Mill e a ideia de individualidade

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John Stuart Mill nasceu em Londres, e é filho de James Mill, um filósofo e historiador indiano, considerado, juntamente de Jeremy Bentham, um dos fundadores do utilitarismo. Mill, desde a infância, era influenciado pelos projetos educacionais do pai, que, com o auxílio de Jeremy Bentham, colocou em prática um rígido plano pedagógico com a intenção de garantir o sucesso intelectual do filho. Aos três anos, então, Mill iniciou suas leituras do grego. Mais tarde, aprendeu latim e logo após já havia entrado em contato com muitas obras do pensamento clássico. Nos anos seguintes, se dedicou ao estudo da história, psicologia, filosofia e lógica. (CLUBE ON LIBERTY, 2012).
Segundo Dos Santos (2013), aos 11 anos, Mill ajudou seu pai na revisão de uma obra importante sobre a Índia, e aos 13, iniciou estudos em economia. Apesar de nunca ter frequentado uma universidade, Mill já tinha uma capacidade intelectual muito presente desde a infância. (CLUBE ON LIBERTY, 2012). Em 1823, conseguiu um emprego na East India Company. Em 1826, entrou em uma profunda depressão, e atribuiu isso ao fato de ter recebido uma educação rígida. (ARCOS).

Em 1830, conhece Harriet Taylor, o amor de sua vida. Sendo ela casada, Mill nutria um amor platônico. Entretanto, os dois desenvolveram uma amizade muito forte e sólida. Após 25 anos, estando Harriet Taylor viúva, casam-se. Quando ela morre, Mill fica bastante abalado, pois foi nítida a importância e a influência da mulher na vida do filósofo. (ARCOS).

Mill ganhou popularidade como escritor político. E, com isso, foi eleito representante por Westminster para o Parlamento. Entretanto, teve uma carreira política breve. Nasceu em 8 de maio de 1806 e morreu em 16 de maio de 1873. Ao longo de sua vida, foi testemunha de grandes e importantes mudanças no cenário político, social e econômico de seu país, a Inglaterra. (CLUBE ON LIBERTY, 2012).

Utilitarismo

É uma escola filosófica que nasceu no Século XVII, na Inglaterra. Ela estabelece a prática das ações de acordo com sua utilidade. Assim, uma atitude só deve ser concretizada se for para a tranquilidade de um grande número de pessoas. Portanto, antes da efetivação de uma ação, ela deve ser avaliada de acordo com os seus resultados. (SANTANA)

Segundo Santana, o utilitarismo tem um aspecto moral que procura entender a natureza do homem, e para isso leva em conta o fato de que o indivíduo está sempre em busca do prazer, ao mesmo tempo em que tenta fugir da dor. É neste ponto que esta doutrina intervém, pois, sua função é propiciar às pessoas o máximo de satisfação e alegria, e por outro lado impedir o sofrimento. Portanto, ser útil é o valor moral mais elevado.

Fonte: https://goo.gl/gfBAaK

A expressão ‘’utilitarismo’’ foi inicialmente consolidada por Jeremy Bentham, porém Stuart Mill estendeu os usos dessa filosofia a aspectos como política, legislação, justiça, liberdade sexual, etc. De acordo com Cobra (2001), mesmo tendo sido elaborado na modernidade, alguns dos elementos do conceito de utilitarismo já eram encontrados na filosofia da Antiguidade, em obras de Aristóteles e Epicuro, por exemplo.

Há vários de utilitarismo. Um deles é o utilitarismo hedonista, defendido por Bentham. Ele se aproxima do epicurismo e afirma que somos governados pelo prazer e a dor. Além de concordar que o prazer é um padrão para definir se uma ação é correta ou não, um utilitarista hedonista também procura formas de mensurar o prazer. (BORGES; DALL´AGNOL; DUTRA, 2002).

Mill introduziu o utilitarismo eudaimonista, que realçava a importância do caráter e das virtudes, e não apenas do prazer, para se alcançar a felicidade. Além disso, de acordo com Borges, Dall´Agnol e Dutra (2002), alegava que alguns tipos de prazer são mais desejáveis e valorosos que outros. Criava certa ‘’hierarquia do prazer’’, colocando prazeres afetivos e intelectuais acima de outros.

Há uma diferença entre os pensamentos de Bentham e Stuart Mill. O primeiro propõe uma visão quantificada das ações, cabendo a seus agentes medir a quantidade de prazer que pode resultar delas, para então decidir se as atitudes devem ou não ser concretizadas. Já Stuart Mill não concorda com esta racionalização, apostando por sua vez na qualidade, tanto quanto na quantidade. (BORGES; DALL´AGNOL; DUTRA, 2002).

Apesar das diferenças entre os tipos de utilitarismo, todos eles apresentam pelo menos cinco traços básicos. São eles, segundo Borges, Dall´Agnol e Dutra (2002): a consideração das consequências das ações para estabelecer se elas são corretas ou não, a função maximizadora daquilo que é considerado valioso em si, a visão igualitária dos agentes morais, a tentativa de universalização na distribuição de bens e a concepção natural sobre o bem-estar.

A influência do Stuart Mill no utilitarismo.

Fonte: https://goo.gl/z4gYk9

Stuart Mill contribuiu de forma significativa ao utilitarismo, seus pensamentos e obras marcaram o movimento dando ênfase ao homem, sua liberdade, seus direitos fundamentais, defendo assim, que cada indivíduo se encontra constantemente em processo de evolução. Mill passa a valorizar a influência dos sentimentos ligados aos espíritos, as formas de prazer as amizades a honestidade o amor, entre outros. Segundo o filósofo inglês “sentimentos de sociabilidade, o desejo de estar em união com as demais criaturas” (MILL 1971, p.34 apud CRUZ CORREIA, 2011, p. 8)

 Mill estabelece uma ideia de que os interesses individuais desse de edificar um problema quando se percebe que os interesses particulares estão relacionados com os interesses da sociedade. Os sentimentos então são tomados como princípios da nossa natureza e são determinados quanto aos nossos impulsos antissociais (CORREIA, 2011) que buscam acima de tudo o princípio da maior felicidade, mas toda via, esses princípios acabam chocando com o princípio da felicidade da sociedade, portanto, o indivíduo ideal e aquele que consegue alcançar seus interesses em detrimento do interesse coletivo. De acordo com a ética utilitarista o princípio da maior felicidade estabelece que as ações praticadas devem ser capazes de trazer felicidade a um número maior de indivíduos.

Mas para o indivíduo saber diferencias as boas das más ações e saber justificá-las e preciso encontrar um critério geral da moralidade que foi apresentado da seguinte forma por Stuart Mill:

“O credo que aceita a utilidade, ou Princípio da Maior Felicidade, como fundamento da moralidade, defende que as ações estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade, e erradas na medida em que tendem a produzir o reverso da felicidade. Por felicidade, entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, a dor e a privação de prazer. ” (MILL, 1871)

 Esse trecho fica claro o princípio de utilidade definido por Mill, saber que prazer e ausência de dor são as únicas coisas desejáveis como fins. Apesar dos seus pensamentos utilitaristas terem como base Jeremy Bentham (1748-1832) Mill continua na tradição hedonista e introduz um novo elemento em seu utilitarismo denominado natureza do prazer, afirma q essa qualidade é relevante e decisiva na vida do ser e que as ações são corretas na proporção em que elas tendem a promover a felicidade e erradas quando tendem a produzir o reverso da felicidade. A base utilitarista defendida por mil e o princípio da moral e da utilidade.

Liberalismo

Segundo Santiago (2016), liberalismo consiste na defesa da liberdade política e econômica. Dessa forma, as pessoas de visão liberal são contrárias ao forte controle do estado na economia e na vida da população. Em outras palavras, ele prega a ideia de que o Estado deve dar liberdade ao povo, e deve agir apenas se alguém afetar (de forma negativa) o próximo (conhecido como Princípio do Dano). Fora isso, em boa parte do tempo, as pessoas são livres para fazer o que quiserem, trazendo também a ideia de livre mercado.

Fonte: https://goo.gl/2vLNF8

O liberalismo surgiu por volta dos séculos XVII e XVIII, através de um grupo de pensadores que viviam a realidade europeia. O pensamento liberal teve sua origem através dos trabalhos sobre política publicados pelo filósofo inglês John Locke. Já no século XVIII, o liberalismo econômico se fortaleceu com as ideias defendidas pelo filósofo e economista escocês Adam Smith.

Podemos citar como princípios básicos do liberalismo:

  • Defesa da propriedade privada;
  • Liberdade econômica (livre mercado);
  • Mínima participação do Estado nos assuntos econômicos da nação (governo limitado);
  • Igualdade perante a lei (estado de direito).

Reinava ainda a filosofia do absolutismo em praticamente todos os governos europeus, pois o rei, como legítimo representante de Deus na terra, teria natural domínio sobre todos os assuntos que envolvessem a nação. As ideias iluministas vão gradualmente desfazer tal sistema de excessiva intervenção do estado, auxiliadas pelo espírito empreendedor e autônomo da burguesia, claro, abrindo espaço para outras possibilidades na relação entre os homens e o mundo.

Então, de acordo com Montaner (2013), como uma reação natural à ordem anterior de coisas, vários pensadores se mobilizam no esforço de dar sentido àquele mundo que se transformava. Surge um ponto fundamental do pensamento liberal quando é concebida a ideia de que o homem tinha toda sua individualidade formada antes de perceber sua existência em sociedade. Para o liberalismo, o indivíduo estabelecia uma relação entre seus valores próprios e a sociedade.

Além de construir uma imagem positiva do indivíduo, o liberalismo vai defender a ideia de igualdade entre todos. O direito que o homem tem de agir pelo uso da sua própria razão, segundo o liberalismo, só poderia garantir-se pela defesa das liberdades. No aspecto político, o liberalismo vai demonstrar que um regime monárquico, comandado pelas vontades individuais de um rei, não pode colaborar na garantia à liberdade, pois a vontade do rei subjuga o interesse social, indo contra os princípios de liberdade e igualdade.

O pensamento liberal se sobressaiu de forma homogênea até o início do século XX. As mudanças trazidas pelas duas revoluções industriais, a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa de 1917, e mais tarde, da quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, fizeram com que a doutrina liberal entrasse em declínio. Mais recentemente, na década de 90, surge o neoliberalismo, resgatando boa parte do ideal liberal clássico.

Fonte: https://goo.gl/JY1Vvv

Conceitos de individualidade

 “No dicionário filosofia, consta o termo indivíduo como sendo: em sentido físico: o indivisível, o que não pode ser mais reduzido pelo procedimento de análise. Em sentido lógico: o que não pode servir de predicado” (ABBAGNANO, 1998, p. 567-568).

“A liberdade é, escreve Mill, ‘agir à nossa própria maneira’. Esta é a prova de que a liberdade, para Mill, não pode ser compreendida pela parte exterior” (SIMÕES, 2003, p.28).

E esse agir a nossa própria maneira está ligada ao nosso conceito de indivíduo, no qual temos o poder de tomar atitudes diante daquilo que acreditamos ser o certo ou aquilo que queremos fazer, executando assim liberdade individual. Contudo ela também pode ser influenciada pelo meio externo, mas enquanto liberdade o meio não poder intervir na decisão, sendo assim restrita somente ao indivíduo.

Ferreira (2014), em dissertação baseado nos conceitos de Mill apresenta “[…] o conceito de individualidade é reafirmado como sendo de importância ímpar para Mill, pois além de servir como referência para a liberdade é também 21 um dos ingredientes na composição do bem-estar. ”

O fato de viver podendo se expressar, fazer suas próprias vontades sem precisar de alguém que lhe permita isso ou presos ao medo do que possa acontecer irá proporcionar ao indivíduo diferentes experiências, o que lhe trará consequentemente uma grande sensação de bem-estar.

Fonte: https://goo.gl/tJ3Z23

“A liberdade do indivíduo deve ser, assim, em grande parte, limitada e ele não deve tornar-se prejudicial aos outros” (MILL, 1859).

Ou seja, mesmo que individual, ela deve respeitar os limites do outro, ser conduzida de forma consciente sem trazer danos ao próximo, pois cada tem o seu conceito de liberdade, suas opiniões e diante disso ela deve se limitar somente a estas, sem que parta para as ações. Atos não justificáveis caracterizados por Mill que prejudica a outrem. Pois vale destacar que mesmo no indivíduo e sua liberdade a sociedade está presente, e participa deste processo.

Referencias

ABBAGNANO, N. DICIONÁRIO DE FILOSOFIA. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

John Stuart Mill – Biografia. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/cursos/teoria-politica-moderna/mill/john-stuart-mill-biografia>. Acesso em: 26 abr. 2016.

BORGES, Maria de Lourdes; DALL´AGNOL, Darlei; DUTRA, Delamar Volpato.Ética. Rio de Janeiro: Dp&a Editora, 2002. 144 p.

COBRA, Rubem Queiroz. Disponível em: <http://www.cobra.pages.nom.br/ft-utilitarismo.html>. Acesso em: 26 abr. 2016.

LIBERTY, Clube On.Stuart Mil: Sobre seu corpo e mente o indivíduo é soberano. Disponível em: <http://clubeonliberty.blogspot.com.br/2012/07/stuart-mill-sobre-seu-corpo-e-mente-o.html>. Acesso em: 26 abr. 2016.

MILL, John Stuart.Ensaio sobre a liberdade.  ed. Reino Unido: Escala, 1859. 158 p. Disponível em: <https://direitasja.files.wordpress.com/2013/09/mill-john-stuart-ensaio-sobre-a-liberdade.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2016.

MONTANER, Carlos Alberto.O que é o liberalismo?  Disponível em: <http://www.institutomillenium.org.br/artigos/o-que-liberalismo/>. Acesso em: 4 abr. 2016.

Q.COBRA.TEMAS DA FILOSOFIA: resumos. Disponível em: <http://www.cobra.pages.nom.br/ft-utilitarismo.html>. Acesso em: 23 mar. 2016.

SANTANA, Ana Lucia. Disponível em: <http://www.infoescola.com/etica/utilitarismo/>. Acesso em: 26 abr. 2016.

SANTIAGO, Emerson.Liberalismo econômico. Disponível em: <http://www.infoescola.com/economia/liberalismo-economico/>. Acesso em: 26 mar. 2016.

SIMÕES, M. C. JOHN STUART MILL & A LIBERDADE. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2003.

VAZ, Faustino.A ética de John Stuart Mill.  Disponível em: <http://criticanarede.com/eti_mill.html>. Acesso em: 1 mar. 2016.

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neoliberalismo

Redemocratização “lenta, gradual e segura” e neoliberalismo: aquela como farsa essa como tragédia

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“O presente e o futuro pertencem à Nação, não à minoria no poder”.
Florestan Fernandes

A conjuntura da década de 1980 segundo Melo (2005) é também condicionada pela crise econômica sistêmica do capitalismo nos anos 70, que segundo Diehl (2014) só é sentida no Brasil no final da referida década, prova disse foi o aumento das greves. É a partir deste momento que entra “em cena” o projeto neoliberal como “alternativa” a crise capitalista no Brasil.

Segundo Sales de Melo apud Melo (2005), e Mariani (2007), o neoliberalismo tem com premissas básicas a apologia a liberdade individual, acumular capital e propriedades, a liberdade de produzir, de possuir, sendo o mercado a instancia mais importante, elevação da taxa de juros, redução de impostos sobre os rendimentos altos, criação de níveis de desemprego massivo, critica a “qualquer” intervenção do Estado, pois o mesmo, segundo os teóricos neoliberais tem a tendência de favorecer indivíduos e grupos particulares.

É durante a década de 1980 que os organismos financeiros – com influência principal dos Estados Unidos da América do Norte – como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial começam condicionar empréstimos aos países subdesenvolvidos da América do Sul – não só – com o intuito de implementar o arremedo do neoliberalismo, Melo (2005).

Cabe aqui destacar como nos diz Boron e Anderson apud Melo (2005), que o grande resultado do projeto neoliberal “não foi” econômico, mas sim ideológico e cultural!

É a partir dessa conjuntura que a ditadura empresarial-militar brasileira começa a entrar num processo de “decomposição com formol”, mas como as formulações teóricas e análises de conjuntura não são instrumentos só da esquerda, os “intelectuais” de direita iniciaram o que Saviani (2012), chama de recomposição dos mecanismos de hegemonia da classe dominante.

É por isso que Trajtenberg (2013) Fernandes (1989), nos dizem que na segunda metade dos anos 70 a ditadura que já durava mais de uma década deu inicio a mais um “golpe durante golpe”, percebendo que as condições tanto nacionais quanto internacionais começavam a ser desfavoráveis – como demonstramos anteriormente – tentou imprimir um “verniz democrático” às suas arcaicas formas de dominação. Mas o interesse implícito era a continuação das frações da classe dominantes no poder.

Com o intuito de não perder o poder o regime ditatorial que perdurou 21 anos a frente do Estado brasileiro por alguns momentos tentou esconder suas intenções de continuar mantendo a exploração/opressão para com o povo brasileiro, tanto que segundo Trajtenberg (2013) o presidente  Geisel disse que a saída da ditadura seria “lenta, gradual e segura”. Só esqueceu-se de dizer para quem e para que era a segurança?!

Podemos comprovar esse processo lento, gradual e seguro com a não aprovação – com articulação direta do então senador Sarney[1] – da emenda Dante de Oliveira, a qual propunha eleições diretas para presidente da republica, Morais (S/D).

Nesse contexto, o movimento das diretas-já, que poderia propiciar uma saída límpida e radical, submergiu numa composição conservadora, que decidiu a partir de cima atravessar o Rubicão através do Colégio Eleitoral. Aliaram-se os chefes militares “civilizados”, o PMDB através de suas cúpulas dirigentes e os “democratas” recém-saídos do ventre do regime em decomposição. Isso significa que a oscilação foi detida por uma nova conspiração, que se crismou como um ato de conciliação política. Ela também endossou a fórmula político-militar de uma transição democrática lenta, gradual e segura! A ordem ilegal atravessou a crise letal, que se esboçara, e protegeu o nascimento da “nova República”. (FERNANDES, 1989, p. 03).

Segundo Fernandes (1989) e Trajtenberg (2013), a transição da ditadura empresarial/militar teve vários momentos – greves, anistia, “diretas já”, etc. – mas destacamos aqui o processo da Constituinte de 1988 como o mais central para entendermos o desenrolar da democracia brasileira na atualidade.

Como afirma Fernandes (1989), em toda constituição existe um projeto político subjacente da classe dominante da época, logo no caso da Constituição brasileira de 1988 o projeto político em voga era/é os da classe dominante herdeira da ditadura empresarial-militar que tanto nos oprimiu/oprime.

A partir destes precedentes foi instaurada pelo então presidente – não eleito pelo povo – José Sarney o Congresso Constituinte de 1987/88 a partir do congresso – senadores e deputados federais – que já estava posto, em sua grande maioria umbilicalmente amordaçados pelos militares, empresários, banqueiros e latifundiários, Diehl (2014).

O Congresso Nacional Constituinte que se convencionou chamar de Constituinte de 1988 segundo Trajtenberg (2013), foi um processo de transição política sem alterar as bases do projeto de sociedade altamente excludente, elitista e autoritária, configurando-se como um instrumento de produzir consenso numa aceitação acrítica da “ordem” estabelecida em 1964.

Segundo Fernandes (1989) na constituinte de 1988 existia um afã ultraconservador e ultrareacionários encabeçados pelo PMDB e o antigo PFL hoje DEM, pois a principal ideia era fazer apenas uma revisão constitucional institucionalizando “legalmente” a ordem ilegal dos novos e antigos “donos do poder”.

É dentro desta conjuntura política Fernandes apud Diehl (2014), ao analisar a Constituição Federal de 1988 concluída denomina a mesmo como “Constituição inacabada”, pois os “avanços” na Carta Magna são barrados dentro da própria carta Magna.

No entanto, a ação do famoso “Centrão” impediu que a Constituição também estabelecesse os instrumentos de factibilidade para concretizar esses direitos e princípios. E de fato estes instrumentos não existem até hoje, já que na prática instituiu-se apenas uma democracia formal (e não uma democracia participativa) com a obrigação de cumprir com os compromissos de uma dívida pública contraída por um regime político ilegítimo, e sem a possibilidade de questionar privilégios (como da midiocracia ou do Poder Judiciário) ou de implementar mudanças sociais efetivas (como é o caso da reforma agrária e outras reformas estruturais exigidas pelo povo). (DIEHL, 2014, p. 81).

Assim sendo, finda-se a década de 80 com a eleição de Fernando Collor de Melo para presidência da república e inicia-se a implementação ainda débil do projeto neoliberal. Mas para isso antes de qualquer outra coisa Collor promoveu algumas reformas na recém concluída Constituição Federal, pois mesmo com todas as limitações expostas a constituição continha elementos que dificultariam a implementação do projeto neoliberal, Melo (2005).

Com o impeachment de Collor, Itamar Franco assume a Presidência da Republica e tenta dar continuidade as políticas neoliberais de Collor, mas segundo Melo (2005), é no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso – FHC – que as bases econômicas, políticas, culturais e sociais do projeto neoliberal são implementadas efetivamente com a privatização de bancos e empresas públicas, acordos da dívida externa.

É no governo de FHC também segundo Melo (2005), que é implementado um ministério que tinha a exclusividade de fazer reformas no aparelho estatal, em suma para expropriar as riquezas estratégicas como foi o caso a privatização da Vale do Rio Doce, esse ministério foi nomeado de Ministério da Administração e Reformas do Estado (MARE).

Essa política de “neoliberalismo tardio” tem seria repercussão nas lutas de massa na América do Sul, mas especificamente no Brasil, a reestruturação produtiva, acumulação reflexível e por consequência desemprego em massa, condição de miséria crescente  condicionou a um descenso nas lutas de massa, as manifestações dos movimentos sociais que durante toda a década de 80 chegou a ter nas ruas 1 milhão de pessoas ficou restrita basicamente as marchas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.

Segundo Melo (2005), entramos o século XXI com todas as debilidades possíveis do projeto neoliberal, pois continuamos a morrer de gripe, diarréia, cólera, dengue etc.

A entrada do Partido dos Trabalhadores – PT – na pessoa de Lula e Dilma a frente da presidência não alterou essencialmente a política neoliberal implementada nos meados da década de 90. Os motivos são vários, destacamos cinco: o Partido dos Trabalhadores passou a centralizar a tática eleitoral deixando de lado o trabalho de base, o segundo, deixou o Projeto Democrático Popular para trás como se nunca tivesse o defendido, terceiro, à herança deixada pelos governos essencialmente neoliberais de FHC, quarto, alianças para com os “partidos da ordem” e quinto, o equívoco na análise de que chegar ao governo federal em um governo de composição/conciliação de classe seria a mesma coisa que a tomada do poder.

Os motivos supracitados nos trazem elementos que demonstram a inexistência das possibilidades de mudanças estruturais tendo como força dirigente o Partido dos Trabalhadores, Harnecker (2004). Mas isso não deve nos impedir de admitir que a vida de uma quantidade significativa do povo brasileiro mudou para menos pior.

As primeiras medidas de combate à fome e à pobreza constituíram um círculo virtuoso de fortalecimento do mercado interno. Os principais programas sociais do governo Lula, continuado pelo de Dilma Roussef foram o Bolsa Família, o Credito Consignado, o Programa Universidade para Todos (ProUni), que oferece bolsas de estudos em universidade privadas trocadas por impostos, o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), e o Programa Luz para Todos. Garantiu-se também um aumento real do salário mínimo (de cerca 55%, entre 2003 e 2011, conforme Dieese). Os classificados em ‘condição de pobreza’ diminuiu sua representação de 37,2% para 7,2 nesse mesmo período. (MARICATO, 2013, p. 22).

Isso demonstra um pouco, que, o que se demonstrava em termos teóricos/práticos do PT durante a década de 90, foi implementado a partir de 2002, ao mesmo tempo em que fortalece as relações com os países da América Latina – Venezuela, Bolívia, Cuba, Equador – mantém as tropas brasileiras no Haiti desde 2004.

Portanto explicita-se um pouco as diferenças de um governo neoliberal/conservador/reacionário para um governo de composição/conciliação de classe de caráter neodesenvolvimentista, reformista que não faz reforma, que não irá cumprir as demandas históricas do povo brasileiro, mas que para atual conjuntura é menos nocivo para uma parcela significativa da sociedade brasileira e para os lutadores e as lutadoras do povo brasileiro.

Referências:

DIEHL, Diego Augusto. A constituição inacabada e a reforma política: aportes desde a política de libertação. In Constituinte exclusiva: um outro sistema político é possível. 2014. Disponível em <http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/> Acesso em 20/05/2014.

FERNANDES, Florestan. A Constituição como projeto político. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 1(1): 47-56, 1.sem 1989.

HARNECKER, Marta. Estratégia e Tática. 1° ed. Expressão Popular, São Paulo, 2004.

MARIANI, Édio João. A trajetória de implementação do neoliberalismo. Disponível em <http://www.urutagua.uem.br/013/13mariani.htm> Acesso 16/07/2012.

MELO, Marcelo Paula de. Esporte e juventude pobre: políticas públicas de lazer na Vila Olímpica de Maré. – Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

MIRICATO, Ermínia. É a questão urbana, estúpido! In MIRICATO, Ermínia [et al.]. Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1° ed. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013.

MORAIS, João Quartim de. Amobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no Brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas. Disponível em<http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v012/a_mobilizacao.pdfAcesso em 05/05/2012.

TRAJTENBERG , Marília El-Kaddoum.A constituição de 1988 e a transição. Disponível em<http://www.uff.br/niepmarxmarxismo/MM2013/Trabalhos/Amc312.pdf> Acesso em 05/05/2012.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. – Campinas, SP. Autores Associados, 2012.

[1]O pior é saber que o mesmo continua como senador cometendo os mesmos tipos de atos reacionários quanto naquela época.

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