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Nome e sobrenome
A gente é um número. Sob vários aspectos. Começa com o espermatozoide. Um só, na maioria das vezes, consegue fecundar o óvulo. De milhões que saíram na disputa. Depois, tem o lugar na vida da família. Se não é o primeiro, é o segundo, terceiro ou quarto filho. E assim vai.
Chegam as primeiras idas para a escola. Lembro do meu tempo de menina, de aluna de escola pública. Na fase do ‘ginásio’, veio a série onde ninguém era chamado pelo nome, mas pelo número da lista de presenças, a tal ‘chamada’. Quem se lembra disso aí?
– Número 5? Perguntava a professora.
– Presente! Confirmava o aluno rapidamente.
Na sequência, ou pari passu, chegam os números dos documentos de identificação. RG, CPF. Estes abrem as portas para a vida corrida de números: cartões de crédito, de banco, passaporte, carteira de trabalho, certidão de casamento. Tudo vira número. Haja memória para guardar tudo.
Na lista de inscrição dos concursos, somos números desejados (pelos organizadores, porque representamos $$) e indesejados pelos candidatos (porque significamos concorrência). Também somos fiscalizados pelo governo. Não há como fugir da Receita Federal, em tudo tem o ‘nosso’ número. Na contagem populacional, do IBGE, não importa quem eu sou. Cada cidadão é um número no registro dos habitantes do país.
E sim, qual é mesmo o seu/meu nome?
Eu até gostaria que não fosse assim. Nesta história de gente, gosto de saber o nome. Não me importa o número que forma o salário, ou o número que perfaz a quantidade de títulos de conhecimentos, ou ainda a loucura de saber quantos dias da vida já foram vividos e quantos ainda estão por vir.
Eu, como Toquinho, gosto de nome e sobrenome. A gente precisa dos números. Mas eu prefiro ter nome e sobrenome.
Gente Tem Sobrenome
Toquinho
Todas as coisas têm nome,
Casa, janela e jardim.
Coisas não têm sobrenome,
Mas a gente sim.
Todas as flores têm nome:
Rosa, camélia e jasmim.
Flores não têm sobrenome,
Mas a gente sim.
O Jô é Soares, Caetano é Veloso,
O Ary foi Barroso também.
Entre os que são Jorge
Tem um Jorge Amado
E um outro que é o Jorge Ben.
Quem tem apelido,
Dedé, Zacharias, Mussum e a Fafá de Belém.
Tem sempre um nome e depois do nome
Tem sobrenome também.
Todo brinquedo tem nome:
Bola, boneca e patins.
Brinquedos não têm sobrenome,
Mas a gente sim.
Coisas gostosas têm nome:
Bolo, mingau e pudim.
Doces não têm sobrenome,
Mas a gente sim.
Renato é Aragão, o que faz confusão,
Carlitos é o Charles Chaplin.
E tem o Vinícius, que era de Moraes,
E o Tom Brasileiro é Jobim.
Quem tem apelido, Zico, Maguila, Xuxa,
Pelé e He-man.
Nota: Texto publicado originalmente no Blog da autora: www.jocyelmasantana.wordpress.com

Os nomes e as referências
Nossa comunicação é referencial, pois fundada na fala, na palavra. As palavras são símbolos aos quais existem referências, os objetos em si (sem entrar no mérito dessa polêmica expressão). Por exemplo: quando escrevo, aqui, “MAÇÔ, você, leitor, imagina essa determinada fruta, logicamente no caso de partilhar da comunidade verbal que ligou a palavra “MAÇÔ à fruta em si. A maçã que agora imaginou não é a mesma que eu imagino; cada pessoa imagina a sua determinada maçã, mesmo que, com o mesmo estímulo, imaginemos coisas iguais, pois maçãs todas, mas diferentes em suas particularidades. Essa discussão nos trás os conceitos de sentido e representação. O sentido é formado por idéias que partilhamos e que nos permite concluir que estamos falando de uma mesma coisa, a maçã, possibilitando a continuidade da comunicação (não é a única coisa que permite essa continuidade); a representação é a forma como cada um de nós imagina a fruta, cada um, como já dito, com suas particularidades a qual pode fomentar a comunicação, mas não é imprescindível a ela.
Um exemplo interessante é o de uma antiga e querida professora minha, de português. Ela encaixava pequenas tiras de papel, em branco, em seus anéis, às vezes mais de um de uma só vez, e cada uma daquelas tiras representava uma determinada tarefa que deveria fazer durante o dia, como, por exemplo, corrigir provas de duas turmas, comprar o livro A, comprar pão e buscar o filho na escola. Um simples papel em branco encaixado no anel, a fazia lembrar-se da referência “EXECUTAR UMA AÇÃO” que é virtual, pois futura. Nesse exemplo, podemos, por analogia, dizer que o papel fez a mesma função que a palavra “MAÇÔ nessa nota: são todos nomes que possuem referências, os objetos em si, no caso de minha professora, virtual.
Podemos dizer, portanto, tendo em vista a relação entre o nome, a referência, o sentido e a representação, que nossa comunicação e nossa comunidade verbal é extremamente plástica a ponto de tornar um pedaço de papel num lembrete, como se transformasse um objeto numa palavra, ou pelo menos, transformando-o na mesma função da palavra (e da mesma forma arbitrária) que é a comunicação. A recíproca é também verdadeira, ou seja, é possível transformar uma palavra num objeto, por exemplo: no relato de uma colega, sobre sua prática em uma instituição de saúde mental, ela usa o nome “doente mental” para as referências que são as pessoas em relação cotidiana, no caso, entre elas e com os barbantes para confecção de tapetes. Nesse exemplo, vê-se que a expressão “doente mental” (que é também um conceito) transformou a referência “pessoas” na referência “doentes”; todavia, na situação vivida e relatada, nada, nas pessoas e nas relações (exceto em minha colega), remetia ao nome doente, como uma maçã se remete à macieira. A relação direta entre a palavra “doente” e a referência “pessoa” fez a relação da profissional com as pessoas se transformar numa relação dela com “doentes”, transformando, portanto, a palavra “doente” num objeto referencial encarnado nas pessoas.
Essa nota é apenas pra dar enredo a uma questão que, por estes dias, saltou, em palavras, na minha cabeça: é possível uma comunicação não referencial, aliás, existem comunidades cuja comunicação é essa? Que tipo de relações se faria por meio dessa direta e imediata comunicação?