A Partida: ressignificação da vida através do trabalho

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Este filme é de nacionalidade japonesa, com direção de Yojiro Takita. Gênero: Drama. Elenco: Masahiro Motoki, Tsutomu Yamazaki, Kazuko Yoshiyuki, Kimiko Yo, e outros. Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki) é o protagonista, esse personagem tocava violoncelo, e diante das mudanças financeiras, a orquestra que trabalhava encerrou suas atividades, nesse ínterim necessitou se desfazer de seu instrumento, deparando-se com desemprego. Concomitantemente, mudou de cidade com sua esposa em busca de novas oportunidades, surgindo assim um novo emprego e, sem saber na íntegra como seria este trabalho, aceitou-o. Precisava estar empregado, ter dinheiro para sobreviver e tocar a vida. “Entre outros aspectos ligados à dimensão individual, surge o financeiro: o trabalho como elemento fundamental para garantir a sobrevivência.” (OLIVEIRA et al, p. 11).

No primeiro dia deparou-se com uma empresa funerária, o qual sua função era auxiliar de agente funerário. Experimentou um misto de sensações diante do contexto o qual estava, mas o momento em que Daigo se encontrava, não poderia se dar ao luxo de desistir de estar empregado, sua real situação não permitia. Porém, sua esposa não sabia de que se tratava seu novo trabalho, optou por esconder, pois precisava do emprego. “[…] o emprego é uma forma especifica de trabalho econômico (que pressupõe a remuneração), regulado por um acordo contratual (de caráter jurídico)” (BORGES; YAMAMOTO, p. 27).

Passou a enfrentar preconceitos, sua esposa o abandonou, encontrou-se sozinho e procurando forças para seguir em frente. Diante dos desafios e superações, Daigo traçou um novo começo, com significações, transformando todo seu contexto. Inicialmente era pela sua sobrevivência, precisava se manter, mas o sentido que este trabalho lhe proporcionou mudou toda sua história. “Identificado o significado do trabalho, é necessário saber o que motiva, incita o homem a realizá-la, ou seja, o sentido que ele dá ao seu trabalho.” (OLIVEIRA et al, p.6).

A cada tarefa realizada suas habilidades iam sendo aprimoradas, com a delicadeza de um músico, suas mãos pareciam dançar no corpo e nas vestes, com muita amabilidade, mudava o que estava sem vida, dando aos entes queridos o reconhecimento da pessoa que seu morto era quando estava entre eles, trazendo conforto aos familiares em seu último adeus. Para Daigo esse era o motivo que o impulsionava a seguir em frente, através dessas transformações o mesmo percebeu que sua vida mudou, ressignificando-a.  Seu novo emprego possibilitou encontrar-se consigo mesmo, enfrentar seus medos e reencontrar o pai, mesmo sendo para se despedir.

Gostar do que faz torna o trabalho prazeroso, mesmo sendo um emprego considerado um dos piores como era o de Daigo, sentia prazer em fazê-lo, enfrentou os obstáculo e conquistou seu espaço e respeito. Considerado o pior emprego, mas era o que mais fazia sentido, estava em jogo sentimento de perda, luto… Com tudo isso, percebeu nessa atividade a real importância de estar vivo e fazer o que realmente te faz bem, sem se importar com as dificuldades. O mesmo percebeu que era importante na tarefa que realizava, e isso fazia sentir-se bem. Executar um trabalho que goste, sinta prazer em sua execução, também é algo importante para que este faça sentido. Entretanto, se a pessoa realiza um trabalho que não é prazeroso, que ela não goste, não é possível encontrar sentido.” (OLIVEIRA et al, p. 10).

Cada ser humano pensa e age de forma diferenciada, o mesmo se aplica a concepção de trabalho para cada pessoa, ou seja, significação individual não o torna universal. A importância dada reflete na sua história de vida com o momento atual de cada sujeito. Compreendemos que cada indivíduo tem seu próprio conceito de trabalho, o que si estabelece uma variedade de conceitos e/ou significados, mas estes não são independentes do contexto histórico.” (BORGES; YAMAMOTO, p. 27).

Para Daigo não foi diferente, o sentido atribuído foi através de sua representação, despertou no mesmo algo que faltava, existia uma lacuna, e diante do inesperado, de musicista a agente funerário, ou seja, de um extremo ao outro, em caminho opostos encontrou a esperança, o saber fazer. Preencheu o vazio que faltava, encontrou a realização pessoal no trabalho que exercia. Mesmo ter se encontrado nesta profissão, pois houve identificação, tinha um pesar, existia sofrimento por parte dos familiares, e do próprio Daigo, era um momento intenso, cheio de angústias, e isso pairava no ar, era sentido por todos que estavam presentes.

Mas aquele trabalho era necessário e deveria ser feito com propriedade, mesmo sendo árdua a tarefa, mas Daigo fazia com destreza, pois era necessário e precisava dar o seu melhor. “[…]o trabalho humano, esta atividade determinada e transformadora tantas vezes penosa e contudo necessária.” (ALBORNOZ, p. 7). O filme também faz refletir sobre o trabalho nesse mundo totalmente capitalista, onde muitos irão ter sucesso e outros irão experimentar sofrimento por diversos motivos, pois a maneira acelerada do processo de globalização os torna alienados.

Este filme demonstra que a realidade do mercado de trabalho nos impulsiona a procurar alternativas para sobrevivência, nas mais diversas formas de trabalho, mas o que cada um procura além da sobrevivência? O filme nos mostra que o ‘sentido’ é chave da não alienação, da realização, e do encontro consigo mesmo. O trabalho por sua vez é demonstração de homem e individualidade, em sua criação o homem se transforma, se apropria, e torna realizador de sua atividade, dando a entender que ambos não se separam, é pela atividade que exerço que demonstro quem sou, e isso é uma forma de preencher a vida, de torná-la possível em um ambiente tão competitivo e alienador. Para tanto, este filme foi recheado de muita emoção, e aprendizado.

REFERÊNCIAS:

ALBONOZ, Suzana. O que é trabalho. São Paulo: Brasiliense, 6º ED. 2004, p.7.

BORGES, Lívia de Oliveira; YAMAMOTO, Oswaldo H.  MUNDO DO TRABALHO: CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS, p.27.

OLIVEIRA, Sidinei Rocha, et al. Buscando o Sentido do Trabalho, p. 11,6,10.

FICHA TÉCNICA DO FILME: 

A PARTIDA

Diretor: Yojiro Takita
Elenco: Kazuko Yoshiyuki, Kimiko Yo, Masahiro Motoki, Ryoko Hirosue;
País: Japão
Ano: 2008
Classificação: 12

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A dor da partida em Mogli – O Menino Lobo

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Com uma indicação ao OSCAR:

Melhores Efeitos Visuais

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Lançado em 2016, Mogli – O menino lobo, é um filme (baseado na série literária de Rudyard Kipling) que conta a história de um garoto que fora criado por lobos, distanciado da sociedade e de qualquer referência humana. Inicia apresentando a vivência de Mogli na floresta, onde se adaptou para viver como os outros animais, em especial, a sua família/alcateia. Entretanto, Mogli e sua família possuem um inimigo, o temido tigre Shere Khan. Esse deseja matar o garoto, uma vez que acredita que ele e sua raça são os responsáveis pela destruição da floresta.

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Mogli é um exemplo louvável de que o humano é um ser biopsicossocial, ou seja, dotado de várias instâncias (biológica, psicológica, social, cultural, histórica), que influenciam mutuamente no desenvolvimento do indivíduo. Mesmo com a genética humana, ele sobreviveu e se desenvolveu em um ambiente sem intervenção humana. Os afetos, de Mogli pelos animais e vice-versa, foram bem desenvolvidos, provando o dito de que “família é quem cuida”.

Impelido pelo perigo iminente, representado por Shere Khan, Mogli se vê na obrigação de se afastar da floresta e procurar pela sua raça. Não porque ele desejasse conhecê-la ou estivesse insatisfeito com a vida na floresta, mas porque não queria oferecer riscos para a família que tanto o amou e o cuidou até então. Por amar, foi obrigado a partir. E então, começam as grandes aventuras esperadas no filme.

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Fica bem claro nesse momento as angústias, anseios e temores de Mogli. Ora, nunca havia ido muito além da floresta e, de repente, a única opção que lhe resta é seguir em frente, quase sozinho e sem poder voltar. “Quase sozinho” porque contou com a ajuda da pantera negra Bagheera, que sempre aparecia nos momentos mais complicados para Mogli, tentando ao máximo afastá-lo dos perigos, inclusive do tigre malfazejo.

Durante sua jornada, Mogli também se depara com Baloo, um urso esperto que, ao perceber a utilidade do garoto, faz de tudo para mantê-lo por perto. Com segundas intenções ou não, o que importa é que Mogli agora conta com uma companhia a mais, além de uma ajuda para enfrentar os desafios que surgirem pelo caminho e com quem aprendeu que “necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais! ”

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Com muita aventura, aprendizado e também muitos perigos, Mogli representa bem a temida partida, vivenciada por muitos jovens e adolescentes quando chega a hora de sair de casa e explorar o mundo. Assim como o menino lobo, esses jovens passam por anseios, temores, angústias, perigos e, principalmente, medo do desconhecido. A dor de “abandonar” o lar também é perturbadora, contudo, necessária. Dessa maneira, torna-se possível adquirir maturidade, autonomia e autoconhecimento. O retorno para o lar se torna esperado pela família que anseia e deseja ver esse filho alcançando os objetivos de vida, tendo a certeza de que seus esforços e cuidados valeram a pena.

FICHA TÉCNICA DO FILME: 

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MOGLI – O MENINO LOBO

Diretor: Jon Favreau
Elenco: Neel Sethi, Scarlett Johansson, Idris Elba, Bill Murray
País: EUA
Ano: 2016
Classificação: Livre

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Assassina de aulas

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Sorriu tão amargamente que apagou a vontade da profissão que estava estudando há quase dois anos e meio. Olhou por um instante o teto branco e suas lâmpadas florescentes, retornou a olhar os rostos cansados dos colegas de aula e ao fundo dos tímpanos, apenas a voz chata e gritante da professora, insistindo na mesma velha pergunta de sempre:

-Por que vocês querem ser psicólogos?

Comparações reais, sala de aula é igual a uma sala de velório, só não vela-se um corpo, mas mastiga-se o silêncio.

Escreveu alguma coisa nas folhas úmidas do caderno companheiro, e sorriu por não saber quem foi o palestrante da aula passada, aliás, essa foi uma das inúmeras vítimas assassinadas pelos olhos que dormiam no sofá da sala de casa, ao invés de estarem abertos lendo o que dizia o quadro branco.

Imaginou a circunferência que viria exposta na prova, na semana que estava por desenrolar, resultado da falta de atenção. Prestou mais atenção na dúvida da professora tentando entender porque os alunos estavam tão confusos, do que na disciplina que merecia as idéias de estudo.

Descruzou as pernas, pensou em ir embora, mas lembrou que deveria assinar a lista de presença. Deu graças a Deus que era presença física, porque mental, com toda a certeza não se fazia presente, desde muito cedo.Sua vontade não passava nem próximo ao portão do futuro, na verdade pensava em ir pra casa, sem cogitar formatura, possíveis pacientes ou clientes, termos dos quais nunca soube decidir o que seriam. Pensou no churrasco do final de semana, chocolates para satisfazer a falta da química que o romance traz, ou, só pra se sentir mais gordinha. Lembrou-se dos muitos trabalhos que deveriam ser feitos e nas provas que deveria estudar, mas essas lembranças ficaram tão pouco tempo que se assemelhavam mais ao gosto de água na boca.

Comentou com a colega ao lado que pegou algumas de suas canetas, mas que devolveria assim que terminasse de escrever o que a mente não conseguia guardar, lembraram rapidamente até da infância colegial e das “canetinhas coloridas”. Tempo bom!

Saiu da sala, sem assinar a “chamada”, andou pelo corredor sem dar tchau a quem ficava, atravessou a rua e voltou para casa. Sem nenhuma culpa por ter assassinado mais uma aula, nenhum peso na consciência por deixar a professora falando sozinha.

Só queria dormir…

– Por que mesmo que ela quer ser psicóloga?

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