Não são só os adultos que apresentam transtornos psiquiátricos. As crianças também podem ter transtornos psiquiátricos, depressão, TOC, pânico ou fobia. Vale lembrar que a pandemia pode ajudar a desencadear algum transtorno psiquiátrico infantil. Então, é importante que pais, avós, cuidadores e professores redobrem a atenção. Diante de alterações sérias de comportamento, leve a criança ao médico.
O médico precisa estar informado e conhecer muitos aspectos dos transtornos nos pequenos, pois o diagnóstico é clínico. O que deve chamar atenção é se o comportamento traz algum tipo de prejuízo seja social, biológico e/ou afetivo na vida dessa criança. É necessário também prestar atenção se acontece em vários locais como, por exemplo, na escola, em casa ou com os amiguinhos. Verifique e anote se ocorre por um período maior de seis meses e sempre comente com o médico.
Os pais têm de procurar profissionais habilitados para que o filho seja bem assistido. O psiquiatra infantil e o neurologista infantil estão capacitados para auxiliar no tratamento. É necessário ainda uma equipe multidisciplinar composta por psicopedagogos, fonoaudiólogos e psicólogos, dependendo do nível das áreas prejudicadas.
Vale ressaltar que não é só a medicação que resolve. É fundamental que haja uma união entre profissionais da saúde, pais e a escola. O ambiente escolar também deve estar envolvido, pois é o local em que os pequenos ficam mais tempo no decorrer da vida. Assim, o tratamento trará melhores resultados e a criança vai conseguir recuperar a sua qualidade de vida.
“…Só de pensar em sair de casa você já começa a ficar apavorado, confuso, tenso, angustiado e pode chegar até a sentir seu coração disparar. Mesmo sem ameaças imediatas, você não se sente mais seguro fora do seu lar. Sua casa é o único lugar que lhe proporciona segurança e proteção. Esse medo, após longos períodos de isolamento, é justamente o que define a Síndrome da Cabana”
Talvez você nunca tenha ouvido falar na Síndrome da Cabana. Realmente, este termo, apesar de ter surgido em 1900, não é muito conhecido atualmente. No entanto, você, seu vizinho, sua filha, seu amigo, podem estar passando por esta síndrome neste exato momento sem perceber. Como assim? Afinal, o que é a Síndrome da Cabana?
Imagine que a quarentena terminou. Já existe uma vacina para o Covid-19. Não há mais motivos para temer as ruas. No entanto, só de pensar em sair de casa você já começa a ficar apavorado, confuso, tenso, angustiado e pode chegar até a sentir seu coração disparar. Mesmo sem ameaças imediatas, você não se sente mais seguro fora do seu lar. Sua casa é o único lugar que lhe proporciona segurança e proteção. Esse medo, após longos períodos de isolamento, é justamente o que define a Síndrome da Cabana. Este nome foi dado em função dos trabalhadores norte-americanos que se refugiavam em suas cabanas quando o inverno chegava e, depois, tinham receio de voltar à civilização quando o frio terminava.
O mesmo já está acontecendo atualmente, devido à quarentena que nos confinou em nossos lares desde março deste ano. Hoje, algumas pessoas já estão entrando em desespero com a abertura de shoppings, lojas e relaxamento de alguns com relação ao isolamento. Não querem, de modo algum, que a quarentena termine. Obviamente, esse medo pode vir da possibilidade de serem contaminados. Porém, a Síndrome da cabana, ainda que não aja como fator principal, desempenha um papel importante na resistência em voltar à vida normal.
Fonte: encurtador.com.br/biFU7
Antes da quarentena, antes do Covid-19, já havia pessoas que não saíam mais de casa. Trabalhavam em home office, faziam as compras pela internet e passavam períodos muito longos sem colocar os pés na rua. Nosso cérebro se ajusta à nova rotina e o confinamento passa a ser normal e necessário.
Mesmo prisioneiros, após um longo período encarcerados, podem sentir medo de voltar à civilização e, muitas vezes, podem cometer crimes tão logo saiam da cadeia, para poderem voltar à vida a qual já estavam acostumados. A mudança nos tira da zona de conforto, ainda que, para muitos, aquela zona de conforto pareça uma opção ruim.
Mas o que é o medo mesmo?
O medo é uma sensação provocada pelo cérebro que auxilia o indivíduo em sua sobrevivência e adaptação. Se não sentíssemos medo de nada, não teríamos como nos defender e provavelmente morreríamos rapidamente.
Este mecanismo de sobrevivência ocorre a partir do Sistema Nervoso Central. Por exemplo, quando avistamos uma serpente, esta informação é levada ao SNC e passa pelo hipocampo (sede das memórias) que vai conferir se aquela informação já existe. Em seguida, o hipotálamo vai interpretar o que recebeu e relacioná-lo ao perigo. Ao receber essa interpretação, a amígdala (responsável pelas emoções) alerta o organismo na forma de medo. Imaginem uma criança que nunca viu uma cobra nem ouviu nada sobre ela. Ao se deparar com a serpente, não sentirá medo e provavelmente será picada.
Fonte: encurtador.com.br/fnxMN
Assim, sentir medo é não só normal, como necessário. No entanto, há muito medo. O medo pode ser real, como o medo de um assaltante; o medo pode ser imaginário, ou seja, não há nada acontecendo de fato, mas sentimos medo de alguma coisa que não conseguimos definir; o medo pode ser futuro, como o medo da morte; e o medo pode ser desproporcional ao objeto que o causou.
Quando o medo não é específico e dura longos períodos, então ele passa a ser chamado de ansiedade. A ansiedade não tratada e persistente pode levar ao pavor. A síndrome do pânico, por exemplo, e as fobias, quando atrapalham nossa vida, causam muto sofrimento e precisam de ajuda profissional.
O processo da quarentena
Quando a quarentena começou, sentimos muita dificuldade de adaptação. Nossa rotina mudou. Pais que só conviviam com os filhos nos fins de semana, de repente se sentiram perdidos e muito estressados. Marido e mulher começaram a brigar incessantemente. Chegaram a pensar em divórcio. Viajar? Impossível! Hotéis e passagens aéreas canceladas ou perdidas. Os estudos passaram a ser realizados por computador ou celular. Aplicativos, antes desconhecidos, tornaram-se fundamentais.
Muitos sentiram falta dos almoços de domingo na casa dos familiares. Páscoa, aniversários, qualquer atividade festiva precisou ser feita à distância. Abraços e beijos foram proibidos. Pessoas encheram suas casas de produtos não perecíveis com medo de não ter o que comer no futuro. Trabalhar em home office se tornou um desafio. O cachorro late, a criança chora, o prédio ao lado está em construção (e os trabalhadores não entraram em quarentena), o ônibus passa, o calor se torna insuportável e não se pode abrir a janela por causa do barulho, enfim, um caos.
Fonte: encurtador.com.br/AFHT7
Sem falar nos que têm (ou tinham) negócio próprio. Lojas fecharam, diversos trabalhadores passaram a buscar outras atividades para sobreviver, quem tinha pé de meia começou a ver seu dinheiro indo embora, quem não tinha, precisou contar com a ajuda do governo.
Mas, de repente, tudo começou a entrar nos eixos. Amigos passaram a fazer reuniões semanais por vídeo. Pais começaram a valorizar mais tempo com os filhos. Descobrimos que podemos achar de tudo pela internet. Ganhamos mais tempo para ler, estudar, refletir. O casal conseguiu se entender e agora não pensa mais em se divorciar. Parentes que raramente se viam passam a se ver semanalmente em reuniões da família. O pôr do sol ficou mais bonito sem tanta poluição. Psicólogos e Coachings se viram com mais atendimentos. A lista de filmes para serem vistos um dia começou a diminuir. Enfim, tudo o que era muito difícil no começo, passa a ser o certo, o bom, o confortável. Pelo menos, para grande parte da população.
Agora, com a possibilidade de a quarentena terminar, torna-se necessária uma nova adaptação. Começar tudo de novo. Ainda existe o medo do vírus, mas mesmo que não mais existisse, haveria resistência para voltar à vida anterior. Nosso cérebro passou a entender que somente em casa estamos seguros, protegidos. Fora de casa, estamos na selva, estamos na guerra. São os efeitos da síndrome.
Fonte: encurtador.com.br/ipJOY
Então estamos doentes?
A Síndrome da cabana não é uma doença, é um fenômeno natural, diante das circunstâncias. Apesar do nome, não é um transtorno mental, embora possa precisar dos cuidados de um profissional da mesma forma.
Quem sofre desse fenômeno pode sentir muita angústia, muita ansiedade, perder a concentração, perder a memória, passar a comer muito e a dormir muito, embora possa acontecer de o indivíduo perder o apetite e o sono, e alguns sintomas físicos também podem se manifestar, como taquicardia, sudorese, tonturas.
Os sintomas da síndrome podem lembrar a Síndrome do pânico. A diferença é que esta leva o indivíduo ao isolamento, enquanto na Síndrome da cabana acontece o contrário. O isolamento leva o indivíduo ao pânico.
Fonte: encurtador.com.br/AMXZ1
Como voltar à vida normal
Algumas dicas podem ajudar quem está (ou estará) sofrendo dessa síndrome.
1 – Respeite o seu tempo. Não se obrigue, não se cobre, não se culpe. Cada um tem um ritmo diferente e o sentimento é totalmente válido. O importante é não desistir.
2 – Estabeleça uma rotina. Por que isso é importante? Porque na rotina você se sente no controle e se você está no controle, pode controlar os seus pensamentos, portanto, pode controlar seu medo.
3 – Comece aos poucos, devagar, e recompense cada passo, cada progresso. Por exemplo, no primeiro dia, simplesmente abra a porta de sua casa e fique ali, olhando para fora. Avalie como está se sentindo. Se puder, dê alguns passos. Senão, feche a porta e se recompense pela sua coragem. No dia seguinte, tente dar alguns passos para fora. Continue enquanto se sentir confortável. Senão volte. Continue insistindo todos os dias até conseguir ir até a esquina e voltar. Não tem problema retroceder. Não tem problema dar um tempo. Apenas tente. Acredite que você pode. Mas não force. Aumente as recompensas conforme for progredindo.
4 – Lembre-se de todas as coisas boas que você tinha e fazia ao sair de casa. Lembre-se de seus familiares, do churrasco na casa dos amigos, do cinema, dos restaurantes, dos parques, da cervejinha gelada no bar, do sol acariciando sua pele, do vento bagunçando seus cabelos, das viagens divertidas, enfim, comece a condicionar seu cérebro para que ele diminua progressivamente a resposta do medo.
5 – Nada disso está adiantando? Então, procure ajuda de um profissional. Você não precisa sofrer sozinho nem mais do que o necessário. A Síndrome da cabana, quando longa e não monitorada, pode desencadear um quadro depressivo grave.
Fonte: encurtador.com.br/rEP48
Mas a quarentena já acabou?
Não. Ainda é preciso tomar muito cuidado ao sair de casa e, de preferência, não sair. Mas por que já não nos munirmos de todas as informações necessárias para quando essa hora chegar? Quanto maior o nosso conhecimento, mais protegidos e seguros estaremos, agora ou no futuro
Além disso, se pensarmos bem, a tendência é nos isolarmos cada vez mais, com todos trabalhando em home office, lojas físicas se transformando em lojas virtuais e sites de relacionamento indicando que hoje os encontros virtuais são cada vez mais comuns e práticos. Enfim, tudo parece caminhar para que a Síndrome da cabana se torne um fenômeno menos raro e desconhecido.
Portanto, que tal começarmos a praticar desde hoje? Vamos começar desde já a enumerar todas as coisas boas que estão nos esperando lá fora. Vamos escrever todos os dias, mesmo que a informação se repita. Vamos condicionar o nosso cérebro a sentir cada vez mais vontade de sair. Um dia a quarentena acabará. Isso é fato. Então vamos nos preparar para uma nova vida antiga.
Com a chegada do COVID-19 no Brasil, podemos notar que o comportamento das pessoas mudou. Surgiu não apenas a epidemia do vírus, mas também a do medo. Somos um povo muito caloroso e receptivo, gostamos de estar junto dos amigos, de participar de comemorações ou do famoso churrasco do fim de semana. No entanto, a doença forçou todo mundo a se isolar e sem poder mais mostrar nosso carinho nem estar presentes no dia a dia, como antes.
O isolamento pode ser, sim, um gatilho que propicia o surgimento de alguns problemas psicológicos. Para que sejam evitados esses quadros, devemos tentar minimamente manter a rotina. Devemos também tentar conversar e manter contato, mesmo que através das tecnologias, com amigos e conhecidos.
Não devemos deixar os idosos sozinhos, porque eles estão no grupo de risco e podem estar com um medo e ansiedade muito maior. Eles podem entender essa ausência de contato como uma espécie de abandono. Temos que estar a todo o momento explicando e informando a eles o porquê do nosso distanciamento, que nesse caso é para protegê-los. Tantos os mais jovens como os idosos devem buscar atividades que os mantenham ocupados e que lhes dão prazer. Procure hobbies, assista filmes, leia livros ou assista aulas na internet.
Fonte: encurtador.com.br/htHM0
É muito importante que, nesse momento, as pessoas não entrem na epidemia do pânico para não começarem a sentir sintomas que são do COVID-19, como por exemplo, a falta de ar. Existe um pânico como um transtorno mental individual, que afeta o físico. Existe o medo constante da morte como ainda o “pânico cultural”, que é o medo de pensar no que vai ou pode acontecer no futuro.
A falta de ar do pânico surge quando existe o medo de morrer e não se tem controle da situação. Não tem uma causa específica e vem associado a outros sintomas como boca seca, taquicardia, sudorese entre outros. Já a falta de ar do COVID-19 é diferente, pois manifesta sintomas dessa condição junto aos da gripe, congestão nasal, tosse e febre.
Mas o que fazer para não entrar em pânico ou ter crises de ansiedade? Busque somente informações confiáveis sobre o coronavírus e delimite um tempo por dia para ver essas notícias. Caso perceba que está muitas horas em função das notícias, isso pode aumentar a ansiedade e fazer com que fique em estado de alerta, além de mal-estar mental e físico associados.
Fonte: encurtador.com.br/xHJR7
Precisamos estar atentos às informações corretas, à prevenção e a como podemos fazer para não sermos contaminados. O ideal é que busquemos dados que nos tranquilizem e não que nos deixem mais amedrontados. O importante nesse momento é pensar em tudo que a gente tem controle e no coletivo! O que não temos controle, devemos aceitar e continuar fazendo a nossa parte.
Uma alternativa é atendimento online com psicólogos. Caso você já se consulte com um profissional, pode manter aquele mesmo horário ou o profissional também pode atender pessoas que estejam sofrendo agora em virtudes dessas mudanças na rotina. Os atendimentos são feitos através de canais como Skype, ou até mesmo através de chamadas de vídeo no Whatsapp. Assim como você faz com amigos, você pode fazer uma consulta psicológica online no conforto de sua casa e recebendo um atendimento que, com certeza, vai te fazer muito bem.
“No more talking. No more guessing. Don’t even think about nothing that’s not right in front of you. That’s the real challenge. You’ve gotta save yourselves from yourselves” (Rennes, Cube).
Figura: Cena do filme Cubo Fonte: Cubo (1997)
A linguagem fílmica é uma das mais ricas formas de expressão da atualidade, e, em meio a várias obras lançadas diariamente é possível, devido a gama temática existente, se extrair alguns exemplos analíticos de rica expressividade em sua forma de linguagem, propondo reflexões sobre seus significados, representações e interpretações dos mais diversificados gêneros e alcances.
Na segunda metade dos anos de 1990 houve uma onda criativa considerável nos cinemas, recheada por uma plêiade de longas metragens que ajudaram à época, a direcionar alguns dos rumos da indústria cinematográfica até os dias atuais com uma riqueza peculiar de conteúdo e visualização.
Alguns dos principais títulos que compõem este período da sétima arte são: Ghost in the Shell/O Fantasma do Futuro (1995), Abre los ojos (1997), Sev7n/ Sev7n – Os Sete Crimes Capitais (1997), Fight Club/Clube da Luta (1999), Lola Rennt/Corra, Lola, Corra (1998), Cinzas do Paraíso (1997), The Matrix (1999), The Sixth Sense/O Sexto Sentido (1999), L.A. Confidential/Los Angeles – Cidade Proibida (1997), Trainspotting/Trainsportting – Sem Limites (1996), La Cité des enfants perdus/A cidade das crianças perdidas (1995), Magnolia/Magnólia (1999), eXistenZ (1999), entre outros.
Dentre as películas que podem se enquadrar neste movimento criativo peculiar é possível destacar o filme Cubo de 1997 – dirigido e roteirizado por Vincenzo Natali –, objeto de reflexão desta resenha, na qual serão levantadas algumas das principais questões que este filme trouxe consigo em inovação, linguagem cinemática e possiblidades representativas.
Antes da virada do milênio a tônica nas produções cinematográficas, principalmente hollywoodianas, era de pessimismo, enredos com teor intimista, e uma grande dose de descrença na natureza humana, conforme pode ser observado na listagem de títulos contemporâneos à Cubo, e estes elementos, colocados na medida certa de coadunação narrativa é que o destaca na miríade deste olhar cinzento do cinema para com a sociedade que aprecia (ou consome) sua arte.
A alegoria geométrica: molduras de uma espacialidade hermética
Figura: Cena do filme Cubo Fonte: Cubo (1997)
Em Cubo, num período de simultaneidade com nossa instituições governamentais constroem um novo “equipamento” para testes sobre o comportamento humano: um complexo de cubos, em que cada quarto possui uma dimensão de 4,27m de lado, seis pequenas passagens com portas para os outros ambientes, que formam fileiras de 26 cubos, num total de 17.576 quartos, totalizando um imenso labirinto cúbico, como um Cubo de Rubik (Cubo Mágico) gigante.
O elemento extra para cada um destes cubos é sua organização labiríntica, a presença de armadilhas em cinco das seis possiblidades de passagem de um ambiente para outro, como ácido, gás tóxico, lasers, etc. Além disto, fica claro em vários momentos o componente vigilante sobre os indivíduos que são inseridos nesta estrutura cúbica colossal. Basicamente o filme se move como um pêndulo entre estes extremos, os humanos e o cubo, e o degringolar das relações surgidas, estabelecidas ou dilaceradas a partir deste limiar.
O elemento da observação individual e coletiva é explorado em outros filmes como O Sobrevivente (1987), O Show de Truman (1998) e Inimigo do Estado (1998), Janela Indiscreta (1954), Dogville (2003), tendo como principal herdeiro sua a cine-série Jogos Mortais (Saw) a partir de 2004. Se a arte imita a vida e vice-versa, tais obras da sétima arte não poderiam compor exemplo mais contundente, já que em seus conteúdos propõem (re) leituras ora mais ajustadas ora mais ficcionais de nossa própria sociedade cotidiana.
No entanto, o que muda em relação à Cubo, em relação aos outros filmes de temática semelhante, é a abordagem escolhida, já que seu confinamento não busca auxílio em subtextos de grande profundidade sobre os personagens, pelo contrário, a exposição das pessoas como sacos de carne em exposição, busca chocar o espectador, deixando de lado grandes arcos heroicos, curvas de superação catártica ou elaboradas desventuras na trama, explorando temas como o medo, o desespero, a angústia, a solidão e descrença social.
O filme Cubo tem por característica de utilização de padrões estereotípicos em relação às pessoas que vivenciam o ambiente do cubo durante o longa-metragem, e neste ponto a direção se rende a certos arquétipos sobre os personagens, que se torna justificável em prol das propostas de reflexão da narrativa. Desta forma podemos ir um pouco mais além no olhar ao observarmos com mais apuro que o “personagem” principal do filme é o próprio cubo no qual todos ali estão aprisionados.
Ironicamente a frenesi do voyeurismo viria se tornar algo comum no início do terceiro milênio, com inúmeros programas televisivos que exploram a visualidade “oculta” da rotina alheia como argumento de entretenimento, os já saturados realities shows: Big Brother, Expedition Robinson, Survivor e os inúmeros shows de talentos. Em outras palavras, há a conversão do mundo real em espetáculo, e os indivíduos que se sujeitam à apresentação como roedores entretendo grandes massas.
A espacialidade do cubo humano do longa é sombria, metálica e fria, composta por rarefação de cores, com exceção dos momentos em que o sangue de algum dos “prisioneiros” escorre pelas faces das milhares de salas cúbicas. Este visual, que mistura elementos do cyberpunk com certa distopia e tecnofobia, colocam as sensações claustrofóbicas, de medo e histeria ainda maiores.
Não há especialistas capazes de burlar o sentido do cubo, o máximo que os elementos que nele passam podem almejar é torcer para a unificação de causalidades, suas condições humanas foram completamente eliminadas a partir do momento que acordam em meio àquelas seis paredes.
Sentidos do oco cúbico
Figura: O cubo por dentro Fonte: Cubo (1997)
Medo, Paranoia e Desespero são as adjetivações que aparecem nas capas internacionais do filme Cubo de 1997. E tais menções semânticas não são exagero quando nos debruçamos sobre a obra, que, em seus primeiros minutos já retiram dos indivíduos suas histórias pessoais, relegando ao próprio cubo megalômano o papel principal do filme que recebe seu nome.
As paredes do ente geométrico gigantesco oferecerão apenas os interstícios de sua vastidão oca, passível de preenchimento apenas pela rarefação de toda racionalidade daqueles que tentar compreendê-lo. O cubo, assim como a esfera sempre fez parte do rol de objetos de fascínio humano, por representarem, de alguma maneira, aspectos de uma perfeição de forma que provoca um misto de admiração e inquietude em sua estética. E é de se impressionar com filmes de baixo orçamento, mas, sustentados por boas ideias conseguem arrebatar não apenas fundos de retorno financeiros, mas aclamação crítica e agrado do público.
Natali, com seu filme de 1997 alcançou, por meio do fascínio geométrico do cubo, e a decomposição da humanidade do humano, colocar muitas questões sobre sociabilidade, desenvolvimento tecnológico, impessoalidade das relações humanas, indústria do entretenimento, dentre outros.
Há de certo modo uma analogia do megacubo de confinamento humano para testes com o desenfreado desenvolvimento da tecnologia nos dias atuais, pois, ao se dar o start no funcionamento da máquina ela toma vida própria, e aqueles que nela e por ela estiverem inseridos ou dependentes tornam-se vulneráveis da grandiosidade de seu poder de automanutenção, algo como a criatura superando seu criador, recurso narrativo amplamente utilizado em outras obras fílmicas, artísticas e culturais nos dias atuais.
No filme de 1997 esta peculiaridade do cubo é explorada em seu tom mais enigmático, aliado à uma ambientação de sobrevivência, horror e claustrofobia. Como aprofundamento dos próprios horizontes interpretativos de Cubo, há suas continuações, Cubo²: Hipercubo (2002) e Cubo Zero (2004) que falham no quesito originalidade de seu predecessor, mas acrescentam maiores arestas do debate diegético proposto no primeiro longa, agraciado com prêmios em festivais como Brussels International Festival of Fantasy Film, Canadian Society of Cinematographers Awards, Fantasporto, Gérardmer Film Festival, Puchon International Fantastic Film Festival, Sitges – Catalonian International Film Festival e Sudbury Cinéfest.
Por fim, a contar da última parte da trilogia, em mais há mais de dez anos, é notável que não tenha surgido, mesmo que por experimentação estilística, algo que se assemelhe ao exercício apresentado em Cubo. Trabalhar com questões sobre o conflito entre as decisões emocionais e racionais, gênero e etnia, os valores éticos e morais do apelo punitivo em sua jurisprudência, dentre outros aspectos, é algo raro de encontrar nas atuais propostas fílmicas.
Enquanto isso, a linguagem “cúbica” de Vincenzo Natali ainda surge como uma obra de vanguarda, ao tratar com secura e frigidez as arestas da desumanidade do ser humano, capaz de apreciar meticulosamente o decaimento existencial dos seus iguais, mesmo como mera apreciação sádica de uma estrutura tecnológica quase senciente de sua desumanização.
Se o leitor perguntar quais foram os filmes que me levaram para este apaixonante vício cinematográfico, com certeza Tubarão vai estar no topo da lista. Ainda tenho lembranças daquelas infinitas e vazias tardes em frente à TV e o dia em que não me movi durante duas horas – algo bastante raro para uma criança entre seus sete e oito anos. Naquele nível máximo de simbiose com o sofá, estava boquiaberto com a cena de uma bela loira sendo arrastada violentamente por alguma coisa no mar. Entre seus gritos suplicantes por ajuda, uma trilha sonora angustiante ia, pouco a pouco, tomando conta do ambiente: aquele era o prenúncio da morte. E tudo nos 10 minutos iniciais. – Nossa! Pensei, fascinado e paralisado – Esse é dos bons! Neste dia experimentei, inconscientemente, toda a força do cinema hollywoodiano. Mal sabia que estava diante de um clássico que iniciaria uma era e revelaria um dos mais talentosos e criativos diretores de todos os tempos: Steven Spielberg. Sem dúvida nenhuma comecei com o pé direito.
Mas, segundo palavras do seu criador, “Tubarão é um divertido filme de se ver, mas não é tão divertido de se fazer”. Baseado no best-seller de Peter Benchley, o roteiro adaptado, escrito a quatro mãos, foi entregue a Spielberg, visto como um jovem promissor, que tinha no currículo somente alguns curtas e um filme feito direto para a televisão. Logo, se qualquer coisa desse errado não seria tão difícil achar o culpado. Mas a maior dor de cabeça do diretor, além do prazo e orçamento estourados, foi o protagonista do longa: Bruce, o tubarão mecânico construído para o filme, que teimava em não funcionar durante as filmagens. Há várias imagens na internet dos momentos de descanso da equipe enquanto o temperamental Bruce ficava cercado por mecânicos. Outro que tirou Spielberg do sério foi John Willians, responsável pela trilha sonora. Com os prazos no limite, Willians teve dificuldades em fazer o jovem diretor acreditar no seu trabalho final. Quando o músico tocou pela primeira vez o que havia vislumbrado para anunciar os ataques, Spielberg acreditou que aquilo era uma piada. Foi preciso ele ouvir uma série de vezes para entender que ali estava a alma e, posteriormente, a marca registrada de seu trabalho.
Prontos para a estréia, mas não certos do sucesso, Tubarão chegou aos cinemas em 1975 com toda equipe receosa que a audiência caísse na gargalhada ao ver o grande peixe mecânico. Ledo engano. Tubarão foi o primeiro filme americano a ultrapassar a marca dos 100 milhões de dólares arrecadados nas bilheterias e forjou o termo blockbuster ao denominar o fenômeno das enormes filas, que dobravam esquinas, formadas por pessoas nas portas dos cinemas para assistirem ao filme. Todas ansiosas para sentir aquele frio na barriga durante longos 120 minutos.
Analisando friamente, Tubarão foi um grande tiro no escuro. Perceba: o enredo se passa em uma pequena cidade litorânea que se vê ameaçada por um grande tubarão branco que só vemos, praticamente, no final do filme. Quais as chances das pessoas embarcarem nisso, principalmente aquelas que, à época, mal conheciam o mar e muito menos tinham noção do que era um tubarão? Filmes de ficção têm seus seres gosmentos, os slashers, têm sua violência escatológica, mas não menos aterrorizante, baseado no lado obscuro dos homens. Mas dizer às pessoas que existe um assassino real embaixo das águas parece realmente um exagero. Ou não?
Recentemente resolvi embarcar nesta montanha russa novamente, queria observar se toda a minha fascinação pelo filme era devido a minha larga imaginação infantil ou se realmente o brilhantismo do longa ia me agarrar pelas pernas mais uma vez. Bem, constatei que o filme está longe de ser datado. Tudo nele é como um complexo quebra-cabeça onde é difícil imaginar como seria o produto final se faltasse uma das peças. Claro que Bruce não é tão verossímil assim depois de uma reprise, mas depois de mais de sessenta minutos de tensão, quando ele resolve aparecer você já está acreditando que aquele robô desengonçado é um temido assassino dos sete mares. Antes do apoteótico final, ao qual ele “sobe” em cima do barco, demonstrando quem é que manda naquele pedaço, ficamos realmente aterrorizados, porque simplesmente na maior parte do tempo só vemos a calmaria das águas sendo cortada por sua amedrontadora barbatana.
E a história nos permite, mesmo com um cenário tão improvável à época para os telespectadores, uma ligação. Martin Brody (Roy Scheider), o protagonista, decide aceitar o emprego de xerife da cidade litorânea de Amity com o intuito de fugir da violência das grandes metrópoles. Sua maior preocupação no novo emprego é em controlar brigas de vizinhos e garotos malcriados. Até o dia que encontram o corpo de uma jovem destroçada na praia. A sua luta se dá em duas frentes, se fazer acreditar diante daqueles que prometeu proteger de que algo maior os ameaça e não permitir que tamanha violência chegue à sua família. E, ao contrário de filmes de assassinos, onde existe um grupo específico que é perseguido, em Tubarão há algo que ataca indistintamente, de crianças a cães (algo raro de acontecer até em filmes do gênero).
Tubarão não deixa de ser o velho e conhecido bicho-papão ou, para nacionalizar mais, o homem-do-saco. Ele está sempre à espreita, como nossas mães e tias sempre fazem questão de lembrar, embaixo das nossas camas, dentro do guarda-roupa ou escondido em um canto escuro da casa. É o medo mais primitivo do ser humano. Não vemos, mas sabemos que ele nos vê e está lá, só basta um deslize para ele conseguir o que quer: pegar eu e você. A mensagem do filme é clara: a paz e a segurança são uma utopia social, criada pelos homens. O que existe é um pequeno véu de momentânea tranqüilidade. E o terror aqui é mais profundo e incontrolável do que aqueles que vemos pela TV nos noticiários, porque ele é natural. É um aviso da natureza lembrando que fazemos parte dela, e que além das leis racionais que seguimos, existe uma maior que nos rege. A música tema aterroriza por anunciar a violência, mas essa mesma violência chega sem avisos, sem trilha sonora, na vida real não vemos e nem ouvimos quando ela vem. Ela simplesmente desaba sobre nós. E quando, no filme, o homem decide tomar as rédeas da situação, indo à caça do monstro, a história revela que por mais que sejamos racionais nunca estamos preparados para enfrentar algo além da compreensão humana. A cena em que o experiente caçador Quint (Robert Shaw) é devorado vivo diante dos seus colegas de barco é uma exemplificação da reação humana diante dos desastres naturais, aqueles que o homem por séculos tenta entender, controlar, dominar… e não consegue. O erro é tentar racionalizar tais ações, o que pode levar a loucura; julgamos tudo isso violento, mas apenas tomando como parâmetro nossa própria concepção do mundo.
No primeiro rascunho do roteiro, a natureza vencia ao final. Os três caçadores sucumbiam diante da fome do grande tubarão branco. Produtores não gostaram e pediram mudanças, estas quais foram filmadas e aplaudidas durante as sessões de cinema. Depois de tanto sangue derramado, todos queriam vingança, queriam se livrar daquele medo incontrolável que permeava suas mentes. Os telespectadores têm a necessidade de sair do cinema com a sensação de segurança, que ao final tudo vai acabar bem, sempre. E isso foi dado ao público, que saiu satisfeito em ter seu medo dissolvido com a coragem e inteligência do homem representado pelo protagonista. Porém, observar os dois sobreviventes nadando, ao final, na imensidão do mar, acaba por deixar uma mensagem mais sutil. Ainda somos pequenos diante da grandeza da natureza. O mar acaba se tornando símbolo dos nossos maiores medos: imenso, desconhecido, cheio de possibilidades. E sobreviver mergulhado nele é uma batalha cruel, travada constantemente por qualquer coisa viva.
Spielberg voltaria ao tema décadas depois com Jurassic Park, onde, claramente, a sensação de controle é colocada como uma mera ilusão. Mas Tubarão, junto com Os Pássaros, de Hitchcock, é uma das muitas representações do medo que Hollywood soube tão bem massificar; o caso aqui é da natureza versus o homem, o terror mais primitivo, talvez o primeiro, e cada vez mais distante do nosso “seguro” cotidiano, mas que vez ou outra o cinema ou a própria natureza nos trata de recordar.
FICHA TÉCNICA
TUBARÃO
Título Original: Jaws Direção: Steven Spielberg Roteiro: Peter Benchley &Carl Gottlieb Elenco: Roy Scheider, Robert Shaw, Richard Dreyfuss Produção: David Brown & Richard D. Zanuck Fotografia: Bill Butler Ano: 1975