Livro dialoga entre o poeta do presente e do passado

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Dialogar entre a poesia contemporânea e a tradicional, esse é o intuito da nova obra do escritor Luiz Otávio Oliani. Publicado pela editora Penalux, o livro “Palimpsestos, Outras Vozes e Águas” traz a reflexão, por diferentes ângulos e influências literárias, sobre as grandes questões de todos os tempos: o amor, a solidão, a morte, a efemeridade do tempo entre outros.

 Segundo o autor, a obra reúne, de maneira harmoniosa, “vozes” poéticas do presente e do passado. O livro mostra os palimpsestos, ou seja, os textos escritos e inspirados em autores tradicionais, que conversam com contemporâneos e com águas diversas, a partir de temas sem ligações com autores específicos.

As referências de escritores alcançam extremos longínquos, como quando se fala de Drummond ou Kafka, mas também demonstra proatividade e atualidade, ao inovar trazendo influências de poetas modernos, como, por exemplo, Alexandra Vieira de Almeida, Jorge Ventura e Astrid Cabral.

 – A ideia era mostrar que o poeta precisa dialogar com o “cânone literário” para produzir sua própria obra, sem ignorar os que antecederam – ressalta.

 Sobre o autor

Luiz Otávio Oliani é poeta, contista, cronista e dramaturgo. Graduou-se em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, em Direito, pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Atua como professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Produção Textual em diversos estabelecimentos de ensino.

Como escritor, publicou 12 livros, sendo 9 de poemas e 3 peças de teatro. É membro da APPERJ (Associação Profissional dos Poetas do Estado do Rio de Janeiro) e da Academia Humanística, Artística e Literária “Lítero Cultural”. Participa de mais de 200 livros coletivos nacionais e estrangeiros como poeta, cronista, contista ou autor de prefácios, orelhas ou resenhas críticas.  Participou da Revista Literária Sociedade dos Poetas Novos. Ainda representou o país, em 2017, no IV Encontro de Poetas da Língua Portuguesa em Lisboa (PT).

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Breve palavra sobre Guimarães Rosa

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      i.        Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais, cidadezinha de nome curioso, fundada por alemães, onde passou a infância. Desde cedo, já convivia com vaqueiros, andarilhos e pregadores ambulantes, narradores orais, por excelência, de lendas, mitos, canções e contos folclóricos. Na juventude, foi estudar na capital, Belo Horizonte, iniciando ali, os estudos em medicina. Formado, trabalhou como médico em outra cidade interiorana, Itaguara, por dois anos. Em 1930, alistou-se como médico voluntário nas tropas rebeldes de Getúlio Vargas, aderindo, posteriormente, em 1932, ao exército legalista, quando descobre o intento dos insurgentes: suprimir a nova legislação social. Tendo abandonado a profissão de médico pelas frustrações que a falta de recursos impingia à sua realização, iniciou a carreira de diplomata, servindo em vários países como cônsul. Numa dessas oportunidades, colaborou ativamente no abrigo e fuga de judeus perseguidos pelos nazistas.

    ii.        Tais experiências e vivências, segundo ele, foram se estabelecendo em seu destino, na forma de um estranho paradoxo, “Como médico, conheci o valor místico do sofrimento; como rebelde, o valor da consciência; como soldado, o valor da proximidade da morte…” (in LORENZ, 1973, p. 323). Tal paradoxo teve uma importância essencial na constituição íntima de sua personalidade, reaparecendo de forma soberba em sua inventividade ficcional como seu mais substancial leitmotiv.

   iii.        É fundamental que tenhamos em conta, acima de tudo, que Guimarães Rosa compreende a literatura como seu compromisso essencial com o homem e, neste sentido, não a separa da vida. Sobre o papel do escritor, ele afirma: “Sua missão […]: é o próprio homem.” (In LORENZ, 1973, p. 318) e, em outro momento, diz: “[…] é impossível separar minha biografia de minha obra.” (In LORENZ, 1973, p. 322) e “[…] a linguagem e a vida são uma coisa só” (in LORENZ, 1973, p. 339). Atentemos com mais vagar esse compromisso de Rosa como escritor,

[…] penso desta forma: cada homem tem seu lugar no mundo e no tempo que lhe é concedido. Sua tarefa nunca é maior que sua capacidade para poder cumpri-la. Ela consiste em preencher seu lugar, em servir à verdade e aos homens. Conheço meu lugar e minha tarefa; muitos homens não conhecem ou chegam a fazê-lo, quando é demasiado tarde. Por isso tudo é muito simples para mim e só espero fazer justiça a esse lugar e a essa tarefa. Veja como o meu credo é simples. Mas quero ainda ressaltar que credo e poética são uma mesma coisa. Não deve haver nenhuma diferença entre homens e escritores; esta é apenas uma maldita invenção dos cientistas, que querem fazer deles duas pessoas totalmente distintas. (…). A vida deve fazer justiça à obra, e a obra à vida. Um escritor que não se atém a esta regra não vale nada, nem como homem nem como escritor. Ele está face a face com o infinito e é responsável perante o homem e perante a si mesmo. (…) [este é o] meu compromisso do coração, e que considero o maior compromisso possível, o mais importante, o mais humano e acima de tudo o único sincero. Outras regras que não sejam este credo, esta poética e este compromisso, não existem para mim, não as reconheço. Estas são as leis da minha vida, de meu trabalho, de minha responsabilidade. A elas me sinto obrigado, por elas me guio, para elas vivo (in LORENZ, 1973, 330).

   iv.        Ao entrançar linguagem e vida, Rosa demarca também o ponto de partida de onde brota a sua literatura. Ter nascido e convivido na ambiência sertaneja, estabeleceu o itinerário fundante das temáticas mais significativas que sua obra revela. Ser fundamentalmente um homem do sertão fez de Rosa um escritor que, primeiramente, dá voz àqueles que, sobretudo em sua infância, mas ao longo de toda a sua existência, mais lhe deram lições sobre o essencial da vida e do viver: o homem sertanejo,

Gosto de pensar cavalgando, na fazenda, no sertão; e quando algo não me fica claro, não vou conversar com algum douto professor, e sim com alguns dos velhos vaqueiros de Minas Gerais, que são todos homens atilados. Quando volto para junto deles, sinto-me vaqueiro novamente, se é que alguém pode deixar de sê-lo (in LORENZ, 1973, p. 336).

No diálogo estabelecido com Günther W. Lorenz, quando perguntado sobre a presença do tema “homem do sertão” em sua obra, ele declara:

[…] sou antes de mais nada este ‘homem do sertão’; e isto não é apenas uma afirmação biográfica, mas também, e nisto pelo menos eu acredito tão firmemente (…), que ele, este ‘homem do sertão’, está presente [em minha obra] como ponto de partida mais do que qualquer outra coisa (in LORENZ, 1973, p. 321).

v.        Desta forma, a criação de seus personagens, invariavelmente, tem como fonte de inspiração, as figuras reais do sertão, que ele conheceu e com quem conviveu, detentoras de uma sabedoria ancestral para o bom aconselhamento e depositárias da memória mítica e fabulatória sertaneja, “Minhas personagens, que são sempre um pouco de mim mesmo, um pouco muito, não devem ser, não podem ser intelectuais pois isso diminuiria sua humanidade”  (in LORENZ, p. 350).

 vi.        A primeira obra de Guimarães Rosa foi um conjunto de poemas intituladoMagma, com o qual ele concorreu num concurso promovido pela Academia Brasileira de Letras, em 1936. O parecer do avaliador, o poeta Guilherme de Almeida, foi contundente, não deixando possibilidade de existência de uma segunda colocação, dada a grandiosidade da lírica rosiana. No entanto, apesar de ter sido laureada com o primeiro prêmio, Rosa jamais publicou essa obra em vida, deixando, inclusive, recomendações a seus familiares que não o fizesse. Tal pedido foi assegurado até o ano de 1997, quandoMagma veio a ser publicada, com a autorização de sua filha Vilma Guimarães Rosa, detentora dos direitos autorais do pai. Segundo o nosso ponto de vista, o fato de Rosa não ter desejado publicar a sua primeira e única obra de poesia está fundamentado em seu desejo de realizar uma poética que tivesse uma permanência, bela e profunda, nos interstícios de sua épica, e não na forma patentemente lírica, como ele mesmo afirmou em duas ocasiões diversas, “meu epos é poesia” (ROSA, 2003, p. 148),

[…] descobri que a poesia profissional, tal como se deve manejá-la na elaboração de poemas, pode ser a morte da poesia verdadeira. Por isso, retornei à “saga”, à lenda, ao conto simples, pois quem escreve estes assuntos é a vida e não a lei das regras chamadas poéticas (in LORENZ, 1973, p. 326).

  vii.        O modo ímpar de burilar as palavras fez com que atribuíssem a Rosa o título de revolucionário da língua, recusado terminantemente por ele, posto que, segundo seu ponto de vista, tal epíteto servia apenas para causar-lhe mal-estar entre seus pares literatos, quanto ao “não” engajamento político de sua poética. Ironizando o sentido do termo revolucionário, Rosa prefere ser chamado de reacionário da língua, já que sua preocupação fundamental é com a construção do vocábulo a partir de sua gênese, “Cada palavra é, segundo a sua essência, um poema” (ROSA in LORENZ, 1973, p. 346). Nesta busca obsessiva, Rosa não consegue conter em apresentar-se como um demiurgo em relação às palavras, já que busca criá-las à sua imagem e semelhança na tradução que realiza do universo do mundo vivido do sertão,

Não sou um revolucionário da língua. Quem afirme isto não tem qualquer sentido da língua, pois julga segundo as aparências. Se tem de haver uma frase feita, eu preferia que me chamassem de reacionário da língua, pois quero voltar cada dia à origem da língua, lá onde a palavra ainda está nas entranhas da alma, para poder lhe dar luz segundo a minha imagem (in LORENZ, 1973, p. 341).

viii.        Há também a inserção, em seu estilo narrativo, das idiossincrasias dialetais de seu berço sertanejo, cujo linguajar ainda resguarda a marca da originalidade e, por este motivo, está prenhe de uma sabedoria ancestral e mítica. Por outro lado, por ter sido um escritor ambientado na moderna literatura brasileira, não se furtou ao experimentalismo linguístico, característico dos escritores e poetas de seu tempo, porém, sem tirar os olhos de uma tradição idiomática vinculada às raízes da língua portuguesa, usada pelos sábios e poetas medievais. Obviamente, é preciso incluir neste rol alquímico-literário, a condição de poliglota[1] do escritor mineiro, que o permitia encontrar soluções poético-narrativas inusitadas para criações metafóricas mais candentes.

ix.        Por fim, faz-se necessário ressaltar também a sua disciplina intransigente e obsessiva na busca da construção de uma linguagem que, de fato, se consubstanciasse no veículo de uma verdade a ser revelada; numa obra que perdurasse para além de seu tempo e de seu espaço, enfim, numa linguagem que fosse portadora da voz do infinito,

Apenas sou incorrigivelmente pelo melhorar e aperfeiçoar, sem descanso, em ação repartida, dorida, feroz, sem cessar, até ao último momento, a todo custo. Faço isso com meus livros. Neles, não há nem um momento de inércia. Nenhuma preguiça! Tudo é retrabalhado, repensado, calculado, rezado, refiltrado, refervido, recongelado, descongelado, purgado e reengrossado, outra vez filtrado. (…). Acho que a gente tem de fazer sempre assim. Aprendi a desconfiar de mim mesmo. Quando uma página me entusiasma, e vem a vaidade de a achar boa, eu a guardo por uns dias, depois retomo-as, massinceramente afirmado a mim mesmo: – Vamos ver por que é que esta página não presta! E, só então, por incrível que pareça, é que os erros e defeitos começam a surgir, a pular-me diante dos olhos. Vale a pena, dar tanto? Vale. A gente tem de escrever para 700 anos. Para o Juízo Final. Nenhum esforço suplementar fica perdido (ROSA, 2003a, p. 234-5).


[1] Segundo Lorenz, “Por um artigo publicado no Brasil em 1967, após a morte de Guimarães Rosa, (…) ele falava português, espanhol, francês, inglês, alemão e italiano. Além disso, possuía conhecimentos suficientes para ler livros em latim, grego clássico, grego moderno, sueco, dinamarquês, servo-croata, russo, húngaro, persa, chinês, japonês, hindu, árabe e malaio” (1973, p. 339).

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Vinicius de Moraes: o poetinha da música, da literatura, do teatro e da dramaturgia

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“As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”.
Vinicius de Moraes

A conhecida frase pertence ao poema “Receita de Mulher”, de Vinicius de Moraes. O “Poetinha” não foi somente poeta, mas sua obra passa pela literatura, pelo teatro, pela música, pelo cinema. Aliás, Vinicius de Moraes foi, sobretudo, um conquistador, um amante das mulheres. Casou-se nove vezes e era um boêmio inveterado. Também era fumante e apreciador de uísque.

Vinicius de Morais nasceu no dia 19 de outubro de 1913, no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro. Cresceu no bairro de Botafogo e mais tarde na Ilha do Governador. Estudou na Faculdade de Direito do Catete. Estudou língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford a partir de uma bolsa do Conselho Britânico. Em 1941, retornou ao Brasil empregando-se como crítico de cinema no jornal “A Manhã”.

O poeta ingressou na diplomacia em 1943, quando foi aprovado no concurso para o Ministério das Relações Exteriores. Por causa da carreira diplomática, Vinicius de Morais viajou para Espanha, Uruguai, França e Estados Unidos, mas não perdeu contato com a cultura do Brasil.

Vinicius de Moraes começou a tornar-se conhecido a partir da peça “Orfeu da Conceição”, em 1956. A década de 1950 foi quando a sua carreira musical também começa a ser conhecida, quando conheceu Tom Jobim e suas composições foram gravadas por inúmeros artistas. O período áureo para o poeta ocorreu na década de 60, já que as parcerias com Baden Powell, Carlos Lyra e Francis Hime também firmaram-se, além das parcerias com Chico Buarque e João Gilberto. O parceiro Toquinho viria na década de 1970, quando já era consagrado e lançou álbuns e livros que alcançaram de grande sucesso.

A noite de 9 de julho de 1980, ao acertar detalhes com Toquinho sobre as canções do álbum “Arca de Noé”, Vinicius alegou cansaço e retirou-se para um banho. Durante a madrugada do dia seguinte o poeta foi encontrado pela empregada, na banheira de casa, com dificuldades para respirar. Toquinho e Gilda Mattoso (a última esposa do poeta) tentaram socorrê-lo, mas não houve tempo e Vinicius de Moraes morreu pela manhã, de isquemia cerebral.

A música

Sua produção musical é vasta. É considerado um dos precursores da bossa nova. Não há quem não conheça uma música do Poetinha. Entre suas músicas podemos citar a “Garota de Ipanema”, “Gente Humilde”, “Aquarela”, “A Casa”, “Arrastão”, “A Rosa de Hiroshima”, “Berimbau”, “A Tonga da Mironga do Kaburetê”, “Canto de Ossanha”, “Insensatez”, “Eu Sei Que Vou Te Amar” e “Chega de Saudade”.

O poeta foi premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com a composição da trilha sonora do filme “Orfeu Negro”. Em 1961, compõe “Rancho das Flores”, baseado no tema “Jesus, Alegria dos Homens”, de Johann Sebastian Bach. Também ganhou o Primeiro Festival Nacional de Música Popular Brasileira, com a música “Arrastão”, em parceira com Edu Lobo.

No entanto, a parceria com o músico Toquinho é considerada a mais produtiva, uma vez que rendeu músicas importantes como “Aquarela”, “A Casa”, “As Cores de Abril”, “Testamento”, “Maria Vai com as Outras”, “Morena Flor”, “A Rosa Desfolhada”, “Para Viver Um Grande Amor” e “Regra Três”.

Além disso, participou em shows e gravações com cantores e compositores importantes como Chico Buarque de Holanda, Elis Regina, Dorival Caymmi, Maria Creuza, Miúcha e Maria Bethânia. O Álbum Arca de Noé foi lançado em 1980 e teve vários intérpretes, cantando músicas de cunho infantil. Esse Álbum originou um especial para a televisão e agora está sendo relançado com as músicas regravadas por cantores como Zeca Pagodinho e Adriana Calcanhoto. O lançamento deste álbum é para comemorar os 100 anos do nascimento do poeta.

A literatura

Na literatura, sua produção poética passou por duas fases. A primeira é carregada de misticismo e profundamente cristã, como expressa em “O Caminho para a Distância” e em “Forma e Exegese”. A segunda fase tem como tema o cotidiano, e nela se ressalta a figura feminina e o amor, como em “Ariana, A Mulher”.

Além disso, a poética de Vinícius também inclina-se para os grandes temas sociais do seu tempo. O carro chefe é “A Rosa de Hiroshima”, em que ele faz uma referência à Segunda Guerra Mundial e ao bombardeio nuclear nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki que, no dia 6 de agosto de 1945, em uma demonstração de força nuclear estadunidense, a cidade de Hiroshima foi completamente destruída pela Little Boy, como era denominada a bomba nuclear:

A Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

A parábola “O Operário em Construção” alinha-se entre os maiores poemas de denúncia da literatura nacional, em que descreve o trabalho como base da vida humana; descrevendo o processo de tomada de consciência de um operário, partindo de uma situação de completa alienação: “tudo desconhecia / de sua grande missão”, sem saber “que a casa que ele fazia / sendo a sua liberdade/ era a sua escravidão”.

Entretanto, a poesia de Vinícius de Moraes é mais conhecia por seus sonetos. O diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro encanta a todas as gerações com um tipo de poema, cuja forma (fixa) era pouco era cultivada em seu tempo.

Soneto de separação

Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

O soneto de fidelidade é um dos mais conhecidos, teve sua versão musical e encanta os leitores:

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

As rimas, o ritmo, a sonoridade, os processos figurativos estão marcados na poesia infantil do poeta. Não poderíamos deixar de mencioná-la. E, para terminar nossa conversar, saio correndo porque “passa o tempo, tic-tac”…

Relógio

Passa tempo, tic-tac Tic-tac, passa, hora
Chega logo tic-tac Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac Tic-tac
Tic-tac.

Leia mais, conheça mais em: http://www.viniciusdemoraes.com.br/site/

MORAIS, Vinicius (organização de Antonio Cicero e Eucanaã Ferrasz). Nova Antologia Poética.1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

MORAIS, Vinicius (texto de José Castello). Livro de Letras. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

CASTELLO, JOSÉ. Vinicius de Moraes: o poeta da paixão. 1a. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

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Carlos Drummond de Andrade: o mito do homem que se fez poesia

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Toquem as trombetas, estendam o tapete vermelho, alinhem a mente e o coração para a passagem do “Poeta Maior” da literatura brasileira…

Sempre achei que deveria existir o verbo DRUMMONDIAR como sinônimo de criar, sonhar e amar. Seria uma honra para o  vocabulário da arte poética ser condecorado com essa palavra de rara beleza e significação mergulhada no infinito.

Esse notável poeta da literatura brasileira não nasceu, somente, mas foi profetizado. Parodiando a citação bíblica “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha igreja” (MT, 16, 18), o Criador pressagiou “Sobre esta Pedra edificarei a poesia”. Assim, Carlos Drummond de Andrade nasceu no dia 31 de outubro de 1902, em Itabira, cuja origem no tupi, sugestivamente, significa Pedra (Ita) que brilha (bira).

A profecia se cumpre quando Drummond, o nono dos catorze filhos dos primos Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusta Drummond, que nasceu na Pedra que brilha (Itabira), consegue com maestria transformar “ pedra” em poesia.

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra

Nunca me esquecerei deste acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho

Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.

Transformou suas pedras do caminho em inspiração reflexiva que mobilizou todos os nossos sentidos na tentativa de compreender as paradoxais intempéries da existência humana. Drummond indaga a inconsistência imensurável da sociedade que zomba do humano e se aproxima do escárnio pela existência dos plurais Josés deste mundo de “Meu Deus”

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José

E agora, José?
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora José?

Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama protesta,
E agora, José?

Esse mergulhar nas reflexões da alma do mundo desperta um Drummond inadaptado, um ser GAUCHE, como ele mesmo se intitulava. Tamanha era sua inquietude que, da sua subjetividade conflituosa, emerge um “eu-retorcido”

Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

 

Quando Drummond proclama a liberdade das palavras poéticas para proferir “Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus/se sabias que eu era fraco.”, pressente-se o indivíduo no “choque social” que representa um homem impotente, talvez incapaz de suportar as dores e mazelas da humanidade, mas  poeta competente na investigação da realidade humana. Contempla-se, nessa fase, um poeta inconformado com o estilhaçamento da humanidade, diante do vazio e do nada.

 

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais meu Deus
Tempo de absoluta depuração
Tempo em que não se diz mais meu amo
Porque o amo resulta inútil

E os olhos não choram
E as mãos tecem apenas o rude trabalho
E o coração está seco

Nesse momento em que a esperança se comporta como uma pipa fugitiva ao sabor do vento ao se encantar com a infinitude do céu azul, Drummond não permite o desfalecimento pelo porvir. Então, o poeta domina sua pipa multicor que baila nos zéfiros das recordações mais sublimes, guarda-a na sua mala de sentimentalismos, dirige-se à estação e adentra no bonde do escapismo que o leva, em pensamentos, à Itabira- MG, cidade onde nasceu e viveu sua doce infância. Itabira das imensuráveis reminiscências de outrora, tão presente nas lembranças dos primeiros anos de sua vida, mas tão diferente na realidade em que foi transformada. Por isso, para Drummond, Itabira sempre será abrigo do passado.

Confidência do Itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente, nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso : de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calcadas
Oitenta por cento de ferro as almas.
E esse alheamento do que na vida é
Porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paraliisa o trabalho,
Vem de Itabira, de suas noites brancas, sem
Mulheres e sem horizontes.

……………………………………………………………………………………………………………….

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
É doce herança Itabirana.

………………………………………………………………………………………………………………..

Enfatizar esse verso divino de Drummond consiste obrigatoriedade “A vontade de amar, que me paralisa o trabalho”. Amar ou Drummondiar? Eis  a questão! Referir-se a Drummond faz divagar nossa alma no mar de AMAR….Se o AMOR para o poeta paralisou o trabalho, em nós, seus súditos apaixonados, o AMOR paralisa e mobiliza nossas existências.

E em se tratando de AMOR, Drummond, como caminheiro costumaz  e extremo conhecedor, ensina-nos o caminho das pedras que nos conduz à constatação de que caminhar na estrada da vida sem conhecer o Amor não é viver. Se assim for, seremos somente corpo, jamais alma. Então, o poeta nos aconselha.

Conselhos de um velho apaixonado

Quando encontrar alguém  e esse alguém fizer
Seu coração parar de funcionar por alguns segundos,
Preste atenção: pode ser a pessoa
mais importante da sua vida

Se os olhares se cruzarem e, neste momento,
Houver o mesmo brilho intenso entre eles,
Fique alerta: pode ser a pessoa que você está
Esperando desde o dia em que nasceu.

……………………………………………………………………………………………………….

Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes
Na vida poucas amam ou encontram um amor verdadeiro.

Às vezes encontram e, por não prestarem atenção
Nesses sinais, deixam o amor passar,
Sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.

É o livre-arbítrio. Por isso, preste atenção nos sinais.
Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem
Cego para a melhor coisa da vida o AMOR!

O AMOR, com sua imensurável presença e necessidade, manifesta-se de forma caleidoscópica na obra Drummondiana. Logo, Importante na vida? Somente AMAR! AMAR! DRUMMONDIAR!

Carlos Drummond de Andrade formou-se em Farmácia. Contudo, verdadeiramente, foi o ALQUIMISTA DAS PALAVRAS. Parodiando Olavo Bilac, Drummond “teimou, limou, sofreu, suou”, ao lapidar seus versos. E fez poesias como joias raras que nos foram dadas gratuitamente para resplandecer e vivificar nossas existências. Por isso, ratifico meu desejo de Drummond ser sinônimo de CRIAR, AMAR, SONHAR e ENCANTAR.

Drummond, tu conquistaste morada eterna em nossos corações. Tuas  poesias possuem a chave que abre todas as portas dos nossos sentimentos. Cada leitor que adentra no Reino das tuas palavras, guardar-te-á para sempre na memória, como tu mesmo poetizaste

 

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Certa vez, perguntaram a Drummond se ele gostava de poesia. Sua reposta foi imediata “Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está contida nisso tudo.” Se a poesia está nisso tudo, tu estás em todos os lugares também, meu digníssimo poeta. Finalizo afirmando que na sua fala, decifra-se nosso encantamento. Não és unidade. Tu, Drummond, és comunhão de toda a arte da poesia.

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Manoel de Barros

Manoel de Barros: o Poeta dos Ex-Cêntricos

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A relação do escritor com a sociedade evoluiu consideravelmente desde a Idade Média até hoje. Os mecanismos utilizados pelos artistas para se desvencilharem das mais diversas amarras e firmarem sua posição, contribuíram para que hoje eles estivessem livres para a condução de seu próprio pensamento, interpretando a realidade, refletindo sobre a mesma e devolvendo-a ao público leitor, por meio de suas obras.

Fonte: http://blogs.estadao.com.br/daniel-piza/manoel-de-barros-o-poeta-que-veio-do-chao/

O poeta matogrossense Manoel de Barros é um decodificador da realidade que o circunda e revela suas insatisfações diante da condição humana na sociedade capitalista vigente. Manoel Wenceslau Leite de Barros (Cuiabá-MT, 1916) publicou seu primeiro livro de poesia, Poemas Concebidos Sem Pecado, em 1937. Formou-se bacharel em Direito no Rio de Janeiro-RJ, em 1941. Nas décadas seguintes publicou Face Imóvel (1942), Poesias (1946), Compêndio para Uso dos Pássaros (1961),Gramática Expositiva do Chão (1969), Matéria de Poesia (1974), O Guardador de Águas (1989),Retrato do Artista Quando Coisa (1998), O Fazedor de Amanhecer (2001), entre outros. A partir das décadas de 1980 e 1990 veio sua consagração como poeta. Em 1990 recebeu o Grande Prêmio da Crítica/Literatura, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte e o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro O Guardador de Águas, concedido pela Câmara Brasileira do Livro.

Em seu livro Dialética do Concreto, Karel Kosik (1976) defende o escrever como maneira de desejar a liberdade e, se a deseja, está se engajando para conquistá-la. Assim, a poesia tem, para Manoel de Barros (1996, p. 18) a função de “promover o arejamento das palavras” por meio da denúncia de um mundo em ruínas, da desconstrução de projetos tradicionais e de chamar a atenção para as coisas que até estão fora dos olhos da sociedade, “voando fora da asa” (Idem p. 20).

A poética de Manoel de Barros começa transparente e entusiasmada, mas logo inicia o desenvolvimento de seu projeto estético, auferido do sujeito histórico que vivencia. Esse projeto estético está ligado ao modo como o poeta procura

[…] lidar com questões de natureza sociológica e antropológica, como identidade, pertencimento e seus contrários, lutando contra ao senso comum habituado a descortinar apenas distância e ausência na cultura da região; essa circunstância, por sua vez, decorre da condição geográfica do local, do afastamento dos centros de legitimação cultural e ao possível descaso a que foi relegada a região, após extinção do ciclo de exploração do ouro, exploração da mão-de-obra indígena, exploração agrícola, ou mesmo ao interesse que a região desperta como terra de ninguém, exposta a toda sorte de aventureiros. (SANTOS, 2008, p. 11)

No instante em que ele define o material de sua poesia, assume uma questão político-social: ideais estéticos do modernismo e do pós-modernismo ao lado de mazelas do país. Ideais esses desencadeados após imprescindíveis movimentos do final do século XIX e início do XX, como a revolução feminista, as conquistas dos homossexuais e a luta dos negros. Essas mudanças concorreram para que a literatura contemporânea pudesse definir, tanto em termos formais quanto temáticos, as suas relações com os discursos minoritários: os ex-cêntricos.

Linda Hutcheon, na Poética do Pós-Modernismo, conceitua ex-cêntrico – off-centro ou descentralizado – os desgraçados da sociedade, os que estão à beira dela, ou que são diferentes. Portanto, e como já foi mencionado, no pós-modernismo, os ex-cêntricos vêm sendo definidos em termos particularizantes: etnicismo, sexo, nacionalidade, raça, sexualidade, mas ao mesmo tempo, conquistam o valor que até então era negado pela sociedade. Neste aspecto, não se pode perder a noção de que

[…] uma região não é na sua origem, uma realidade natural, mas uma divisão do mundo social estabelecida por um ato de vontade, demonstra, na praxis, uma das premissas básicas do comparativismo, que afirma a arbitrariedade dos limites e a importância de reconhecimento das zonas intervalares, das fronteiras e das passagens e ultrapassagens. (…) A região deixa de ser um espaço  natural, com fronteiras  naturais, pois é, antes de tudo, um espaço construído por decisão arbitrária, política, social, econômica, ou de outra ordem qualquer que não, necessariamente cultural e literária. (BONIATTI citado por SANTOS, 2006, p.72)

O fator peremptório para a denúncia anti-panfletária, indireta de Manoel de Barros, é colocar os ex-cêntricos na sua poética sem transformá-los em centro.  O poeta direciona o seu foco para a margem da sociedade, sem permitir que eles assumam um lugar privilegiado, como podemos observar em Poemas concebidos sem pecado (1937), que dialoga com a desconstrução bíblica, eFace imóvel (1942), um livro desalentado, que transmite angústia com grande conteúdo crítico.

Manoel de Barros abraça e alerta o leitor para a preocupante condição humana, mas sem o intuito de engrandecê-la. Ao contrário, mostra que pouco pode fazer o poeta para modificar um problema sociopolítico e econômico, mas indiretamente conduz o leitor a questionar a sua posição no mundo, já que “um livro pode afetar a consciência – afetar a forma como as pessoas pensam e, portanto, a forma como agem. Os livros viram eleitorados que têm seu próprio efeito na história” (DOCTOROW citado por HUTCHEON 1991, p. 253). No livro Matéria de poesia a matéria de poesia é conhecida pelo leitor:

[…]
Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia
[…]
As coisas jogadas fora
têm grande importância
como um homem jogado fora
[…]
As coisas sem importância são bens de poesia.

Em entrevista a José Otávio Guizzo, transcrita no livro Gramática expositiva do chão, Manoel de Barros invoca a atenção para os seus trastes:

Pegar certas palavras já muito usadas, como as velhas prostitutas, decaídas, sujas de sangue e esterco – pegar essas palavras e arrumá-las num poema, de forma que adquiram nova virgindade. Salvá-las, assim, da morte por clichê. Não tenho outro gozo maior do que descobrir para algumas palavras relações dissuetas e até anômalas. (p. 308)

Segundo ele, ao buscar as coisas sem importância, estará situando o seu texto na história e na sociedade, usando a desconstrução da linguagem para a tessitura de sua denúncia; uma vez que, o que a sociedade rejeita ele elege para sua poética; enriquecendo-se das impurezas que traz para a sua poesia e, à medida que desrealiza a linguagem e o mundo, constrói a maior manifestação de rebeldia contra o status da realidade, a “negação da realidade se funda como uma crítica à própria realidade” (CAMARGO 1988, p. 36)

Para tal negação, rende-se ao que é jogado no lixo e, indignado com a sociedade capitalista, escolhe o Pantanal, a natureza e as coisas ínfimas para a composição de seu fazer poético, como se o poeta não encontrasse seu lugar no mundo e, por isso, buscasse a reintegração com os seres “nadificados”, puros e não impregnados de “sociedade”. A utopia manoelina refere-se ao “nadifúndio”, ao completamente desprovido de valor e que não se dicionariza. É a busca por um mundo poético diferente, no qual as coisas e as pessoas não são apenas mercadoria. E o faz na valorização dos ex-cêntricos e no repúdio aos bens da sociedade, sempre de maneira sutil, mas contendo significativas cargas denunciativas.

Objetivando evidenciar a condição humana nadificada, volta-se para suas máscaras – Bernardo, Gideão, Seo Ninguém, Bola-Sete, Catre-Velho, Bugrinha, Aniceto, Antoninha-me-leva, Andaleço, entre outros – , cujos nomes ou apelidos fortalecem seu projeto estético em dar importância aos sem importância. Explicita a sua opinião sobre o que o circunda, mostra uma sociedade que abandonou a fantasia e está mergulhada no capitalismo. O poema Andarilho mostra-nos essa inquietude do poeta:

Eu já disse que sou Ele.
Meu nome é Andaleço.
Andando devagar eu atraso o final do dia.
Caminho por beiras de rios conchosos.
Para as crianças da estrada eu sou o Homem do Saco.
Carrego latas furadas, pregos, papéis usados.
(Ouço harpejos de mim nas latas tortas.)
Não tenho pretensões de conquistara a inglória-perfeita.
Os loucos me interpretam.
A minha direção é pessoa do vento.
Meus rumos não têm termômetro.
De tarde arborizo pássaros.
De noite os sapos me pulam.
Não tenho carne de água.
Eu pertenço de andar atoamente.
Não tive estudamento de tomos.
Só conheço as ciências que analfabetam.
Todas as coisas têm ser?
Sou um sujeito remoto.
Aromas de jacintos me infinitam.
E estes ermos me somam. (1997, p. 85)

Manoel de Barros incorpora-se em Andaleço e denuncia a condição do homem sem rumo, entrega-se ao propósito de convencer o leitor a partir do primeiro verso: “Eu já disse que sou Ele”, colhido em Rimbaud: “Eu é o outro”. Pode-se afirmar que Andaleço, um andarilho que carrega latas furadas, pregos, papéis usados, é a máscara mais próxima do poeta matogrossense que recolhe nas coisas do chão a matéria para compor sua poesia. como tentativa de reverter o mundo agitado, anda devagar e fornece a deliciosa condição e não fazer nada e não se preocupar com o perder ou ganhar dinheiro. Depois, diante de uma atitude crítica de não querer conquistar inglórias-perfeitas, o poeta explicita-se, mais uma vez, na figura do andarilho que não quer perder suas irresponsabilidades se for mais um componente da academia.

Assim, como é conhecedor do mundo e por ele passa atoamente ou não, conhece a desutilidade da tensão de um mundo absorvido pelo capitalismo, recolhe-se na utilidade do “nadifúndio”, do fazer “brinquedos com as palavras para serem sérias”, pois que diante de um mundo “desútil”, “[…] não basta, como escritor, ser desconfiado ou bem-humorado em relação à arte ou à literatura; o teórico e o crítico estão inevitavelmente envolvidos com as ideologias e as instituições” (HUTCHEON 1991, p. 125), já que na literatura pós-moderna, a tendência do poeta é se criticizar e a do crítico é de poetizar-se na busca de leitores mais exigentes e ligados em sua época.

Em A máquina: a máquina segundo H.V., o jornalista, temos claramente a preocupação do poeta em denunciar a “sociedade-máquina”:

A Máquina mói carne
excogita
atrai braços para a lavoura
[…]
cria pessoas à sua imagem e semelhança
e aceita encomendas de fora
[…]
incrementa a produção do vômito espacial
e da farinha de mandioca
influi na bolsa
[…]
é ninfômana
agarra seus homens
vai a chás de caridade
ajuda os mais fracos a passarem fome
e dá às crianças o direito inalienável
ao sofrimento na forma e de acordo com
a lei e as possibilidades de cada uma
[…]
e tira coelhos do chapéu

a máquina tritura anêmonas
não é fonte de pássaros (1)
etc.
etc.

(1) isto é: não dá banho em minhoca/ atola na pedra/ bota azeitona na empada dos outros/ atravessa períodos de calma/ corta de machado inocula o vírus do mal/ adora uma posição/ deixa o cordão umbilical na província/ tira leite de veado correndo/ extrae víceras do mar/ aparece como desaparece/ vai de sardinha nas feiras/ entra de gaiato/ não mora no assunto e no morro […] (BARROS 1996, p. 172)

A Máquina está em todo lugar em todo tempo: desde os trabalhos primários (atrai braços para a lavoura e fornece implementos agrícolas), passa pela sociedade politicamente correta (vai a chás de caridade) e chega ao ápice da tecnologia (incrementa a produção do vômito espacial). A descrição da Máquina é feita por um jornalista (H.V.), o que pressupõe que tudo se vê, tudo se faz conhecer e tudo é relatado, diariamente. O poeta vai construindo a sociedade na imagem da Máquina, pelo uso de ideias antagônicas, materiais e sobrenaturais: a máquina tem o poder até de criar à sua imagem e semelhança: criando frutos cada vez mais capitalistas, adquirindo o poder de um Criador Universal que rege o muno e que, como realmente é visto, influencia tudo e a todos.

A partir de um diálogo com Clarice Lispector em A paixão segundo G.H. em que temos a presença de um eu demasiado humano e extremamente existencial, em A máquina: a máquina segundo H.V,o jornalista encontramos uma desconstrução do ponto de vista clariceano ao focalizar essencialmente o desumano de um eu e uma crítica pertinaz aos mecanismos sociais atuantes no Brasil.

A Máquina que Manoel de Barros nos mostra a partir dos olhos do jornalista H.V. é o que chamamos sociedade capitalista que se disfarça como um mágico e “tira coelhos do chapéu” para levar vantagens ou ludibriar as pessoas que estão na periferia, qual crianças deslumbradas com o poder do capitalismo. Sem tornar-se panfletário, a poética manoelina liga-nos ao mundo e dá a esta Máquina, por meio de explicação em nota de rodapé, uma inadequação ao poético e, inclinação à malandragem, própria da necessidade brasileira de sobrevivência, capaz de tudo para controlar, sem temer consequências.

O uso de ditos populares reforça a atitude engajada do poema que desconstói construindo um ponto de vista militante.

Em Maria-pelego-preto encontramos outro exemplo de preocupação com as pessoas criadas sob o signo do capitalismo. Neste caso, a prostituição feminina é o tema:

Maria-pelego-preto, moça de 18 anos, era
Abundante
De pelos no pente.
A gente pagava pra ver o fenômeno.
A moça cobria o rosto com um lençol branco e
Deixava
Pra fora só o pelego preto que se espalhava até
Pra
Cima do umbigo.
Era uma romaria chimite!
Na porta o pai entrevado recebendo as entradas…
Nos fundos a mãe rezando Glória a Deus nas Alturas…
Um senhor respeitável disse que aquilo era uma
Indignidade e um desrespeito às instituições da família e da
Pátria!
Mas acho que era fome.

Há que se notar que esse poema traz consigo uma denúncia da condição das famílias pobres, que vivem em pequenas cidades brasileiras, vítimas da seca. Camuflada por um efeito humorístico, o poema narra a miséria humana como algo comum.

Ao relacionarmos este poema ao que é explicado por Hutcheon, vemos que o poeta volta a exercitar a ideologia do pós-modernismo, voltada para o reconhecimento da relação entre o estético e o político, e também da necessidade da consciência das questões sociais presentes na realidade circundantes.

Ainda no poema, a ironia ao patriarcalismo imponente que ainda resiste: neste caso, a mulher, que desde Eva é qualificada como uma espécie inferior, representa o modelo de hierarquização no qual a sobrevivência da mulher depende do homem.

Vê-se, então, uma poética engajada na problemática social, especialmente na conclusão do poema, em que a fome supera conceitos morais da família e da pátria. O disfarce cômico questiona o leitor acerca da condição da família e da sociedade.

Diante dessas considerações é que podemos perceber um Manoel de Barros insatisfeito com seu tempo, com as injustiças que o cercam. No entanto, sem fazer uma poesia utilitária vai buscar na linguagem metafórica uma reflexão de seu tempo. Isso é explicado em entrevista:

Não sou alheio a nada. Não é preciso falar de amor para transmitir amor. Nem é preciso falar de dor para transmitir seu grito. O que escrevo resulta de meus armazenamentos ancestrais e de meus envolvimentos com a vida […] “As correntes subterrâneas que atravessam o poeta, transparecem no seu lirismo”, – disse Theodoro Adorno. E disse mais: “Baudelaire foi mais fiel ao apelo das massas do que toda a poesia gente-pobre de nossos tempos”. Falo descomparando. (BARROS 1996, p. 315)

No amálgama de artes no qual Manoel de Barros vai nos alimentando de prazeres e reflexões é que acrescentamos a propícia citação em que Sartre conclui todos os pensamentos voltados para a arte pós-moderna: “[…] Se a literatura se transformasse em pura propaganda ou em puro divertimento, a sociedade recairia no lamaçal do imediato, isto é, na vida sem memória dos himenópteros e dos gasterópodes.” (1993, p. 218).

Não é demais, portanto, frisar que a literatura direciona a reflexões inerentes a realidade, em especial a literatura pós-moderna que procede a sua denúncia por desconstrução, ironia e humor. E Manoel de Barros, consciente do projeto estético que realiza, consegue ser um poeta engajado, e, principalmente, sem ser panfletário, conseguindo, sutilmente, incutir no leitor sua ideologia e a relação político-estética para “esconder por trás das palavras para mostrar-se”.

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Mário Quintana e o Encantamento

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Neste 30 de julho de 2012, homenageamos Mario Quintana que completaria 106 anos se ele não tivesse morrido, ou melhor, encantado, aos 87, em 1994.

Os poetas, aliás, os artistas em geral, não morrem. Eles apenas encantam-se a fim de, infinitamente, encantarem as pessoas com o legado artístico que, publicado, pertence a todos, uma vez que o ser humano precisa de arte para ser menos incompleto.

Assim, a melhor maneira de celebrar o aniversário do poeta gaúcho o qual escreveu durante várias décadas é atualizar os textos que ele deixou na literatura brasileira. Ou seja, cada vez que lemos poesias, crônicas e/ou histórias infantis produzidas por Quintana, permitindo-as transformar nosso olhar sobre o mundo do qual o poeta fala; e também aguçar nossa sensibilidade estética, nós o homenageamos e o legitimamos como escritor. Pois as obras precisam deixar as prateleiras materiais e virtuais para se abrigarem na memória e na vida de quem os lê. O poeta homenageado, em poeminha curto, alerta:

Cuidado
A poesia não se entrega a quem a define.

Ele expressa significativa lucidez sobre a relação entre texto literário e leitor, cujo tema motivou vários escritos, como por exemplo, o excerto[1]  seguinte o qual explicita que o poema não é passatempo. É arte. E, como tal, exige gosto estético, aprendizagem sutil e abertura ao novo.

(…)
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre…
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.

É verdade que o leitor sequer se dá conta das transformações realizadas pelos textos artísticos, pois é lento e sutil o processo. Muito menos por poemas, já que nós, brasileiros (e talvez os seres humanos de qualquer país), temos mais ligação com as narrativas. Elas nos acompanham desde recém-nascidos, com as histórias para dormir[2]   ou ainda com os casos, verdadeiros ou inventados, que os adultos geralmente contam[3]   no cotidiano.

Entretanto, quando damos chance ao poema e, gradualmente, vamos desfrutando a musicalidade, a brevidade os versos, as palavras cuidadosamente escolhidas, os ditos e não ditos que os vocábulos revelam ou escondem… o texto poético vai se mostrando e nos inebriando su-til-men-te. Vejamos, por exemplo, a linda metáfora que Quintana utiliza a seguir:

Os Poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

Um aspecto que impressiona na poesia do autor gaúcho é o fato de temas tão corriqueiros serem abordados ao mesmo tempo com tamanha simplicidade, como em conversa informal entre amigos, e beleza estética.

 

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia…
A vida assim, jamais cansa…

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu…

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…

Nessa “canção do dia de sempre”, por exemplo, imagens e metáforas promovem estranhamento e tornam-no diferente de outros tipos de textos não artísticos. O eu-poético nos convida a viver cada dia como fosse o único, pois, embora aparentemente a rotina consiga transformar o tempo em dias em iguais, comparados às nuvens e a determinado rio, eles não o são. A cada novo amanhecer há novas nuvens movimentando na estratosfera, e o rio, ainda que siga o curso de sempre, é outra a água que por ele passa. Assim, a cada novo dia há perspectivas e desafios distintos os quais o fazem diferente do anterior. Ou, mesmo que sejam os mesmos, o olhar, as forças e o jeito de encará-los são diferentes.

Mas os leitores distraídos, aqueles que ficam presos ao passado, às perdas e desventuras, à “rosa louca dos ventos”, esses não percebem o recomeço exigido a cada novo dia, por isso param de sonhar, como revelam os últimos versos. Então, podemos afirmar que, simples e despretensioso, o poema desafia o leitor a pensar, seja em elementos corriqueiros que o automatismo cotidiano encobre, como nuvens, rio, rosa, chapéu. E também em aspectos extremamente importantes como a vida, os sonhos, os valores que preservamos ou deixamos escapar pelos dedos da monotonia e da falta de esperança.

No soneto[4]   “Ah, os relógios”, o eu-poético nos instiga a pensar sobre a sobreposição do tempo do relógio: marcado, rotulado, normatizado e apressado que Cronos continua devorando, sem tréguas, das nossas vidas. Em contraposição ao tempo primitivo, anterior ao instrumento, desacelerado, sem ponteiros nem frações, no qual a própria poesia ajuda a imergir e onde se encontram os sonhos, as amizades, a eternidade poética e a possibilidade de vida plena.

Ah, os relógios

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológicos…

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são…

Os poemas de Mario Quintana se destacam na literatura brasileira pelo modo como o autor ironiza, com o mesmo despojamento. Um dos textos irônicos é o “poeminho do contra”, que ele escreveu na época em que, pela terceira vez, não conseguiu votos suficientes para ser admitido na Academia Brasileira de Letras (ABL). Assim, ao invés de esbravejar contra os próprios colegas escritores, já veteranos na instituição, o gaúcho preferiu escrever aquele que se tornaria um de seus textos mais conhecidos. E o poema “biografia”, logo a seguir, parece complementar o primeiro.

 

Poeminho do Contra

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!

 

Biografia

Era um grande nome — ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia adoeceu, morreu, virou rua… E continuaram a pisar em cima dele.

Já o texto “da observação” demonstra que o poeta de Alegrete (RS) conhecia muito a alma humana, inclusive suas limitações e fragilidades. Assim, de forma irônica, ele sugere que, ao invés de revidar o mal de forma comum, como todos o fazem, vale mesmo é a superioridade de quem sabe observar e encará-lo de maneira bem-humorada e divertida.

 

Da Observação

Não te irrites, por mais que te fizerem…
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio…

Com a mesma singeleza e criatividade, Quintana aborda acerca do amor:

Bilhete

Se tu me amas,

ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,

tem de ser bem devagarinho,
amada,

que a vida é breve,
e o amor
mais breve ainda.

Nesse poema, o eu-poético fala sobre discrição no relacionamento, como se o fizesse realmente por meio de um “bilhete”, tipo de texto bastante informal que é escrito entre pessoas as quais têm muita proximidade. Tal sentimento é reforçado pela demonstração de afetividade expressa pelo uso de diminutivos caprichosamente distribuídos no poema. Além da musicalidade produzida por rimas (baixinho/ passarinho/ devagarinho), pela utilização repetida da letra/som “s”, como por exemplo, em: amas / grites / cima / passarinhos;  e ainda da nasalização produzida pelos sons das letras “m/n”, como em: me amas / ama-me baixinho. O resultado é um sussurro ao pé do ouvido que traduz a discrição almejada e demonstra genialidade poética. Ou seja, o poeta não somente pede para falar baixinho: ele o faz por meio do texto.

Já o poema “Esperança”, geralmente é enviado por internautas, aos amigos, na época das festas natalinas. Assim como os demais, é texto o qual, como a própria esperança, dá prazer em atualizá-lo em cada novo Natal.

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

É evidente que somos desafiados a continuar homenageando Mario Quintana todos os dias, pois há inumeráveis escritos por meio dos quais podemos apreciar a singularidade do mundo. E,  enquanto lemos e deixamos os textos penetrarem lentamente em nossa vida, a partir/por meio deles também vamos construindo os nossos. Vejamos o que o poeta mesmo diz afirma no poeminha a seguir:

A Arte de Ler

O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.

Quintana é assim: continua encantando com suas obras que podem nos transformar em leitores felizes e capazes contemplar o mundo com simplicidade e cantar em cada novo dia a “Canção da vida”.

 

A Canção da Vida

A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio…
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí…
como um salso chorando
na beira do rio…
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

[1] Todos os poemas utilizados foram extraídos do blog de Fábio Rocha, disponível em: <http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/mario-quintana-poemas/>. Acesso em 26 de jul. 2012

[2] Não foi à toa que Mario Quintana escreveu inúmeros livros infantis: O Batalhão das Letras, Pé de Pilão, Lili inventa o Mundo, O Sapo Amarelo, etc.

[3] Histórias de pescador e de assombração, por exemplo.

[4] Poema clássico, composto por dois quartetos e dois tercetos, cujos versos apresentam rimas definidas e simétricas.

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