Hector e a Procura da Felicidade: tudo depende da perspectiva

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Lançado em março de 2014, Hector e a procura da felicidade é um filme que, de início, parece meio bobo, mas, em seu término, deixa uma perfeita reflexão acerca da felicidade. Retrata sobre a vida de Hector (Simon Pegg) e, como é de se supor, sua procura pela felicidade. O personagem é um psiquiatra que leva uma vida constante e muito organizada, sem espaço para mudanças e imprevistos. Para manter esse padrão, conta com o apoio de sua namorada Clara (Rosamund Pike) que, por vezes, aparenta ser mais sua mãe do que sua mulher.

Apesar de possuir uma vida por muitos considerada satisfatória, Hector se vê infeliz, principalmente em sua profissão, uma vez que já não consegue ajudar seus pacientes, apenas ouve as mesmas histórias várias e várias vezes, sem intervir de fato. Cansado disso, Hector começa a se questionar sobre o que é felicidade e como a conseguir, resolvendo ir à sua procura ao redor do mundo. Para isso, viaja sozinho até a China, África e Los Angeles, respectivamente. Claro que tal atitude provoca uma mudança radical na dinâmica entre ele e Clara, entretanto, ela o apoia em sua decisão.

Munido de entusiasmo, curiosidade e de um caderninho de anotações que Clara lhe deu, Hector inicia sua busca observando e perguntando para as pessoas se são felizes e o que é a felicidade para elas. Cada novo lugar visitado por Hector apresenta um contexto diferente do anterior. Logo, as anotações feitas por ele variam muito, mostrando que a felicidade não é mensurável, não deriva de algo pré-definido, mas da concepção de cada um sobre o que os faz felizes, “pois a felicidade, num certo sentido, é algo individual, pessoal e intransferível” (Olivieri, 2012).

Buscar entender a felicidade não é algo recente. A ideia deste fenômeno está enleada à origem da Filosofia, fazendo parte das primeiras reflexões sobre ética, elaboradas na Grécia antiga (Olivieri, 2012). Desde Platão e Aristóteles até pensadores e filósofos atuais, são muitos os pressupostos para a felicidade. Mais uma vez, ela não aparece determinada ou com uma fórmula a ser seguida para alcançá-la.

Na verdade, até existe a tentativa de se criar uma fórmula, vista, principalmente, em livros de autoajuda. Leandro Karnal e Clóvis de Barros Filho, em seu livro Felicidade ou Morte (2016), argumentam que é errôneo tentar guiar a humanidade com um “passo a passo para a felicidade”, pois depreende-se disso que todos são iguais, logo, as subjetividades e particularidades são colocadas de lado.

Hector, em sua jornada, se depara com pessoas, contextos e culturas de vários tipos. Em cada experiência, descobre uma nova concepção de felicidade, sempre anotando em seu caderninho. Ele também passa por alguns perigos, entre eles, ser sequestrado, o que lhe garante uma profunda reflexão sobre a própria vida e sobre a própria felicidade, percebendo, ao final, que ele já a possui, precisando apenas valorizá-la, sem se preocupar excessivamente com o que ainda não possui.

Nesse sentido, mais uma vez Karnal e Filho (2016), em seu livro, abordam sobre uma concepção distorcida da felicidade, a qual boa parte das pessoas esperam obter no futuro. Desse modo, chamam de “happy hour” o final de semana, quando finalmente as atividades cessam. Ou seja, ficam ansiosas esperando por esse momento, e durante a semana, vivem de forma medíocre, “empurrando com a barriga”. Relembrando Dalai Lama, “vivem como se nunca fossem morrer, e morrem como se nunca tivessem vivido”.

Portanto, o filme, vinculado às inúmeras reflexões sobre a felicidade, mostra que ela não é palpável, não é mensurável, não é determinada e não é um modo de ser, mas um modo de existir. Corriqueiramente nem sempre percebemos a sua presença e comumente atribuímos aos fardos e problemas maior atenção, concebendo tais situações como fontes de tristeza, sem notar que elas também são necessárias para o crescimento, e que a resolução destas, também podem gerar grande felicidade.

Lista da felicidade, por Hector:

  1. Fazer comparações pode prejudicar sua felicidade.
  2. Muitas pessoas acham que a felicidade é ser mais rico ou mais importante.
  3. Muitas pessoas só imaginam a felicidade no futuro.
  4. Felicidade pode ser a liberdade de amar mais de uma mulher ao mesmo tempo.
  5. Às vezes felicidade é não saber toda a história.
  6. Evitar a infelicidade não é o caminho para a felicidade.
  7. Sua companhia lhe leva sempre: A) Para cima ou B) Para baixo?
  8. Felicidade é seguir sua vocação.
  9. Felicidade é se sentir amado por ser você mesmo.
  10. Ensopado de batata doce!
  11. O medo impede a felicidade.
  12. Felicidade é se sentir inteiramente vivo.
  13. Felicidade é saber como comemorar.
  14. Felicidade é saber ouvir é saber amar.
  15. Nostalgia não é mais como era antigamente.

REFERÊNCIAS:

OLIVIERI, A. C. Filosofia e felicidade: O que é ser feliz segundo os grandes filósofos do passado e do presente. Uol Educação, 2012. Disponível em: https://goo.gl/lFfYNb. Acesso em 12 abr. 17.

FILHO, C. B.; KARNAL, L. Felicidade ou Morte. 2016. 96 p.
Editora: Papirus 7 Mares.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

HECTOR E A PROCURA DA FELICIDADE

Diretor: Peter Chelsom
Elenco:  Simon Pegg, Rosamund Pike, Toni Collette
País: Canadá
Ano: 2016
Classificação: 12

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Depressão: perspectiva biológica e psicológica

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Ainda desconhecida e em determinados aspectos controversa, a etiologia da depressão tem, para efeito de estudos, seus fatores divididos em: causas biológicas e psicossociais. Áreas estas que interagem intensamente entre si na expressão patoplástica da doença (BAHIS, 1999).

Bahls (1999) expõe possíveis causas biológicas da depressão, sendo uma destas a deficiência de neurotransmissores, tendo as monoaminas como principais responsáveis, entretanto, estudos com algumas substâncias que provocam o aumento ou a diminuição imediata destes neurotransmissores não produzem os efeitos esperados, o que coloca em cheque esta hipótese. Alguns estudos também mostraram um aumento no número de receptores destes mesmos neurotransmissores em autópsia de suicidas, o que levou a crer que teriam alguma influência na depressão, embora o aumento de tais receptores se dê como medida compensatória dado a redução da substância nas sinapses.

Fonte: http://zip.net/bctGRJ

Outro fator que vem sendo observado diz respeito à morfofisiologia do cérebro. Notou-se que, em pessoas depressivas, algumas áreas cerebrais encontravam-se alteradas tanto em sua forma como em seu funcionamento. Soma se a isto, o fator hormonal que, também, age sobre os neurotransmissores de diferentes formas resultando em influências diversas em homens e mulheres quanto à tendência depressiva e à fases biológicas mais propícias para ocorrência da depressão.

Entretanto, há controvérsias sobre as causas biológicas. Caponi (2011) faz uma crítica no sentido de que as explicações para as enfermidades psiquiátricas não podem ser determinadas da mesma forma que outras patologias que contam com um marcador biológico a partir do qual se desenvolve a explicação dos sintomas e se define a terapêutica mais eficaz. Na depressão, ao contrário,

é a partir do antidepressivo que se inicia a busca de causas biológicas. Ele permite identificar quais são os mecanismos biológicos, os receptores neuronais afetados, e então se poderá postular a causa orgânica, cerebral, dos padecimentos (CAPONI, 2011).

Sabendo que o humano é considerado um ser biopsicossocial e espiritual [1], é preciso considerar esta complexidade no estabelecimento de causas para as patologias psiquiátricas, esquivando-se dos possíveis reducionismos biológicos que, apesar de esclarecer alguns aspectos do adoecimento não podem ser tomados como explicações satisfatórias para a depressão.

Fonte: http://zip.net/brtGXp

O modelo cognitivo pressupõe que a cognição é fator determinante da doença, e o primeiro sintoma que se segue a isto são as construções negativistas do pensamento. A depressão é, portanto, oriunda do modo como a pessoa vê e interpreta o mundo e como se posiciona frente a ele. Uma característica dos depressivos é a alta expectativa sobre si mesmo, que geralmente gera frustração e leva a um ciclo vicioso, pois a não aceitação de si leva ao pessimismo e afasta os outros, que por sua vez reforçam a experiência de rejeição e aumentam o sofrimento da pessoa.

Com base na análise do comportamento, “Muitos teóricos (por ex., Hersen, Eisler, Alford, & Agras, 1973) argumentaram que uma falta de reforço social é particularmente importante para o surgimento e a manutenção da depressão” (DOUGHER e HACKBERT, 2003), junte-se a isto um repertório social inadequado e possivelmente a pessoa estará se comportando de maneira aversiva e provocando reações de evitação nos outros. Os autores destacam diversos fatores de influência como histórias de punição prolongadas, reforço de comportamento de angústia, comportamentos verbais negativos, influências culturais, dentre outros provocadores e mantenedores de estados depressivos.

Fonte: http://zip.net/bttHCC

Por parte da psicanálise temos ainda toda uma construção da subjetividade baseada em uma organização psíquica que considera o inconsciente, as pulsões, o ego, o superego, falhas na integridade narcísica, dentre outros aspectos que influenciam sobre a personalidade e o adoecimento. Não obstante, seja em que abordagem for, há que se considerar os fatores sócio culturais e as exigências da sociedade de consumo, que atuam como um peso sobre as concepções de ser e sobre a própria identidade da pessoa. Considerando essas perspectivas os fatores psicológicos podem desencadear alterações químicas e físicas sobre o corpo humano provocando a depressão orgânica.

REFERÊNCIAS:

[1] Parte da psicologia considera a dimensão da espiritualidade humana como aquilo que transcende e é constituinte de sua totalidade.

BAHLS, Saint-Clair. Depressão: uma breve revisão dos fundamentos biológicos e cognitivos. Interação em Psicologia, v. 3, n. 1, 1999.

CAPONI, Sandra. Uma análise epistemológica do diagnóstico de depressão.Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental Health, v. 1, n. 1, p. 100-108, 2011.

DANIEL, Cristiane; SOUZA, Mériti de. Modos de subjetivar e de configurar o sofrimento: depressão e modernidade. Psicologia em revista, v. 12, n. 20, p. 117-130, 2006.

DOUGHER, Michael J.; HACKBERT, Lucianne. Uma explicação analítico-comportamental da depressão e o relato de um caso utilizando procedimentos baseados na aceitação. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 5, n. 2, p. 167-184, 2003.

JUSTO, Luís Pereira; CALIL, Helena Maria. Depressão: o mesmo acometimento para homens e mulheres. Rev Psiq Clín, v. 33, n. 2, p. 74-9, 2006.

 

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Vivenciando a Crise na perspectiva do outro

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Tudo o que nos acontece, corretamente compreendido,
leva-nos de volta a nós mesmos;
é como se houvesse um guia inconsciente
cujo propósito é livrar-nos de tudo isto,
fazendo-nos depender de nós mesmos. 

(JUNG, C. G.1973, p. 78)

Sair da posição de conforto e se aproximar dos conteúdos mais íntimos do outro. Colocar-se a disposição do outro, compreendendo toda a carga afetiva de sua dor. Permitir-se tocar pela dor do outro, sem imprimir nele seus próprios conceitos ou visão de mundo. Deixar-se guiar pelo sofrimento alheio, mas sem perder-se no caminho. Congruência. Empatia. Aceitação.

A primeira vista um emaranhando de palavras e frases desconexas, mas que carregam, em suma, grande parte da complexidade de exercer a psicologia atualmente. Afinal, que outra área do conhecimento ocupa-se tão avidamente do sofrimento subjetivo, propondo, por meio da escuta, uma cura/reabilitação?

Desafios que carregamos conosco ao propor uma intervenção urbana com o foco de mudar a visão de periculosidade que tem-se do sofrimento psíquico, em especial, transtornos de ordem psicótica.

O grupo escolheu realizar uma intervenção onde um sujeito/ator/aluno, vivenciaria uma crise fictícia de ordem psicótica. Imaginamos como cenário um espaço urbano de grande circulação de nossa cidade, que tem um grande fluxo pessoas, dos mais diferentes níveis sociais e graus de instrução. O grupo partiu da hipótese de que, ao se inserir em um ambiente com um leque tão variado de subjetividades, conseguiria um gama de respostas distintas à essa Crise.

A simulação pautava-se num sujeito avulso ao contexto, que estaria inquieto, incomodado com invasores no seu espaço. Por espaço ele se referia à um território imaginário, delimitado por um quadrado, que ficava no centro da rota das pessoas que transitavam pelo espaço urbano.

Minha função no grupo foi a de vivenciar a Crise. O que não foi nada fácil. Em primeiro lugar porque é muito cômodo apontar e criticar um sujeito que atravessa uma situação de crise, até mesmo tecer teorias sobre sua crise. Contudo, vivenciar isso na pele, se sujeitar a abrir mão de sua singularidade e se permitir imergir em um mundo totalmente alheio ao seu é, sem sombra de dúvidas, um desafio.

Ao longo da vivencia, emoções e pensamentos como medo e vergonha do que os outros pensariam a meu respeito se intensificaram. Pensei várias vezes em desistir. Uma precaução tomada pelo grupo, que me foi de grande apoio enquanto eu vivenciava o personagem, foi de alertar os vendedores ambulantes que trabalham no local sobre a simulação.

Outra dificuldade, e essa só apareceu após iniciamos a intervenção, foi a do momento de rompimento – a crise em si – foi a de fazê-lo em um ambiente onde não se pode medir a reação das pessoas. O grupo não previu que no horário escolhido (18h) haveria uma presença maciça de homens que voltam de seus trabalhos e utilização da estação para pegar ônibus para casa.

Sabe-se que homens tendem a ter uma reação mais agressiva do que mulheres. E meu medo, o tempo todo, era o de sofrer agressão física. Por se tratar de uma encenação onde o personagem se colocava na frente das pessoas que passavam pelo local, impedindo sua passagem por dentro daquele quadrado imaginário, havia o risco de uma reação violenta. Desse modo eu demorei um pouco mais a representar o momento de clímax da crise, o rompimento, permanecendo com um comportamento estranho e tentando interagir preferencialmente com as mulheres, que por sinal, sempre me evitavam.

Pela minha permanecia no local, percebia que as pessoas começaram a ficar assustadas, algumas paravam para me observar, outras iam e voltavam por curiosidade, mas permaneciam de longe. Em nenhum momento ninguém tentou conversar comigo. Mas era possível perceber a tensão no ambiente e o medo com o qual as pessoas me encaravam.

Com o passar do tempo, comecei a interagir ainda mais com as pessoas, cheguei até mesmo a impedir abruptamente a passagem de alguns, sempre me referindo a meu lugar de referência: o quadrado imaginário.

Obtendo como resposta das pessoas, medo e esquiva. Até esse momento, eu ainda não havia me sentido seguro para chegar ao ápice da crise, até que, num determinado momento, um dos colegas de curso que estava observando a intervenção resolveu tentar atravessar o quadrado, nesse momento houve o estopim da Crise, e eu gritei com ele a palavra “Saaaaaaaaaaaaaaaaaaaai do meu QUADRADO” em alto e bom som. Foi um grito alto, todos no meu campo de visão pararam para observar, e, em todos os rostos, pude perceber um semblante de medo. A partir daí passei a gritar e impedir que qualquer um atravessasse o quadrado imaginário, até o determinado momento em que um rapaz ameaçou me agredir, então eu optei por parar a intervenção.

Quando todos na estação perceberam que se tratava de uma encenação, pôde-se ouvir os murmúrios de alívio e, até mesmo, alguns risos. Acabou a tensão no ambiente. Então, os demais integrantes do grupo foram conversar com as pessoas que estava observando a crise, e lhes explicaram que se tratava de uma intervenção do curso de Psicologia.

Não posso negar também meu alívio em terminar a encenação, e de voltar à minha realidade. O medo de ser visto como estranho e perigoso me deixou apreensivo. Assustado. A sensação foi de completo desamparo. Foi uma experiência única, o que me permitiu sair da posição de conforto, para ver a Crise com outros olhos, não mais como um perito, mas como alguém que – agora – consegue entender como é não ter seu sofrimento ouvido por ninguém.


Nota:

Essa intervenção partiu da disciplina de Intervenção em Situações de Crise (2014/1) do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA, com o intuito de perceber, em Palmas/TO, como a sociedade percebe e lida com a Crise.

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