e os elogios registrados nos comentários de minhas publicações me deixavam mais animada, porém, hoje, nada parecia me animar. Larguei o celular e voltei para a cama, fechei os olhos e implorei para perder o controle sobre meu corpo novamente e cair em sono profundo.

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Melancolia

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Ela se sentia inquieta, assim como se não desse conta de acompanhar os movimentos acelerados ao seu redor, tudo estava se tornando pesado e complicado, tudo que havia construído e que acreditava veio abaixo. 

Assim… Num deslizar pelos dedos ela foi se indo, ensopando-lhes os pés, escorrendo pelas valas criadas por seus entorpecidos pensamentos. 

Necessitava parar, necessitava exercer a mais simples das funções: Respirar, mas isso lhe parecia difícil. Enfim, não queria nada, queria mergulhar neste vazio, dar-se com ele, chafurdar-se nele, porque coisa alguma mais lhe aprazia. 

Culpava-se ainda, fez promessas de mudanças, porém sua amiga insinuava-lhe que se entregasse e ela sem titubear se rendeu ao chamado e entregou sua mão trêmula a ela, sua amiga melancolia.

A melancolia é um dos sentimentos mais exaltados pelos poetas. Em termos poéticos, a melancolia toma ares de beleza, da alma que se interioriza em um profundo quedar de pensamentos, uma lágrima furtiva, uma saudade de não sei o que, um cismar numa tarde de outono onde as folhas que caem encolhem mais a alma do pensador. Comumente a melancolia é associada pelos poetas ao vazio e a falta.

Mas que sentimento é este, como se instala, o que sentimos, como nos comportamos, o que seria este não sei o que nos leva a buscar no mais profundo dos abismos as respostas que às vezes nem nos importa mais.

Das conversas que José Castello teve com o poeta João Cabral, resultou no livro João Cabral: o homem sem alma, onde o mesmo dizia que, tinha um buraco no peito, explicando que, “Não é dor. Não é mal-estar. Não é nada. Ao contrário: falta alguma coisa”, completa dizendo, “Falta uma coisa, fica o buraco, e você tem de carregá-lo”.  (João Cabral: o homem sem alma/ Editora Rocco, 1996).

Alguns estudos vão dizer que na atualidade a melancolia foi substituída pelo termo depressão, portanto no decorrer do texto daremos um parecer que discorda desta premissa, pois ambas sempre causaram grandes males aos indivíduos, mas se diferem em alguns pontos.

Os estados melancólicos tomaram ares de vazio intenso e difícil de ser definidos, sobre esta indefinição Oliveira, (2004) nos afirma que a melancolia, “Tem sido objeto de estudo na medicina, motivo de reflexão para os filósofos, inspiração para os poetas e escritores”. E reitera ainda que “desde a Antiguidade até os dias atuais encontramos referências ao sofrimento humano expresso através desse afeto, bem como a dificuldade em se definir esse estado de sentimento de maneira satisfatória” (OLIVEIRA, 2004, p.93)

Pois bem, entre poetas, teorias e filosofias façamos um caminho em busca de respostas que cheguem perto da definição dessa tal melancolia.

Muitas vezes julga-se que a melancolia é um estado d’alma corriqueiro, quase como fugaz, assim como uma situação de acabrunhamento, no entanto estes estados podem evoluir como manifestações que se generalizam e fazem moradas permanentes em algumas psiquês. 

Fonte: Pixabay

A melancolia assim como a anedonia (são primas irmãs), se desenvolvem dentro de um quadro de apatia generalizada, um que absoluto de falta de ânimo, tendo como características além destas citadas acima um tédio mordaz e uma inércia doentia.

Um indivíduo melancólico está inerte em seu vazio, este sentimento de vazio é como se houvesse um “oco” por dentro como se lhe tirassem ou arrancassem tudo, e ainda assim, apresenta-se como um peso que não se suporta cravado na alma. Porém o raciocínio e a concentração permanecem intactos.

Difere-se da tristeza, pois tristeza é um sentimento referente a alguma perda, ou a alguma ocorrência natural do dia a dia e sua duração pode ser de horas ou poucos dias, não acarretando sérios prejuízos ao indivíduo.

Difere-se também da depressão, pois na depressão o desempenho, o raciocínio e a concentração são afetados, ou seja, acontecem alterações químicas no cérebro e podem ter causas genéticas.

Mas qual é a origem da melancolia quem se ocupou de denominá-la, saibamos mais a respeito.

Fonte: Pixabay

A palavra melancolia foi criada pelo Grego Hipócrates, o pai da Medicina, por volta do século IV a.C. e vem da junção das palavras “mélas” (negro) e “cholé” (bílis) – ou seja, o significado primário é “bílis negra”. Na época, Hipócrates definiu a então doença a partir de um conjunto de sintomas como tristeza profunda, olhar fixo no infinito e perda de apetite. Séculos depois, o psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) definiu a melancolia como um luto sem perda, processo patológico que necessita de abordagem e tratamentos específicos.

Em Luto e Melancolia (1914-1915) de Freud, ele cita que se sentia incapaz de retratar este afeto, pois a seu ver ele era dotado de um caráter ambíguo e controverso, pois se por um lado, era apontada como estímulo poético, de outro, é tida como uma patologia. Assim sendo, o psicanalista faz uma comparação entre os sintomas do luto e da melancolia, o primeiro parece de ordem natural, no segundo, conduz para uma origem patológica. 

Schopenhauer (1862), dizia que estes sentimentos eram atributos dos mais bem dotados de inteligência, reiterando ainda que muito conhecimento não seja carona para a felicidade.  Dizia ainda que,

 “Ao subir a escada da expectativa de realizações dos desejos não existe a opção de descer […] gradualmente, degrau por degrau, só existe a queda livre, e quanto maior a altura maior é a queda (o sofrimento) do indivíduo” (DEUS, Schopenhauer e o sofrimento, p. 117).

Entre os suspiros apaixonado dos poetas que alardeiam a melancolia e dela tecem seus mais ricos ensaios “A melancolia é a felicidade de se ser triste”. (Victor Hugo), ou por estarmos constituídos pelo id, seria-nos benéfico julgar que os apontamentos de Schopenhauer nos vestiriam bem, ou seja, se estamos melancólicos, logo, somos inteligentes, um cunho de humor é salutar em qualquer peça. 

Porém, apontamentos teóricos nos trazem que na modernidade estamos a mercê de uma era nitidamente marcada pelas incertezas das certezas absolutas, destituídas de descrições, deixando os sujeitos com fragilidades que não sabem lidar, com sentimentos de vulnerabilidade, assim como órfãos em sinaleiros, indivíduos sem direção. 

Como se não bastasse os indivíduos não mais se relacionam, somos uma paisagem nos campos de tela, sentimos exaustão de nós e do outro, sentimos melancolia pelas saudades de imagens de um passado que talvez nem tenhamos vivido. Idealizamos que o outro nos aperceba mesmo que nós mesmos não o façamos. A este respeito, Friedrich Nietzsche diz que, “O homem é mais sensível ao desprezo que vem dos outros do que ao que vem de si mesmo.”

A melancolia advém de longa data e podemos somar a ela mais de dois mil anos de história deixando em cada canto seu legado poético, teórico e filosófico.

 Na contemporaneidade, entre prozacs, Fluoxetinas, Clozapinas e Escitaloprams,. “A melancolia foi para o “spa”, emagreceu, subsiste apenas como um subtipo, uma forma grave de depressão maior, com sintomas físicos correspondendo ao conceito de endógeno.” (CORDÁS, 2002, p.95). 

Vamos nos atropelando, neste mundo líquido, nos esvaindo, dando a mão à nossa mordaz amiga melancolia que invariavelmente também é chamada de depressão, e até isso se torna melancólico, tira-nos a poesia que servia de ancoradouro para possíveis explicações mais suaves e humanas.  

Erroneamente ou não, pesquisas e estudos profundos estão sendo desenvolvidos e com certeza em um futuro próximo, poderemos dar o nome correto a este buraco no peito, este se esquecer de si mesmo.

Referências

BENTO Rodrigues Edilene, 2008. MELANCOLIA E POESIA TECIDAS EM FLOR E ANJOS: DIÁLOGO MELANCÓLICO ENTRE AS POÉTICAS DE AUGUSTO DOS ANJOS E FLORBELA ESPANCA. Disponível em: https://pos-graduacao.uepb.edu.br/ppgli/download/dissertacoes/Dissertacoes2008/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Edilane.pdf. Acesso em 06/10/2022

DEUS, Rocha Flávio, 2021. A Filosofia de Schopenhauer na narrativa do jovem

Werther de Goethe. Disponível em: DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179378648538. . Acesso em 06/10/2022

NORONHA Heloisa. 2020. EQUILÍBRIO.Cuidar da mente para uma vida mais harmônica. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/12/26/melancolia-o-que-e-e-como-lidar-com-ela.htm. Acesso em 04/10/2022

NUNES Homero. Na solidão, triste e desiludido: a morte dos grandes pensadores em meia dúzia de tristes fins. Disponível em: http://lounge.obviousmag.org/isso_compensa/2014/12/na-solidao-triste-e-desiludido.html. Acesso em 06/10/2022

SANTA CLARA, José Carlos. 2008. O problema econômico dos estados depressivos: uma leitura metapsicológica para a melancolia. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp052615.pdf. Acesso em 06/10/2022

SANTA CLARA, José Carlos. 2007. Melancolia e narcisismo: a face narcísica da melancolia nas relações do eu com o outro. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-44272007000200009. Acesso em 06/10/2022

OLIVEIRA, Ana Paula. 2020. A LEITURA COMO MELANCOLIA: MEMÓRIA, PRESENTE E VAZIO NA CRÍTICA DE JOSÉ CASTELLO. Disponível em:  https://rd.uffs.edu.br/bitstream/prefix/3861/1/OLIVEIRA.pdf. Acesso em 06/10/2022

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Grupo de Estudos: observações sobre o luto e o tempo 

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O Grupo de Estudos em Psicanálise em Palmas-TO, com o apoio do Instituto Suassuna, convida os interessados em psicanálise para participar da aula online com a psicanalista praticante e associada ao Instituto de Psicanálise da Bahia, membro fundadora do Grupo de Estudos FaLA – Percurso de Freud a Lacam, Luisa Carvalho, que se realizará no dia 25 de setembro de 2021, sábado, às 14horas via meet.

As inscrições devem ser solicitadas com antecedência pelo whatsapp (63) 984185596. 

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Loucura: configurações e roupagens ao longo da história

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Muito se fala sobre loucura e suas formas de manifestações nos nossos dias. Entretanto, esse debate, ao decorrer dos tempos, foi se apresentando de diversas maneiras e configurações. Em seu livro “A história da loucura na Idade Clássica” (1972), Michel Foucault apresenta quatro tipos de consciência da loucura que permearam o coletivo social. Vale ressaltar que esses tipos de consciência acerca da loucura não desapareceram, mas em determinados tempos históricos se sobrepuseram uns aos outros. Essas quatro formas de consciências da loucura não são solitárias. Cada uma delas possui como anteparo outra, justificando-se e retroalimentando-se.

Fonte: http://migre.me/wjJiO

A consciência crítica da loucura não chega a ser uma definição da forma de enxergar a loucura, mas uma denúncia da loucura. Como cita Foucault (1972), essa consciência da loucura tem certeza de não estar louca, baseando-se, portanto, em certa racionalidade que foge a debates pois se vê incapacitada de argumentar mais fortemente. A segunda forma de consciência da loucura é a consciência prática. Aqui, o louco, o portador da loucura, é visto como um ser inferior à razão, sendo assim uma ameaça à ordem que a racionalidade impõe. A desordem que o louco pode provocar num sistema rigidamente estruturado é sentida como um estranho poder que deve ser silenciado. “(…) dela resta apenas a tranquila certeza de que é preciso reduzir a loucura a silêncio” (FOUCAULT, 1972).

A consciência enunciativa da loucura pode ser entendida como o “saber instintivo” que permite apontar e dizer: é um louco! Não se pode cair no erro de classificar essa forma de consciência como desqualificação ou rotulação negativa da loucura, ou do indivíduo louco. É somente o indicativo do reconhecimento da existência irrecusável e inegável da loucura em um indivíduo. É a percepção da loucura, sem que haja necessariamente um debate de valores associado a essa percepção. Por último, Foucault cita a consciência analítica da loucura. É o olhar que procura dominar a loucura.

Ao se enxergar como ser que pode distinguir a loucura, quem a percebe de forma analítica passa a eliminar o misticismo que a envolve, erradicando os supostos perigos que a loucura pode causar à ordem instituída pela racionalidade. Essa consciência analítica da loucura é a base para todos os saberes objetivos que se tem sobre a loucura nos dias atuais.

Betlhem Royal Hospital. Fonte: http://migre.me/wjKeo

Neste livro, Foucault também aborda o processo histórico da loucura, trazendo uma reflexão sobre loucura e razão do século XVIII, uma sociedade que em sua origem já caminhava para um olhar estereotipado onde emoções desordenadas eram advindas do homem irracional. Algumas questões foram postas a argumentação como: O que seria louco diante dos homens da razão? Como classificar o louco em um século em suas origens? Como apontar sem errar?

De acordo com Bauman, no pós-modernismo o homem passa a estruturar sua vida, sua trajetória de vida. À luz da racionalidade dessa nova sociedade, as escolhas desse homem que transpusessem a linha da normalidade eram classificadas como sinal de loucura. O conceito de loucura como algo que rompe a barreira da normalidade é mantida culturalmente até os dias atuais. 

Tendo como consequência dessa lógica, no capítulo da obra intitulado O Louco no Jardim das Espécies, é evidente um processo classificatório em que diversas doenças ditas mentais, cerebrais e espirituais foram classificadas arbitrariamente. Frente a essa atividade classificadora houve um choque, pois, dividir as formas de loucura conforme seus signos e suas manifestações gerava uma contradição, como se a relação de loucura com aquilo que pode apresentar de si, não fosse essencial, nem houvesse uma relação de verdade.

“Desobedecer”, Henry David Thoreau. Fonte: http://migre.me/wjJBM

Quanto à relação de loucura apresentar uma relação de verdade, cabe aqui ressaltar um “louco” que não se limitou as ordens impostas por uma sociedade capitalista da qual discordava, seu nome era Henry David Thoreau. Ele não se avalia quanto à razão da sociedade civil, mas o que julga ser correto. A verdade expressa por Thoreau é dita de forma simples em uma de suas palavras “A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de fazer em qualquer tempo o que julgo ser correto”. Ou seja, diante do modelo capitalista, se atreveu a abandonar a cidade, a família, o luxo, as tecnologias para viver na floresta, apenas com aquilo que a natureza lhe oferecia, como os primitivos. Uma verdade expressa de acordo com suas particularidades. 

À reflexão proposta por Foucault “O que seria louco diante dos homens da razão?” cabe salientar Bauman e alguns conceitos que predominam na pós-modernidade, como o puro: considerado aquele que é civilizado; impuro: aquele que não está dentro dos conceitos da sociedade moderna, (ex: o louco), não controla as emoções e o estranho: não consegue ser visualizado, é fonte de mal estar, é o sujeito que escapa à lógica classificatória de uma sociedade.

E, além disso, é preciso repensar quanto à liberdade do sujeito, pois a sociedade caminha para um modelo classificatório dicotômico, estigmatizado e estereotipado, visualizado segundo Foucault a partir de uma percepção marginal, um ponto de vista enviesado, através de uma espécie de raciocínio instantâneo, indireto e ao mesmo tempo negativo. A loucura é o lado despercebido da ordem. Assim não cabe à sociedade o papel de julgar e classificar segundo suas próprias convicções, pois o olhar de certo ou errado transpassa gerações, culturas, lógicas políticas e sociais. A diversidade simultânea não é a única: maiores são as variações de um século para outro. Os valores éticos podem se transformar, assim como a sociedade se transforma (VALLS, 1994).

Fonte: http://zip.net/bctGR3

Em Voltaire “chama-se de loucura as doenças dos órgãos do cérebro”. Dictionnaire philosophique, verbete «Loucura», Benda, I, p.285. No século XVIII havia várias formas de pensar sobre a loucura. Os casuístas e teólogos a tinham como um afastamento de alma e corpo, com isso haveria uma salvação para o louco, pois de certa forma sua alma estava distante durante o período da loucura.

Para os juízes, a opinião era a mesma, pois não era criminalizado o ato da loucura. Ambos acreditavam que durante esse período de demência, a personalidade do indivíduo se conservava intacta. Nos discursos médicos, a loucura era vista como uma perturbação da sensibilidade e os sentidos eram os culpados das loucuras. Para Voltaire, as entradas da alma estavam na forma original, e quem estava doente é o morador.

Segundo Foucault (1972) na loucura há duas estruturas que se desenvolvem em dois ciclos: causalidade e ciclo da paixão e da imagem, que seriam na essência o momento da loucura, onde há uma alteração mecânica, o demente faz coisas inimagináveis, ações feitas apenas nesses momentos, e, alterações químicas, se tornando agitados. Essas são as chamadas causas proximais, é a parte que se pode ver da doença. São as manifestações físicas das coisas internas. Na parte invisível da manifestação da doença são internalizadas imagens distorcidas que ocasionam desordens na fala e nos gestos.

Muitas pesquisas foram desenvolvidas para encontrar a causa da loucura. Bonet (1679) afirma que para cada tipo de doença era reconhecida uma forma diferente do tecido cerebral. Passando-se o tempo, novas visões foram surgindo. Para Foucault, (1972) no mundo as variações e os excessos podem provocar a loucura. Nisso, por um grande período de tempo o desatinado foi internado, para separar os considerados sensatos dos insensatos. Segundo Foucault (1972) nesse período eles eram tidos como “nada” eles não “eram” simplesmente. Com o aprisionamento, muitos perdiam a vontade de viver. O internamento não era, portanto, no sentido de aprisionar a loucura, mas sim de aprisionar uma pessoa que perdera sua qualidade de ser.

Fonte: http://zip.net/bctGR4

Foucault aborda a loucura sobre diversas perspectivas, onde o mesmo cita as formas e os níveis que cada uma se apresenta, encaixando-as de acordo com suas características peculiares. No século XVIII e começo do séc. XIX, ele observou que as figuras da loucura podiam ser divididas em grupos, a saber: da demência, mania e melancolia, histeria, hipocondria. “[…]. Tentaremos mostrar como se situaram no interior da experiência do desatino; como aí conseguiram, cada uma delas, uma coesão própria e como chegaram a manifestar de modo positivo a negatividade da loucura”. (FOUCAULT, 1972, p.278).

A demência é uma das figuras da loucura caracterizada pela perda de algumas capacidades essenciais que o indivíduo precisa tanto para resolução de problemas como em relações interpessoais. Segundo o autor ela tem permanecido sobre a perspectiva da negatividade, o que a impede de ter uma representação como figura característica. De acordo com Foucault (1972) num certo sentido, a demência é, dentre todas as doenças do espírito, a que permanece mais próxima da essência da loucura. Mas da loucura em geral, da loucura experimentada em tudo aquilo que pode ter de negativo: desordem, decomposição do pensamento, erro, ilusão, não-razão e não-verdade”.

O autor ainda ressalta “Ela não tem sintomas propriamente ditos, é antes a possibilidade aberta de todos os sintomas possíveis da loucura.” Ou seja, a demência, em sua particularidade pode apresentar-se com um leque de sintomas. Sendo assim, diversas são as causas que podem manifestar-se provocando esse estado de loucura. Ainda trazendo a questão do que pode causar a demência, seus sintomas e causas, o autor ressalta “Se o cérebro é, isoladamente, a causa da doença, pode-se procurar as origens disso inicialmente nas próprias dimensões da matéria cerebral, […]”.

A demência não organiza suas causas, ela não as localiza, não especifica suas qualidades segundo a figura de seus sintomas. Ela é o efeito universal de toda alteração possível. De certo modo, a demência é a loucura menos todos os sintomas particulares a uma forma da loucura: uma espécie de loucura em filigrana da qual transparece pura e simplesmente aquilo que a loucura é na pureza de sua essência, em sua verdade geral. A demência é tudo o que pode haver de desatinado na sábia mecânica do cérebro, das fibras e dos espíritos (FOUCAULT, 1972, p. 282).

Michel Foucault irá abordar a mania tendo como característica a audácia e o furor, já a melancolia é marcada pela tristeza, pelo medo e pensamentos fixados em um único objeto. “Enquanto o espírito do melancólico se fixa num único objeto, impondo-lhe, apenas a ele, proporções irracionais, a mania de forma conceitos e noções; ou então perdem sua congruência, os seus valores representativos são falseados, […]”. (FOUCAULT, 1972, p. 298). A histeria e hipocondria também remetem a figuras de loucura.

Torrente de Loucos, Portinari. Fonte: http://migre.me/wjJNP

Sobre a histeria, cita-se que é ardorosa por natureza, o que lhe confere uma associação mais imagética do que de enfermidade. A hipocondria está mais comumente associada a alucinações. Essas eram as figuras consideradas manifestações da loucura no séc. XVIII, às vésperas do século. XIX, onde por loucura, entendia-se a cegueira para os próprios excessos da sensibilidade (FOUCAULT, 1972, p.294).

No capítulo Médicos e Doentes, há uma reflexão sobre as doenças e curas durante o século XVIII e que a natureza era praticamente a responsável pela a cura dos males que importunavam os habitantes desse século passado. De acordo com o autor, as enfermidades que surgiram na idade média eram curadas com a panaceia (remédios extraídos da natureza), tudo que era preciso para estabelecer uma cura em qualquer indivíduo se extraia do meio ambiente.

Até mesmo o uso dos vegetais e dos sais logo era reinterpretado numa farmacopeia de estilo racionalista e colocado numa relação discursiva com as perturbações do organismo que se acredita poder curar. Logo, o que existe no mundo sendo mal haverá um antídoto para esse mal, porque ele não existe em estado simples; é sempre compensado: “Antigamente, a erva era boa para o louco e ruim para o carrasco” (FOUCAULT, 1972).

Um paciente e Asclépio entre Hermes e as Três Graças: Medicina, Panacéia e Higéia. Fonte: http://migre.me/wjOnj

Segundo Foucault, é muito estranho explicar essa loucura de medicamento, sendo que na era clássica encontravam-se fármacos em humanos e em minerais, mesmo contrariando a vontade da medicina da época que não aceitava o que a maioria dessas antíteses, instituídas todas pela loucura, não são de norma vegetal, mas de âmbito humano ou do reino mineral. “Fenômeno da alma e do corpo, estigma propriamente humano, nos limites do pecado, signo de uma decadência, mas igualmente lembrança da própria queda, a loucura só pode ser curada pelo homem e seu envoltório mortal de pecador.” (FOUCAULT, 1978, p. 333).

Nesse contexto, o autor afirma que os médicos do século XVIII protestaram contra a medicina de curandeiros, enquanto as técnicas aprendidas pelos doutores muitas vezes eram desprezadas, como veremos nessa citação em 1772, um médico de Lyon publica um texto significativo, L’Anarchie médicinale

A maior parte da medicina prática está nas mãos das pessoas nascidas fora do seio da arte; as curandeiras, as damas de misericórdia, os charlatães, os magos, os vendedores de roupa usada, os hospitaleiros, os monges, os religiosos, os droguistas, os ervatários, os cirurgiões, os farmacêuticos, tratam maior número de doentes e dão mais remédios do que os médicos (GILIBERT ,1772, p.3-4).

Para os médicos algumas das ideias terapêuticas que organizaram as curas da loucura eram a consolidação, a purificação, a imersão, a regulação do movimento. Uma vez que a loucura tanto pode ser paralisada abafada e fixação obstinada, quanto desorganização e fricção, a cura consiste em eclodir no doente um movimento que seja ao mesmo tempo regular e real, no sentido de que deverá obedecer às regras dos processos do mundo. Em visto disso, ao mesmo tempo em que é uma prática, toda cura é uma reflexão rápida sobre si mesma, sobre a doença e sobre a convivência que se estabelece entre uma e outra.

Casa de Loucos (1808/1812), Francisco de Goya. Fonte: http://migre.me/wjJWo

Que a loucura permeia a humanidade, suas nuances e performances provocando medos, misticismos, pavor e tentativa de dominação, isto é sabido. Estas configurações, entretanto, foram se modificando e assumindo novas roupagens durante o passar dos séculos. Para Foucault, o século XIV mostrou-se sensível à indefinição da loucura, acolhendo com certa indulgência (e por vezes grande curiosidade) os reveses da existência da loucura. 

Os séculos XIX e XX, ao contrário, trouxeram uma inquietação inquisitiva sobre a existência da loucura. Era preciso procurar arduamente a verdade final, a causalidade da loucura. Era preciso entendê-la, conhecê-la, revirá-la… para enfim, dominá-la. Na idade clássica, entretanto, a experiência da loucura foi rigidamente polarizada. Por um lado, tinha-se a consciência crítica e a consciência prática. Por outro, as formas de conhecimento e de reconhecimento (FOUCAULT, 1972).

Nesse ínterim,  conhecer então, esse percurso, é conhecer sobre a forma como enxergamos o louco e a loucura ao decorrer dos séculos, nos permitindo refletir sobre a estigmatização deste indivíduo e abrindo novas possibilidades de convivência e integração dele e de toda a simbologia que ele representa.

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

FOUCAULT, M. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1972/1978.

GILIBERT, J.E. L’Anarchie médicinale. Neufchâtel, 1772, II, p.3-4.

THOREAU, Henry David. A desobediência civil. Porto Alegre: L&PM, 1997.

VALLS, Álvaro L. M. O Que é Ética. Coleção Primeiros Passos: Editora Brasiliense, 1994.

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Batman v Superman: os heróis lidando com o trauma e a melancolia

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Em 2014, quando foi anunciado pela primeira vez o título oficial do filme Batman v Superman: A Origem da Justiça, previa-se um sucesso impactante na indústria de adaptações das histórias em quadrinhos. O filme é dirigido por Zack Snyder (de 300, Watchman e de seu antecessor Man of Steel) e chegou às telas do cinema mundial em março de 2016, tendo um elenco de peso com nomes como Ben Affleck, Henry Cavill, Gal Gadot e uma responsabilidade gigantesca quanto aos fãs de histórias em quadrinhos: retratar a Trindade Sagrada da DC Comics de um modo inovador e avassalador, além de apresentar a trama de toda uma sequência de filmes que se seguira até 2020.

No longa, Batman questiona a índole de Superman, e vê o Homem de Aço como uma ameaça a toda humanidade devido a seu poder demasiado grande; no meio do conflito dos dois heróis, o antagonista Lex Luthor manipula as peças para que tudo ocorra a seu favor e vontade. Com aproximadamente 151 minutos de duração em sua versão para as telonas, o filme ainda está em cartaz, por isso, se ainda não viu, corra para os cinemas, pois o texto contém Spoilers de alguns pontos cruciais para a trama.

A película foi um sucesso para muitos fãs e gerou polêmica nas mídias. A crítica ficou extremamente dividida entre ódio e amor profundo, notas boas ou extremamente ruins, mas esse texto não se trata de uma crítica e, sim, uma espécie de análise dos muitos pontos viáveis às mesmas que estão presentes no filme.

Superman

Ao analisar separadamente os protagonistas, destacar primeiramente o caso de Superman se faz necessário, levando-se em consideração o fato de Batman v Superman dar sequência a Man of Steel, filme que como mencionado antes também tem como diretor Snyder e busca nos recontar as origens do Homem de Aço. Para o entendimento completo da trama contada em Batman v Superman se faz necessário assistir Man of Steel.

Grande parte da humanidade admira Superman

Superman (Henry Cavill), ou para os mais fanáticos Kal-El, está a dezoito meses agindo como super-herói e vivendo sua vida dupla humana, usando a identidade do repórter Clark Kent, logo após a tentativa de invasão ao planeta Terra no filme anterior (Man of Steel). Ele voa por aí salvando vidas, apagando incêndios e tirando gatos de cima das árvores enquanto lá embaixo, em terra firme, o mundo lida com as consequências do salvamento do mundo, que com toda a certeza foi no mínimo conturbado – afinal, a cidade de Metrópoles foi praticamente dizimada por inteiro na luta entre Superman e Zod (o vilão de Man of Steel).

O Homem de Aço é uma figura controversa, em alguns momentos do filme ouvimos a frase: “Realmente precisamos do Superman? ”; A humanidade teme os poderes de Clark, teme sua capacidade e é aí que os conflitos se iniciam em sua mente. Ele se vê sozinho no universo, pois foi forçado a dizimar o que restava de sua espécie em detrimento do bem para a humanidade. Agora, sendo membro de uma raça em extinção, Clark se encontra em meio a um dilema entre seus poderes, a responsabilidade (ou a não responsabilidade) de usá-los para fazer o bem, a discordância quanto à ação do misterioso Morcego de Gotham e as pessoas que o rejeitam por medo dos ocorridos em Metrópoles – realmente não é todo dia que alguém destrói uma cidade com as próprias mãos.

Batman

As cenas iniciais de Batman v Superman nos mostram um velório, logo após isso vemos que uma criança está assistindo ao enterro dos pais – nesse momento decorre uma cena interessantíssima onde essa mesma criança cai em um buraco cheio de morcegos, guarde essa informação; em sequência há um salto no tempo e o espectador é lavado há alguns meses (dezoito meses) antes do tempo presente no filme, ali é possível observar a batalha ocorrida em Metrópoles por outra ótica.

Dessa vez o evento é mostrado pelos olhos das pessoas que estavam na cidade durante o embate, assistindo de perto a destruição causada pela luta entre Superman e Zod, e é nesse instante – cena que de certa forma chega a ser assustadora, pois da perspectiva de quem está nas ruas, os destruidores o fazem sem piedade – que nos é apresentado de fato o outro protagonista do filme, Bruce Wayne, o Batman (Ben Affleck). Bruce estava na cidade indo para uma das sedes de sua companhia, viu toda a destruição e o impacto negativo da salvação que o Homem de Aço estava trazendo.

Bruce durante a Batalha de Metrópoles

Bruce Wayne agiu em segredo por quase duas décadas como vigilante em Gotham no passado e para ele, mesmo Clark salvando o mundo, ele é o “miserável que trouxe a guerra a nós”. Bruce simplesmente não consegue confiar em Superman, pois para ele seu poder imensurável é instável e em sua mente ele tem o dever de combater esse ser que pode vir a se tornar uma ameaça. É nesse ponto que o filme se fundamenta, se enganando quem pensa que é uma luta injustificada, com muita computação gráfica e ação. Não, com toda certeza não: Batman v Superman retrata um conflito de ideais entre os protagonistas, conflito que visa colocar em xeque a opinião de quem está assistindo e percorre o filme de ponta a ponta.

Trauma e Melancolia

Para falar de fatos que marcariam a vida do Cavaleiro das Trevas é interessante analisar não só as cenas do filme, mas também olhar para a fonte de inspiração delas: as histórias em quadrinhos. Dependendo do autor ou no caso de filmes, o roteirista, existem diferenças tênues quanto ao passado de Bruce e a sua gênese como Batman. Porém, um fato é sempre recorrente: os pais dele morrem quando o mesmo era uma criança; Bruce a partir desse ponto passa a ser criado por seu mordomo Alfred, este que ocupa a função de mentor, guiando-o à medida que se desenvolve.

Bruce e Alfred 

Após a morte de seus genitores, ele fica obcecado por vingança. Com a ajuda desse novo mentor, treina durante o resto de sua infância e adolescência para poder combater o crime no futuro. Quando se torna adulto, começa então a agir como Batman, adota o símbolo do morcego, este se tratando de outro trauma – como dito anteriormente ele cai em uma espécie de buraco quando ainda era criança, lá é atacado por morcegos e esse episódio marca o jovem Bruce profundamente, fazendo-o levar esse medo consigo daí em diante.

Sigmund Freud, ao escrever sobre a melancolia, explica que ela

se caracteriza, em termos psíquicos, por um abatimento doloroso, uma cessação do interesse pelo mundo exterior, perda da capacidade de amar, inibição de toda atividade e diminuição da autoestima, que se expressa em recriminações e ofensas à própria pessoa e pode chegar a uma delirante expectativa de punição. (Freud, 1917)

Bruce Wayne do filme atuou como Batman secretamente por muitos anos e nos é mostrado como um sujeito melancólico e perturbado por todo o passado e as marcas em sua personalidade. Ele sofre de pesadelos com o túmulo dos pais, morcegos carnívoros gigantes, possíveis futuros apocalípticos como consequência da realização de suas paranoias, entre outras coisas que algumas vezes o fazem titubear na hora de pensar com clareza. Somando isso ao fato de ele rememorar constantemente a cena de seus pais morrendo – guarde essa informação também – tem-se como resultado um indivíduo que sofre psicologicamente com toda essa carga de conteúdos traumáticos em sua mente.

Um dos sonhos de Batman durante o filme, esse porém, tem um tom profético aos fãs

Agora tratando do Superman, em um panorama geral das mídias (quadrinhos e filmes), pode ser até uma surpresa para alguns, mas a história de Kal-El é tão pesarosa quanto a de Batman. Clark é o último filho de seu planeta, Krypton, que foi dizimado devido a um desastre natural. Antes de o planeta entrar em colapso seus pais o colocaram em uma espécie de espaçonave feita para viajar milhares de anos-luz, com o objetivo de chegar a Terra, onde foi achado por Jonathan e Martha Kent e batizado como Clark Kent. Aqui o jovem Clark cresceu, descobriu seus poderes e começa a agir como super-herói. Ele perde os pais terráqueos alguns anos depois; na versão mais recente das HQs em um acidente de carro e no filme Man of Steel, o Sr. Kent morre durante um tornado.

Momento da morte de Jonathan Kent, pai de Clark. Cena de “Man of Steel”

Em Bartman v Superman a origem dessa carga traumática na mente de Clark vem do filme anterior, pois ele foi forçado a dizimar os membros remanescentes de sua raça, em vista de que eles desejavam dominar o planeta e escravizar os humanos. A partir dali, quando a trama do filme atual se desenrola, ele se viu sozinho no Universo, mas ainda assim com um planeta inteiro de pessoas para ajudar, pessoas que passaram a depositar adoração messiânica nele, outras também que questionaram seus atos de boa-fé e o atacaram com palavras, chegando a despreza-lo e tentar o expulsar do planeta. O Superman desse filme é com toda a certeza o mais humano já retratado: ele sente angústia por ser injustiçado, sente raiva por falaram mal dele, sente amor por sua companheira Lois e por sua mãe de modo descomunal – e o que mais revoltou algumas pessoas – ele está sim sujeito a ser manipulado.

Clark e o vilão Zod, ao fim da Batalha de Metrópolis. Cena de Man of Steel

“Martha? Porque disse esse nome!?”

Bum, clímax do filme. O vilão Lex Luthor – não anteriormente citado, porém parte crucial da trama – capturou Martha Kent (Diane Lane) e atraiu Superman para sua armadilha, usando a vida de sua mãe como barganha. Lex força Clark a escolher entre a vida dela e a de Bruce Wayne. O tempo começa a correr para Clark, que só tem uma hora para resolver seu problema; em uma cena deletada do filme, que estará presente no Blu-ray estendido do mesmo, ele parte a procura de sua mãe antes do confronto e ouve todo o clamor, os gritos desesperados e qualquer possível sinal de crime ocorrendo na cidade naquele exato momento, porém o lado egoísta e humano pesa em sua escolha, o lado que faz com que decisões difíceis sejam tomadas e ele escolhe por confrontar Batman para assim salvar sua mãe.

Lex Luthor, subjugando Superman

Após uma tentativa de diálogo e os primeiros golpes desferidos por Batman, a luta se inicia e sem muita descrição sobre a mesma, Clark se contém durante a luta. Para não matar seu adversário que é um humano, Batman se utiliza de gás feito com Kryptonita, um mineral Kryptoniano nocivo para os seres do mundo de Clark e derrota seu adversário se aproveitando desta fraqueza. Do mesmo pedaço de mineral que usou para fazer o gás Bruce fez uma lança, único objeto capaz de matar Superman naquele momento.

Eis que nesse instante surge a frase que dividiu a opinião dos espectadores: “Salve a Martha”. Nesse momento Bruce hesita e começa a questionar sobre o que Clark queria dizer e o porquê de ter dito aquele nome. Lois chega e explica tudo a Bruce que em um lampejo de consciência entende a loucura que era essa briga entre os dois; entende que o real inimigo está lá fora. Eles unem forças para combater o verdadeiro mal por trás de tudo.

“Salve a Martha…”

Então o espectador se pergunta: é isso? Um diz o nome da mãe do outro e fica tudo na paz? – Bom, na verdade as coisas vão um pouco além disso. Se voltarmos na história de Batman, veremos que há algo em comum nos dois heróis, pois o nome da mãe de Bruce também é Martha – (Risos) Ah, melhor ainda? As mães deles têm o mesmo nome e a coisa se resolve assim, fácil? – Não exatamente, de novo.

Tente pensar como Bruce Wayne por um instante: Você é um homem que cresceu assombrado pelos fantasmas de seu passado, vive completamente atormentado pela morte de seus pais, e um estranho de repente fala um nome familiar, que você tem evitado por anos, um nome que relembra todo o seu sofrimento, te faz reviver toda a dor e o trauma de ver seus pais morrerem em sua frente. Até o mais sombrio dos heróis hesitou nessa hora e com uma solução aparentemente simples, mas com uma profundidade e um apelo sentimental tão grandes é que o antagonismo dos dois heróis tem seu desfecho.

Após outros diálogos e a aparição da Mulher Maravilha (Gal Gadot), um dos protagonistas tem sua trama concluída de certa forma ali. E baseado no famoso arco de histórias, “A Morte do Superman”, a terceira e última parte do filme se inicia. Após uma luta exaustiva entre a Trindade e o monstro Doomsday, o fim chega para Superman, que como nas HQs se sacrifica para derrotar o vilão indestrutível – mais uma pequena referência a toda a coisa messiânica que envolve o Homem de Aço.

O sacrifício final. Cena retirada de “A Morte do Superman”, por Dan Jurgens

Em conclusão, para Superman, o conceito de melancolia que melhor se aplicaria é o da filósofa brasileira Marcia Tiburi. Ela que trata da Melancolia como sinônimo de criação. A partir de um episódio melancólico desencadeado por todos os acontecimentos de sua vida até aquele momento, Clark vê iniciar-se um processo de destruição para que depois haja a criação. O filme se encaminha para o fim com Superman se entregando a destruição, após todo o desenrolar de fatos da película. É possível ver o ser inseguro, frágil e indócil, partir em direção a criatura que seria seu fim, para que um novo começo pudesse existir e no lugar dele, o Superman que todos conhecem – o estereótipo de herói, bondoso, certo de si e imparável – pudesse nascer das cinzas de um antigo eu.

REFERÊNCIAS:

FREUD, Sigmund, 1917. Luto e Melancolia. p.172-173.

TIBURI, Marcia, 2008. Saber e Sofrer. Disponível em <http://www.marciatiburi.com.br/textos/saberesofrer.htm>

Café Filosófico: Tristeza, por Márcia Tiburi. Programa disponível em <http://www.cpflcultura.com.br/wp/2013/07/29/tristeza-marcia-tiburi/ > – Acessado em 08/01/2015;

FICHA TÉCNICA DO FILME:

BATMAN VS SUPERMAN: A ORIGEM DA JUSTIÇA

Direção: Zack Snyder
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Jesse Eisenberg, Gal Gadot;
Ano: 2016
País: EUA
Classificação: 12

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Márcia Tiburi – A melancolia é uma das genitoras da sabedoria

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A maior sabedoria é ter o presente como objeto maior da vida, pois ele é a única realidade, tudo o mais é imaginação. Mas poderíamos também considerar isso nossa maior maluquice, pois aquilo que existe só por um instante e some como sonho não merece um esforço sério – Schopenhauer

Uma das palestras mais marcantes da filósofa gaúcha Márcia Tiburi para o programa Café Filosófico, da CPFL Cultura (transmitido pela TV Cultura), é sobre a tristeza. Definida no dicionário Houaiss como um “estado afetivo caracterizado pela falta de alegria, pela melancolia”, a tristeza é “dissecada” por Tiburi, que faz uma ampla “viagem” pela filosofia para situar este fenômeno que parece ser algo fruto das dinâmicas contemporâneas, mas que já era alvo de análise por parte dos antigos gregos – como Heráclito (535 aEC a 475 aEC), Demócrito (460 aEC a 370 aEC) e Aristóteles (384 aEC a 322 aEC). Esta remota abordagem influenciou (e ainda influencia) vários pensadores ocidentais, de diferentes momentos históricos, a exemplo DescartesShakespeare, Benjamin, Schopenhauer e Nietzsche, só para citar alguns. Estes dois últimos, inclusive, são conhecidos por traços de melancolia impressos não apenas nas obras, mas nas suas próprias vidas.

Márcia Tiburi lembra que a tristeza pode ser decorrente da contingência humana, naquele período mesmo em que o homem (mulher) se vê submetido ao presente e, já “no momento seguinte, está impossibilitado de retornar a este mesmo presente”. O melancólico, portanto, é aquele ser entristecido por perceber a frugalidade nas variações do tempo, cujos instantes, antes de serem “tocados”, já passam a compor uma representação da memória. Isto causa uma constante sensação de “finitude”, uma percepção de abandono, “num total vazio de sentido”.

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De acordo com a filósofa gaúcha, que também é professora do programa de pós-graduação da Universidade Mackenzie (SP), há um núcleo atemporal para o conceito de tristeza. “Enquanto sentimento de abatimento, de pesar, de dificuldade com a vida e que nos prostra, a tristeza vai estar sempre acompanhada do luto”. Mas é sob o viés da melancolia que Tiburi se debruça, sem, com isso, deixar de traçar um paralelo com a depressão e com os processos criativos, a arte propriamente dita.

Para a filósofa, “a tristeza começa a se tornar algo suportável na medida em que aprendemos que ela pertence/permeia a todos, que ela não diz respeito apenas à vivência pessoal (ontogenética, termo que o Freud usa bastante)”. No entanto, lembra Tiburi, para o processo de entendimento ocorrer de forma mais “suave”, há de se ater ao alerta de Heráclito para a impossibilidade de “reviver” um dado espaço de tempo, afinal “nunca se pode tomar banho duas vezes na mesma água e no mesmo rio”. Lidar com essa submissão e também impotência em relação ao presente requer maestria, para que a vida não se transforme num eterno “anticlímax”, onde o que resta é apenas a experiência da dor, com o caráter passageiro e transitório da existência.

“[Tal percepção de impermanência] pode causar uma vertigem, uma sensação de que a pessoa não está em lugar nenhum”, nem no passado, nem no presente, e muito menos no futuro. Márcia Tiburi vai além e diz que, no fundo,

“ficar triste, neste contexto, é justamente se deparar com a dor de morrer, de não existir mais daqui a pouco. E de morrer a conta gotas, a cada momento, a cada instante…”. (TIBURI, 2013 – CPFL)

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Tiburi lembra que, na visão de outro filósofo, desta vez Demócrito, “rir também é uma maneira de chorar”. Haveria a relação de codependência entre o trágico e o cômico. Demócrito foi fruto de investigação do padre Antônio Vieira, cujo livro “As Lágrimas de Heráclito” aponta para o riso como uma “maneira de chorar das mais absurdas”. Tiburi prossegue ao dizer que isso ocorre

quando extrapolamos a possibilidade de chorar, quando já não têm mais lágrimas, quando não se pode fazer mais nada, quando a dor nos secou de tal maneira que só sobra mesmo um riso. E este riso não é do gozo, cômico, mas um riso que ultrapassa até mesmo o escárnio, e atinge a condição de sabedoria em relação à nossa miséria. (TIBURI, 2013 – CPFL)

Desta forma, Demócrito ri pelo mesmo motivo do qual chora Heráclito: “somos entes miseráveis dentro do nosso tempo”. Os seres humanos, no entanto e de maneira geral, estão totalmente alheios a esta condição. O que sobra disso tudo? “Sobra rir. E, neste aspecto, rir da secura, por não ter nem mais lágrimas para chorar”.

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Aristóteles

É Aristóteles, de acordo Tiburi, que faz uma abordagem mais ampla para explicar este tipo de sentimento, “uma espécie de aprofundamento extremo dentro da sensação da dor”, como se o indivíduo estivesse prestes a cair num abismo. Para o estagirita, apenas quem vive profundamente tanto a dor quanto a alegria, ciente de sua efemeridade e transitoriedade, é apto a ser caracterizado como o suprassumo da humanidade, o “ser filósofo, homem de exceção, que é aquela pessoa que vive na oscilação entre sentir-se tudo e sentir-se nada”, discorre Tiburi, ao destacar que Aristóteles apontava a melancolia e a tragédia como uma alternativa para transcender a mesmice.

“O homem se sente tudo e nada, justamente porque ele está à flor da pele com a sua existência. Então ele vai experimentar o mais nobre dos sentimentos, que é o sentimento relacionado ao trágico, na teoria do Aristóteles, e também sem esquecer-se da sensação de ‘falta de chão’, onde se agrega a ideia do ‘cômico” (TIBURI, 2013 – CPFL).

Desta forma, o homem de exceção é aquele que desenvolve a relação entre o rés-do-chão (o solo, o térreo) e as alturas. “O filósofo, então, é especialista (mas também condenado) a viver este tipo de sentimento […]”. E por filósofo tomemos a definição bem mais abrangente dada por Heidegger. A tristeza, neste ínterim, acaba por se transformar num movimento de resignificação (ou de transvaloração), cuja compreensão só é possível através do esvaziamento (da negação do ego, como pregam algumas abordagens orientais), para à frente acercar-se da “própria condição insipiente da existência (uma das representações da comédia)”. É daí, do bojo destas inquietações, diz Márcia Tiburi, que pode surgir um homem disposto à criação.

Fonte: http://fc04.deviantart.net/fs40/i/2009/017/b/0/When_My_Sadness_Born_by_j3ff3rson.jpg

Medievo

Isso tudo, na teoria de Aristóteles, vai reverberar, tempos depois, nas ideias defendidas pelos filósofos medievais, onde a tristeza é apresentada de dois modos.

“De um lado, encaram-na como pecado, porque se sente triste aquele ser humano que abandonou Deus. Então a tristeza passou a ser algo proibido pela igreja; por outro lado, para os monges/ascetas, ela é uma virtude, já que ela nos faz voltarmos para dentro de nós mesmos, e procurar então uma compreensão da nossa própria interioridade” (TIBURI, 2013 – CPFL).

Nesta acepção aparentemente contraditória, a tristeza pode ser um veículo

“que nos leva a um conhecimento verdadeiro, que naquela época não se referia ao conhecimento do mundo, e sim à aproximação com Deus, do qual o mundo só podia ser uma manifestação” (TIBURI, 2013 – CPFL).

Bem mais tarde Goethe vai dizer que a melancolia é uma doença do pensamento. Então, os filósofos e intelectuais de toda ordem, “que são pensadores e que gastam o seu tempo elaborando conceitos, como diria o Hegel, eles sofrem de uma doença do pensar”. De acordo com Tiburi, quando Freud escreve o artigo “Luto e Melancolia”, vai levantar justamente a mesma questão do Goethe: “como alguém pode ficar doente de tanto pensar?”. No entanto, lembra a filósofa, a visão de Aristóteles parece ser a mais equânime. Afinal, defende, antes de ser uma patologia, a melancolia “é uma determinada relação com a própria existência”. Assim, ao mesmo tempo em que o sujeito pode pensar em se livrar dela [da tristeza/melancolia] – seja pelo uso de medicamentos, pelo consumo de álcool ou outras drogas, ou fazendo alguma coisa que altere o estado de humor – “ele pode simplesmente acostumar-se a ela e, quem sabe, desta ‘relação’ surjam coisas boas”. “É compreender como a vida se dá, e ir criando dentro dela as saídas necessárias”, pontua Tiburi, ao lembrar a relação desta maneira de ver o mundo com a abordagem nietzschiana do “amor fati”, cuja investida só pode ser abraçada por “um espírito superior”, capaz de perceber a vida em todas as suas nuances.

Desta forma,

O trágico é aquele que levanta a cabeça acima das demais pessoas e tem a coragem de observar, de ‘cima’, o que está acontecendo. [Trata-se de alguém] que aprende a conhecer os mecanismos da sociedade na qual ele vive, e desenvolve um significado mais próprio, mais original para a reflexão (TIBURI, 2013 – CPFL).

Fonte: http://detechter.com/wp-content/uploads/2013/09/sadness.jpg

Depressão

De acordo com Márcia Tiburi, a grande diferença que há entre a depressão e a melancolia, “é que na primeira a pessoa fica abatida, submetida a grande tristeza, cujo desenrolar pode levar ao suicídio”. Na depressão não haveria qualquer possibilidade de se criar um elo e/ou laço com o mundo (um exemplo citado pela filósofa é Hamlet, de Shakespeare, que acaba morrendo no final da peça); Já “na melancolia há a ideia de que é possível reconstituir o campo da representação, da criação, seja na obra de arte, seja na escrita (literatura)”. No entanto, associar a melancolia à escrita só é possível se esta [escrita] “brotar de dentro da própria melancolia […]. Eu só posso construir a minha obra em cima daquilo que em mim é mais doloroso e mais profundo”.

O segredo para “beneficiar-se da tristeza”, alerta Tiburi, é reconhecer-se como a metamorfose ambulante de que fala Raul Seixas.

“O melancólico, então, assume a vida porque ele assume a tragédia. Quem não assume a vida é o deprimido. Este último foge da responsabilidade do que a noção da consciência revela”. (TIBURI, 2013 – CPFL)

O melancólico, no entanto, vai perceber que pode haver uma aceitação daquilo que está dado, “mesmo que isso que foi dado seja um absurdo”.

Já que o jogo é esse [o jogo da vida], vamos aproveitar e rir disso tudo. Esse riso, no entanto, tem duas facetas, pois é o riso de alguém que percebe a limitação da existência, mas reconhece nela a única experiência possível, naquele momento (TIBURI, 2013 – CPFL).

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A melancolia, por fim, pode proporcionar ao ente um vislumbre da transitoriedade e da artificialidade da vida. Se, no fundo, tal vida se resume ao efêmero, ela não deixa de ser majestosa, já que o efêmero “é a própria beleza, como diria Benjamin”. E o melancólico é aquele que tem a oportunidade de perceber toda esta grandiosidade. É alguém que, pela dor e pela recusa do convencional, está apto a acessar as diretivas da sabedoria. Esta certamente é uma nova maneira de se encarar a introspecção. Que se mude, então, a visão geral e enviesada acerca da melancolia.

 

Referências:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011;

O Livro da Filosofia(Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011;

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001;

RACHELS, James. Os elementos da filosofia da moral. 4. ed. São Paulo, SP: Editora Manole, 2006;

Café Filosófico: Tristeza, por Márcia Tiburi. Programa disponível em <http://www.cpflcultura.com.br/wp/2013/07/29/tristeza-marcia-tiburi/ > – Acessado em 08/01/2015;

Minibiografia de Márcia Tiburi. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rcia_Tiburi > – Acessado em 10/01/2015;

Definição de “tristeza”de acordo com o dicionário Houaiss. Disponível em <http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=tristeza > – Acesso com senha em 11/01/2015;

PEREZ, Daniel Omar. Amor e a procura de si. Disponível na Revista Filosofia Ciência & Vida – Ano VIII, no 99, de outubro/2014.

NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.

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