A necessidade de flexibilidade e mudanças de paradigmas na construção de uma vida melhor: Um diálogo com Ailton Krenak

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Pensar no fim do mundo hoje não é uma realidade distante, basta abrir qualquer rede social, ver um jornal, ou sair de dentro de casa. São crises ambientais, guerras, violências desmedidas, consumismo desenfreado dos recursos naturais e daria para listar outros milhares de fenômenos que podem acabar com nossa existência. Todos provocados ou intensificados por nós, humanos. Soma-se a esse cenário caótico uma população extremamente adoecida, fruto desse modo de viver criado por nossa “civilização”, que alimenta a mentira de que “precisamos” de mil e um apetrechos para sobreviver. Nos afastamos das nossas origens, tomamos a natureza como objeto e até a nós mesmos. Tudo que produzimos vira comércio. Nessa perspectiva, esse trecho do livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo de Ailton Krenak traz a seguinte reflexão: 

“Acabaram os cientistas. Toda pessoa que seja capaz de trazer uma inovação nos processos que conhecemos é capturada pela máquina de fazer coisas, da mercadoria. Antes de essa pessoa contribuir, em qualquer sentido, para abrir uma janela de respiro a essa nossa ansiedade de perder o seio da mãe, vem logo um aparato artificial para dar mais um tempo de canseira na gente”, (Krenak, 2020, p.31). 

Ailton Krenak / Fonte: Fliparacatu-Divulgação

Ao ler este trecho, eu me senti descobrindo ouro. Estamos tão submersos em fazer da nossa vida pura mercadoria a serviço do capitalismo neoliberal, que a universidade serve ao mercado da profissão e não ao desenvolvimento intelectual, o conhecimento se tornou mero objeto, não se usa mais ciência para se descobrir mundos, trata-se de como desempenhar melhor, de estatísticas, de rotular, padronizar, embalar e vender tudo, então perde-se aí uma grande oportunidade de redirecionar a busca de conhecimento, o fazer da ciência  uma modificação de paradigmas, para uma mudança significativa de estruturas, como uma ferramenta revolucionária e não para fazer mais do mesmo : aparato artificial para dar mais um tempo de canseira na gente”. E sobre esse pensamento de Krenak quero destacar dois pontos: o primeiro é que ele invoca o fato que essa mesma ciência pode ser usada para salvar o ser humano do caos instaurado na humanidade advindo desse modelo de vida no qual estamos submersos, dessa pandemia de adoecimento mental, dessa catástrofe ambiental, e da pobreza de espírito, seria a hora de usar nossa capacidade criativa, nossos conhecimentos ancestrais para criar novas formas de vida “para abrir uma janela de respiro”. E o segundo é a crítica a esse modo de vida em que tudo se torna commodity, até expressões da alma como: Arte, música, dança, e a espiritualidade que tornam-se mercadorias pois: “Toda pessoa que seja capaz de trazer uma inovação nos processos que conhecemos é capturada pela máquina de fazer coisas, da mercadoria”.

Penso aqui que flexibilidade seria uma ferramenta indispensável numa mudança a nível de mundo, onde vivemos com padrões tão altos e fixados em papéis tão rígidos. O primeiro e mais nocivo dos papéis tendo a dizer que é um pensamento estabelecido no inconsciente coletivo de que todos estamos fazendo ou precisamos fazer algo grandioso, com performances de desempenhos inalcançáveis ditadas pelo neoliberalismo, que só gera sofrimento e adoecimento, e são incansavelmente potencializadas pelas redes sociais e seu imediatismo pois: “…ela pode nos induzir a uma grande ilusão de resultados, de eficácia. Você se dedica a esse ambiente por horas a fio e acho que está movendo alguma coisa, mas na verdade podemos ficar ali a vida inteira e não mover nada.” (Krenak, 2020, p.49), tendo essa fala  como gancho já engato uma segundo ponto que é a ideia que coloca o homem com  funcionamentos para além de sua capacidade física e mental ,vivemos o maior tempo de aceleramento da história, que gera adoecimento em massa, depressão, ansiedade e um excesso de patologização do comum, pois também é uma era que banaliza, exclui e ridiculariza qualquer vestígio mínimo de humanidade, já dizia Byung:

“A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de  desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais ‘sujeitos de obediência’, mas ‘sujeitos de desempenho e produção’. São empresários de si mesmos, no lugar de ‘proibição’, ‘mandamento’ ou ‘lei’, então ‘projeto’ ou ‘iniciativa’ é ‘motivação’. A sociedade disciplinar é dominada pelo ‘não’. Sua negatividade gera loucos e delinquentes. A sociedade do desempenho, pelo contrário, gera depressivos e fracassados.”, (Byung-Chul Han, 2015).

E quando nos propomos a viver como máquinas de desempenho, o homem coloniza até sua condição humana, nesse trecho do livro “A terra dá, a terra quer”, traz um bom desenho de que :  “Contudo, não são todos os animais que conseguimos adestrar. Alguns ficam atrofiados fisicamente – quando se exige do animal um esforço físico para além do que é capaz. Outros ficam atrofiados mentalmente – quando o animal recebe um choque mental violento” (Bispo, 2023, p.7). Então ao exigir do ser humano que física e mentalmente consiga dar conta de toda essa insanidade moderna, é igual a insistir em um colapso de ambas as esferas, não é à toa que vivemos essa epidemia de mentes e corpos atrofiados, vivendo dia após dia como autômatos.

Por fim é necessário ressaltar o papel mais destrutivo o da individualização, em que nos separamos da terra e uns dos outros, nos colocando como únicos responsáveis pela nossa própria existência e bem estar, algo que resulta numa  lógica de auto culpabilização e sentimentos de fracassos pois já sabemos que os níveis onde se deve chegar  tornam-se inalcançáveis, mas a maior sandice da história é o ser humano comprar essa mentira ,pois nós somos sociáveis desde o ventre, não temos capacidades de existirmos sem o contato com o outro, e essa mentira de auto suficiência, de sermos superiores a todas as espécies só resultou no sucateamento, e destruição do maior órgão vivo, o nosso planeta, onde cada ecossistema necessita do outro para manter sua existência, assim retratando nossa realidade, e diria que até superficialmente, pois as questões que aqui trouxe não engloba todo o problema, e nessa perspectiva é que penso, Como mudar essa realidade? o que traria luz a esse túnel escuro?, se não uma flexibilidade, uma nova forma de olhar a nossa existência, questionar os roteiros frouxos, não se contentar em aceitar essa como única condição de vida, é ousar novas formas de viver, é criar novos mundos, ou até povoar velhos mundo com a sabedoria de nossos ancestrais, de forma simples e objetiva Krenak contribui com seu pensamento: “Quando você sentir que o céu está ficando muito baixo, é só empurrá-lo e respirar. (Krenak, 2020, p. 57)”. 

Espantosamente brilhante essa sugestão de que se esse modelo de existir está sufocante, por que não pensar em um outro? Por que só aceitar? Por que não ir contra essa rigidez de pensamento de que só devemos aceitar, e seguir a maré? O nosso saudoso Nego Bispo que hoje já ancestralizou, contribuiu com seu pensamento otimista, que é necessário confluências: “um rio não deixa de ser um rio porque conflui com outro rio. Ao contrário: ele passa a ser ele mesmo e outros rios, ele se fortalece. Quando a gente confluência, a gente não deixa de ser a gente, a gente passa a ser a gente e outra gente” (Bispo, 2023, p.9). É na retomada do contato com o outro que podemos criar e fortalecer uma nova forma de existência, é no contato com o outro que nos transformamos em outro alguém, um contato genuíno e real que desafie os formatos de relações líquidas que nossa sociedade atravessa, e é assim que criaremos novos contextos e escreveremos uma história possível, da qual não sairemos destruídos, evocando mundos diversos que se implodem na existência com o outro, assim Nego Bispo através de um diálogo com Krenak, traz a fala: “procura animar uma perspectiva em que as confluências não dão conta de tudo, mas abrem possibilidade para outros mundos”. (Krenak ,2020, p. 42) e assim tomo de empréstimo a sabedoria ancestral de Nego bispo em: A terra dá, a terra quer:

“Para enfraquecer o desenvolvimento sustentável, nós trouxemos a biointeração; para a coincidência, trouxemos a 3 confluência; para o saber sintético, o saber orgânico; para o transporte, a transfluência; para o dinheiro (ou a troca), o compartilhamento; para a colonização, a contracolonização… e assim por diante. (Bispo, 2023, p. ). 

Nego Bispo / Fonte: Brasil de Fato

Aqui ele traz de forma genial em sua fala simples, a possibilidade de repovoarmos nossos imaginários, para a sociedade do desempenho o descanso, para o individualismo o coletivismo, para o fim do mundo um recomeço, pois não existe fim na perspectiva de Antônio Bispo dos Santos:

 

“Nós, caminhando pelos penhascos,

atingimos o equilíbrio das planícies.

Nós, nadando contra as marés,

atingimos a força dos mares.

Nós, edificando nos lamaçais,

atingimos a firmeza dos lajeiros.

Nós, habitando nos rincões,

atingimos a proximidade da redondeza.

Nós somos o começo, o meio e o começo.

Existiremos sempre,

sorrindo nas tristezas

para festejar a vinda das alegrias.

Nossas trajetórias nos movem,

Nossa ancestralidade nos guia.”

(Antônio Bispo dos Santos).

Referências 

BISPO, Antônio. A Terra dá, a terra quer. São Paulo: Editora SCHWARCZ, 2019. 

BYUNG-CHUL HAN. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015. 

KRENAK, Ailton. Futuro Ancestral. São Paulo: Editora SCHWARCZ, 2022. 

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Editora SCHWARCZ, 2019. 

(Sem autor definido). Redes da Maré. Somos começo, meio e começo – um até breve a Nêgo Bispo. Rio de Janeiro,2023. Disponível em: <link>.

 

 

 

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De frente com a escola: desconstruir é preciso

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Minha jornada no desenvolvimento da disciplina Estágio básico III, foi desafiadora e surpreendente, constatei que a quebra de paradigmas é fundamental nesse processo, o desconstruir é constante. Como comenta Gesser (2013), o grande desafio dos profissionais em Psicologia na contemporaneidade é o de desconstruir a busca de homogeneização dos indivíduos. Concordo com o autor. Cada vez mais tenta-se uma padronização onde as pessoas procuram manter-se em um modelo e aqueles que não se enquadram nesse padrão, podem ser excluídas ou ditas anormais. Nesse processo abandona-se a subjetividade do sujeito (GESSER, 2013).

As experiências vividas nas intervenções realizadas nesse estágio, me fizeram refletir sobre as dificuldades dos professores no contexto escolar. Esses profissionais estão sempre buscando construir algo novo para superar obstáculos e dificuldades, no processo ensino aprendizagem. O desgaste físico e emocional é notado pelas relações fragilizadas pela falta de confiança, de entendimento e compreensão, a rotina diária do trabalho do professor tratasse não somente de planejamentos e regência de aula, mas de investimento afetivo. E existem momentos onde o professor é desrespeitado pelo aluno, pelos pais e até mesmo pela sociedade.

Fonte: https://bit.ly/2lIhP8e

Como afirma Witter apud Lipp (2003, p.09), a escola é um microcosmo que reflete o mundo exterior e seus problemas, a autora acrescenta que por ter suas especificidades, também gera problemas, por vezes se projetam além muro. Assim, estudar e cuidar da escola e seus personagens é um compromisso social que não podemos ignorar. Por isso, vejo a importância dos estágios como grande aprendizado, não somente relacionando teoria e prática, mas podendo contribuir para futuras transformações nos contextos vivenciados.

REFERÊNCIAS:

GESSER, Marivete. Políticas públicas e direitos humanos: desafios à atuação do Psicólogo. Psicologia Ciência e Profissão, v. 33, 2013.

PORTO WITTER, G.; ARDOINO PASCHOAL, G. Estresse profissional na base Scielo. Braz J Health.[Internet], p. 171-85, 2010.

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Psicoterapia no SUS: mudança de paradigmas

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Em dezembro de 2017 fiz o primeiro contato com a Unidade Básica de Saúde (UBS) que abrange minha quadra devido à continuidade de dias depressivos a que estava submersa. Confesso que já me direcionei à unidade pessimista, pois ao falar de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) a imagem que me vinha à cabeça era a seguinte: unidade lotada, funcionários mal educados e demora – muita demora – para enfim ser submetida ao atendimento. No entanto, a representação que existia nas minhas “caixinhas mentais” (categorização) deu lugar a uma significativa mudança e ruptura de pensamento: ao chegar no “postinho”, me deparei com pouquíssimos pacientes aguardando por atendimento e o mais incrível: fui rapidamente atendida.

O meu intuito era conseguir psicoterapia. Para isso, precisava antes passar pela triagem com a enfermeira e depois ser encaminhada para a médica clínica geral (que tinha consigo duas estagiárias). Naquele momento, fez algumas perguntas sobre meu estado e finalmente fui encaminhada para a profissional de Psicologia. Na recepção, fui informada de que em breve a psicóloga que atendia na unidade me ligaria e assim o tratamento breve se iniciaria. Contudo, passou-se 4 (quatro) meses e nada de me ligarem. Até cheguei a comentar com alguns amigos, demonstrando insatisfação: “se fosse para eu ter me matado, eu já o teria feito”.

Fonte: https://bit.ly/2JVwPgC

Assim, diante da demora e com uma amiga dizendo que já havia iniciado psicoterapia na UBS em questão me direcionei à mesma novamente, já que estava outra vez movida por esperança. Neste mesmo dia comecei a triagem com a psicóloga, processos identificatórios aconteceram e estive muito contente e disposta a me engajar com o tratamento – e que durará 3 (três) meses, devido à alta demanda do serviço.

Somado a isso, me sinto satisfeita por estar agora, em virtude das aulas de Saúde, Bioética e Sociedade, entendendo sobre os processos e características da rede, como: complexidade, saúde, doença, referência e contrarreferência. Este acréscimo de conhecimento me leva a enxergar o quão maravilhosa consegue ser a proposta de saúde que temos para a nação brasileira. No entanto, compreendo que, apesar dos princípios e diretrizes serem realmente motivadores para os corações sonhadores e crentes na possibilidade de mudança, há muito a ser feito para a melhoria de situações análogas a que vivenciei, por exemplo.

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Mulher Maravilha: um novo paradigma para a mulher moderna

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O filme Mulher Maravilha se inicia mostrando o mundo das Amazonas, na ilha de Themyscira, e como são criadas para serem guerreiras imbatíveis. Conhecemos a rainha Hipólita e sua pequena filha Diana, que se tornará a heroína da história. A Rainha narra a filha – que deseja se tornar uma guerreira – que as Amazonas foram criadas por Zeus para proteger os humanos contra a ira de Ares (deus da Guerra).

Na Mitologia Grega, as Amazonas eram integrantes de uma sociedade de mulheres guerreiras, que não permitiam a entrada dos homens e nem se casavam. Eram independente e lutavam com os homens que tentavam domina-las. Em algumas versões, elas eram proibidas de ter relações sexuais com os homens e esses eram proibidos de viver na comunidade amazona. Mas em outras versões- para preservar a raça–elas tinham relações sexuais com estrangeiros. Os meninos que nasciam destas relações eram, ou mortos, ou enviados ao pai; as meninas eram criadas pelas mães e treinadas em práticas agrícolas, e nas artes da guerra.

As amazonas aparecem em diversos mitos. Um dos mais famosos é um dos 12 trabalhos de Hércules, onde ele precisa roubar o cinturão da Rainha Hipólita. Nessa jornada, seu amigo Teseu sequestrou a irmã de Hipólita, Antíope, e essa morre em batalha contra suas compatriotas. Em vingança, por tentarem roubar o cinturão de Hipólita e por terem levado Antíope como refém, as Amazonas entram em guerra contra os gregos.

Na Mitologia, Hipólita e Antíope são filhas de Ares com a rainha Amazona Otrera. No filme, as irmãs, estão em guerra contra Ares, ou seja, elas estão em guerra com o Pai, por haverem sido reprimidas e esquecidas em uma ilha (no filme escondida por Zeus). O filme apresenta uma visão diferente da cultura patriarcal em relação ao mal. O mal entrou no mundo pelo masculino, em contraste com a cultura judaico – cristã, onde o mal entrou pela mulher. Essa talvez seja uma reação contrária a unilateralidade do patriarcado.

Contudo, no filme o mal também está presente na humanidade. O ser humano é um mosaico de opostos. Luz e sombra convivem em cada alma, e essa guerra interna é a marca do homem ocidental. A princesa Diana nasceu nessa ilha e foi treinada para ser uma guerreira desde criança. Diana é a grande heroína da história e traz uma imagem de feminino bastante valorizada nos dias atuais: o da mulher guerreira e independente.

As mulheres modernas se identificam com esse papel de guerreira e são treinadas desde novinhas a assumi-lo. Hoje a mulher tem sua carreira, cuida da casa, dos filhos e de si própria e cada vez mais desconfia do amor e do relacionamento. Mas ela também é a heroína, ou seja, ela irá restaurar a situação saudável da Psique (Von Franz, 2005).

O filme apresenta dois mundos bem distintos: o das Amazonas, escondido, matriarcal e com um ódio terrível dos homens e o dos humanos, em guerra e estritamente patriarcal. Diana tem como missão unir esses mundos. As Amazonas eram estritamente matriarcais, adoravam a deusa Ártemis – senhora da natureza e vida selvagem -, cultuavam a terra e eram agrícolas.

Como afirma Neumann (1995), o desenvolvimento da psicologia feminina no patriarcado está em oposição a Grande Mãe. Mas ele não deve levar a violentação da natureza feminina através do masculino, nem o feminino deve perder o contato com o Self feminino. O “aprisionamento no patriarcado” representa uma derrota diante da estabilidade matriarcal feminina, por isso a oposição das forças matriarcais forma uma oposição ao aprisionamento do feminino no patriarcado. Podemos ver a ação dessas forças de oposição nas Amazonas e seu ódio aos homens.

Essa força opositora pode parecer regressiva, mas existe nela um elemento positivo no desenvolvimento feminino. Diana é impulsionada por essa “regressão”. O ódio impulsionado pela sombra feminina leva a heroína a uma ampliação da personalidade. Seu nome vem da deusa romana equivalente a Ártemis. Deusa da Lua e da caça, Diana era uma caçadora vigorosa e indiferente ao amor. Portanto, vemos o desenvolvimento provindo do aspecto feminino do Self em uma ação “regressiva”.

Diana observa um avião das forças armadas caindo na ilha e resgata o capitão Steve Trevor. A ilha logo é invadida pelo grupo de alemães que o perseguia. Conhecendo Steve, Diana coloca em movimento as forças masculinas de sua natureza. Ela sai armada de uma espada com ele e passa a percorrer um caminho que se opõe a Grande Mãe. Com ele, Diana vai colocar em movimento as forças masculinas positivas, para então se apaixonar e abandonar toda a inflação que essas forças provocaram em si.

Diana como um ego ideal, mostra como o ego feminino empresta a força masculina positiva para então sucumbir (do ponto de vista do patriarcado) ao amor, assim como Psiquê no mito “fracassa” movida por amor a Eros. A heroína parte rumo ao encontro com Ares para mata-lo e acabar com a guerra, que está destruindo a humanidade. Nesse embate Diana irá se confrontar com o aspecto paterno terrível.

No processo de desenvolvimento psíquico, o confronto com os aspectos terríveis da uroboros materna e paterna são decisivos para a estruturação da personalidade. Diana usa a espada nesse confronto, ou seja, ela ainda se apropria dos aspectos masculinos da personalidade nesse embate. Mas ela realmente se descobre e atinge a realização ao abrir mão da espada.

Steve se sacrifica pilotando um bombardeiro. Ao presenciar a morte do amado – que se sacrifica pela humanidade – Diana acessa o amor e a compaixão, todos aspectos da coniuctio superior, que na alquimia é o objetivo máximo da opus e do processo de individuação (Edinger, 2006). Com esse confronto e com esse amor ela se descobre deusa e imortal, bem como descobre sua missão. Edinger (2006) comenta que a coniuctio superior, o Si – mesmo une e reconcilia os opostos, com isso o ego humano faz com que o Si – mesmo se manifeste. Mas esse sustentar os opostos equivale a uma paralisia que chega às raias de uma verdadeira crucificação.

Jung (1997) sobre a coniuctio diz:“(…) E uma imagem daquele que ama alguém e seu coração é ferido de amor. Assim Cristo foi ferido na Cruz pelo amor à Igreja. ” Ele cita Santo Agostinho: “Cristo caminha em frente como o esposo ao deixar seu aposento; como o presságio das núpcias, sai para o campo do mundo…chega ao leito nupcial da cruz e lá estabeleceu a união conjugal…e entregou-se em castigo no lugar da esposa…e uniu a si sua mulher por direito eterno. ”

Portanto, em Mulher Maravilha, vemos retratado simbolicamente o desenvolvimento feminino rumo a realização máxima do processo de individuação, que ocorre por meio do amor. Diana suporta o sofrimento em si própria e integra os aspectos positivos e negativos de forças arquetípicas. Ela une Logos e Eros em si e se torna um símbolo que pode espelhar o desenvolvimento da mulher moderna em seu processo de individuação.

REFERÊNCIAS: 

EDINGER, E.F. Anatomia da psique:O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. O Desenvolvimento da Personalidade. Ed Vozes. Petrópolis, 1988.

JUNG, C.G. MysteriumConiuctionis. ed.Vozes. Petrópolis: 1997.

NEUMANN, E. Amor e Psique – Uma interpretação psicológica do conto de Apuléio. São Paulo, Cultrix: 1995.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed.Paulus. São Paulo: 2005.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

MULHER MARAVILHA

Diretor: Patty Jenkins
Elenco: Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright;
País: EUA
Ano: 2017
Classificação: 12

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(En)Cena é parceiro no III Seminário de Psicologia e Políticas Públicas

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O CRP-23 promoverá nos dias 6 e 7 de novembro próximo, o III Seminário Tocantinense de Psicologia e Políticas Públicas. Este era um evento que o CRP-09, quando tinha jurisdição no Tocantins, já realizava e que o I Plenário entendendo sua importância dá continuidade.

Sabe-se que que há  profissionais psicólogos trabalhando em praticamente todos os municípios do Estado e que grande parte deles tem seus trabalhos vinculado às políticas públicas. Por outro lado sabe-se que estes profissionais não raramente encontram dificuldade em suas práticas neste âmbito de atuação. Neste contexto o I Plenário, por meio da Comissão Organizadora do evento e do CREPOP (Comissão Regional de Referência Técnica em Psicologia e Politicas Públicas), apostou na intersetorialidade como estratégia de execução das Políticas Públicas e consequente facilitadora do trabalho da(o) psicóloga(o).
Desta forma, o tema escolhido para o evento foi “A Psicologia rumo ao paradigma da intersetorialidade“. No primeiro dia o evento terá a participação de representante do Conselho Federal de Psicologia, que apoia este evento, e em seguida ocorrerá uma mesa redonda que discutirá o tema.
Na primeira parte do segundo dia serão realizadas oficinas nos eixos de prevenção, promoção e assistência/atenção que ocorrerão de forma intersetorial e onde os participantes farão discussão de casos relacionados às políticas públicas. No momento seguinte estas discussões serão apresentadas e delas serão tiradas diretrizes e princípios para a “atuação psi” nas políticas públicas.
     Confira a Programação e faça sua INSCRIÇÃO:
“A Psicologia rumo ao paradigma da intersetorialidade” 
LOCAL:
UNITINS – Fundação Universidade do Tocantins
108 Sul, Alameda 11, Lote 03, Palmas, Tocantins

PROGRAMAÇÃO: 

06/11/2015
18:00 – CREDENCIAMENTO & MOMENTO CULTURAL com Fábio Sabiá
19:15 – Composição de MESA DE AUTORIDADES (CRP 23, CFP e outras autoridades)
20:00 – MESA DE ABERTURA –  (Coordenador do CREPOP do CRP-23 Jonatha Rospide, pela Coordenadora do Programa Integrado de Residências da Saúde de Palmas Juliana Bruno e pelo Convidado Iacã Macerata)
07/11/2015
MANHÃ:
COMPOSIÇÃO DOS GRUPOS PARA OFICINAS POR EIXOS TEMÁTICOS:
PROMOÇÃO – Facilitadora: Semiramis Vedovatto
PREVENÇÃO – Facilitador: Iacã Macerata
ASSISTÊNCIA/ATENÇÃO – Facilitador: Jonatha Rospide
08:00h

Cada Eixo Temático irá trabalhar o Paradigma da Intersetorialidade e os princípios e diretrizes das políticas públicas (saúde, educação, assistência social e justiça). Exemplo: o eixo da promoção trabalhar os princípios e diretrizes das políticas públicas (saúde, educação, assistência social e justiça) em relação á promoção

09:00
Serão formados grupos com componentes dos três eixos (promoção, prevenção e atenção) e cada grupo irá analisar um estudo de caso, direcionando a análise e propostas de práticas em dois sentidos: 1- Concretizar os princípios e diretrizes das políticas públicas (nos três eixos) e 2- Desenvolver práticas Intersetoriais
10:30 – Coffee Break
11:00
Os grupos que fizeram a análise do estudo de caso voltam a se reunir e sistematizam o conjunto de práticas voltadas a cada eixo temático (promoção, prevenção e atenção) dentro do caso analisado e identificam quais princípios e diretrizes das políticas públicas se alinham com tais práticas (através de fichas específicas a serem preenchidas)
12:00 – Intervalo para Almoço
14:00
Reunião Final (Auditório) – Todos os grupos apresentam o seu caso, bem como as práticas sugeridas e os princípios e diretrizes que se alinham a estas práticas. Ao mesmo tempo a coordenação da Plenária Final sistematiza os dados
16:00 – Coffee Break
16:30

Apresentação, discussão e votação do consolidado sistematizado das Práticas sugeridas e Princípios e Diretrizes das políticas públicas que promovem ações intersetoriais. Elaboração de documento que orienta a prática profissional do psicólogo nas políticas públicas rumo a intersetorialidade


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medo

A onipresença do medo na modernidade líquida

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“O medo tem muitos olhos
E enxerga coisas no subterrâneo.”
Miguel de Cervantes Saavedra
Dom Quixote

Para onde caminhamos? É uma boa pergunta quando compreendemos que estamos diante da fluidez humana. Tudo é líquido e se dissolve rapidamente para, então, começar tudo de novo que levará, por conseguinte, ao fluido. A pergunta se faz necessária quando percebemos que o indivíduo, a espécie e a sociedade estão ‘doentes’, alguns, demasiadamente, ‘doentes’. O pronome ‘onde’ passa a delimitar não o ‘lugar”, mas  um ‘lugar’ para onde caminhamos, cada vez mais distante dos nossos sonhos, se é que continuamos a sonhar sonhos ‘sonháveis’. Quase sempre não sabemos onde estamos, muito menos para onde caminhamos.  Eis o medo que assombra esse indivíduo/espécie/sociedade.

Antes de falar um pouco mais sobre a liquidez humana, recorro ao pensamento moderno que se apropria, a todo custo, da idéia de estabilidade. A hegemonia desse pensamento implica segurança. No entanto, diante da impossibilidade que a pluralidade e a complexidade do real permitem ser elucidadas por tal pensamento, o cordão se rompe – desprendendo-se -, o que gera uma crise intensa, quase inexplicável aos olhos de alguns.

A partir daí, abrem-se oportunidades para o surgimento de novos paradigmas. Novos medos. Penso, então, no paradigma emergente, um dos paradigmas que surge com a crise que estamos enfrentando. Ele é a própria instabilidade. Esse paradigma tende a ser um conhecimento não dualista, o qual se funda na superação das distinções tão familiares e óbvias, que até pouco considerávamos insubstituíveis, tais como natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo, coletivo/individual, animal/pessoa. É preciso lembrar que a insegurança, perplexidade diante do complexo, ainda é um aspecto relevante a se trabalhar nesse novo paradigma.

Essa nova sociedade que é pós-moderna para alguns, segunda modernidade para outros, Bauman (2001, p. 12) a conceitua como modernidade líquida. Afirma que o “derretimento dos sólidos”, traço permanente da modernidade, adquiriu um novo sentido e, portanto, foi redirecionado a um novo alvo.
Neste novo cenário, a modernidade é imediata, ‘leve’, ‘líquida’, ‘fluida’ e, infinitamente, mais dinâmica que a modernidade ‘sólida’. A passagem de uma a outra acarretou profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana. Nesse contexto, nossa garantia de segurança é mínima. Por isso, adoecemos cada vez mais. Não temos tempo para dispor à saúde física e, muito menos, à saúde mental.

Temos medos: medo de fracassar/medo de vencer e não saber o que fazer; medo de ser feliz/infeliz, embora um dos propósitos para a grande maioria desta tríade – indivíduo/espécie/sociedade – está na busca da tal ‘felicidade’; medo de não alcançar o poder/medo de perder o poder e seus espaços; medo de desastres naturais, pelos quais somos arrematados sem a mínima a chance de sobreviver; e medo de tantos outros medos.

No rol desses medos, o meu mais novo medo é a dificuldade e os conflitos que me consomem no ato de educar minha filha. Como professora que sou, o ato de educar o outro estava longe do meu ambiente familiar. Educar tinha seu horário delimitado, 4 horas em média por dia. Depois retornava para minha zona de conforto. Hoje, essa zona não é mais de conforto, é turbulenta, agitada, dinâmica. Educar para o mundo e não para mim.  ‘Eis a questão que me aflige’.

Inquieta e amedrontada, estou sempre a me questionar como devo educar com toda essa crise que surge com mais força a cada dia. Foucault já dizia que tudo é poder. Eu acrescento, sobretudo, no amor. As relações familiares, pai, mãe e filho/s estão em total crise. Os pais de hoje, filhos de pais que viveram a repressão de uma ditadura, de uma época de falta de liberdade, promovem um verdadeiro carnaval de troca de valores: o que antes era coerção, agora é suprido e abastecido por liberdade em demasia. Pais querem ser amigos de seus filhos com o desejo de substituir consciente ou inconscientemente seus papéis de pai e mãe. A escola, desnorteada e também em crise, não sabe qual é mais o seu papel: educar quem para quê. O que mais a escola recebe hoje é projeto de criança ‘tirana’. Esclareço, neste contexto, a semântica da palavra ‘tirano’: crianças mal educadas, falta de respeito pela imagem do professor, falta de disciplina, enfim, sem limites. Os ‘pais amigos’ repassam à escola a obrigação que lhes cabe: educar. Quando a escola se sente no direito de se apropriar dessa atribuição, ainda que perdida, os ‘pais’ tolhem qualquer decisão por parte desse ambiente. Então, dá-se início ao círculo novamente. Existe também o problema do conceito do que é família nesta modernidade líquida: O que é realmente uma família hoje em dia? Que núcleo familiar é esse que se constrói e desconstrói com a força dos ventos e dos divórcios? E o papel dos avôs, que se vêem bombardeados por tantas transformações? E os filhos desses ‘pais amigos e camaradas’ nesse novo cenário? Como os filhos, resultados de relações homo afetivas, vivem essas novas transformações no ambiente escolar? E mais: Como essas crianças se sentem diante das novas dinâmicas que são desencadeadas por diversas crises, sobretudo, no ambiente tecnológico, social e cultural? Enfim, que escola e família são essas de hoje?

Retomando Bauman, o que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e realocação dos “poderes do derretimento” da modernidade.  E o que fazer quando tudo se tornar líquido, fluido, escorregando pelos dedos?

Não vejo outra alternativa: ou adoeço ou me apodero desse novo paradigma emergente, instável e sempre exigente com as relações de consumo, como uma chance de sobrevivência nessa crise que está apenas começando.

Assim, ‘caminha a humanidade’, construindo e desconstruindo os medos de meus medos, criados por mim ou não. Vale lembrar: o medo é um sentimento conhecido de toda criatura humana. Se existe o bem, existe o mal. Porém, o que mais me amedronta é o caráter de onipresença do medo: ele pode vazar, brotar, fluir de qualquer canto ou fissura de nossa casa, ambiente de trabalho, de toda e qualquer mídia, por fim, do planeta. Mas, continuemos a viver com nossos medos e os novos que virão.

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