‘O Pequeno Príncipe’ à luz da fenomenologia existencial

Compartilhe este conteúdo:

Quando cativamos o outro, a relação passa a ter sentido e o outro não é mais objeto e sim um Outro Eu. Martin Buber (1974) vai nessa direção quando ressalta que o ser humano deve ultrapassar a relação Eu-isso para uma relação Eu-Tu.

O filme ‘O Pequeno Príncipe’ é baseado na experiência do aviador francês Antoine de Saint-Exupéry, que por causa de uma pane no motor de seu avião, fez um pouso emergencial no meio do deserto do Saara, na África. Depois de adormecer é acordado por um principezinho que lhe pede para desenhar um carneiro. Em oito dias de contato com o pequeno príncipe, muitas coisas novas e antigas são reveladas ao aviador. O conhecimento do outro e do seu mundo é importantíssimo para o reforço da identidade própria. É no encontro com o outro que nos conhecemos de forma mais consistente. Um pequeno menino, que veio de um pequeno planeta distante da terra, saiu em busca de conhecimento para entender e viver melhor com uma rosa que ele achava que era a única no mundo.

No início ele conheceu e cuidou de uma rosa, a relação dos dois era ímpar, ela era bela e envolvente, mas ao mesmo tempo era vaidosa e orgulhosa. O cuidado com a rosa, em regá-la, protegê-la, faz alusão a forma como o cuidado deve estar inserido na prática psicológica. Neste envolvimento deve haver a sensibilidade para a afetação, para a escuta clínica (ouvir com compreensão), o cuidado e o vínculo. O cuidado é uma prática que vai além da técnica, apesar da técnica ser importante, ela não é mais que a relação, através do encontro, onde se pode acolher esse outro (o cliente). O vínculo é importante para se estabelecer a confiança do cliente no psicólogo.

Quando a rosa mente para o pequeno príncipe sobre a sua origem, ele fica frustrado e entristecido, se sentindo enganado pela rosa. O próprio principezinho sentiu-se angustiado em saber que sua flor que tanto amava estava em algum lugar, que por escolha sua, partiu de seu planeta para visitar outras regiões. Esta angustia do pequenino pode ser levado também como um sofrimento que é essencial ao ser humano, é algo que acontece e que não se pede para acontecer. Diante dessa separação o príncipe entra em contato com um vazio existencial, e através do contato com outros personagens durante sua trajetória ele vai encontrado um significado para a sua complexidade.

Fonte: https://abr.ai/2QkNjhf

[…] O contato, como expressão de vida, é eternamente renovável, permitindo à pessoa se reconhecer e se renovar, ao modelo do universo, mediante ciclos de mudança. Somos os contatos que fizemos e nossa transformação segue a dinâmica de nosso jeito de encarar a vida. Somos o que ouvimos, vimos, cheiramos, comemos e tocamos. As pessoas fizeram, fazem, mantêm, interrompem e cortam o contato. Se soubermos como uma pessoa manipula o contato, saberemos como ela funciona. O ciclo, tanto na expressão de saúde quanto de bloqueio, retrata esse experienciar existencial pelo qual as pessoas tornam a realidade presente. (RIBEIRO, 2006, p. 88).

O que mais admirava o pequeno príncipe em seu planeta era a possibilidade de constantemente estar vendo o pôr-do-sol e cuidar de sua rosa. Diante de coisas tão simples, o principezinho construía sua existência por estar aberto e se deixar afetar. A afetação está vinculada com existência autêntica, a partir da vivência dos fenômenos. Trazendo para a Psicologia, a afetação está relacionada tanto com o encontro entre cliente e psicólogo quanto com a compreensão e a realização de uma intervenção mais eficiente e eficaz.

Fonte: https://abr.ai/2R8NDoS

Ao passar pelas piores experiências, vagando de planeta em planeta, o pequeno príncipe se deparou com uma raposa no jardim apresentando desejo de se relacionar. O encontro do pequenino com a raposa trás para a sua vida um novo significado. Nessa relação interpessoal os fundamentos constitutivos de uma relação cheia de significado vão surgindo aos poucos. A linguagem como elemento primordial de comunicação. Porém, muitas vezes a linguagem pode não dar conta da capacidade de entendimento e compreensão dos fenômenos, é preciso estar atento a todas as expressões emitidas pelo sujeito numa tentativa de olhá-lo em sua completude.

Quando cativamos o outro, a relação passa a ter sentido e o outro não é mais objeto e sim um Outro Eu. Martin Buber (1974) vai nessa direção quando ressalta que o ser humano deve ultrapassar a relação Eu-isso para uma relação Eu-Tu. Quando o principezinho cativou a raposa criou laços com ela a ponto de entender que o outro, mesmo longe, é que dá razão a nossa vida e o egoísmo somente nos afunda a uma falta de sentido.

Fonte: https://bit.ly/2SvDTBD

Referências:

BUBER, M.. Eu e Tu. São Paulo: Moraes, 1974.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. 2. ed., São Paulo: Summus, 1985.

SAINT-EXUPÉRY, A.. Cartas à minha mãe. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009.

______. O Pequeno Príncipe. Rio de Janeiro: Agir, 2009.

Compartilhe este conteúdo:

O Pequeno Príncipe e as bases da Gestalt-Terapia

Compartilhe este conteúdo:

Com uma trilha sonora à base de composições do aclamado Hans Zimmer, O Pequeno Príncipe (versão de 2015) repagina a clássica obra do francês Antoine de Saint-Exupéry, ao narrar a estória de uma garota (Mackenzie Foy) que se muda com sua mãe (Rachel McAdams) para um dado setor da cidade – cujo traçado, do alto, provavelmente de forma proposital, lembra os circuitos de um computador -, e acabam por ter como vizinho um piloto idoso (Jeff Bridges) que tenta a todo custo fazer decolar um velho avião estacionado no quintal.

O filme é marcado inicialmente por três traços que saltam aos olhos: a tendência da mãe obsessiva-compulsiva em hiper-racionalizar a vida da filha, criando uma rotina exaustiva e com pouco contato afetivo; uma criança com a infância negligenciada, que vive as projeções da mãe; e um idoso com fantasias que pululam a imaginação – que poderia ser rapidamente associadas a traços de psicose.

A trama começa de fato a se delinear a partir de um acidente provocado por uma das muitas tentativas de o piloto idoso decolar o avião. A hélice se desprende do mesmo e acaba atingindo a casa das novas vizinhas. A criança é tomada de profunda curiosidade e, então, inicia um lento e frutífero contato com o vizinho. Aos poucos, a garota vai entrando no universo de fantasias do piloto, num cenário que recria a trajetória do Pequeno príncipe. Neste ínterim, a mãe insiste em manter a rotina da garota, que aos poucos se distancia do agendamento cotidiano e começa a experimentar uma vida minimamente parecida com um ideal infantil.

O filme aborda algumas das teses centrais da Gestal-Terapia. Como mãe e filha compunham um núcleo narcísico – isoladas do mundo –, aos poucos a garota foi arrastada pela necessidade de relacionar-se com o mundo, com o outro, a partir do conceito de contato. Isso ocorre porque, na visão de Perls, o ato de relacionar-se é algo inerente à condição humana, sob pena de sua ausência criar sérias restrições psicológicas ao sujeito. No entanto, como bem explicita o filme, este contato nem sempre ocorre de maneira fluída e rápida. Cada pessoa possui uma “fronteira de contato” que delimita a interação entre a dimensão interna (subjetividade) e a dimensão externa (meio). Uma coisa é certa, e fica clara no filme: o contato, quando ocorre de modo autêntico, provoca mudanças profundas nos sujeitos. É deste contato que surge a possibilidade de ajustar-se criativamente. Configura-se mesmo como elemento de cura para eventuais desajustes.

Há, portanto, um paradoxo: ao mesmo tempo em que o ser humano necessita de contato para suprir necessidades psicológicas e também biológicas, ele é contingenciado por uma separação visceral. Em Gestalt-Terapia, este fato é comumente associado às células do corpo, que estão em constante processo de troca de moléculas com o meio, em que pese a sua individualidade. Essa troca, no entanto, para que supra as necessidades básicas, deve ocorrer de modo satisfatório. Psicologicamente falando, sem o contato não se obtém as condições necessárias para viver como ser humano.

Na fronteira de contato há o aprendizado que lança o sujeito para a vida. A interação sob a forma do Eu-Tu, onde de fato dois sujeitos se permitem ser “tocados”, afastando a tendência à coisificação da relação, é base para que se possa haver um encontro profundo. No filme, a relação com ausência de afeto e excesso de racionalidade entre mãe e filha é marcada por Eu-Isso, numa troca em que, sobretudo, a mãe objetifica a filha, que claramente é representada como uma projeção de seus desejos. A relação Eu-Tu só começa a ser estabelecida quando a criança se permite (por estar propensa a julgar menos que um adulto) a se aproximar do piloto idoso e, à sua maneira, entender o seu mundo. Nasce então uma amizade balizada pelo coração, com uma linguagem marcadamente afetiva.

O ápice do filme ocorre quando, já transformada pelo contato com o idoso, a criança acaba por influenciar a mãe, que reavalia suas estratégias de atuação e, por fim, também é impactada pela dinâmica.

Por fim, o filme tem forte pegada humanista e existencial (duas das bases da Gestalt-Terapia) ao enfocar questões como medo, alienação, amor, amizade, esperança e projetos de vida. Desta forma, toda a obra mostra uma virada rumo à tomada de consciência, num percurso marcado por incertezas, fantasias, curiosidade e abertura para o novo, cujo processo revela uma das facetas mais belas da condição humana: a capacidade de reinventar-se e lançar-se para o futuro.

Referências

FRAZÃO, Lilian Meyer. Gestalt-terapia. Fundamentos Epistemológicos e Influências Filosóficas. São Paulo: Summus, 2013 (versão e-Pub Amazon).

Resenha do filme O Pequeno Príncipe (2015). Disponível em <: http://www.redecanais.com/o-pequeno-principe-dublado-2015-1080p_0687893a2.html >. Acesso em 05 de dez. 2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

O PEQUENO PRÍNCIPE

Diretor: Mark Osborne
Elenco: Rachel McAdams, Jeff Bridges, Marion Cotillard, Riley Osborne;
País: Canadá; França
Ano: 2015
Classificação: Livre

Compartilhe este conteúdo: