Moonlight: Um Olhar Sobre o Masoquismo

Compartilhe este conteúdo:

Concorreu com oito indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Barry Jenkins), Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Melhor Atriz Coadjuvante (Naomie Harris), Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenkins), Melhor Fotografia (James Laxton), Melhor Edição ( Joi McMillon e Nat Sanders), Melhor Trilha Sonora (Nicholas Britell).

Vencedor nas categorias:

Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali) e Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenkins).

Banner Série Oscar 2017

Leia Moonlight: sob a luz de Narciso – Parte 1

Chiron é um adolescente da periferia, tímido e acuado, que sofre bullying desde a infância. É filho único de uma mãe viciada em crack que se prostitui para manter o vício. Pela condição da mãe, desde cedo Chiron aprendeu a se virar sozinho (Parte 1).  Ao fugir de um grupo de garotos, é encontrado por Juan, um traficante, que junto com sua namorada Tereza, “adotam” Chiron e começam a dar suporte financeiro e emocional a ele. Mesmo assim, é sua relação com a mãe que definem, realmente, a personalidade do garoto, que chega à adolescência cheio de conflitos, pessoais, familiares e sociais.

O comportamento submisso de Chiron em sua relação com a mãe também se apresenta nas interações sociais. Na escola o bullying continua ferindo-o e, apesar de crescido, ele continua sendo chamado de Little, mas não gosta do apelido. A timidez de Chiron permanece gritante e sua sexualidade, reprimida.

Imagem6

Em um sonho ele observa Kev, o amigo de infância, transar com uma garota por trás, uma clara alusão ao sexo anal e uma revelação inconsciente de seus desejos homossexuais latentes. O sonho se dá logo após Kev relatar detalhes de uma transa com uma colega dentro da escola.

O desejo implícito de Chiron por Kev é bastante plausível. O amigo é o único que desde a infância lhe dá atenção; sendo bom de briga, tentou ensiná-lo a lutar para se defender dos colegas; também é o único que não o chama mais pelo apelido de infância (Little), mas lhe confere um outro status de grandeza ao chama-lo de Black, algo que intriga Chiron, afinal por que ele lhe coloca apelidos que não conferem com sua representação? Que intimidade é essa que lhe invade a alma sem permissão?

Imagem5

A baixa autoestima do adolescente continua a isolá-lo de todos e seus conflitos internos se intensificam. É no mar, onde Juan o ensinou a nadar, que ele busca refúgio, sob a luz do luar e a brisa da solidão. Mas é ali também que Kev aparece para tira-lo da água e apresenta-lo ao fogo. A água para Chiron simboliza não apenas o acolhimento de Juan, mas faz alusão ao ventre materno e à ligação simbiótica com a mãe, da qual ele nunca conseguiu se desvencilhar, aquela à cujo desejo ele continua escravo numa eterna tentativa de satisfaze-la para em troca conseguir, em seu olhar de aprovação, reconhecer a si mesmo e experimentar a sensação de pertencer ao mundo.

O fogo a que Kev se refere vai além do baseado com o qual provoca o amigo, também, é sob o efeito deste que eles compartilham suas angústias e se tornam mais íntimos. É ali mesmo que Chiron tem sua primeira experiência sexual, com o amigo.

Imagem4

Como bem disse Augusto dos Anjos, “a mão que afaga é a mesma que apedreja” [1].

Freud constata: “Nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos, nunca estamos tão irremediavelmente infelizes como quando perdemos a pessoa amada ou o seu amor.” Acho essas frases são notáveis porque elas dizem claramente o paradoxo incontornável do amor [2].

Ainda embebecido com a nova situação, Chiron é surpreendido quando os valentões da escola provocam Kev, o exibicionista, que topa o desafio de bater em alguém, o alvo: Chiron, que em seu silêncio apanha e se levanta repetidas vezes até que lhe é desferido o golpe final e os colegas o espancam.

O choque pode ter reproduzido em Chiron o trauma do abandono materno, a primeira pessoa que devendo ama-lo o rejeitou, impedindo-o de experimentar a completude. Kev refez o mesmo caminho na mãe, fazendo-o acreditar no amor, trazendo a esperança da completude e, em seguida, e rejeitando-o. Na impossibilidade de significar tamanha dor, pela primeira vez, o garoto reage oferecendo a outra face.

Imagem3

Durante toda a vida, Chiron se permitiu ser a vítima, ocupando uma posição claramente masoquista diante da vida. A força do trauma faz com que ele reaja, masoquisticamente, mas desta vez com uma dose de sadismo. Fromm [3] afirma que tanto o sadismo como o masoquismo têm sua origem na relação simbiótica entre a mãe grávida e o bebê e, por isso, caminham lado a lado. Nem Hittler escapou à isto.

Hitler reagia primordialmente de maneira sadista para com o povo, mas masoquistamente para com o destino, a história, o “poder mais alto” da natureza. Seu fim — o suicídio em meio à destruição geral — é tão característico quanto o foi seu sonho de sucesso, de dominação total. (Fears of Escape from Freedom, E. Fromm, Londres, Routledge, 1942).

No momento do confronto, o que se vê é Chiron chegando ao limite da dor psíquica experimentada até então em sua posição humilhante, a cada vez que se levanta ele coloca a cara a tapa e se entrega à violência como se quisesse não apenas ver até onde vai, mas buscando o fim. Por outro lado, seu olhar não é mais o mesmo, mas encara o oponente, deixando claro que por sua dor também o fará sofrer.

Imagem7AImagem7BImagem7C

“O eu se atormenta a si mesmo, faz mal a si mesmo para saber o que sentirá o Outro atormentado. É ali que Freud utiliza o verbo na sua forma reflexiva: “ atormentar-se a si mesmo”. Compreendemos assim que o nosso terceiro tempo do sadismo propriamente dito comporta dois momentos: o de fazer mal a si mesmo e o de fazer com que o Outro experimente a mesma dor que se sentiu.” (Nasio, 1997) [4].

É por isso que, mesmo diante do pedido de Kev para que se mantenha ao chão, ele se coloca em pé repetidamente, a cada vez que se levanta ele se fortalece. Seu olhar inicial, assustado e evitante, vai se tornando mais seguro, firme, altivo, como quem sabe o que quer, e ele quer com a sua dor provocar a dor do outro, como quem busca colocar um ponto final em sua atitude passiva (masoquista) passando então para uma posição ativa (sádica).

Imagem2

E, como se ainda faltasse um passo para o limiar da dor, ele ouve da assistente social da escola que ainda é um menino, “se fosse homem teria mais quatro a seu lado”. Finalmente, ele chora, confrontado com toda a sua impotência. Chega ao limite. E Chiron torna-se Black.

Imagem1

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

(Versos Íntimos, por Augusto dos Anjos)

REFERÊNCIAS:

[1] ANJOS, Augusto dos. Eu & Outros Poesias. V.1. Rio de Janeiro: Civilização/Itatiaia, 1982, p.117.

[2] MOMBACH, Euremilter Maria. Amor, Narcisismo e dor. Disponível em: <http://www.circulopsicanaliticors.com.br/_files/artigo/11/5632676f33464.pdf>.

[3] FROMM, Erich. A arte de amar. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

[4] NASIO, J.-D. O livro da dor e do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

moonlight-cartaz

MOONLIGHT: SOB A LUZ DO LUAR

Diretor: Barry Jenkins
Elenco: Alex Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Naomie Harris, Mahershala Ali
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 14

Compartilhe este conteúdo:

A busca de Si mesmo em Lion – Uma Jornada para Casa

Compartilhe este conteúdo:

Com seis indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante (Nicole Kidman), Melhor Ator Coadjuvante (Dev Patel), Melhor Roteiro Adaptado (Luke Davis), Melhor Fotografia (Greig Fraser), Melhor Trilha Sonora (Dustin O’Halloran e Hauschka).

Banner Série Oscar 2017

Compreendido como uma crença subjetiva, na qual os seres humanos precisam sentir-se pertencentes a um lugar e ao mesmo tempo sentir que esse tal lugar lhes pertence, o Sentimento de Pertencer nos liga a tudo aquilo nos constitui como quem realmente somos, na busca incessante por tornar-se quem se é.

A busca pela essência, identidade ou totalidade de Ser é uma jornada pessoal e subjetiva, repleta por signos e significados pessoais. Carl Gustav Jung (2009) descreveu essa totalidade de ser, ou Self, como uma imagem arquetípica do potencial mais pleno dos seres humanos, ou seja, da totalidade de Si.

lion_1
Fonte: www.google.com

Para o autor, o Self ocupa a posição central da psique como um todo, doutro modo, pode ser compreendida como o destino de cada um. Mas não em uma perspectiva determinista, mas sim, multifatorial, construída ao longo da vida por uma série fatores intra e intersubjetivos, constituindo-se de modo histórico, pessoal e subjetivo.

Em Lion – uma jornada para casa, entramos em contato com a história de Saroo (Sunny Pawar “criança” e Dev Patel “adulto”), um menino indiano de 5 anos de idade que se perde do irmão em uma estação ferroviária de Calcutá e, depois de vários percalços, é adotado por um casal australiano, milhares de quilômetros distante de casa.

A autobiografia de Saroo Brierley, retratada no livro A Long Way Home, não é um caso isolado. Anualmente, mais de 80 mil crianças desaparecem na Índia. O dado não é a única informação preocupante, exponencialmente crescem também na Índia os índices de crianças desabrigadas, violentadas e traficadas para trabalho escravo e prostituição em outros países.

Sunny Pawar on the set of LION Photo: Mark Rogers
Sunny Pawar on the set of LION
Photo: Mark Rogers

O modo de vida nas favelas indianas é denunciado pela fotografia do filme (Greig Fraser). Crianças subjugadas, em situação de rua e sem comida são retratadas sem nenhuma preocupação em maquiar a realidade. O filme é também um apelo ao descaso de milhares de pessoas que sofrem diariamente na Índia em condições precárias e inumanas.

Voltando para nosso protagonista, Saroo, agora adulto, não se sente confortável em não saber nada sobre seu Lar, seu passado, suas origens. O signo Lar é definido pelo dicionário como “local onde há harmonia, onde as pessoas vivem e sentem-se bem.” Mas subjetivamente podemos transcender o conceito e atribuir características peculiares significativas de Lar para cada um, logo, lar pode ser representado como casa; família; conforto; amor; cuidado; aconchego; carinho; pai; mãe; avô; avó e etc.

A ausência de um Lar que significasse como seu, impedia Saroo de seguir com o curso natural de sua vida. Cabe ressaltar que não havia um estranhamento em relação a sua nova família adotiva. Desde criança, o personagem nunca se conformara com o fato de perder-se de sua família original – neste caso – os constituintes de sua essência. Sua busca enquanto adulto era uma jornada de volta a aquilo que ele perdera ao se desvincular de sua família genética, seus referênciais de identidade.

20170221-tumblr_olpuf6t8x61tk2heto1_500
Fonte: www.google.com

É importante frisar que isso não é uma característica literal em crianças adotadas, por novas famílias (RUTTER et al., 2001). Em geral, o ambiente do amor e cuidado do novo lar suplanta necessidades afetivas, psicológicas e socioculturais de adotandos. Contudo, Saroo apresentava uma particularidade, o Sentimento de Pertencer nele era tamanho que nunca sentira necessidade de uma nova família. Ele aceitou o casal Brierley (Nicole Kidman e David Wenham) como seus pais adotivos, mas nunca se desligou de sua mãe e irmãos genéticos.

Enquanto adulto ele estava familiarizado e realizado com sua nova família, porém, ele sabia que havia na Índia uma família que o amava e que sentia sua falta. Ter consciência disso provocou em Saroo um epifania. A necessidade de voltar ao seu passado e compreender sua história era tão forte que o impedia de construir uma nova história. Para Ser quem ele realmente era, Saroo precisava compreender sua gênesis.

2f8605a1-dfab-4b5d-8969-3405b8fbea64
Fonte: www.google.com

Aqui é relevante citarmos a participação de Lucy (Rooney Mara), como parceira romântica e Anima de Saroo. Ela dá ao personagem a coragem necessária para investigar seu passado e remontar o quebra-cabeças de flashs de memórias buscando sua história.

Enquanto arquétipo, Anima e o Animus operam pelo princípio da complementariedade através da qual a psique se move. Lucy correspondia à necessidade de Saroo de voltar ao seu passado e compreender sua história, para, a partir disso, seguir em frente com o curso natural de sua vida.

lion2
Fonte: www.google.com

Encorajado por sua família e referenciais de afeto, Saroo se autoriza a acessar seu passado, é nesse momento que sua psique se sente pronta a acessar e reviver memórias até então inconscientes. Com ajuda do Google Earth ele consegue localizar sua terra natal, para qual viaja em busca de compreender quem realmente é.

Saroo era um eremita, vivendo isolado em Si mesmo, sem referenciais de um Lar, cultura e história de vida. Não viveu tempo suficiente na Índia para compreender sua origem, tampouco se permitiu ser tocado pela Austrália para encontrar nela uma morada.

O filme retrata nuances de uma história profunda e fortemente impactada pela ausência de significações em torno de Si mesmo, de tal modo, que impedia que a psique se autorregulasse. Compreender sua história, era para Saroo, o elemento necessário para seguir em frente e construir um Self pleno de significações e representações simbólicas.

TRAILER

REFERÊNCIAS:

JUNG, Carl Gustav. Natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2009.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente – Coleção Obras Completas – Vol. 7/ 1. Obra Completa – 11ª Ed. 2010.

RUTTER, M., KREPPNER, J., O’CONNOR, T. G., & The ERA Study Team (2001). Specificity and heterogeneity in children’s responses to profound privation. British Journal of Psychiatry, 179, 97-103.

FICHA TÉCNICA DO FILME:
Lion - Uma Jornada Para Casa

LION – UMA JORNADA PARA CASA

Diretor: Garth Davis
Elenco: Dev Patel, Rooney Mara, Nicole Kidman, David Wenham
País: Austrália, Reino Unido, EUA
Ano: 2016
Classificação: 12

Compartilhe este conteúdo:

La La Land – Cantando Estações: uma ode ao sonhador

Compartilhe este conteúdo:

Com quatorze indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Demien Chazelle), Melhor Atriz (Emma Stone), Melhor Ator (Ryan Gosling), Melhor Roteiro Original (Demien Chazelle), Melhor Fotografia (Linus Sandgren), Melhor Direção de Arte, Melhor Montagem, Melhor Mixagem de Som, Melhor Edição de Som, Melhor Figurino, Melhor Trilha Sonora, Melhor Canção Original (“Audition” e “City of Stars”). 

Banner Série Oscar 2017

“Essa vida é uma mistura de algo puramente fantástico, calidamente ideal e, ao mesmo tempo, palidamente prosaico e comum, para não dizer vulgar até o inverossímil. […]
…nesses recantos vivem pessoas estranhas: os sonhadores. ”
(Noites Brancas, Dostoiévski) [1]

Em uma época que filmes de heróis com máscaras, força colossal ou indumentárias de ferro se reproduzem na velocidade da luz, é bom ir ao cinema para simplesmente assistir a um tipo de filme que parecia existir apenas no passado: um filme sobre (e para) sonhadores.

lalaland2

Damien Chazelle, diretor e roteirista, fez de La La Land uma inesquecível homenagem aos antigos musicais da era de ouro de Hollywood. A fotografia do filme já é, por si só, uma ode a esses musicais, com longas tomadas líricas, uma câmera fluida e uma paleta de cores vibrante. Chazelle e Linus Sandgren (Diretor de Fotografia) falaram que “a decisão de usar o formato analógico foi amplamente motivada pelo fato de que as câmeras digitais capturam a realidade tão bem que torna-se difícil fazer um filme com um olhar ‘mágico’ durante a edição” [2]. E trazer a magia, especificamente essa que tem relação com a realidade que existe apenas em nossos sonhos, não é uma tarefa simples, considerando os filmes que lotam as sessões de cinema atualmente.

Segundo Bruner, crítica de cinema da Time [3], antes de La La Land ser um sucesso nos vários festivais em que foi apresentado, era apenas uma fantasia que o diretor Chazelle e o compositor Justin Hurwitz tinham quando tocavam em uma banda em Harvard. “Existe uma maneira de fazer um grande filme no estilo dos clássicos musicais da MGM em um ambiente completamente moderno, em um contexto realista, ou isso é um paradoxo intransponível?” Chazelle se perguntava.

lalaland3lalaland4

É ousado, em muitos aspectos, ter como cena de abertura de um filme atual um grupo de pessoas cantando e dançando em uma Los Angeles ensolarada em meio a um trânsito infernal. A quantidade de nãos que Chazelle levou da maioria dos estúdios mostra o quanto foi difícil para alguém acreditar que a ingenuidade de um filme musical poderia fazer sucesso junto ao público moderno. Um público aparentemente avesso a mundos em que a canção pode vir de forma espontânea e normal e a vida pode ser uma busca incessante de um sonho.

lalaland5

La La Land acompanha a história de Mia (Emma Stone), uma talentosa aspirante a atriz que trabalha em uma cafeteria nos estúdios da Warner Bros, e Sebastian (Ryan Gosling), um apaixonado pianista de jazz. É o terceiro filme que os dois atores atuam como par romântico e a química entre eles é evidente na tela. Mia e Sebastian são a personificação do sonhador e estão em Los Angeles, a terra do cinema, a procura de uma oportunidade para tornar real aquilo que imaginaram. E essa oportunidade parece nascer desse encontro. Mas, por detrás das músicas alegres do início, do encontro poético no cinema e no planetário e da leveza que esse encontro parece trazer aos dois a ponto de metaforicamente flutuarem em uma das cenas, há um romance complexo e bem delineado sendo construído, que atinge toda a sua plenitude na segunda metade do filme.

lalaland6

City of stars
Are you shining just for me?
City of stars
There’s so much that I can’t see
Who knows?
I felt it from the first embrace I shared with you
That now our dreams
They’ve finally come true

Não há em La La Land um número de dança com o refinamento técnico e artístico dos grandes musicais antigos, estrelados por Fred Astaire e Ginger Rogers, nem há músicas cantadas com vozes tecnicamente perfeitas. Mas segundo Chazelle, era esse naturalismo que ele estava procurando, logo Emma e Ryan se encaixaram plenamente em seus papeis. Segundo Bruner [2], dois dos números mais emocionantes do filme, a cena da audição da Mia, “Audition” cantada por Emma e o dueto de “City of Stars”, no apartamento do casal, cantada por Ryan e Emma, foram gravadas ao vivo, e as falhas se tornaram parte da magia.

lalaland7

A voice that says (uma voz que diz)
I’ll be here, and you’ll be alright (Eu estarei aqui, e você ficará bem)

Na música que Mia canta na audição mais decisiva da sua vida, ao contar uma história de sua tia que morou em Paris, ela diz “um viva aos sonhadores, tolos irremediáveis, um viva aos corações que sofrem, um viva ao caos que causamos”. Seja em um romance de Dostoiévski do século XIX, seja em um filme musical do século XXI, o sonhador parece estar destinado a extremos: uma alegria contagiante nascida da esperança nas pessoas e no amor, e uma melancolia e solidão profundas, originadas dos mesmos motivos.

lalaland8

Nem sempre a voz estará lá para lhe dizer que você ficará bem, ainda que em meio a desilusões, mesmo aquelas autoprovocadas, o sonhador ouse acreditar mais uma vez no mundo que cria para si a cada manhã…  e só quem sonha sabe o quanto é preciso acreditar.

lalaland9_1lalaland9_2lalaland9_3

Não há nada melhor do que imaginar outros mundos para esquecer o quanto é doloroso este que vivemos. Pelo menos eu pensava assim naquele momento. Ainda não compreendera que imaginando outros mundos, acabamos por mudar também este nosso.” (Baudolino, Umberto Eco) [4]

La La Land, ao final, termina com uma das sequências mais lindas de um filme nos últimos anos. A sequência do E se…, que ao invés de nos deixar com um sentimento de tristeza pelo que não é, nos fornece uma contagiante sensação de esperança por aquilo que podemos construir dentro de nós, pelos mundos que imaginamos, que nos faz ser quem nós somos e que modifica também quem o outro é.

Acima de tudo, La La Land é uma grande declaração de amor ao cinema. Novamente temos aquela sensação, ao final de um filme, de que podemos ser felizes, mesmo que por um breve momento, de que músicas podem tocar o coração e que, ao levantarmos os pés do chão por alguns segundos, podemos dançar.

REFERÊNCIAS:

[1] Dostoiévski, F. Noites Brancas [1848]. Tradução Nivaldo dos Santos. Editora 24, 2011.

[2] http://zip.net/bqtGm9

[3] http://time.com/4587682/la-la-land-review/

[4] Eco, Umberto. Baudolino. Editora Record, 2001.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

lalaland10_cartaz

LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES

Direção e Roteiro: Damien Chazelle
Elenco:Emma Stone e Ryan Gosling
País: EUA
Ano:2016
Classificação: Livre

Compartilhe este conteúdo:

Estrelas Além do Tempo: a luta contra o preconceito rumo ao progresso social

Compartilhe este conteúdo:

Com três indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer), Melhor Roteiro Adaptado (Allison Schroeder e Theodore Melfi). 

Banner Série Oscar 2017

“O que estou te pedindo, pedindo a todos nessa sala, é para olhar além dos números. Olhar ao redor deles. Através deles. Para ter respostas de perguntas que nem sabemos formular”.

Estrelas Além do Tempo, com o roteiro e direção de Theodore Melfi, é um filme baseado em fatos reaise inspirado no livro “Hidden Figures”, de Margot Lee Shetterly. O filmeconta a história de três mulheres negras: Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (JanelleMonáe), que se mostram fundamentais para os Estados Unidos em sua trajetória de corrida espacial realizada pela NASA.

Katherine Johnson (Taraji P. Henson)
Katherine Johnson (Taraji P. Henson)

A história se passa em Hampton, na Virginia, na época da Guerra Fria, com a União Soviética e os Estados Unidos disputando o primeiro lugar na corrida espacial. Na mesma época, o filme mostra a separação que existia entre “pessoas de cor”, ou seja, negras, e “pessoas brancas”. Katherine, Dorothy e Mary fazem parte do grupo das “matemáticas de cor” da NASA. A clara segregação, além do fato de serem mulheres em uma época extremamente machista, aponta a dificuldade de Katherine, Dorothy e Mary em suas carreiras.

Katherine Johnson é o que pode ser definido como“gênio da matemática”. Desde pequena Kathery se destaca por sua habilidade com os números, conseguindo, inclusive, bolsas de estudo em boas escolas. Por saber Geometria Analítica e por ser uma boa matemática, Kathery entra para o Grupo de Missão Especial da NASA, em um projeto que tem por objetivo o lançamento do astronauta John Glenn no espaço.

Mary Jackson (Janelle Monáe)
Mary Jackson (Janelle Monáe)

Mary Jackson é solicitada para fazer parte da equipe de testes do protótipo da Mercury 7. O nome “Mercury” vem de mercúrio. Mercury 7 era uma pequena cápsula de mercúrio onde caberiam sete astronautas, que foram escolhidos um a um por conta do tamanho da cápsula [1]. Mary é encorajada a entrar no programa de treinamento de engenheiros, e para isso, enfrenta dificuldades, pois apesar de ter bacharelado em Matemática e Ciências Físicas, precisa entrar na justiça para conseguir fazer uma pós-graduação pela Universidade de Virgínia, que, por causa da segregação, não aceita “pessoas de cor”.

Enquanto Kathery e Mary se destacam e são realocadas do grupo das matemáticas de cor, Dorothy Vaughn continua em seu cargo, sem ser, inclusive, reconhecida por estar fazendo trabalho de uma supervisora. Dorothy descobre sobre um computador da IBM que será implantado na NASA, que tem por objetivo realizar inúmeros cálculos em fração de segundos [2].

Dorothy Vaughan (Octavia Spencer)
Dorothy Vaughan (Octavia Spencer)

Impulsionada por sua curiosidade, Dorothy vai em busca de conhecimento sobre o IBM e descobre como fazê-lo funcionar, ao contrário dos engenheiros responsáveis por essa atividade, que fizeram inúmeras tentativas fracassadas. Por sua facilidade e destaque na programação, Dorothy é, então, reconhecida e chamada para ser realocada para a equipe de programadores do IBM, aceitando o cargo apenas com a condição de poder levar suas companheiras de trabalho do grupo das matemáticas de cor.

O filme retrata, também, parte da revolução que ocorrera naquela época, no meio de uma eleição presidencial onde é destacada a candidatura de John Fitzgerald Kennedy (1917-1963). Manifestantes se mostram resistentes ao racismo, lutando contra a segregação do estado e buscando, desta forma, a igualdade entre pessoas negras e brancas. Enquanto exigem seus direitos como cidadãos americanos, o filme mostra a enorme diferença entre pessoas brancas e pessoas negras, que apenas podiam usar banheiros, ônibus, bebedouros e pegar livros em bibliotecas em suas chamadas “áreas para os de cor”.

Da esquerda para a direita: Mary Jackson (1921-2005), Dorothy Vaughan (1910-2008) e Kathery Johnson (nascida em 1918). Fonte: NASA
Da esquerda para a direita: Mary Jackson (1921-2005), Dorothy Vaughan (1910-2008) e Kathery Johnson (nascida em 1918). Fonte: NASA

Kathery Johnson se aposentou em 1986 e foi homenageada com diversos prêmios por seus feitos. No ano de 2015, recebeu a maior honra dos Estados Unidos, a Medalha Presidencial da Liberdade [3]. Mary Jackson se tornou engenheira e se aposentou na NASA no ano de 1985. Dorothy Vaughan, devido à sua habilidade com a programação, tornou-se programadora especialista em uma linguagem computacional chamada FORTRAN e aposentou-se em 1971. [3]

hidden-figures-poster

Através das conquistas de Katherine Johnson, Dorothy Vaughn e Mary Jackson, as diferenças sociais que existiam dentro da própria NASA foram sendo desfeitas pouco a pouco e as mulheres puderam adquirir mais visibilidade em um meio anteriormente tão dominado por homens brancos. Isto reflete na importância do empoderamento feminino, que busca o fortalecimento da mulher e a luta pela igualdade de gênero; e na importância de se colocar em pauta assuntos relacionados ao racismo, para que não haja diferenças, tanto sociais como econômicas, entre pessoas brancas e negras.O não contentamento das minorias na época repercutiu em uma sociedade menos desigual e que busca pelos direitos de todos, transformando, assim,o que antes era extremamente preconceituoso e sexista, em um meio social mais igualitário.

REFERÊNCIAS:

[1] http://gizmodo.com/5205915/the-magnificent-mercury-seven-nasas-first-astronauts-50-years-ago-today

[2] http://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/02/licoes-filme-estrelas-alem-do-tempo.html

[3] http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/a_historia_das__-estrelas_alem_do_tempo-_reais_da_nasa.html

FICHA TÉCNICA DO FILME:

hidden_figures_cartaz

ESTRELAS ALÉM DO TEMPO

Diretor: Theodore Melfi
Elenco: Taraji Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Kevin Costner,  Kirsten Dunst
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: Livre

Compartilhe este conteúdo:

Moana: um mar de emoções

Compartilhe este conteúdo:

Com duas indicações ao OSCAR:

Melhor animação e Melhor canção original ( Lin-Manuel Miranda, Mark Mancina e Opetaia Foa’i).

Banner Série Oscar 2017

A animação Moana mostra uma heroína que tem sido bem típica nas animações da Disney pelo fato de não terminar com um príncipe e não se casar ao final. Esse tema da princesa sem príncipe tem sido bem comum e vem para agradar as mulheres em seu recente processo de empoderamento. Se por um lado isso reflete a necessidade da mulher atual em buscar e afirmar sua identidade tão reprimida ao longo dos séculos, por outro transformou certos aspectos da personalidade antes valorizados em verdadeiros tabus. Expressar o desejo de se casar ou encontrar o amor é quase uma ofensa para a mulher moderna.

moana

No entanto, não é esse assunto que quero abordar nesse texto. Algo maior e de importância coletiva surgiu como tema central em Moana, e é sobre isso que pretendo escrever esse texto. Não que a questão da afirmação da personalidade feminina não seja importante, mas o tema que a animação trouxe é de uma importância coletiva para as mulheres e para a sociedade contemporânea. A animação começa contando uma lenda sobre a grande deusa Te Fiti.

A deusa, que havia criado toda a vida na Terra e se tornou uma ilha, teve seu coração – uma pequena pedra pounamu – roubado pelo semideus Maui. Aparentemente a intenção dele era encontrar o monstro de lava Te Ka, porém o monstro faz com que seu anzol mágico e o coração desapareçam no oceano. Por causa do coração roubado, as ilhas que Te Fiti criou foram amaldiçoadas.

Moana-ta-fiti-coração

A animação tem como base a mitologia polinésia. O semideus Maui está presente no panteão polinésio e é utilizado na história. É interessante que a Disney tenha se apoiado em uma mitologia e cultura antiga e pouco conhecida pela sociedade ocidental. A cultura polinésia é pautada por uma ligação entre o homem e a natureza muito intensa. Mesmo que a Disney retrate a cultura polinésia de forma simplificada, esse pequeno contato serve como porta de entrada para o conhecimento de uma cultura e mitologia perdidos.

No início da animação vemos o povo da ilha Motuni sendo retratado. Trata-se de uma sociedade tribal, onde as pessoas possuem uma relação de muito respeito com a natureza, pois dependem dela para viver. É intrigante a escolha de um povo tribal, que zela e preza pela natureza e que ao mesmo tempo adora uma Deusa Mãe criadora. Se trata de uma sociedade e cultura oposta a Ocidental patriarcal, que valoriza a exploração dos recursos naturais e prol do desenvolvimento tecnológico, e que se encontra sob o estigma do Deus pai judaico-cristão.

Imagem4-ta-fiti

A animação então, vem trazer uma compensação para a Consciência Coletiva, de forma a tentar o equilíbrio entre essas duas polaridades matriarcal/patriarcal. Conforme Edinger (1993), a sociedade ocidental já não possui um mito viável, que sustente nossa necessidade intrínseca de estarmos imbuídos em um mito. Sem esse mito estruturante, o indivíduo perde a razão de ser. Por essa razão temos hoje uma epidemia de depressão, ansiedade e pânico, nos grandes centros.

Com a carência de mitos nossos valores são substituídos por motivações elementares de poder e prazer, ou então o indivíduo é exposto ao vazio existencial e ao desespero. Por isso, há uma necessidade urgente da descoberta de um mito central. Von Franz (2010) também aponta que em nossa sociedade ocidental judaico cristã, de tradição estritamente patriarcal, não existe imagem arquetípica da mulher. O resultado é que a mulher, o feminino, o matriarcal e a anima são negligenciados e incompreendidos. Com isso as mulheres se tornaram incertas com o que é ser feminina, não sabem o que são nem o que poderiam ser.

Atualmente, para as mentes mais reflexivas essa atitude unilateral não faz mais sentido e vem trazendo mais malefícios do que benefícios. Uma nova revisão dos valores se faz necessária. Cada dia mais crescem os movimentos de defesa da natureza. A consciência ecológica cresce cada dia mais, bem como os questionamentos e a importância do que é a essência feminina. A Deusa Te Fiti na animação é a grande Deusa da natureza e a criadora de tudo. Ela possui a capacidade de gerar a vida em torno dela. É a responsável pelo crescimento das plantas de todos os tamanhos e pode manipular o terreno ao redor de seu corpo. Com o coração dela, ela pode criar outras ilhas repletas de flora e fauna e afetar esses elementos de longe.

Imagem1-ta-fiti-natureza

A Deusa Te Fiti não está no panteão polinésio, mas parece ser uma representante de Gaia, a deusa grega primordial da Terra. Podemos observar, então, características de uma sociedade matriarcal. Diante desse contexto não há nenhuma novidade no fato de Moana ser a nova líder do povo. As sociedades matriarcais valorizavam o cultivo da terra e os alimentos por ela proporcionados. Os povos agrícolas vivam em um estado de fusão com a natureza, como sendo integrantes desse todo. Havia, nesses povos, a predominância da terra e da vegetação. E a terra e a natureza, como fontes de fertilidade e alimento, bem como de morte e também como aquela que devora os filhos.

A Deusa para esses povos era a fonte de fertilidade e o masculino era sempre subserviente dela. Eles não acreditavam e não sabiam que o homem tinha participação na reprodução. Sua função era só romper o hímem para a passagem da criança (Harding, 2007). Além disso, era incumbência da mulher cuidar dos assuntos relativos ao suprimento de alimento, exceto a caça e abatimento de presas. Elas colhiam frutas, ervas, raízes e as preparavam para comer. Plantar, cultivar e colher eram tarefas femininas essencialmente. Acreditava-se que a mulher fazia com que as coisas frutificassem e crescessem devido a sua capacidade de gerar crianças e de ter seus ciclos hormonais em relação direta com a Lua – fonte de fertilidade. Com isso, o feminino sempre foi visto mais próximo a natureza e aos processos corporais.

Ao desenvolvermos então o aspecto patriarcal da psique coletiva, perdemos a ligação com o corpo e consequentemente com a natureza. Nos separamos dela e passamos a enxerga-la como fonte de exploração para o ego humano. Privilegiamos o mental e deixamos o emocional e instintivo de lado. Hoje sentimos novamente essa necessidade de nos reaproximarmos desse lado matriarcal. Urgentemente precisamos encontrar um equilíbrio entre essas duas forças. Vemos esse apelo emocional na animação, que resgata e traz à tona esse nosso lado esquecido.

moana-gif-1

Moana é então escolhida pelo mar para a jornada de resgate do coração de Te Fiti. O mar para a psicologia analítica simboliza o útero de onde surge toda vida. Deuses do mar como Posídon são considerados deuses ctônicos e estão ligados a Grande Mãe e aos aspectos da natureza de doador de vida e alimento e destruidor da vida. O fato de termos a Deusa como centro vital da animação e o de ser uma garota escolhida para essa jornada chama bastante a atenção. A tendência de uma divindade encarnar em um filho não é algo desconhecido e revelou-se no cristianismo. A encarnação de Deus no Cristo foi vivida como uma experiência religiosa coletiva de enorme alcance (Von Franz). Mas a tendência da antiga deusa – mãe de encarnar em uma filha ainda não se realizou. Assim a imagem do feminino em sua totalidade ainda não alcançou o humano e a consciência, temos apenas vestígios disso.

O culto a Deusa foi reprimido com o advento do Cristianismo. Isso aconteceu em partes, pois a força de um arquétipo é muito forte, e ocorreu a reaparição da deusa na Virgem Maria, com a subsequente devoção. Contudo essa imagem feminina veio para a nós com sérias restrições. A imagem feminina precisou ser retratada purificada de sua sombra e de forma que agradasse o patriarcado. A sombra da Deusa então, ainda não fez sua reaparição em nossa sociedade. Contudo, essa reaparição parece ser uma necessidade emocional muito forte e algo iminente de ocorrer.

Vemos algumas animações que trazem heroínas que representam “filhas” de deusas antigas. Em Valente vemos uma representante da deusa Artemis em Merida, em Mulan a heroína pode ser considerada uma representante de Atena, a deusa da guerra. Moana também pode se encaixar nessa categoria. Ela representa a jornada da heroína escolhida para humanizar esses aspectos sombrios da antiga Deusa e assim deixando viável a assimilação desses conteúdos para a consciência. Vemos na animação que o coração da deusa é roubado e ela se vinga se transformando no monstro Te Ka, retirando toda a vida e alimentação.

Imagem6

Esse tema da vingança da deusa é recorrente nos mitos antigos. Demeter outra deusa da fertilidade, se vingou com a esterilidade da terra ao ter sua filha roubada e sequestrada. Hera era a rainha da vingança. Afrodite se vingava quando deixava de ser adorada ou quando alguma humana lhe suplantava em beleza. Atena e Ártemis também possuem episódios de vingança. A vingança feminina é um dos aspectos da Deusa feminino que está ausente da consciência. As mulheres conhecem esse sentimento muito bem, mas não o aceitam e por isso lidam mal com ele. Pois se prega a benevolência feminina.

Para finalizar é importante falar sobre Maui. Maui na mitologia polinésia é um Herói trapaceiro, conhecido por suas aventuras extravagantes e sobrenaturais. Sua lenda diz que ele era um humano nativo das ilhas do Havaí. Sua mãe, o achava fraco ao nascer e preferiu afogá-lo. Maui, porém, sobreviveu às ondas, foi salvo pelo Sol e tornou-se um homem extremamente forte, sem medo em seu coração, um semi-deus. Em uma de suas aventuras, ele vai ao submundo atrás da deusa da morte para conseguir a imortalidade, mas é morto por ela. Diz-se que por causa dessa transgressão a humanidade perdeu a imortalidade. Outra aventura de Maui é o furto do fogo e a posterior entrega para os seres humanos que passaram a utilizar a madeira para fazer fogo.

maui

Na animação isso se repete de uma forma diferente. Ele rouba o coração de Te Fiti para entregar aos humanos. Na lenda como no filme e ele é uma espécie de Prometeu que rouba algo para a humanidade e é posteriormente punido. Maui simboliza a exploração da natureza em prol do desenvolvimento da humanidade. Pretendemos nos igualar aos deuses para sermos imortais, exploramos a natureza em busca de remédios e imortalidade, mas com isso somos punidos cada vez mais por ela. A natureza vem cobrar seu preço e sua vingança. Sua relação com Moana se desenvolve em uma amizade profunda e duradoura. Algo que se perdeu nas relações aqui é resgatado na relação de Moana e Maui – a amorosidade. A relação entre eles se constrói no conhecimento das fraquezas e virtudes um do outro.

Maui e Moana estabelecem um equilíbrio harmônico e desprovido de competição entre masculino e feminino que precisamos encontrar. A amorosidade, característica do feminino precisa ser resgatada em todas as relações. O amor fraterno ou o romântico se constrói com isso e somente após as projeções serem retiradas. Mas é necessária paciência nesse processo. Não sabemos amar, pensamos que amamos, só saberemos quando aprendermos a construir isso na amorosidade.

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E. F. A Criação da Consciência. O mito de Jung para o homem moderno. São Paulo: Cultrix, 1993.

HARDING, E. M. Os Mistérios da Mulher. 4 ed. São Paulo: Paulus, 2007.

NEUMANN, E.História da Origem da Consciência. 10 ed. Cultrix. São Paulo: 1995.

VON FRANZ, M. L. O feminino nos contos de fada. Vozes. São Paulo: 2010.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

cartaz

MOANA

Diretor: Ron Clements e John Musker
Elenco (vozes): 
Auli’i Cravalho, Dwayne Johnson, Rachel House, Temuera Morrison
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: Livre

Compartilhe este conteúdo:

Manchester à Beira Mar: quando o luto é um mar profundo de dor e culpa

Compartilhe este conteúdo:

Com seis indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Kenneth Lonergan), Melhor Ator (Casey Affleck), Melhor Ator Coadjuvante (Lucas Hedges), Melhor Atriz Coadjuvante (Michelle Williams), Melhor Roteiro Original (Kenneth Lonergan).

Banner Série Oscar 2017

“Há um momento que não consigo imaginar: o momento da vida dos outros que deixamos sempre de lado. ”
(Virgínia Woolf) [I]

Manchester à Beira Mar, o terceiro filme do roteirista e diretor Kenneth Lonergan, é uma exploração minuciosa sobre como as pessoas sentem a tristeza, a perda, o amor e a culpa, especialmente sobre como sobrevivem a tragédia de uma existência sem leveza e sem esperança. Casey Affleck é Lee Chandler, um zelador que mora em um porão em Boston e que leva uma vida aparentemente ordinária, executando tarefas de forma robótica, sem deixar-se tocar pelas mazelas que ouve sobre as vidas das pessoas que o cerca e que necessitam do seu trabalho.

cassey

Se não fosse pelo vazio do seu olhar, o personagem poderia passar despercebido. Mas é o insustentável peso que esse vazio carrega que provoca o interesse de quem acompanha a história, pois é na aparente calmaria do rosto de Lee que reside uma angustiante sensação de tragédia latente, capaz de provocar um tipo de dor diferente, uma dor que não passa com o tempo, ao contrário, torna-se mais e mais profunda com o decorrer dos anos.

A morte do seu único irmão traz Lee de volta à sua cidade natal (Manchester). E enquanto tenta entender como vai assumir a responsabilidade de cuidar do seu sobrinho adolescente (Lucas Hedges), sua vida é contada em forma de flashbacks. A preciosidade da interpretação que deu a Casey Affleck uma indicação ao Oscar e o tornou vencedor do Golden Globe e do Bafta de 2017 é a sua condução minimalista do mar de emoções conturbadas que acompanha Lee.

cassey e sobrinho

Segundo o diretor Kenneth Lonergan [II], era a angústia sem fim que geralmente nasce da vivência de grandes tragédias que ele estava interessado em trazer à tona. O que ele evidencia nesse filme, de forma extremamente realista e sem exageros ou pieguices, é a maneira como algumas pessoas sobrevivem a situações que são maiores que elas próprias, que são simplesmente esmagadoras. E acrescenta ainda que a disparidade e a variedade da experiência humana, de como uma pessoa pode ter um tipo de vida e seu vizinho ter outro completamente diferente em todos os aspectos, provocam seu fascínio e o impressionam, mas também confundem a sua percepção das coisas.

A tragédia de Lee é apresentada no filme ao som do Adágio de Albinoni, em uma sequência de fatos que mostra o momento que sua vida foi transformada para sempre. É através do seu olhar de pavor diante de sua casa em chamas que começamos a entender a pessoa que ele se tornou.

manchester

Segundo Elisabeth Kubler-Ross [III], há cinco fases do luto: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Claro que isso não é uma lei universal, apenas uma forma de sistematização das emoções que acompanham essa experiência. O que torna o luto diferenciado nesse filme é que ele nasceu de uma tragédia provocada pela pessoa que o vivencia e, assim, a fase de “aceitação” parece pouco provável, logo a dor, o sofrimento e a culpa não atenuam com o tempo, apenas submergem no mar revolto de fantasmas que povoam a mente de quem os sente.

Um dos momentos mais significativos do filme é o encontro do Lee com sua ex-esposa, a única sobrevivente da tragédia. Casada novamente e com um bebê recém-nascido, ela tenta reconstruir sua vida. A dor e a falta são latentes, mas ao menos nela não há a culpa. Lee não consegue estabelecer um diálogo com a ex-esposa, pois vê-la torna a dor ainda mais insuportável, já que isso traz à tona as vidas que ele perdeu, em especial, a pessoa que ele foi, tão diferente da figura que ainda respira e vive, mas que está eternamente presa a um amontoado de lembranças sofridas.

manchester0002

Esse encontro mostrou-lhe que ele nunca poderia voltar a morar em Manchester, mesmo que amasse o sobrinho e quisesse cumprir o último desejo do irmão. Viver naquela cidade significaria estar diante do olhar acusador de alguns, mas especialmente diante do seu próprio julgamento. Mesmo que os policiais o tenham inocentado no momento da tragédia, por se tratar de um ato irresponsável, mas não de uma conduta criminosa, a culpa que ele carrega e a raiva pela impossibilidade de mudança do passado tiram o caráter transitório do luto, tornam a perda uma dor sem fim.

“Eu não consigo superar... Sinto muito. ”
“Eu não consigo superar… Sinto muito. ”

“Manchester by the Sea” não é um filme que nos faz sentir esperança ou que nos leva a refletir sobre o milagre da vida. É simplesmente um filme sobre o quanto a dor do outro, aquele que passa por nós na rua, o vizinho que nunca conhecemos bastante para imaginar o que sente, entre tantos outros, pode ser devastadora e imensurável. Que nos mostra o quanto somos desamparados diante das imensas tragédias da vida. Um filme que fala da tristeza que existe nos detalhes das dores que nos cerca, da raiva que não acha espaço para escoar, da falta que não pode ser preenchida e do amor que, felizmente, não acaba.

Referências:

[1] Woolf, Virgínia. “Contos Completos – Virginia Woolf”, Editora Cosac &Naif, edição de 2005.

[2] http://www.filmcomment.com/blog/interview-kenneth-lonergan-manchester-by-the-sea/

[3] KUBLER- Ross, E. “Sobre a morte e o morrer”: 8ª Ed., Martins Fontes. São Paulo, 1998.

FICHA TÉCNICA DO FILME

manchester-a-beira-mar-cartaz

MANCHESTER À BEIRA-MAR

Diretor:  Kenneth Lonergan
Elenco: Casey Affleck, Michelle Williams, Lucas Hedges, Kyle Chandler
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 14

Compartilhe este conteúdo:

A Chegada: a linguagem e os limites do mundo

Compartilhe este conteúdo:

Com oito indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado (Eric Heisserer), Melhor Diretor (Denis Villeneuve), Melhor Fotografia (Bradford Young), Melhor Mixagem de Som (Bernard Gariépy Strobl e Claude La Haye), Melhor Edição de Som (Sylvain Bellemare), Melhor Design de Produção (Patrice Vermette ‘design de produção’ e Paul Hotte ‘decoração de set’) e Melhor Edição (Joe Walker).

Banner Série Oscar 2017

Exibido no final de 2016 em todo o Brasil, o filme A Chegada, do prestigiado diretor canadense Denis Villeneuve, é baseado no livro The Story of Your Life, de Ted Chiang, e conta a estória da Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma linguista que é convidada por militares para descobrir as intenções de um grupo de alienígenas que chega simultaneamente a estratégicos pontos da Terra, e pairam literalmente sobre nossas cabeças. “Conforme aprende a se comunicar com os aliens, ela começa a experienciar flashbacks que se tornam a chave para desvendar o propósito da visita”, escreve o site Omelete, especializado em cinema.

O enredo se dá pela lógica da combinação de um luto pessoal (o da Dra. Louise) com o intrigante processo de aproximação com uma civilização completamente estranha e mais avançada que a nossa. Neste contexto, não basta se utilizar de um aparato tecnológico de ponta para tentar mediar este contato e entender uma nova língua. É preciso recorrer à linguística para, então, ter um vislumbre de comunicação e um entendimento da linguagem em seu sentido mais lato.

a chegada

Fica clara a influência – direta ou indireta – do pensamento do austríaco naturalizado britânico Ludwig Wittgenstein sobre a narrativa, tendo em vista que os limites da linguagem, expressas primorosamente no longa, também significam os limites do mundo. Portanto, mais que um processo comunicativo ou de comportamento, a linguagem seria intrinsecamente ligada à consciência e, entendida como uma forma lógica possibilita que as ambiguidades das proposições sejam extintas.

No caso do filme, a Dra. Louise tinha como desafio entender as reais intenções da chegada dos alienígenas. Vieram em missão de paz, ou queriam explorar os humanos? Esta dúvida só poderia ser debelada se se compreendesse a linguagem dos visitantes, num processo não apenas de reconhecer o fato em si (a chegada dos alienígenas ou os códigos da fala, a língua), mas a totalidade que está por trás de tal visita. Desta forma, o filme apresenta mais que um contato alienígena, ele remete a um alargamento de consciência a partir da mediação/decifração pela linguagem.

Imagem2

Também sobre esta temática, Quine diz que, no contato com outras formas de linguagem, somos perpassados pela “indeterminação da tradução”, fonte de instabilidade e incômodo, como fica claro no filme. Isso ocorre porque, para o autor, as palavras não tem significado próprio, mas estariam inteiramente ligadas a nossos padrões de comportamento. Além disso, aprende-se a linguagem como uma dinâmica social viva, e ao nos depararmos com um grupo de falantes cujos códigos linguísticos são radicalmente diferentes, surge uma barreira a ser transposta, sob pena de não se entender a visão de mundo destes falantes, e de não ampliarmos a nossa própria visão de mundo, a partir deste contato.

Comte-Sponville (2011, p. 352) diz que

A linguagem não fala, não pensa, não quer dizer nada, e não é uma língua; é por isso que podemos falar e pensar. A linguagem é apenas uma abstração: somente as falas, mas traduzidas em atos, são reais, e elas se atualizam apenas numa língua particular. Assim, a linguagem é mais ou menos para as línguas e para as falas o que a vida é para as espécies e para os indivíduos: sua soma.

Por fim, não por menos a Dra. Louise teve de encarar este desafio em uma fase da vida fortemente perpassada pelo luto. O filme, em parte, expressa as ideias cognitivistas de Gordon Bower, para quem os estados emocionais determinam a ênfase dada aos padrões de pensamento. Dra. Louise estava triste, com medo e confusa, estados que perpassavam as dinâmicas gerais de toda a humanidade, a partir do contato alienígena. Assim, o filme é um exemplo perfeito, para além de mentalismos, da associação entre estados de humor e os fatos externos, emoções e informações concretas.

a-chegada-oscar-2017

A Chegada é, antes mesmo de uma ficção científica rebuscada, uma obra de pegada existencialista, é um vislumbre de panaceia futurista em que a língua, e depois a linguagem, além das emoções e das mudanças vertiginosas porque passa o mundo, se bem decifrados, podem conter a chave para mudanças verdadeiramente substanciais, individualmente e coletivamente falando.

REFERÊNCIAS:

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011;

O Livro da Filosofia (Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011;

O Livro da Psicologia (Vários autores). São Paulo: Globo, 2013;

Resumo de A Chegada. Disponível em < https://omelete.uol.com.br/filmes/noticia/a-chegada-amy-adams-conversa-com-aliens-no-primeiro-trailer-completo-do-filme/ >; acesso em 19/02/2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

a-chegada-cartaz

A CHEGADA

Diretor: Denis Villeneuve
Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Michael Stuhlbarg, Forest Whitaker
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 13

Compartilhe este conteúdo:

A consciência patriarcal Rogue One: Uma História Star Wars

Compartilhe este conteúdo:

Concorreu com duas indicações ao OSCAR:

Melhores Efeitos Visuais e Melhor Mixagem de Som (David Parker e Stuart Wilson).

Banner Série Oscar 2017

Os eventos de Rogue One se passam em um momento posterior ao surgimento de Darth Vader e antes dos eventos de Star Wars. A galáxia então se encontra dominada pela ditadura, escravidão e opressão. O Império Galáctico, inicia então uma busca por pessoas que possam contribuir para a construção de uma super-arma de destruição em massa.

Rogue-One-Banner

O designer de armas Galen Erso, é recrutado a força pelo diretor Imperial Orson Krennic para completar o projeto da Estrela da Morte, uma estação espacial capaz de destruir planetas inteiros. O filme traz então questões que são muito atuais, como o advento de um poder tirânico e opressor de escala mundial. A filha do designer – Jyn Erso – se esconde, para não ser morta pelo Império. Após 13 anos, agora uma adulta, Jyn é liberta do cativeiro Imperial pela Rebelião, que planeja usá-la para rastrear seu pai, e depois matá-lo para impedir a arma que está sendo construída.

Jyn é mais uma nova heroína dessa safra de mulheres fortes e guerreiras que estão despontando no cinema. Em meu texto sobre O Despertar da força, aponto que na primeira trilogia, o herói Luke segue bem a cartilha do típico herói mitológico. Luke é o escolhido, aquele que vai restabelecer a situação saudável e acabar com o mal. E assim como em O despertar da Força temos aqui uma mulher como heroína. Ainda no texto sobre O Despertar da Força, cito que a Trilogia inicial de Star Wars é baseada na Jornada mítica do herói Solar. Onde toda sociedade Ocidental se encontra sob o estigma desse herói que pautou a entrada da era Patriarcal do homem Ocidental.

Jyn Erso (Felicity Jones).
Jyn Erso (Felicity Jones).

Erich Neumann (1995), trata com detalhes esse assunto do herói Solar, afirmando que a consciência do ego tem um caráter masculino e que a relação consciência – dia/luz, e inconsciente/escuridão/noite se mantêm independente do sexo. Ele diz também, que a consciência é masculina mesmo nas mulheres, assim como o inconsciente é feminino. Ele então define a consciência patriarcal, que se separa do inconsciente e fica livre de suas influencias.

Jyn Erso (Felicity Jones) e Cassian Andor (Diego Luna).
Jyn Erso (Felicity Jones) e Cassian Andor (Diego Luna).

Portanto, para Neumann, a mulher moderna, assim como os homens, possui uma consciência patriarcal e um ego denotado pelo herói masculino solar. O que as recentes adaptações têm feito é transformar a figura feminina em uma cópia exata do modelo masculino. Para a psicologia analítica os heróis míticos e dos contos de fadas são modelos arquetípicos para o ego humano. O herói masculino não deve ser considerado como um humano, mas como um modelo ideal de um ego em consonância e harmonia com a totalidade psíquica.

Tanto heróis como heroínas servem como modelo arquetípico, para homens e mulheres, do masculino e feminino. Apesar da crescente aparição das heroínas representar a busca de expressão feminina que foi reprimida durante muitos séculos, vemos um movimento ainda de unilateralidade, onde os valores tipicamente masculinos estão sendo valorizados também nas mulheres.

"Que a Força esteja conosco."
“Que a Força esteja conosco.”

Jyn Erso possui também traços do herói solar: assim como Luke, ela está em busca do Pai. O Pai na psicologia analítica simboliza a realização externa, a segurança material, a eficiência, a realização profissional. Ou seja, tudo aquilo que é voltado para a realização no mundo externo. E essa premissa é o que ainda norteia nossa sociedade, à custa de uma separação do mundo interior.

Como uma Electra vingativa, Jyn busca a revanche pela sua morte e pela sua memória manchada. O mito de Electra, que planeja a morte da mãe coagindo seu irmão Orestes a matá-la junto com o amante, em função do assassinato do pai, é o mito que mostra a transição do matriarcado para o patriarcado. Porém, apesar de estarmos ainda enraizados no patriarcado, essa representação mais expressiva da mulher guerreira no cinema, já mostra um indicio de uma reflexão sobre o que é ser feminina. As discussões são muitas sobre a questão do feminino, mas ainda estamos longe de resgatar esse arquétipo para a consciência coletiva, pois temos como referência ainda o que é masculino.

rogue-one

Por isso, com esse texto resolvi abrir essa discussão, pois a unilateralidade, prejudicou não somente as mulheres, mas os homens também. Até a masculinidade madura foi suprimida da sociedade, e no lugar do masculino sábio, encontramos meninos perdidos, pois o processo de desenvolvimento psíquico individual e coletivo ocorre na dinâmica e interação desses dois princípios. Masculino só pode ter referência com o feminino e vice versa.

REFERÊNCIAS:

JUNG, C. G. Tipos Psicológicos. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

NEWMANN, E.História da Origem da Consciência. 10 ed. Cultrix. São Paulo: 1995.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

rogueone_onesheetA

ROGUE ONE: UMA HISTÓRIA STAR WARS

Diretor: Gareth Edwards
Elenco: Felicity Jones, Diego Luna, Donnie Yen, Mads Mikkelsen
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 12

Compartilhe este conteúdo:

Moonlight: sob a luz de Narciso – Parte 2

Compartilhe este conteúdo:

Com oito indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Barry Jenkins), Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Melhor Atriz Coadjuvante (Naomie Harris), Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenkins), Melhor Fotografia (James Laxton), Melhor Edição ( Joi McMillon e Nat Sanders), Melhor Trilha Sonora (Nicholas Britell).

Banner Série Oscar 2017

Leia Moonlight: sob a luz de Narciso – Parte 1

O paradoxo espaço temporal [1] não existe no inconsciente, lá tudo é sempre presente. E é aí que os conflitos de Chiron se acumulam e seu mundo se torna ainda mais difícil de sustentar, tanto pelo que lhe pesa como pelo que lhe falta. Afinal, a estrutura egóica de Chiron não possui bases que suportem a realidade. Por isso, ele continua em fuga.

Imagem4A

Mergulhado em um profundo estado de desamparo, Chiron começa a sentir sua indiferença sendo transformada em uma angústia crescente, um sentimento que já não consegue ser represado no inconsciente, mas que se desloca lentamente rompendo as barreiras através dos sonhos e dos tímidos enfrentamentos seja quando ofendem suas “mães” Joana e Tereza, ou quando o chamam pelo apelido da infância, Little, nomeação que o coloca de frente com sua fragilidade narcísica. Entretanto, tão logo percebe a resistência do oponente Chiron volta a acomodar-se passivamente ao seu sentimento de inferioridade e impotência.

Em relação à mãe a situação é ainda pior já que, diante dela, ele não consegue fazer enfrentamento algum. Em casa é Chiron quem cuida de Joana. Esta, por sua vez, utiliza-se do filho como apoio para se manter em uma posição infantilizada, evitando encarar seus próprios problemas [2]. Ela coloca Chiron para fora a fim de receber outros homens, ela toma seu dinheiro para comprar drogas, e o chantageia dizendo que ele é tudo o que ela tem na vida, e ele a ela.

Ao mesmo tempo em que ama, Joana rejeita, ao mesmo tempo em que o busca com um sorriso sedutor, afasta-o pela impossibilidade de oferecer-lhe o cuidado e a provisão necessária, tanto física como emocional. A inconsistência entre discursos e ações são as bases para a insegurança do filho.

Imagem10

Chiron, por sua vez, não reage, obedece resignadamente, dorme fora para ceder espaço a ela, permite que a mãe o assalte para manter seu vício e ainda demonstra amor e cuidado cobrindo-a enquanto dorme, amando-a ternamente como uma criança que ainda busca por um olhar que a corresponda, e lhe traga a necessária ilusão [3] da completude para que, finalmente, se sinta segura. Mas, na adolescência Chiron intensifica os problemas já experimentados na infância, com uma mãe cada dia mais afundada no vício e que lhe explora, exigindo dele o cuidado, o amor, a atenção e o sustento.

Abuso Emocional

Moura (2013) fala sobre os dois polos de manifestação da nocividade materna – a possessividade e o abandono –  e, este ultimo, não se refere propriamente ao abandono no nível da realidade corporal, mas a ausência de ocupação que deixa a criança sem recursos diante de seu poder de silêncio, não de fala, mas um silêncio de investimento subjetivo. Como vemos em Moonlight, Joana fala, mas sua falta de investimento afetivo fala ainda mais alto e tão poderosamente que silencia até a voz de Chiron.

Imagem2

Utilizando-se de manipulações, Joana mantém o filho preso a um sentimento inconsciente de culpa por não conseguir completar a mãe, ou satisfazê-la de alguma forma que o torne merecedor de seu amor, por isso ele adota uma posição submissa, vivendo em função dessa que seria seu primeiro objeto possibilitador da transição do investimento de si mesmo para os objetos externos, conforme propõe Freud. Mas a mãe também não lhe pode investir, visto que busca nele a compensação para o seu próprio vazio existencial. E assim estabelece-se um ciclo geracional de transmissão de identidade.

Freud (1905/1996) aponta a ambiguidade dos cuidados maternos ao afirmar que quando a mãe afaga, acaricia o seu filho, ela o seduz colocando-o numa posição de substituto do objeto sexual completo [4]. Essa sedução fica explícita na relação manipuladora de Joana junto ao filho, revelando o abuso emocional incestuoso.

Imagem1BImagem1A

A confusão de papeis dentro da família faz com que o filho assuma a função de cuidador de um adulto frágil a quem ele não pode contrariar sob a pena de não ser amado. Paradoxalmente à sua força e independência, esse filho guarda dentro de si a criança desnutrida de afeto, que não amadureceu para enfrentar a vida. Como a mãe frágil dentro de casa, ele se vê frágil diante do mundo, se não foi capaz de receber o amor dos próprios pais, por que o esperaria de outros? Nessa dinâmica, a pessoa volta todo o investimento libidinal para si mesma, a fim de se proteger da rejeição do outro. Ao abrir mão de si mesmo pelo outro (mãe), a criança “passa a desacreditar das próprias necessidades, julgando as ilegítimas, e o próprio desejo passa a ser considerado como vergonhoso.“ (Cukier, 1998) [5].

Sobre a gravidade do abuso emocional sobre os filhos podemos reportar o relatório da Associação Americana de Psicologia (APA) publicado em 2014:

As crianças que tinham sido psicologicamente abusadas sofriam de ansiedade, depressão, baixa autoestima, sintomas de estresse pós-traumático e suicídio no mesmo grau e, em alguns casos, a uma taxa maior do que as crianças que foram abusadas fisicamente ou sexualmente. Entre os três tipos de abuso, os maus tratos psicológicos foi mais fortemente associado com depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade social, problemas de ligação e abuso de substâncias químicas [6].

A história de Chiron revela, portanto, a formação de uma personalidade narcísica por meio de um abuso emocional e nos confronta com uma realidade social que vai além de um único indivíduo, se manifestando, às vezes, como característica de toda uma sociedade ou um grupo de pessoas, no qual os mesmos traços de inferioridade podem ser observados como elevados a um nível sócio cultural e político que rege toda a dinâmica social de um povo.

REFERÊNCIAS:

[1] GREENE, Brian. O universo elegante. Supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

A (a)temporalidade do Inconsciente. Disponível em < https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/19587/19587_5.PDF>.

FREUD, S. (1915). O Inconsciente. In: FREUD, S. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. v. 2. Rio de Janeiro: Imago, 2006, p. 13-74.

[2] KNAPP, Daniela. Inversão de papéis: 5 maneiras de evitar que seu filho assuma o lugar do seu marido. <https://www.realmentemulher.com.br/single-post/2016/06/09/Invers%C3%A3o-de-pap%C3%A9is-5-maneiras-de-evitar-que-seu-filho-assuma-o-lugar-do-seu-marido>.

Parentificação. Disponível em <https://abusoemocionalblog.wordpress.com/2016/05/10/parentificacao/>.

[3] ROCHA, Zeferino. O papel da ilusão na psicanálise Freudiana. Ágora (Rio J.),  Rio de Janeiro ,  v. 15, n. 2, p. 259-271,  Dec.  2012 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982012000200004&lng=en&nrm=iso>.

[4] MOURA, Danielle Ferreira Gomes. Maternidade e poder. Rev.Mal-Estar Subj,  Fortaleza ,  v. 13, n. 1-2, p. 387-404, jun.  2013.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482013000100015&lng=pt&nrm=iso>.

[5] CUKIER, R. Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama adulto. São Paulo: Ágora. 1998.

[6] Abuso emocional pode ser tão prejudicial quanto o abuso sexual. Disponível em < http://www.psiconlinews.com/2014/10/abuso-emocional-pode-ser-tao.html>.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

moonlight-cartaz

MOONLIGHT: SOB A LUZ DO LUAR

Diretor: Barry Jenkins
Elenco: Alex Hibbert, Ashton Sanders, Trevante Rhodes, Naomie Harris, Mahershala Ali
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: 14

Compartilhe este conteúdo: