Professor Marston e as Mulheres Maravilhas: a verdadeira história por trás da heroína

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A mulher maravilha tem sim uma identidade. Porque deve ocultar seu verdadeiro eu do mundo dos homens. William Marston

A Mulher Maravilha ou Wonder Woman como é conhecida originalmente, é uma super-heroína de origem grego-romana, sendo publicadas suas histórias e aventuras desde a Era de Ouro dos quadrinhos pela editora Dc Comics, junto de uma gama de super-heróis como Batman, Superman, Flash, entre outros. Para proteger sua identidade secreta a amazona e guerreira utiliza o codinome de Diana Prince entre os humanos. Pois, depois que o piloto da Força Aérea Americana Steve Trevor caiu na ilha sagrada das amazonas, Diana começa a ficar curiosa e a pensar que existe muito mais em seu propósito do que sua Mãe, a Rainha Hipólita, havia mencionado. Assim, ela decidiu ir junto com o soldado para o mundo dos humanos, lutar por paz e justiça.

Fonte: https://bit.ly/2MZeQEW

Dessa forma é contada a história de uma das maiores heroínas de quadrinhos e do cinema que já existiu em todos os tempos, embora que, por trás de um grande herói sempre há algo a mais. No caso de nossa Mulher maravilha, existe um ingrediente secreto a se acrescentar. Visto que, sua narrativa cativa e remete a temas além do que as outras super-heroínas vinham tratando, como feminismo, autonomia para as mulheres, liberdade de expressão e sexual. Poucos sabem a verdade por trás de suas aventuras e isso se deve ao fato de existir um ponto a mais a se acrescentar em sua gênese, uma história de amor que para se consolidar, teve que enfrentar muitos outros desafios na época.

A Mulher Maravilha foi criada na década de 1940 pelo psicólogo e professor William Moulton Marston; ele preferiu esconder sua identidade por motivos pessoais e assinava os quadrinhos como Charles Moulton. O autor era um estudioso que buscava difundir sua teoria DISC, que traduzida do inglês significava: dominação, indução, submissão e conformidade, sendo interpretadas que as relações humanas se dividem na interação dessas quatros categorias de emoção. Casado com uma mulher também estudiosa, independente e de uma intelectualidade bastante invejada, Elisabeth Holloway Marston, que ao lado de seu marido, descobriu que a pressão arterial sistólica aumentava na medida em que a pessoa mentia sobre algo, assim descobriram o famoso polígrafo. Sua mulher não apenas o ajudava com suas ideias e conceitos, mas tentava se destacar em um tempo em que as mulheres lutavam pelos seus direitos. Elisabeth não apenas serviu de inspiração para a Mulher Maravilha, como também a fez existir com sua personalidade forte e força de vontade.

Fonte: https://bit.ly/2WNlqTL

Outra figura importante a ser citada para entendermos melhor a personalidade da Wonder Woman, foi Olive Byrne, uma estudante que se encantou com as mentes brilhantes dos Marston; Olive era filha de Ethel Byrne e sobrinha de Margaret Sanger, duas ativistas que lutavam pelos direitos das mulheres naquele tempo.

O casamento entre os dois ia indo “normalmente”, até que Olive entra na vida dos dois. William logo se interessa pela jovem e espirituosa mulher, quando menciona isso a sua esposa, ela o encoraja a seguir seus instintos, porém sente ciúmes de forma contida pelo marido e acaba tentando afastar a moça deles. Até que percebe que a jovem também se apaixona por ela. Logo os três decidem arriscar-se num relacionamento poliamoroso, que para os padrões do período não era visto com bons olhos, porém apimentado com exploração dos prazeres sexuais de todos, inclusive Bondage. Eles passam a viver juntos na mesma casa e para proteger sua nova família, assumem uma identidade diferente do que realmente vivem.

Não reprimindo completamente suas vidas fora dos muros de casa, William continua pesquisando e atualizando suas teorias e ligando todas as peças do quebra-cabeça de suas vidas. Até que ele percebe a personificação da heroína e maior ícone feminista dos quadrinhos dentro de seu lar. Ele encontra a mulher maravilha em suas próprias mulheres maravilhas. Elisabeth é a personalidade dela, uma mulher guerreira, autônoma que trabalha para sustentar a família, objetiva, uma secretária (identidade secreta) inteligente, que usa um laço da verdade e da justiça (polígrafo). Já Olive era a alma e o corpo da super-heroína, ela usava constantemente braceletes que desviavam balas, tinha muita bondade, sensível, acreditava na paz e na justiça.

Fonte: https://bit.ly/2WSFmod

Com as histórias da personagem,  Marston defendia os direitos das mulheres, a luta pelo sufrágio feminino, como também a independência intelectual, de trabalho para elas e soberania na expressão sexual de seus corpos. Via nela a oportunidade de mostrar a força e poder das mulheres, dentro e fora da sociedade, o que provavelmente não deixou muito feliz muitos segmentos da sociedade, que logo censuravam suas aventuras.

William, Elisabeth e Olive eram pessoas extraordinárias, que se amavam e não tinham uma vida convencional como muitos almejavam, mesmo que essa história tivesse acontecido décadas depois ou até nos dias atuais, não significa que também seriam aceitos. Professor Marston e as Mulheres Maravilhas é um filme que proporciona essa reflexão: será que estamos prontos para aceitar os outros como realmente são? Mesmo em nome do amor, tudo realmente é possível? Sendo sim ou não, podemos admitir que agora vamos ver nossa super-heroína com olhos ainda mais aguçados, seja pela sua verdadeira história, seja pelas histórias que ela ainda irá contar.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

PROFESSOR MARSTON E AS MULHERES MARAVILHA

Título original: Professor Marston & The Wonder Women
Direção: 
Angela Robinson
 Elenco: Bella Heathcote, Rebecca Hall, Luke Evans, Connie Britton;
País: Estados Unidos
Ano: 2017
Gênero: 
Drama, biografia

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Mulher Maravilha: um novo paradigma para a mulher moderna

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O filme Mulher Maravilha se inicia mostrando o mundo das Amazonas, na ilha de Themyscira, e como são criadas para serem guerreiras imbatíveis. Conhecemos a rainha Hipólita e sua pequena filha Diana, que se tornará a heroína da história. A Rainha narra a filha – que deseja se tornar uma guerreira – que as Amazonas foram criadas por Zeus para proteger os humanos contra a ira de Ares (deus da Guerra).

Na Mitologia Grega, as Amazonas eram integrantes de uma sociedade de mulheres guerreiras, que não permitiam a entrada dos homens e nem se casavam. Eram independente e lutavam com os homens que tentavam domina-las. Em algumas versões, elas eram proibidas de ter relações sexuais com os homens e esses eram proibidos de viver na comunidade amazona. Mas em outras versões- para preservar a raça–elas tinham relações sexuais com estrangeiros. Os meninos que nasciam destas relações eram, ou mortos, ou enviados ao pai; as meninas eram criadas pelas mães e treinadas em práticas agrícolas, e nas artes da guerra.

As amazonas aparecem em diversos mitos. Um dos mais famosos é um dos 12 trabalhos de Hércules, onde ele precisa roubar o cinturão da Rainha Hipólita. Nessa jornada, seu amigo Teseu sequestrou a irmã de Hipólita, Antíope, e essa morre em batalha contra suas compatriotas. Em vingança, por tentarem roubar o cinturão de Hipólita e por terem levado Antíope como refém, as Amazonas entram em guerra contra os gregos.

Na Mitologia, Hipólita e Antíope são filhas de Ares com a rainha Amazona Otrera. No filme, as irmãs, estão em guerra contra Ares, ou seja, elas estão em guerra com o Pai, por haverem sido reprimidas e esquecidas em uma ilha (no filme escondida por Zeus). O filme apresenta uma visão diferente da cultura patriarcal em relação ao mal. O mal entrou no mundo pelo masculino, em contraste com a cultura judaico – cristã, onde o mal entrou pela mulher. Essa talvez seja uma reação contrária a unilateralidade do patriarcado.

Contudo, no filme o mal também está presente na humanidade. O ser humano é um mosaico de opostos. Luz e sombra convivem em cada alma, e essa guerra interna é a marca do homem ocidental. A princesa Diana nasceu nessa ilha e foi treinada para ser uma guerreira desde criança. Diana é a grande heroína da história e traz uma imagem de feminino bastante valorizada nos dias atuais: o da mulher guerreira e independente.

As mulheres modernas se identificam com esse papel de guerreira e são treinadas desde novinhas a assumi-lo. Hoje a mulher tem sua carreira, cuida da casa, dos filhos e de si própria e cada vez mais desconfia do amor e do relacionamento. Mas ela também é a heroína, ou seja, ela irá restaurar a situação saudável da Psique (Von Franz, 2005).

O filme apresenta dois mundos bem distintos: o das Amazonas, escondido, matriarcal e com um ódio terrível dos homens e o dos humanos, em guerra e estritamente patriarcal. Diana tem como missão unir esses mundos. As Amazonas eram estritamente matriarcais, adoravam a deusa Ártemis – senhora da natureza e vida selvagem -, cultuavam a terra e eram agrícolas.

Como afirma Neumann (1995), o desenvolvimento da psicologia feminina no patriarcado está em oposição a Grande Mãe. Mas ele não deve levar a violentação da natureza feminina através do masculino, nem o feminino deve perder o contato com o Self feminino. O “aprisionamento no patriarcado” representa uma derrota diante da estabilidade matriarcal feminina, por isso a oposição das forças matriarcais forma uma oposição ao aprisionamento do feminino no patriarcado. Podemos ver a ação dessas forças de oposição nas Amazonas e seu ódio aos homens.

Essa força opositora pode parecer regressiva, mas existe nela um elemento positivo no desenvolvimento feminino. Diana é impulsionada por essa “regressão”. O ódio impulsionado pela sombra feminina leva a heroína a uma ampliação da personalidade. Seu nome vem da deusa romana equivalente a Ártemis. Deusa da Lua e da caça, Diana era uma caçadora vigorosa e indiferente ao amor. Portanto, vemos o desenvolvimento provindo do aspecto feminino do Self em uma ação “regressiva”.

Diana observa um avião das forças armadas caindo na ilha e resgata o capitão Steve Trevor. A ilha logo é invadida pelo grupo de alemães que o perseguia. Conhecendo Steve, Diana coloca em movimento as forças masculinas de sua natureza. Ela sai armada de uma espada com ele e passa a percorrer um caminho que se opõe a Grande Mãe. Com ele, Diana vai colocar em movimento as forças masculinas positivas, para então se apaixonar e abandonar toda a inflação que essas forças provocaram em si.

Diana como um ego ideal, mostra como o ego feminino empresta a força masculina positiva para então sucumbir (do ponto de vista do patriarcado) ao amor, assim como Psiquê no mito “fracassa” movida por amor a Eros. A heroína parte rumo ao encontro com Ares para mata-lo e acabar com a guerra, que está destruindo a humanidade. Nesse embate Diana irá se confrontar com o aspecto paterno terrível.

No processo de desenvolvimento psíquico, o confronto com os aspectos terríveis da uroboros materna e paterna são decisivos para a estruturação da personalidade. Diana usa a espada nesse confronto, ou seja, ela ainda se apropria dos aspectos masculinos da personalidade nesse embate. Mas ela realmente se descobre e atinge a realização ao abrir mão da espada.

Steve se sacrifica pilotando um bombardeiro. Ao presenciar a morte do amado – que se sacrifica pela humanidade – Diana acessa o amor e a compaixão, todos aspectos da coniuctio superior, que na alquimia é o objetivo máximo da opus e do processo de individuação (Edinger, 2006). Com esse confronto e com esse amor ela se descobre deusa e imortal, bem como descobre sua missão. Edinger (2006) comenta que a coniuctio superior, o Si – mesmo une e reconcilia os opostos, com isso o ego humano faz com que o Si – mesmo se manifeste. Mas esse sustentar os opostos equivale a uma paralisia que chega às raias de uma verdadeira crucificação.

Jung (1997) sobre a coniuctio diz:“(…) E uma imagem daquele que ama alguém e seu coração é ferido de amor. Assim Cristo foi ferido na Cruz pelo amor à Igreja. ” Ele cita Santo Agostinho: “Cristo caminha em frente como o esposo ao deixar seu aposento; como o presságio das núpcias, sai para o campo do mundo…chega ao leito nupcial da cruz e lá estabeleceu a união conjugal…e entregou-se em castigo no lugar da esposa…e uniu a si sua mulher por direito eterno. ”

Portanto, em Mulher Maravilha, vemos retratado simbolicamente o desenvolvimento feminino rumo a realização máxima do processo de individuação, que ocorre por meio do amor. Diana suporta o sofrimento em si própria e integra os aspectos positivos e negativos de forças arquetípicas. Ela une Logos e Eros em si e se torna um símbolo que pode espelhar o desenvolvimento da mulher moderna em seu processo de individuação.

REFERÊNCIAS: 

EDINGER, E.F. Anatomia da psique:O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. O Desenvolvimento da Personalidade. Ed Vozes. Petrópolis, 1988.

JUNG, C.G. MysteriumConiuctionis. ed.Vozes. Petrópolis: 1997.

NEUMANN, E. Amor e Psique – Uma interpretação psicológica do conto de Apuléio. São Paulo, Cultrix: 1995.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed.Paulus. São Paulo: 2005.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

MULHER MARAVILHA

Diretor: Patty Jenkins
Elenco: Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright;
País: EUA
Ano: 2017
Classificação: 12

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Mulher Maravilha: uma análise feminista

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“O filme Mulher-Maravilha já soma US$ 294 milhões nos EUA – passando a bilheteria de ‘O Homem de Aço‘ (US$ 291 milhões). Especialistas de bilheterias da Forbes divulgaram um relatório afirmando que ‘Mulher-Maravilha‘ deve encerrar sua jornada nos EUA com sensacionais US$ 350 milhões. Se a projeção se confirmar, o filme terá a maior bilheteria do Universo Cinematográfico da DC nos Estados Unidos, passando também ‘Batman vs Superman: A Origem da Justiça‘ (US$ 330 milhões) e ‘Esquadrão Suicida‘ (US$ 325 milhões). ”

Diana de Temiscira, filha de Hipólita e Zeus, a própria matadora de deuses, mais conhecida como Mulher Maravilha, interpretada pela atriz Gal Gadot (que diga-se de passagem faz uma atuação digna de aplausos), o filme Mulher Maravilha está aí para mostrar nas telonas o poder que a mulher pode ter.

“As Amazonas, de acordo com a Mitologia Grega, segundo as lendas, eram guerreiras de grande habilidade que viviam em comunidades exclusivamente femininas, arranjando parceiros uma vez por ano para se procriarem – e os matando após a fecundação. O mito também afirma que essas mulheres combatentes chegavam ao extremo de arrancar um dos próprios seios para se tornarem melhores arqueiras.”

Na Ilha de Temiscira viviam apenas mulheres (as Amazonas). Mulheres fortes, guerreiras e audaciosas. Não havendo aqui a cultura do patriarcado e nem do machismo, consequentemente, as Amazonas não se tornaram submissas à homens e não faz parte da forma de ser/comportar-se delas calarem-se para que o homem possa falar ou esperar pela permissão masculina para realizar algo. Isso pode ser observado na cena em que Diana adentra um conselho no qual apenas homens são permitidos, causando espanto a todos eles. O que é interessante de perceber é a estranheza sentida por ela, diante da indignação dos homens por ela estar no recinto, expressada nitidamente no seu olhar de “ não estou entendendo”, direcionado a eles.

Além disso, durante todo o filme é nítido o poder de decisão que Diana possui, não há se quer um momento do live-action em que ela deixou que os homens que a acompanhavam decidissem algo no seu lugar. No entanto, isso não a impediu de apaixonar-se por Steve Trevor (interpretado por Crhis Pine), seu companheiro durante toda a trama. Diana e Steve, apesar de possuírem gênios fortes, entenderam que ambos tinham seus potenciais e que precisavam respeitar a individualidade um do outro. Em suma, Steve não se impôs como macho-alfa a fim de subjugar Diana, mas sim percebeu a força feminina que ela possuía e apaixonou-se por ela.

O filme traz uma interpretação feminina maravilhosa, carregada de empoderamento. Vale a pena cada minuto, do início ao fim.

REFERÊNCIAS:

Mulher Maravilha: Patty Jenkins torna-se a mulher a arrecadar mais em bilheteria de um live-action. Disponível em:<http://cinepop.com.br/mulher-maravilha-patty-jenkins-torna-se-a-mulher-a-arrecadar-mais-em-bilheteria-de-um-live-action-147397>

Mulheres Guerreiras: as mitológicas Amazonas realmente existiram?. Disponível em:<http://www.megacurioso.com.br/mito-ou-verdade/45470-mulheres-guerreiras-as-mitologicas-amazonas-realmente-existiram.htm>

Mulher Maravilha: depois dos créditos (crítica). Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=88pzARZfcRI>

FICHA TÉCNICA DO FILME

MULHER MARAVILHA

Diretor: Patty Jenkins
Elenco: Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright;
País: EUA
Ano: 2017
Classificação: 12

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Mulher Maravilha e os Dons Quixotes

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Estava lendo uma discussão na internet, sobre o trailer do filme da Mulher Maravilha. Algumas pessoas reclamando que a personagem tinha as axilas depiladas! Sério. Pessoas reclamando de axilas depiladas. Em um filme. De super-herói, de fantasia!! Claro, a problematização nem foi tão grande, a mídia deu um tamanho maior para a bobagem do que ela realmente tinha.

Fonte: http://zip.net/bgtHPKCopiar

Hoje em dia, meia dúzia falando uma bobagem ganha mais espaço na mídia do que realmente merece (o que mostra como a mídia tem nos visto, mas isso é tema para outro post). Mas é impressionante como essa época gerou pessoas com a capacidade de escalar para cima situações simples. Algumas pessoas se sentem no dever de proteger os “inferiores”, quer social ou culturalmente. Classificam tudo e todos, esquecendo que tudo e todos são também classificáveis. Pessoas com uma necessidade imensa de lutar uma batalha válida, acabam se tornando Dons Quixotes, lutando contra nada e perdendo tempo em seus próprios melhoramentos.

Fonte: http://zip.net/bhtHXX

Mais importante que ter razão, que se achar no dever de proteger “os oprimidos, os desvalidos, os excluídos”, seria entender a si mesmo, entender o espaço que ocupa no planeta, sua própria utilidade e capacidades. De posse disso, a pessoa poderia realmente fazer alguma diferença. Sem isso, tudo é ataque, tudo é crítica, tudo é opressão. E, dentro desse sistema que faz a pessoa se sentir culta, sem ter realmente a cultura necessária, vemos figuras semicômicas e tristes reclamando de sovaco de super-herói.

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Willian Marston e Mulher Maravilha: o pioneiro e a heroína

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Super-heróis são na verdade apenas uma personificação de quem acreditamos ser: Pioneiros e Heróis.
Lynda Carter

O mês de junho tem sido aguardado ansiosamente pelos fãs da super-heroína da DC Comics, Mulher Maravilha, que ganhará seu primeiro filme solo após a participação em “Batman Vs Superman – A Origem da Justiça”, na pele da atriz israelense Gal Gadot. A personagem, que tem origem nas histórias em quadrinhos da editora americana All-star Comics, atualmente é um ícone da cultura pop. Considerada a maior referência feminina das HQ’s, em 2016 foi nomeada embaixadora honorária da ONU. Mas nem sempre tudo foi tão maravilhoso.

Fonte: http://zip.net/bktDRL
Fonte: http://zip.net/bktDRL

Os super-heróis foram criados por jovens artistas norte-americanos em meio à Grande Depressão, retratados em histórias em quadrinhos descartáveis que poderiam ser compradas por centavos em bancas e farmácias. Apesar da incrível popularização das estórias de super-heróis, os escritores e cartunistas que hoje são venerados pelos fãs do gênero, não eram bem vistos pela sociedade ou considerados artistas genuínos, por isso muitos criaram pseudônimos para usar em suas obras (SUPERHEROES: A NEVER-ENDING BATLLE, 2013).

Na primeira frase de seu artigo “A Surpreendente História de Origem da Mulher Maravilha” para a Smithsonian Magazine, a professora de história dos EUA da Harvard University, Jill Lepore, usa uma manchete de jornal de 1942: “Célebre Psicólogo é Revelado como o Autor de ‘Mulher Maravilha’, o Sucesso de Vendas em Quadrinhos” (LEPORE, 2014, p.1). Até então usando o pseudônimo Charles Moulton, o psicólogo Willian Moulton Marston (1893-1947) foi revelado como o criador da famosa e polêmica heroína. Por que Marston, um profissional prestigiado, usaria um pseudônimo?

Segundo Lepore (2014), Maxwell Gaines, co-criador do gênero dos quadrinhos e fundador da All-American Comics, vendia milhões de cópias de HQ’s dos recém “nascidos” Superman e Batman, porém com a Segunda Guerra Mundial devastando a Europa, as revistas em quadrinhos enalteciam os mais variados tipos de violência, fazendo com que vários críticos e jornais declarassem abominação às histórias. Foi então que Gaines contratou Marston como consultor, uma vez que este já havia se demonstrado ávido defensor dos quadrinhos.

Gaines havia lido sobre Marston em um artigo da revista Family Circle publicado em 1940 pela escritora e redatora Olive Richard. Na ocasião Olive visitou a casa de Marston para pedir sua opinião como um perito em quadrinhos. Ao ser questionado sobre os temas cruéis de algumas histórias, Marston concordou, porém acreditava que o desejo dos leitores ainda era de que o melhor acontecesse no final. Para Willian, a pior coisa dos quadrinhos era sua alarmante masculinidade, e para se defender dos críticos, criou uma personagem feminina (LEPORE, 2014).

Primeiros esboços da heroína. Fonte: http://zip.net/bmtDH5
Primeiros esboços da heroína. Fonte: http://zip.net/bmtDH5

Marston fez algo extremamente arriscado tendo em vista o pioneirismo e o possível preconceito dos consumidores da época. O medo de Willian e dos editores em desenvolver uma personagem feminina não é exclusivo à década de 40, muitos estúdios e executivos ainda temem investir nas personagens femininas, denotando que o preconceito e a misoginia perpassaram os séculos.

“Célebre psicólogo”: o polígrafo e o mentiroso  

Formado pela Harvard University, Willian Marston foi PhD em Psicologia, inventor, e ficou famoso pelo estudo de “pessoas normais”, uma vez que na época havia um grande investimento em estudos psicológicos de patologias e desvios comportamentais. O psicólogo desenvolveu uma teoria para descrever as respostas emocionais a partir da avaliação de quatro fatores: Dominância, Influência, Estabilidade e Conformidade (em inglês formando a sigla DISC), configurando estilos comportamentais. Ele publicou suas descobertas no livro As Emoções das Pessoas Normais (ETALENT, 2016).

Por volta de 1917, Willian publicou seus primeiros estudos quanto à descoberta da correlação entre a pressão sanguínea sistólica e estados mentais, principalmente decepções. Com um invento construído em 1915, por meio de questionários em relação a um determinado assunto, percebeu uma correspondência entre a pressão arterial e mentir, algo que chamou a atenção do governo e atraiu publicidade para seus experimentos (DISCPROFILE, 2017).

Willian Marston era casado com a advogada Elizabeth Holloway. Para Lepore (2014, p. 1), “Marston foi um homem de mil vidas e mil mentiras”, isso porque, Olive Richard, escritora da Family Circle, não foi visitar Willian para entrevistá-lo, ela morava lá. Marston, Elizabeth e Olive (que na verdade tinha o sobrenome Byrne) mantinham um relacionamento polígamo, sendo Byrne apresentada socialmente como uma cunhada viúva de Marston. Durante sua vida, Willian sempre se expressou condenando intolerância e preconceito (LEPORE, 2014).

Marston (extrema direita) aplicando teste do polígrafo enquanto Olive Byrne (extrema esquerda) anota as respostas. Fonte: Smithsonian Magazine
Marston (extrema direita) aplicando teste do polígrafo enquanto Olive Byrne (extrema esquerda) anota as respostas. Fonte: Smithsonian Magazine

Mulher Maravilha: a heroína acorrentada

Desenhada por Harry G. Peter, em sua primeira aparição a princesa Diana de Themyscira (futuramente com o alter ego de Diana Prince), usava uma tiara dourada com uma estrela, um bustiê vermelho com uma águia e barriga à mostra, uma calcinha azul estrelada e botas vermelhas de cano alto. Ousado. Diana apresentava habilidades de força e reflexos sobre-humanos, durabilidade, resistência e vôo.

Após sua estreia na All-star Comics no final de 1941, ela ganhou sua primeira capa do início de 1942, pela Sensation Comics (LEPORE, 2014). A princesa Diana deixava a Ilha Paraíso, um lugar onde não havia homens e as mulheres tinham um enorme poder físico e mental; para combater o fascismo nos Estados Unidos. Em sua história de origem, após Steve Trevor, um piloto da Força Aérea Americana, cair na Ilha Paraíso as Amazonas competiram entre si para eleger quem o levaria de volta ao seu país. Diana vence a competição e Steve acaba se tornando seu interesse amoroso.

Mulher Maravilha e Steve Trevor
Mulher Maravilha e Steve Trevor

Willian Marston e a Mulher Maravilha foram importantíssimos para a criação da futura DC Comics. O número de vendas crescia e tudo era empolgação até março de 1942, quando a “Organização Nacional da Literatura Descente” categorizou a Sensation Comics como uma leitura inadequada para jovens devido à falta de roupas da super-heroína. Mesmo após a contratação de novos consultores outras polêmicas surgiam.

Um membro do conselho consultivo de Gaines decidiu alertá-lo sobre as constantes referências sádicas nas histórias da Mulher Maravilha. Nas palavras de Lepore (2014, p.1), “episódio após episódio, a Mulher Maravilha é acorrentada, atada, amordaçada, laçada, amarrada, agrilhoada e algemada. ‘Grande cinta de Afrodite!’, grita a Mulher Maravilha em certo momento. ‘Eu estou farta de ser amarrada!’”. Cada vez mais editores se opuseram as práticas de tortura às quais a heroína tinha que vencer.

De acordo com Lepore (2014), as ideias das amarras podem ser visualizadas através de editoriais e correspondências de Willian para seu ilustrador, onde ele descreve detalhadamente cenas que insinuavam fetiche sexual por imobilização. Sem dúvidas era uma controvérsia sobre as verdadeiras intenções de Marston, mas há uma história por detrás das correntes e cordas.

No balão: "Por que eles me amarram com correntes tão pequenas? Isso é um insulto!" Fonte: http://zip.net/bxtFGz
No balão: “Por que eles me amarram com correntes tão pequenas? Isso é um insulto!” Fonte: http://zip.net/bxtFGz

Devido ao seu relacionamento com Olive Byrne e sua família, Willian, Elizabeth e Harry G. Peter (o ilustrador) foram fortemente influenciados pelos movimentos feminista, sufragista feminino (para ter o direito de votar) e contraceptivo, por meio da tia de Olive, Margaret Sanger. Cada um desses movimentos continha como símbolo central as correntes e amarras, que “prendiam” as mulheres à desigualdade de direitos (LEPORE, 2014).

Desde o surgimento do movimento sufragista feminino nos Estados Unidos, no início do século XIX, mulheres ameaçavam (e eventualmente o faziam) acorrentar-se aos portões de órgãos públicos e instituições como forma de protesto. Margaret Sanger por sua vez, publicava caricaturas de mulheres alegóricas se livrando de cordas e correntes feitas pela artista Lou Rogers, em sua revista Birth Control Rewiew (“Revista de Controle Contraceptivo”). Para Sanger, a mulher se encontrava acorrentada ao seu lugar na sociedade (LEPORE, 2014).

Marston manteve o segredo da influência de Sanger sobre a Mulher Maravilha até sua morte, e só foi descoberto anos depois. A Super-Heroína que quebrava todos os paradigmas feminilidade da época, em poucos anos conquistou milhões de fãs e aos poucos foi se readaptando e perdendo algumas características originais, uma delas, após muitas polêmicas foi o excesso de correntes, coincidindo (felizmente), em certo grau, com as “amarras” das mulheres reais, que conquistaram cada vez mais liberdade e direitos.

Margaret Sanger em protesto contra censura e ilustração de Lou Rogers. Fonte: Smithsonian Magazine
Margaret Sanger em protesto contra censura e ilustração de Lou Rogers. Fonte: Smithsonian Magazine

Outras referências como o Laço da Verdade, que é uma espécie de polígrafo que muitos gostariam de ter; e os braceletes da Mulher Maravilha iguais aos que Olive Byrne usava; ficam implícitos como presentes para quem é incitado por descobertas, denotando a complexidade tanto da personagem em si, quanto da ligação criador/criatura nesse caso.

Trazer esses temas à tona não transforma Willian Marston na própria figura heróica que ele criou, mas mostra como o psicólogo obcecado pelo “não dito” montou de maneira curiosa uma personagem que (assim como os melhores personagens) representa os embaraçados sentimentos e desejos humanos. Através de uma visão historicista, percebe-se como Marston, com sua profissão e atitudes, trouxe contribuições para a psicologia e para a sociedade de modo geral.

Mulher Maravilha é nomeada Embaixadora Honorária da ONU. Fonte: ONU/Kim Haughton
Mulher Maravilha é nomeada Embaixadora Honorária da ONU. Fonte: ONU/Kim Haughton

O pioneirismo de Willian e de seus parceiros se estende para todas as obras de quadrinhos, cinema e TV que trazem personagens pouco representados e diferentes do “comum”. É válido destacar o aumento de protagonistas femininas heróicas com menos apelo sexual aparente e mulheres mais parecidas com a “realidade” em obras como as séries Supergirl (2015) e Jessica Jones (2015); personagens dos quadrinhos como Miss Marvel (Kamala Khan), a Nova personagem da Marvel, America Chavez; e também uma menção honrosa à inovadora série televisiva Wonder Woman (1975), estrelada pela atriz Lynda Carter.

Após milhares de palavras para chegar aqui, no último parágrafo, retomo a frase usada no começo desse texto, mas para discordar dela. Lynda Carter diz que Super-heróis são na verdade apenas uma personificação de quem acreditamos ser, porém, assim como a Mulher Maravilha denota inevitavelmente o psiquismo do seu criador e de certa maneira o que ele era, todo tipo de arte que consumimos denota o nosso psiquismo, e portanto, o que nós somos. Desse modo, se você consome as diversas artes de Super-Heróis, não precisa acreditar que é um, porque em partes você já é.

Wonder Woman (1975). Fonte: http://zip.net/bvtFdN
Wonder Woman (1975). Fonte: http://zip.net/bvtFdN

REFERÊNCIAS:

LEPORE, J. The Surprising Origin Story of Wonder Woman. Smithsonian Magazine, out. 2014. Disponível em: < http://www.smithsonianmag.com/arts-culture/origin-story-wonder-woman-180952710/?page=1>. Acesso em: 09 de fev. de 2017.

METODOLOGIA DISC. Etalent. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em: <http://www.etalent.com.br/sobre/metodologia-disc/>. Acesso em: 06 de fev. de 2017.

SUPERHEROES: A Never-Ending Battle. Produção de Michael Kantor e Sally Rosenthal. Estados Unidos (US):  Ghost Light Films, 2013. Ep. 1 Truth, Justice and the American Way.

WILLIAN MARSTON. Discprofile. Em En-US. 2017. Disponível em: < https://www.discprofile.com/what-is-disc/william-marston/>. Acesso em: 06 de fev. de 2017.

Imagens:  http://zip.net/brtDHG   http://zip.net/bqtFBD

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