Não temos direito a preguiça

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O trabalho, desde o início de suas configurações foi utilizado como forma de incitar o sentimento de pertencimento dos indivíduos. Tanto que diversas vezes as pessoas carregavam em seus próprios sobrenomes a profissão seguida por uma mesma família.  

O indivíduo acabou por se tornar resultante de uma relação indissociável entre o ser humano e o trabalho. Hoje em dia, ainda se carrega essa liga entre os termos; de forma que inconscientemente ao conhecer alguém, pergunta-se, “Qual seu nome? O que você faz? na busca de tentar classificar o indivíduo no meio social, associando-o de alguma maneira em uma hierarquia de acordo com suas respostas.  

Deduz-se e analisa-se todos que os cercam a partir do que é mostrado. Sabendo que o ser confere outros, também necessidade de ser conferido. E apesar de todo narcisismo voltado ao trabalho, com o objetivo do ter para que se possa ser, que as ações acabam por se verticalizarem. Sendo a necessidade do ter, uma criação conjunta, afinal, os indivíduos são sociais. Movimentação essa, que só faz sentido pois há alguém para ‘espetaculariza-la’.

 

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A dinâmica trabalhista acontece por conta da necessidade do outro, já que normalmente alguém se especializa, em suma, as relações interpessoais fazem dele algo possível e em eterna construção. Sabe-se também que é a partir da incapacidade alheia que há a exaltação de alguma área. É nesse contexto que nascem os competentes e vitoriosos, sobre as custas de outros não tão capacitados aos olhos de um todo. Mas esse, não existiria caso não houvesse uma base onde pudesse pousar tais privilegiados pés. 

 A ambiguidade pertinente no ato do trabalho ainda se insere na contemporaneidade, já que ao mesmo tempo que constrói o indivíduo e o dá a sensação de duo, também é visto como algo demasiadamente massivo.  

De forma sucinta e significativa, o termo trabalho é originário do latim tripalium: instrumento de tortura romano (no qual eram suplicados os escravos). Não se pode dizer que a era de exploração foi anulada, já que na formulação atual, não se tem senhores que prendem, mas vende-se a falsa ideia de liberdade.

 

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Um exemplo disso são as jornadas exaustivas, que roubam mais que às 8 horas de trabalho por dia, com auxílio da flexibilidade (que leva o trabalho até o lar). Ao passo que se tem o trabalho intensivo, no qual o ‘eu’ torna-se o próprio senhor, que se chicoteia sucessivamente para uma produção adoecera a custo de metas e uma felicidade futura que mal poderá ser vivida, pois todo o vigor está sendo gasto nessa corrida para o seu próprio abismo. A custa de que?

A terceirização do trabalho é uma nova forma de escravizar. O fato é demonstrado a partir das pessoas que tornaram-se descartáveis, sendo facilmente manipuladas pela recompensa da “liberdade” e o poder de suas próprias escolhas a partir da remuneração aquisitiva. Há uma grande demanda de pessoas capacitadas no mercado de trabalho, dessa forma, apenas o curso superior tornou-se supérfluo. A medida que a venda das capacitações dos indivíduos são compradas (por um valor mínimo) as custas de pessoas adoecidas, apáticas, desmotivadas, dentro da realidade vigente no mercado de trabalho, vemos que de fato: tornaram-se meras mercadorias substituíveis, onde sinais de fragilidade as torna dispensáveis sobre alguma medida. 

 

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As crianças desde o início da escolarização, são de alguma forma excitadas para a competitividade, pois é esta a realidade que as espera. Pequenas máquinas de trabalho que são aquecidas desde muito cedo para não questionarem esse formato de vida, tornando o ciclo vicioso entre os indivíduos. Afinal, ninguém quer o título de fracassado, é o poder que manda. Não é incitado o autoconhecimento. Se soubéssemos quem somos, qualquer resultante que fosse imposta não seria o suficiente, pois se traçaria um caminho alternativo a se seguir. 

 

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A consequência do indivíduo pouco crítico, diante dessa realidade, poderá causar uma culpabilização, pelo fato de não atingir o êxtase em alguma área da sua vida, pondo-se em comparação ao outro. Junto ao discurso da meritocracia vigente, que não analisa o ser e suas circunstâncias pouco favoráveis ao crescimento pessoal. Igualando todos, quando na verdade não existem circunstâncias igualitárias. 

 

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As pessoas estão cansadas e não podem dizer-se cansadas. Seria esse ato como assinar a própria incompetência, ou o momento oportuno para serem substituídas. Essa repressão de sentimentos, a falta de tempo para si, para as relações afetivas, o desequilíbrio, desregulam o psicológico, biológico e dificultam as relações sociais, tornando-as cada vez mais rasas, acompanhado do corpo cada dia mais adoecido.  

Estão todos prestes a infartos psíquicos.  “Ficou doido”, “muita frescura”, “preguiçoso demais”, “fracassado, levante-se”, são estes, indivíduos comuns que simplesmente adoeceram, ou permitiram-se enxergar, pois, a sociedade é doentia, e os sensatos são aqueles que não respondem bem a essa escravidão em massa. Tiram um tempo para falar de suas dores, para cuidar de algo palpável, para serem humanos e verem no outro tamanha desumanidade. Objetificaram seres, por notas. Mas fica o questionamento; quanto custa sua saúde? Será se coisas reais têm preço? Talvez, a preguiça não seja a vilã da história (…) 

 

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Preguiça: pecado capital ou ato de rebeldia?

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“São os ociosos que transformam o mundo,
porque os outros não têm tempo algum”.

Albert Camus

“A preguiça é o melhor dos sete pecados,
pois ela te impede de cometer os outros seis”

Autor anônimo

Tenho que confessar: sou um preguiçoso. Tenho preguiça de acordar cedo, de fazer exercícios e até mesmo de comer laranja porque preciso descascá-la. Também tenho preguiça de escrever. E, por causa desta preguiça, fui adiando a escrita desse texto até o último momento, quando já não tinha mais como fugir. Ou seja, além de preguiçoso sou um procrastinador – e você já se deu conta de que a procrastinação é uma espécie de prima-irmã da preguiça? Apesar disso, não me considero uma pessoa improdutiva. Tento me inspirar nos princípios da chamada “procrastinação positiva”. Sim, isso existe! Como aponta o filósofo John Perry, autor do livro “A arte da procrastinação”, em um artigo do jornal New York Times1, “procrastinadores raramente fazem absolutamente nada”. Só não fazem o que deveriam estar fazendo. Portanto, para ser um ‘procrastinador produtivo’ deve-se seguir o princípio de que “qualquer um pode fazer qualquer quantidade de trabalho, desde que não seja o trabalho que pretensamente se deveria estar fazendo naquele momento”. Não é um bom princípio este? Às vezes consigo segui-lo, às vezes não. Neste caso, adiei porque escrever sobre preguiça dá muito trabalho. Aliás, escrever dá muito trabalho. E tudo que dá trabalho, que exige esforço, gera preguiça.

 

Arte: William Tylee Ranney

 

Aliás, preguiça e trabalho quase sempre andaram de mãos dadas. Quem não trabalha ou não quer trabalhar é entendido, até hoje, como vagabundo, preguiçoso, indolente. “Vai trabalhar vagabundo”, diz aquela música do Chico Buarque. O dicionário Aurélio define preguiça, antes de tudo, como “aversão ao trabalho”, mas também como “morosidade, negligência, moleza, indolência”. A própria noção de preguiça como um pecado capital tem relação com este entendimento. Num mundo dominado pela ideologia cristã, uma forma astuta de fazer as pessoas trabalharem – e mais: desejarem trabalhar – foi disseminar as ideias de que a preguiça é algo condenável e de que “o trabalho enobrece o homem”. E isto foi tão difundido no mundo ocidental, especialmente após a Reforma Protestante no século XVI, que se tornou uma espécie de verdade inquestionável. O trabalho nos define de tal maneira na atualidade, que ficar desempregado é como perder uma parte importante de si mesmo. Como diz aquela música do Legião Urbana, “Sem trabalho eu não sou nada/ Não tenho dignidade/ Não sinto o meu valor/ Não tenho identidade”. Isto é tão forte em nossa sociedade que logo que somos apresentados a uma pessoa, a primeira coisa que normalmente fazemos é perguntar “O que você faz?”. E a partir de sua resposta (“Sou psicólogo”, “Sou cozinheiro”, “Sou gari” – e perceba como vinculamos o que fazemos com o que somos) elaboramos uma série de julgamentos que influenciarão de forma significativa a maneira de nos relacionarmos com tal pessoa.

No entanto, anteriormente à ascensão do capitalismo como sistema econômico e social hegemônico, o trabalho foi visto, muitas vezes, de uma forma negativa. A própria Igreja Católica considerou, por um bom tempo, o trabalho como algo que afastava os homens das orações e, logo, de Deus. A preguiça era entendida não como preguiça de trabalhar, mas como preguiça de orar e se dedicar a Deus. Santo Agostinho chamava de “ócio santo” justamente o tempo necessário para se dedicar à contemplação e à oração. Antes disso, os gregos, especialmente os atenienses, valorizavam o ócio muito mais do que o trabalho. Interessante constatar que a palavra escola deriva do grego skole, que significa ócio. Ou seja, as escolas para os gregos eram considerados locais de ócio – de um ócio criativo, como diria muito tempo depois o sociólogo Domenico De Masi. Para os atenienses, os homens sábios deveriam se dedicar às ideias e ao espírito. Desta forma, estar ocioso não significava estar fazendo nada (aliás, o que é estar fazendo nada?), mas sim, “dedicar-se operações de natureza intelectual e espiritual que se traduziam no exercício da contemplação da verdade, do bem e da beleza, de forma não utilitária” (Bacal, 2003). Segundo Paul Lafargue, autor do livro-manifesto “Direito à preguiça”, publicado em 1880, ”os filósofos da antiguidade ensinavam o desprezo pelo trabalho, essa degradação do homem livre; os poetas cantavam a preguiça, esse presente dos Deuses”. Importante se atentar que para realizar os trabalhos manuais existiam os escravos. O ócio e a atividade intelectual eram privilégio dos homens livres2.

Arte: Tarsila do Amaral

Esta visão negativa do trabalho está presente na própria origem da palavra trabalho, do latimtripalium, que designa um instrumento de tortura. Da mesma forma, labor, denota sofrimento, dor, fadiga. Tal visão do trabalho enquanto algo sofrido ou penoso aparece até mesmo no Velho testamento, quando Adão e Eva são expulsos do paraíso e condenados ao trabalho árduo como forma de expiar o pecado cometido. “Com o suor do teu rosto comerás teu pão”, teria dito Deus a Adão. Já Eva Deus teria condenado às dores de parto. E não por acaso, todo este doloroso processo é chamado de “trabalho de parto”. Por sua vez, o ócio aparece na Bíblia majoritariamente de uma forma positiva. Por exemplo, após criar o céu, a terra e tudo o mais, Deus teria se permitido, no sétimo dia, um momento de descanso para contemplar sua obra. A recomendação de não se trabalhar aos sábados vem daí. Posteriormente, o filósofo Sêneca apontava para uma divisão entre o otium (ócio) e o negotium (negócio, negação do ócio), na qual o primeiro era associado à contemplação, ao estudo, ao autoconhecimento e à serenidade enquanto o segundo ao trabalho repetitivo e estressante – tal como o trabalho a que Sísifo foi condenado, e que virou sinônimo de uma atividade laboral esgotante e inútil.  Até hoje tal conotação se faz presente em expressões como “escrever dá trabalho” ou “tal tarefa é trabalhosa”. Com tudo isso quero apontar que o ócio (e o trabalho) nem sempre tiveram o sentido que possuem hoje. E, da mesma forma, nem sempre o ócio e a preguiça foram vistos como coisas negativas e o trabalho como algo indispensável para o bem-viver.

Já a noção de preguiça enquanto um pecado capital é quase tão antiga quanto o próprio cristianismo. Diz-se que no final do século VI o papa Gregório Magno, tomando como referência as cartas do apóstolo São Paulo, determinou os pecados capitais (capital vem do latim caput, cabeça, chefe, líder), ou seja, os pecados mais graves – opostos, de certa forma, aos chamados pecados veniais, mais leves e perdoáveis. Sete pecados foram definidos como capitais: a Vaidade, a Avareza, a Gula, a Luxúria, a Inveja, a Ira e a Preguiça. Mas tal lista só teria sido oficializada na Igreja Católica no século XIII, a partir da Suma Teológica, escrita por São Tomás de Aquino. Posteriormente a Igreja definiu as sete virtudes fundamentais, que deveriam servir como uma espécie de antídoto aos pecados capitais. São elas: a Humildade (oposta à vaidade), a Generosidade (oposta à avareza), a Temperança (oposta à Gula), a Castidade (oposta à Luxúria), a Caridade (oposta à inveja), a Paciência (oposta à ira) e, finalmente, a Diligência – entendida como a presteza ou prontidão para a ação, e, portanto, como “remédio” para a preguiça.

 

Arte: Bosch

É possível interpretar a criação e disseminação da noção de pecados capitais (e mesmo de virtudes fundamentais) como uma tentativa de controle de certas questões humanas, demasiada humanas, como diria Nietsche. Em um debate realizado no Brasil, o escritor português e eminente crítico das religiões, José Saramago, disse o seguinte: “Quando a Igreja inventou o pecado, inventou um instrumento de controle. Um instrumento de controle dos corpos. Porque aquilo que perturba a igreja católica é o corpo: o corpo com sua liberdade, o corpo com seus apetites, o corpo com suas ansiedades”3(e, poderíamos acrescentar, o corpo com suas preguiças). Concordo com ele. Os pecados são uma tentativa – um tanto quanto infrutífera – de controlar o que há de mais humano em nós mesmos. Afinal quem nunca sentiu inveja e desejou ter a grama tão verde como a do vizinho? Quem nunca foi tomado pela gula quando se sentiu ansioso ou triste? Quem nunca foi avarento, pão duro ou apegado às próprias coisas ou ao dinheiro? Quem nunca foi tomado por uma paixão e desejou uma pessoa de forma luxuriosa? Quem nunca ficou irado quando contrariado ou quando se deparou com uma injustiça? Quem nunca foi tomado pela soberba quando atingiu algum objetivo de vida? E finalmente, quem nunca sentiu vontade de não fazer nada de produtivo, de simplesmente vagabundear? Que jogue a primeira pedra quem nunca fez (ou desejou fazer) como na música Lazy Song, do Bruno Mars: “Hoje eu não estou com vontade de fazer nada/ Só quero ficar deitado na cama/ Não quero atender o telefone/ Então deixe o recado na secretária eletrônica/ Pois juro que hoje eu não quero fazer nada/ Vou ficar com os pés pro alto olhando para o ventilador/ Vou ligar a TV, ficar com as mãos no bolso/ Ninguém vai me dizer que não posso fazer isso/ Porque no meu castelo quem manda sou eu”. Pela lógica da Igreja (e mesmo do mundo do trabalho), o preguiçoso deve se sentir culpado e mesmo ser punido pelo que deixou de fazer.

Esta visão crítica dos pecados como instrumentos de controle se evidencia também no fato de que, por exemplo, a alcunha de “preguiçoso” foi e ainda é utilizada basicamente para se referir aqueles que estão na base da pirâmide social ou a grupos socialmente marginalizados. Durante o período colonial, os índios e os escravos eram considerados “naturalmente” preguiçosos e indolentes. Outro exemplo são os baianos, que até hoje são alvo de piadas por supostamente serem preguiçosos. Para a antropóloga Elisete Zanlorenzi, autora da tese “O mito da preguiça baiana”, tal visão é completamente falsa. Segundo ela, o entendimento do baiano como culturalmente preguiçoso teve início com o intenso movimento migratório de nordestinos (genericamente chamados de “baianos”) para o sul do país, especialmente São Paulo, a partir da década de 40. Predominantemente negros e pobres, se instalaram em precários cortiços e favelas e tiveram grande dificuldade em conseguir emprego. Segundo Elizete, “estas condições contribuíram para que o termo baiano fosse associado a outros como sujo, desorganizado, não produtivo e, finalmente, preguiçoso”4. Além disso, a pesquisadora aponta para a contribuição da indústria do turismo e da imprensa na disseminação da imagem do baiano como preguiçoso. Finalmente, Elizete afirma que os próprios artistas baianos, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Dorival Caymmi, têm sua parcela de responsabilidade na popularização desta imagem. “Eles chegavam no eixo Rio-São Paulo afirmando serem preguiçosos. Era como dizer: eu não sou daqui”, aponta a pesquisadora.

Relacionado a esta visão, li certa vez que o compositor baiano Dorival Caymmi, passava várias horas do dia olhando para o mar, contemplando sua beleza. Independente disto ser verdade ou mentira – e sem desejar reforçar o mito da preguiça baiana – gostaria de trazer a discussão para o presente e propor o seguinte questionamento: você consegue imaginar tal comportamento no mundo atual? Num mundo hiperconectado e hiperativo como o nosso, a contemplação (e a preguiça) tem cada vez menos espaço. Cada vez menos olhamos para o mar ou para o céu ou ainda para as pessoas. Tenho observado nas ruas, que o comportamento padrão de muitas pessoas quando estão sentadas esperando o ônibus ou dentro do metrô é ficarem mexendo ininterruptamente no celular ou no tablet. Parecem imersas naquele mundo virtual, como que ignorando o mundo real à sua volta. Cada vez mais olhamos menos para o mundo e para as outras pessoas. Ao mesmo tempo, nunca interagimos tanto, nunca estivemos tão interligados, nunca tivemos tão próximos de pessoas distantes fisicamente de nós. Se perdemos por um lado, ganhamos por outro, obviamente. Mas, de fato, temos perdido, cada vez mais, a capacidade de contemplar o mundo. E isso tem consequências.

Como aponta o jornalista Carl Honoré, autor do livro “Devagar”, atualmente cultuamos o “evangelho do sempre-mais-depressa”. E de acordo com este evangelho, devemos prezar sempre pela velocidade e pela quantidade, em detrimento da calma e da qualidade. Devemos ocupar nosso dia (e das nossas crianças) com o máximo de atividade que pudermos. Devemos manter nossa mente sempre ocupada, afinal, “cabeça vazia é oficina do diabo”. Devemos trabalhar o máximo e dormir o mínimo. Não podemos nos esquecer que “tempo é dinheiro”. Devemos andar depressa, comer depressa, transar depressa, amar depressa. A vida é curta, não há tempo a perder. Devemos viver o máximo, aproveitar o máximo, gozar o máximo. O ócio e a preguiça devem ser evitados a todo custo. O problema é que, como aponta Honoré, “certas coisas não podem nem devem ser apressadas. Elas levam tempo, precisam de lentidão. Quando aceleramos coisas que não devem ser aceleradas, quando esquecemos como é possível moderar o ritmo, sempre pagamos um preço”. E este preço tem sido cada vez mais alto. Estamos cada vez mais ansiosos, mais deprimidos, mais doentes do corpo e da alma. E toda esta velocidade certamente contribui para este mal-estar contemporâneo.

Mas felizmente, como reação a esta brutal apropriação do tempo pelo capitalismo contemporâneo, um contingente cada vez maior de pessoas tem aderido à filosofia Slow e tentado ir mais devagar. Como aponta Honoré, “enquanto o resto do mundo vai em frente vociferando, uma minoria considerável e cada vez maior opta por não fazer tudo com o pé no acelerador. Em todas as esferas de ação humana que você possa imaginar, de sexo, trabalho e exercícios a alimentos, medicina e urbanismo, estes rebeldes vem fazendo o impensável – estão abrindo espaço para a lentidão”. Num mundo que anda com tanta pressa, nada mais revolucionário do que ir devagar. Nada mais rebelde do que ser um pouco preguiçoso. Está lá na Bíblia: “Todo aquele que vive habitualmente no pecado também vive na rebeldia, pois o pecado é rebeldia” (João 3:4). Então, que sejamos rebeldes. Viva o ócio! Viva a vagareza! Viva a preguiça!

 

Foto: Henri Cartier-Bresson

 

Referências:

BACAL, Sarah. Lazer e o universo dos possíveis. Aleph: São Paulo, 2003.

DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Sextante: Rio de Janeiro, 2000.

LAFARGUE, Paul. Direito à preguiça. Hucitec: São Paulo, 2000

HONORÉ, Carl. Devagar: como um movimento mundial está desafiando o culto à velocidade”. Ed. Record: Rio de Janeiro, 2005.

 

Notas:

1http://www.nytimes.com/2013/01/15/science/positive-procrastination-not-an-oxymoron.html?_r=0

Segundo De Masi (2000), para os gregos, “’trabalho’ era tudo o que fazia suar, com exceção do esporte. Quem trabalhava, isto é, suava, ou era um escravo ou era um cidadão de segunda classe. As atividades não-físicas (a política, o estudo, a poesia, a filosofia) eram ‘ociosas’, ou seja, expressões mentais, dignas somente dos cidadãos de primeira classe”.

3 Assista um trecho deste debate neste link: http://www.youtube.com/watch?v=ihnAvfbX4Rk

4http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/cbn/capital_171105.htm

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