A ligação: um jogo de passado, presente e futuro

Compartilhe este conteúdo:

A ligação (2020), estreia da Netflix deste ano, figura no Top 10 dos assistidos e por uma boa razão. Seo-yeon, uma das personagens principais, retorna para a casa que morou quando criança e recebe ligações estranhas de uma desconhecida pedindo por ajuda. Após descobrir o diário da mulher que lhe ligou numa espécie de porão da residência, acaba por descobrir que as duas estão na mesma casa, só que em tempos diferentes.

O jogo de passado e futuro influenciando um ao outro é uma das marcas do filme, que lançam as duas personagens, Seo-yeon e Oh Young-sook, em uma narrativa muito interessante sobre doença mental, luto e até onde as pessoas vão em nome dos próprios interesses. Seo-yeon e Oh Young-sook se tornam muito próximas através das ligações cotidianas, contando sobre suas famílias, como vivem e as diferenças existentes em cada época.

Foto: filme A ligação (2020)

Assim, ficamos cientes de que Seo-yeon mora sozinha, sua mãe está internada em um hospital em quadro aparentemente crítico e que seu pai morreu em um acidente doméstico quando ela era criança. Sobre Oh Young-sook, de que vive com sua madrasta que a tortura constantemente pois acredita que ela esteja possuída por demônios, além de enclausurá-la dentro de casa e manter sua rotina rigidamente.

Em dado momento, após Oh Young-sook encontrar no passado Seo-yeon ainda criança, procuram realizar a tentativa de evitar o acidente ocorrido com o pai de Seo-yeon e assim, consequentemente, evitar sua morte. A experiência tem sucesso e numa cena que lembra Matrix (1999) ou A Origem (2010), o presente de Seo-yeon é completamente alterado, mediante a mudança no passado.

Foto: filme A ligação (2020)

Nesse presente, seu pai está vivo e sua mãe não está doente, alterando também outras questões de ambiente, como a casa que vivem, como se comportam e outros. A relação das duas é equilibrada até o momento que Oh Young-sook percebe que a amiga está ignorando-a em nome de ter momentos com a família e sua madrasta descobrir que ela está falando com alguém ao telefone. Após mais uma sessão de tortura, Oh Young-sook retorna para a amiga, que lhe informa que ela será assassinada pela madrasta num ritual de exorcismo para “cura da doença mental”. Depois disso, fica claro que o futuro tem o benefício do conhecimento, pois tudo o que já passou foi documentado de alguma forma e pode ser utilizado pelas duas.

Foto: filme A ligação (2020)

Depois do assassinato e de finalmente se ver livre, Oh Young-sook sai às ruas, faz compras e experienta o que já desejava: um pouco de vida “normal”. A personagem não aparenta remorso em nenhum momento pelo o que fez, nem sequer no assassinato seguinte, quando mata um fazendeiro que a visita, por ter encontrado o corpo de sua madrasta na geladeira.

Quando observada a ausência repentina do fazendeiro que era amigo de sua família, Seo-yeon descobre através de relatórios policiais que Oh Young-sook foi acusada pelo homicídio das duas pessoas e condenada à prisão perpétua. A partir de então, a trama muda de direção e o que era amizade se torna hostilidade e ameaças, pois Oh Young-sook deseja saber qual prova a incriminou e assim evitar de ser presa, informação da qual apenas Seo-yeon pode lhe dar.

Na sequência, a história se dedica ao jogo de passado-futuro entre as duas personagens, com muitas reviravoltas, mortes e violência envolvida no processo. Até onde ir para evitar a morte de um familiar? Como processar o luto, quando ele ocorre mais de uma vez pela mesma pessoa? Quais os limites de comportamento em pessoas diagnosticadas com transtornos mentais? O filme é muito bem produzido e apesar da impossibilidade da trama, é interessante pensar o que faríamos se pudéssemos alterar nosso passado, presente e futuro. Ao final, resta a impressão de confusão, ao percebermos que as influências entre os tempos eram maiores do que inicialmente inferido.

Download Gunjan Saxena The Kargil Girl (2020) Hindi 480p [450MB] || 720p [1GB] || 1080p [3.7GB] – KatmovieHDonline

Título Original: Call
Ano de produção: 2020
Dirigido por: Lee Chung-hyun
Gênero: Suspense, Terror
Países de Origem: Coreia do Sul
Duração: 112 minutos

Compartilhe este conteúdo:

Reinventando no Caminho… 2

Compartilhe este conteúdo:

No mundo real, somos preparados para viver com os pais até certa idade e depois tomar asas e voar rumo ao seu destino, porém é confortante saber que se tem para onde voltar caso necessário. Assim vivi por 15 anos da minha caminhada neste mundo.

Indo e vindo, bebendo da água da sabedoria de meus pais, abastecendo-me para seguir em frente novamente. Até que, ao ser tomada de susto, percebo que não tenho mais um ninho pra onde voltar… e agora, o que fazer?

Desesperar-me? Desistir? Fugir para uma aldeia longínqua?

Não eram as opções viáveis…

Fonte: encurtador.com.br/eFGTX

A única coisa possível a se fazer naquele momento era novamente me reinventar. Sem o conforto do lar paterno, sem um ombro pra me apoiar, tive que vivenciar o luto pela perda dos pais, administrar a vida que agora se descortinava sabendo que dali para frente não teria mais como voltar para casa.

O único recurso era criar meu próprio lar. Minha casa de passagem. Meu espaço de consolo. Juntei as forças novamente na reconstrução da vida solitária, porém desejosa de fazer dela celebres encontros, novas amizades, novos convívios, novos amores, novo futuro, novo presente.

Carpe Diem.

Compartilhe este conteúdo:

Pessoas excessivamente voltadas para si mesmas tornam-se frias, diz Alberto Nery

Compartilhe este conteúdo:

Psicólogo referência em Logoterapia também alerta que universidades devem ampliar os campos teóricos, hoje focado na Psicanálise ou nas linhas comportamentais

O (En)Cena entrevista o professor da Faculdade de Psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP, Alberto Domeniconi Nery, que vem desenvolvendo um profícuo trabalho de divulgação da Logoterapia, abordagem de base humanista e fenomenológica ainda pouco explorada nas universidades brasileiras.

Na entrevista, Alberto Nery chama a atenção para a retomada do processo de ‘coisificação’ do ser humano, como se o mesmo fosse um homem-máquina. Além disso, alerta para os riscos do fim das utopias, o que acaba gerando um cenário de desesperança e medo. No mais, dentre outros aspectos, Nery destaca a importância de o psicólogo dialogar com várias áreas do conhecimento, como religião, filosofia e sociologia, processo que só enriquece a atuação profissional.

Alberto Nery é mestre em Psicologia Social e do Trabalho pela USP (2014), possui graduação em Teologia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (1999) e graduação em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2005). Atualmente cursa o Doutorado em Psicologia Social na Universidade de São Paulo, atua como Psicólogo Clínico e professor na Faculdade de Psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP, além de ter experiência de atuação como professor, capelão e pastor em igrejas e instituições da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

(En)Cena – Qual o panorama do ensino da Logoterapia nas universidades brasileiras?

Alberto Nery – Na verdade, a presença da Logoterapia nas universidades brasileiras ainda é muito pequena. A maior parte das pessoas com as quais converso, tanto aquelas que já conhecem a teoria, quanto aquelas que estão conhecendo através de uma aula, palestra ou conteúdo que postei nas redes sociais, acabam me falando a mesma coisa: que durante a graduação nunca ouviram falar da Logo. Esse foi o meu caso, por exemplo. Então o que acaba acontecendo é que depende muito do professor, principalmente os de teorias humanistas-existenciais, teorias da personalidade, história da psicologia… Se eles não falam, a Logo não aparece. É uma pena.

As universidades brasileiras em geral preferem ensinar psicanálise e psicologia experimental e suas variantes. Mesmo a psicologia humanista-existencial tem pouco espaço. No Unasp-SP, onde leciono, não temos uma disciplina específica de Logoterapia, mas em todas as disciplinas que ministro, faço questão de mostrar a teoria. Além disso, oferecemos a prática clínica de Logoterapia nos últimos semestres.

A partir das minhas experiências, entendo que deveria haver mais espaço para Logoterapia na Universidade, pois o interesse dos alunos é enorme. As supervisões ficam sempre cheias e com lista de espera… Há um desejo dos estudantes de Psicologia em conhecer outras teorias e assuntos, e a Logoterapia atende essa necessidade, principalmente pela sua perspectiva holística, que abre espaço para um olhar positivo sobre a espiritualidade humana.

(En)Cena – Viktor Frankl foi um grande exemplo de fé no futuro e de resiliência… estes conceitos estão em xeque, na contemporaneidade. Quais as consequências psicológicas decorrentes da degradação das utopias?

Alberto Nery – A consequência direta é uma vida voltada apenas para si mesmo e para o momento que a pessoa vive. As pessoas se tornam mais frias. A perda da esperança no futuro é um dos piores golpes que a sociedade recebe, pois prejudica o desenvolvimento de projetos de vida que envolvem o que está por vir. Essa aliás é uma das características mais fortes da contemporaneidade.

(En)Cena – Há um aspecto transcendente na obra de Frankl. Isso se coaduna com a noção de lançar-se para o futuro. Seria uma boa alternativa para uma sociedade excessivamente imediatista?

Alberto Nery – Totalmente. A Logoterapia incentiva o indivíduo a viver de forma responsável no presente, compreendendo que aquilo que faz hoje irá se refletir no seu futuro. Além disso, apresenta a noção de transitoriedade da vida, o que nos leva a entender que o presente, seja ele bom ou ruim, vai passar, por isso precisamos nos planejar para o que está por vir também.

(En)Cena – Ao que parece, uma das bases epistemológicas da Logoterapia é a Fenomenologia, que faz uma forte crítica ao positivismo ou a ‘coisificação’ do ser humano – a partir do conceito de homem máquina. Parte da Psicologia flerta com esta ideia. Qual a sua opinião sobre o assunto?

Alberto Nery – Pois é, parece que vivemos uma espécie de “revival” das tendências reducionistas e deterministas da passagem do séc 19-20. As mesmas que Frankl e os representantes da Psiquiatria Existencial tanto criticaram. Dessa vez, no entanto, elas se apresentam sob a bandeira da Psicologia Evolutiva e das Neurociências. A meu ver, os efeitos diretos disso são os mesmos que Frankl já apontou no passado. A tendência de olhar para o ser humano como uma “máquina que precisa ser consertada”, e a falta de expectativas positivas em relação ao ser humano. O que prejudica o processo de evolução do mesmo. Mais uma vez, citando Frankl: “se olhamos para o ser humano como ele é, fazemos dele alguém pior. Precisamos olhar o seu potencial, para que ele seja o que pode vir a ser…”

(En)Cena – Atualmente, quais teóricos do cenário internacional vem tocando os estudos em Logoterapia?

Alberto Nery – Estive no último Congresso Mundial de Logoterapia em Moscou, e fiquei animado com o que vi. Muitos teóricos ao redor do mundo levando a Logoterapia adiante. Não daria para citar todos aqui, mas os que me chamaram mais a atenção foram: Dr. Carl Becker (um americano radicado no Japão), Dr. Haddon Klingberg (EUA), Dr. Geronimo Acevedo (um dos pioneiros na América Latina) e o Dr. Marshall Lewis (EUA). Fora isso temos o Dr. Alexander Bathyanny que dirige o Instituto Viktor Frankl de Viena. Mas obviamente estou simplificando aqui, pois há muitas pessoas desenvolvendo a Logoterapia no mundo atualmente.

(En)Cena –  Por que muitos psicólogos ainda não conseguem compreender a interface entre a Psicologia e a Espiritualidade? Há uma diferença substancial entre Espiritualidade e Religião, sim?

Alberto Nery – Eu diria que o problema é que os psicólogos, de maneira geral, sequer têm a oportunidade de estudar o tema nos diferentes programas de graduação e pós-graduação. Como não há espaço para este assunto, então a maioria dos psicólogos não está preparada para lidar com o mesmo. Em alguns casos ainda se ensina que espiritualidade ou religiosidade não é um assunto que deva ser tratado na clínica, isso é um absurdo dado que mais de 90% da população brasileira se classifica como religiosa em algum grau.

Então o que temos na verdade, é uma falta de oportunidades para se ensinar e discutir o assunto. Por outro lado, sempre que o tema é trazido à tona, pelo menos da parte dos estudantes em psicologia, o interesse é grande. Na Universidade de São Paulo, por exemplo, nós temos vários grupos de estudos voltados para essa psicologia religião espiritualidade. Há mais de 30 anos o professor Geraldo Paiva desenvolve essa área, e mais recentemente o professor Wellington Zangari tem promovido o estudo da psicologia da religião e espiritualidade e liderado esses grupos.

Meu orientador, o Dr. Esdras Vasconcellos, pioneiro no estudo e ensino do stress no Brasil, é outro representante da Psicologia na USP que abre o caminho para o estudo da Religiosidade e da Espiritualidade sob a perspectiva da Psicologia da Saúde, tanto em suas aulas como nas dissertações e teses que orienta. Além disso temos a presença do Professor Francisco Lotufo, uma das referências na área, lecionando regularmente no Instituo de Psicologia da USP.

Certamente, hoje no Brasil, a Universidade de São Paulo é um dos lugares mais abertos a esse tipo de estudo. Mesmo sendo uma universidade laica. Creio que isso já está ajudando a mudar esse cenário. Quanto a diferença entre religiosidade e espiritualidade, entendemos que sim, ela existe. E de maneira bem simplificada diríamos que a religião é um sistema de crenças e práticas mais formalizado, ela é a forma, é como a religiosidade se mostra em boa parte dos casos. Já a espiritualidade, tem mais a ver com o conteúdo, com a atitude daquele que crê em algo ou alguém. Não é necessariamente formalizada ou institucionalizada. A espiritualidade pode acontecer na religião ou fora dela basicamente. Essa seria uma das diferenças fundamentais.

(En)Cena –  Quase sempre um bom profissional de Psicologia não fica circunscrito apenas a esta área de saber. É comum ter psicólogos que também se graduam e/ou se especializam em Filosofia, Sociologia, Teologia, Pedagogia e Neurociência, só para citar alguns exemplos. Quais suas outras áreas de interesse/pesquisa? Por quê?

Alberto Nery – No meu caso as áreas de interesse são múltiplas. Minha primeira formação foi em teologia e trabalhei dentro dessa área por quase 15 anos. Ainda hoje é um dos meus grandes interesses em termos de leituras e estudos pessoais. No entanto filosofia também ocupa um lugar importante.  Até porque, a meu ver, é impossível compreendermos o indivíduo contemporâneo sem estudar filosofia e também a sociologia.

Como estou na área do ensino, a pedagogia também faz parte dos meus interesses, não tem como fugir. E das Neurociências nós não podemos escapar, uma vez que ela é parte importante da psicologia. Enfim acho que eu me enquadro no cenário que você descreveu… Assim como muitos outros psicólogos. Nós pertencemos a uma área que nos permite esse olhar múltiplo e colocar isso em prática é essencial. Em termos práticos e de pesquisa tenho estudado principalmente a psicologia da religião, a psicologia da saúde e a psicologia clínica. Minhas pesquisas e estudos estão praticamente todos dentro dessas áreas de abrangência e principalmente, nas zonas de intersecção entre elas.

(En)Cena – O senhor está à frente do Instituto de Psicologia e Logoterapia, em São Paulo, e tem uma forte presença nas redes sociais, com a divulgação das ideias de Frankl. Já há formação on-line oferecida pelo instituto? Em que pé se encontra?

Alberto Nery – O IPLOGO (Instituto de Psicologia e Logoterapia) é o Instituto que eu criei. É uma ideia relativamente nova, que surgiu com o primeiro curso livre de Logoterapia que ministrei em 2017. Desde 2018, iniciei um curso de formação presencial com duas turmas. Na medida em que comecei a divulgar o meu curso e o trabalho do meu Instituto, principalmente através do meu Instagram @logoterapiabr, foi surpreendente o fato de que a grande maioria das pessoas que me procuravam e procuram, são de outros lugares e apresentam uma demanda de uma formação em cursos on-line.

Em função disso no momento estou trabalhando para dar o curso presencial ao modelo Ead. Em agosto abrirei inscrições para a primeira turma de formação em Logoterapia on-line do Brasil. A expectativa que tenho é a de conseguir atingir um número de pessoas que não teria acesso a uma formação em Logoterapia de outra forma. Vale lembrar que iniciativas dessa natureza já são realizadas com sucesso nos Estados Unidos e na Austrália.

(En)Cena –  O senhor também tem uma carreira na docência do ensino superior. Como é conciliar a clínica com a docência?

Alberto Nery – Sim, eu também leciono em um curso de graduação em psicologia no Unasp-SP, e realmente a conciliação da clínica com a docência é um desafio, uma vez que ambas exigem bastante da gente. Por outro lado, a docência nos obriga a estarmos em constante atualização e estudando sempre, o que acaba tendo um impacto positivo na clínica, uma vez que estamos sempre bem preparados. Mas o grande desafio, creio que seja a questão do tempo disponível. Então acabamos fazendo alguns malabarismos para dar conta de ambas as atividades

(En)Cena –  O que mais gostaria de destacar?

Alberto Nery – Gostaria de destacar, que a meu ver, embora com algumas décadas de atraso, finalmente a Logoterapia está encontrando seu lugar na psicologia brasileira. Vejo iniciativas em diferentes lugares, e vejo principalmente o grande interesse dos psicólogos no assunto. Isso é muito importante, porque trata-se, a meu ver, da teoria mais adequada para compreensão do indivíduo contemporâneo.

E, além disso, é uma teoria que pode ser estudada em conjunto, em paralelo com outras. Sendo assim, o conhecimento da Logoterapia só acrescenta em termos de teoria e prática para os psicólogos, ainda que eles sejam de diferentes abordagens. Então, creio que nos próximos anos, ouviremos falar cada vez mais sobre a Logoterapia e teremos cada vez mais logoterapeutas atuando no Brasil. Particularmente, tomei isso como uma missão pessoal e tenho me esforçado para que o cenário mude. Não tenho dúvidas de que isso irá acontecer. Obrigado pela oportunidade de falar da Logoterapia aos alunos da ULBRA.

Compartilhe este conteúdo:

Livro dialoga entre o poeta do presente e do passado

Compartilhe este conteúdo:

Dialogar entre a poesia contemporânea e a tradicional, esse é o intuito da nova obra do escritor Luiz Otávio Oliani. Publicado pela editora Penalux, o livro “Palimpsestos, Outras Vozes e Águas” traz a reflexão, por diferentes ângulos e influências literárias, sobre as grandes questões de todos os tempos: o amor, a solidão, a morte, a efemeridade do tempo entre outros.

 Segundo o autor, a obra reúne, de maneira harmoniosa, “vozes” poéticas do presente e do passado. O livro mostra os palimpsestos, ou seja, os textos escritos e inspirados em autores tradicionais, que conversam com contemporâneos e com águas diversas, a partir de temas sem ligações com autores específicos.

As referências de escritores alcançam extremos longínquos, como quando se fala de Drummond ou Kafka, mas também demonstra proatividade e atualidade, ao inovar trazendo influências de poetas modernos, como, por exemplo, Alexandra Vieira de Almeida, Jorge Ventura e Astrid Cabral.

 – A ideia era mostrar que o poeta precisa dialogar com o “cânone literário” para produzir sua própria obra, sem ignorar os que antecederam – ressalta.

 Sobre o autor

Luiz Otávio Oliani é poeta, contista, cronista e dramaturgo. Graduou-se em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, em Direito, pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Atua como professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Produção Textual em diversos estabelecimentos de ensino.

Como escritor, publicou 12 livros, sendo 9 de poemas e 3 peças de teatro. É membro da APPERJ (Associação Profissional dos Poetas do Estado do Rio de Janeiro) e da Academia Humanística, Artística e Literária “Lítero Cultural”. Participa de mais de 200 livros coletivos nacionais e estrangeiros como poeta, cronista, contista ou autor de prefácios, orelhas ou resenhas críticas.  Participou da Revista Literária Sociedade dos Poetas Novos. Ainda representou o país, em 2017, no IV Encontro de Poetas da Língua Portuguesa em Lisboa (PT).

Compartilhe este conteúdo:

Ansiedade à luz da Gestalt-Terapia: o aqui e agora corrompido

Compartilhe este conteúdo:

A Gestalt-terapia é uma abordagem construída a partir de inúmeros pressupostos, como a filosofia existencial, a teoria organísmica, a fenomenologia, entre outras. Esta abordagem percebe e considera que o homem é um ser único e capaz de se realizar durante sua existência. Considera, ainda, este como um ser para a relação, que se constrói a partir da experiência com o outro.

Ribeiro (2012) ressalta que

Tanto a proposta gestaltistica como a existencialista se encontram e se irmanam no sentido de privilegiar o homem como ser que se possui, como ser livre e responsável. (…) a crença no homem, aqui e agora presente, capaz de tornar-se cada vez mais consciente de si próprio, a partir da experiência vivida agora e da certeza de sua extensão para depois (…) (p.61).

A Gestalt-terapia possui inúmeros conceitos. Destacar-se-á alguns destes para melhor compreensão da temática deste trabalho como o campo, auto regulação ou homeostase, fronteira de contato, ajustamento criativo, Awareness e o aqui e agora.

O campo refere-se à relação entre o indivíduo e seu meio. Segundo Perls (1977 p. 31) esta relação homem/meio determina o comportamento do ser humano sendo que se a relação entre ambos é satisfatória o comportamento é tido como normal, mas se esta é conflituosa o mesmo já é colocado na posição de anormal. A auto regulação ou homeostase diz respeito ao equilíbrio do indivíduo na interação com seu meio. É onde este satisfaz suas necessidades na busca de equilibrar-se de forma dinâmica (SANTOS; FARIA, 2006, p. 268).

Quanto à fronteira de contato entende-se como o local da experiência do indivíduo-meio.

Fonte: https://bit.ly/2LmYVmi

As fronteiras são processos de separação e ligação, os quais possibilitam a diferenciação entre o organismo e o seu meio, bem como a seleção dos elementos nutritivos daqueles que são tóxicos, sendo que essa diferenciação ocorre por meio dos órgãos sensoriais e pelas respostas motoras frente ao ambiente. (SANTOS; FARIA, 2006, p. 267)

Já o ajustamento criativo consiste na natureza do contato existente na fronteira do campo onde o indivíduo se regula e se ajusta as situações ali experienciadas (DACRI; LIMA; ORGLER, 2012, p. 20-21). Outro conceito importante é o da Awareness que não tem uma tradução específica e pode ser compreendida como “tornar presente”, “presentificar”, “conscientização”. Refere-se à capacidade de discriminar aquilo que é bom e ruim o que resulta em crescimento no processo de ajustamento criativo (SANTOS; FARIA, 2006, p. 267).

Para melhor compreensão da temática ansiedade, faz-se necessária a compreensão deste ultimo conceito, o aqui e agora. Este se refere ao momento presente, Perls (1977 p. 77) acredita que “O agora nos mantém no presente e nos põe a par do fato de que nunca é possível uma experiência, exceto no presente.”. Portanto, entender o sujeito ansioso e os fenômenos que o cercam envolve a compreensão de que “a ansiedade é o vácuo entre o agora e o depois.” (PERLS, 1969, p.15).

A ansiedade é um fator que está presente com frequência nos sujeitos da atualidade, muito mais em uma época de globalização e capitalismo exacerbado com constantes oscilações de mercado, extrema velocidade de informações e novidades tecnológicas que terminam por contribuir para que as pessoas se sintam mais ansiosas, e assim desenvolvendo os adoecimentos e transtornos característicos dessa época.

Fonte: https://bit.ly/2v3QSQi

Desenvolvemos no mundo contemporâneo um cenário social de esvaziamento, banalização, solidão, insegurança, individualismo, e tantos outros sintomas que parecem sugerir, diante dos avanços científicos e tecnológicos que o problema não reside tão somente nesse contexto, e sim na forma como ele foi sendo construído, se formando sob as bases de um sistema complexo e calcado no capitalismo neoliberal, um crescimento político econômico e social que não considera a dimensão holística e subjetiva do homem, e das outras formas de vida. “Gestalt-terapia transcende a visão dicotômica, reducionista e pouco complexa do mundo, delineando uma visão de homem e de mundo que substitui a conjunção alternativa ‘ou’ – que separa e fragmenta – pela aditiva ‘e’ – que relaciona e integra”. (NUNES, 2008, p.187).

Lima (2009) acrescenta que as preocupações com a competência, a seriedade e a eficiência na vida diária do homem contemporâneo, muito mais por parte dos que vivem nos grandes centros urbanos, e que lutam pelo seu sustento, experimentando um processo de esvaziamento do contato, uma espécie de redução dos sentimentos e das sensações e emoções, em que nos tornamos mais distantes de nós mesmos e também dos relacionamentos afetivos mais profundos, tem afetado e, desse modo, vamo-nos tornando apenas repetidores de papéis, sem criatividade pagando um preço por vivermos um tempo de medo, que de certa forma paralisa nossa ousadia e criatividade. Com isso, os quadros de ansiedade, pânico e demais fobias são cada vez mais frequentes em nossa sociedade atual.

Desse modo, sendo o termo “Gestalt”, enfatizando o sentido de totalidade, configuração e interdependência nas partes que formam um todo, e assumindo uma concepção revolucionária na qual o mundo, a pessoa ou qualquer outra coisa poderá ser compreendido para além das somas das partes que o compõem. “Ou seja, ao interagir no todo cada parte é superada, ao ser afetada e transformada pelas outras ‘partes’ com que se relaciona. Da mesma forma, o próprio ‘todo’ supera a soma das partes que o compõem, transcendendo-as”. (NUNES, 2008, p.187).

Henckes e Santos (2017) acrescentam que ansiedade para a Gestalt Terapia pode ser compreendida como uma interrupção, ou mesmo como um movimento e sintoma de que o sujeito procura se adaptar, na tentativa de lidar com situações, que porventura venha a trazer lembranças e pensamentos daquilo que muitas vezes o faz sofrer.

Fonte: https://bit.ly/2JOhU3L

Importante ressaltar que para a Gestalt Terapia, o sujeito é constituído na relação, com isso ele é parte de um contexto sócio cultural, devendo ser observado dessa forma; e ao trabalhar na clínica acerca do diagnóstico, é acima de tudo ter o cuidado de não usar uma visão que venha a reduzir ou mesmo despersonalizar a pessoa que está buscando ajuda. Portanto cabe ao terapeuta na clínica da Gestalt, uma busca pela valorização da singularidade do sujeito e ainda nas implicações que fazem parte da vida e do processo terapêutico desse cliente.

Santos e Faria (2006) apresentam a Gestalt-Terapia por meio da definição do self como a fronteira do contato em movimento. Falando ainda que ao tocar algo no mundo, imediatamente essa pessoa também é tocada, experiência essa que sustenta e define o self, como sendo também o self a experiência de contato que acontece com o mundo no aqui e agora, e por meio da fronteira, se dá o momento a momento. Esse é o leve movimento e processo do organismo que busca no meio uma forma de satisfação de suas necessidades e mesmo de um objeto que seja importante, no tempo e lugar determinado, e ainda relacionando-se assim com o que os autores chamam de auto-regulação organísmica; como sendo o processo por meio do qual acontece a interação entre o organismo e o meio, assim o organismo procura o equilíbrio homeostático.

Desse modo, e buscando essa homeostase e auto-regulação organísmica, apesar de tratar-se de um processo natural por meio do qual o organismo busca o equilíbrio, assim ao buscar a assimilação de um novo elemento, nesse movimento e busca de algo novo, apresenta-se a ansiedade que pode vir com níveis que termina por comprometer esse processo natural pelo qual acontece o contato com os elementos que são importantes e necessários ao organismo. Sendo assim, por ser incapaz de satisfazer suas necessidades organísmicas, é que o organismo adoece, e permanece em estado de desequilíbrio.

Por receio antecipado aos efeitos dos novos elementos, que são integrados no seu organismo é que o indivíduo ansioso, termina por inibir o processo natural que é o de contato e assimilação dos novos elementos que são necessários ao seu crescimento, assim diante da ansiedade, e ainda dessa constante renovação que acontece por meio da relação dialética que se dá com esse indivíduo, e deveria acontecer de forma espontânea, o mesmo não consegue priorizar o objeto principal e importante, que se apresenta no aqui e agora, assimilando e indo ao seu encontro.

Fonte: https://bit.ly/2LzGlXG

Santos e Faria (2006) verifica que o resultado para o surgimento da ansiedade deriva de situações por meio das quais as excitações não acham uma saída ou caminho em direção ao mundo, por assim dizer, não são expressas e também por não se transformarem em atividades, assim acontece a mobilização muscular por meio do sistema motor, processo resultante em ansiedade.

Henckes e Macedo (2017) verifica que os sintomas da ansiedade, apresenta em conjunto uma série de sintomas físicos, como por exemplo, a diminuição da respiração, que é por meio e de forma explícita que acontece o contato do sujeito com o meio externo; e ainda a distorção do tempo, como importante para apontar como um fator presente que o sujeito passa a sofrer em virtude de uma pressão muito grande.

A experiência, presente na fronteira de contato, acontece em configurações inteiras trazendo um significado direto para o organismo, e se não apresenta de acordo com essas características pode ser descrita como fora da fronteira, por assim ser ou uma abstração ou ainda potencialidades; ao contatar o ambiente o organismo passa a selecionar e também a assimilar apenas os elementos que são nutritivos e com isso acontece a rejeição para com os elementos tóxicos. Portanto, na manutenção do organismo, é que acontece a assimilação de elementos novos que possibilitaram esse crescimento necessário.

Importante abordar que outras teorias sobre a ansiedade complementam os textos gestálticos. Na psicanálise, Freud elaborou três teorias sobre a angústia, sucessivamente: “[…] a de 1893-1895, sobre a neurose de angústia; a de 1909-1917, em que examinou as relações entre angústia e libido reprimida; e a última, em 1926-1932, na qual retomou suas teorias anteriores, sobre o seu conceito do aparelho psíquico” (ROBINE, 2006, p.114). Assim, a abordagem da Gestalt-terapia, leva em consideração ao assemelhar-se à essas duas últimas teorias freudianas, levando-se em conta, algumas diferenças e reservas de suporte teórico (ROBINE, 2006).

Fonte: https://bit.ly/2JS9OHg

Com esse desdobramento, surge a abordagem da angústia. “Essa abordagem da angústia (ou ansiedade, pois no contexto de nosso comentário, podemos assimilar os dois conceitos limitando-nos a diferenciá-los apenas no que diz respeito ao aspecto quantitativo)“. (ROBINE, 2006, p.114).  Outrossim, o sentimento de angústia se manifesta por meio de uma excitação bloqueada, quando resulta da interrupção que se dá pela excitação do pensamento criativo. Com isso, o surgimento da angústia impede o sujeito de certa forma, a acessar, seja em si, ou no ambiente, recursos que necessita ao suporte.

 Segundo Vogel (2012, p.106) “Baseado na teoria de campo da física, Lewin propõe que as atividades psicológicas do homem ocorrem em uma espécie de campo psicológico, que ele denominou espaço vital”. Este campo ao qual Lewin pontua, é formado pelos eventos da vida da pessoa, ou ainda, que os mesmos possam influenciar o comportamento dela, quer estejam no passado, presente ou futuro. Espaço que é importante por ser construído e constituído, através da interação das necessidades que a pessoa tem com o ambiente psicológico, revelando assim algumas variáveis, que agem de acordo com as experiências que o indivíduo acumulou na vida.

Uma grande influência dentro da Gestalt-terapia foi a conceituação e suporte teórico construído pelo neurofisiologista Kurt Goldstein, com a Teoria Organísmica, no qual buscou uma explicação holística para as mudanças ocorridas na personalidade da pessoa, não acreditando sobre a possibilidade de explica-las a partir e somente no ambiente ou ainda nos aspectos físicos. “Para isso, baseia-se na lei de figura e fundo da Teoria da Gestalt, por ser um de seus adeptos, apoiando-se na ideia da percepção como uma dinâmica na formação de figuras e fundos”.  (VOGEL,2012 p.107). Acreditando com isso que seus estudos com pessoas lesionadas na guerra, serviriam para compreender os comportamentos adaptativos de forma geral. “Essa capacidade do organismo de interagir com o meio de forma que possa se atualizar, respeitando sua natureza, é o que Goldstein denomina auto-regulação organísmica”. (VOGEL, 2012, p.108).

Lima, (2009, p.88) lembra que “Para que a auto-regulação aconteça, é fundamental que o organismo possa ter respostas novas para as situações pelas quais ele passa na sua permanente interação com o meio ambiente”. Sendo assim, é possível perceber que ser criativo de certa forma é condição importante para o processo de auto-regulação, um critério básico para que a pessoa se considere em harmonia e satisfeita com o meio. (LIMA, 2009).

 Quanto à ansiedade, Goldstein entendia que o indivíduo ao se defrontar com a ansiedade e diante de situações que causam essa sensação, ou o indivíduo que tenha um funcionamento normal, reagirá evitando passar por essa situação que experimentará a ansiedade, desse modo criando certos padrões rígidos comportamentais, ou ainda por meio disso, ele entrará em contato com essas novas experiências, com isso criando uma expansão de novas possibilidades à ação e também à reflexão. De forma, que ambas são igualmente valiosas, com destaque para a criatividade, bem como a potencializar a autoregulação-organísmica (VOGEL, 2012).

Ribeiro (2005, p.178) ressalta que “Os sintomas têm a ver com partes, processo, totalidade. É essa totalidade que nos interessa no processo terapêutico”. Nessa direção, e buscando o jeito específico e íntimo, que o cliente tem de estar no que o mais torna singular no universo, desse modo, o psicoterapeuta está de certa forma, procurando nele e ainda com ele, a sua parte criadora, o seu “todo”. Nesse sentido, o autor refere-se ao todo, como a ipseidade, o resultado, ou o fruto do que foi se tornando a sua evolução, como foi sendo constituído, fazendo contatos e assim numa individualidade única.

Fonte: https://bit.ly/2LIaAIzed

O modo como “[…] as “doenças psicopatológicas” na Gestalt-terapia aproximam-se muito mais do que poderíamos considerar perda de flexibilidade nesta permanente interação com o meio do que a apresentação de um quadro sintomatológico […]”. (LIMA, 2009, p.91). Diante de padronizações de sintomas e doenças, a pessoa perde a fluidez, e com isso a impossibilidade de ser criativa, ou ainda criar respostas às demandas apresentadas pelo meio que vivencia. (LIMA, 2009).

Ribeiro (2005, p. 57) afirma, ainda, que “A abordagem gestáltica está solidamente edificada na psicologia da Gestalt, na teoria do campo e na teoria holística”.  Através desses conceitos-chave, o autor direciona o embasamento teórico e epistemológico, pois assim são os que lhes permitem fazer uma descrição da realidade, feitas a partir do que foi observado, acerca da experiência imediata.

Desse modo, é possível afirmar que a experiência é formada por uma celeridade e concretude, como também uma ação aqui-e-agora. E, o corpo sendo visto como um veículo para a vivência, e por meio dele é que o mundo dá entrada em nós, desse modo nós fazemos e participamos do mundo, e assim somos alterados por ele, possibilitando ainda mudá-lo também. Por meio dessa interação dialógica com o mundo é que produzimos nossa experiência cotidiana, vivencial, intelectual e emocional. (ALMEIDA, 2010).

Diante da relação do sujeito com o mundo, Brum (2016) chama a atenção para um contexto atual da sociedade afirmando que “Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época.”. Todas as condições em que a sociedade é submetida tornam-se disparadores para a instalação da ansiedade.

As projeções para o passado e futuro estão intimamente ligadas à noção de tempo existente. “O tempo, para o indivíduo ansioso, da mesma forma, apresenta-se contraído. O tempo é vivenciado como por demais estreito para conter satisfatoriamente o desenrolar dos fenômenos espaciais.” (SANTOS E FARIA, 2006, p. 271). Assim, a noção de tempo de um sujeito ansioso é também de redução, ou seja, o tempo nunca é suficiente. Além do mais há a pressão por desempenho e satisfação que não corresponde ao tempo existente.

A “falta de tempo” é geradora da não presentificação da experiência, algo muito comum de ser encontrado no contexto clínico. Falta tempo para tudo, mas o ideal de futuro e inúmeros planejamentos rígidos são frequentes e presentes, por que no “vácuo entre o agora e o depois” (PERLS, 1969, p.15) corrompe-se a experiência aqui e agora.

Fonte: https://bit.ly/2Oc762F

A não correspondência do tempo em relação às atividades cotidianas ocasiona o fenômeno já citado por Brum (2016) onde o corpo não se satisfaz e já não suporta a “correria” em que vive. Compreender a vivencia do aqui e agora é entender que o “aqui” diz respeito ao espaço em que se encontra e o “agora” diz respeito ao tempo (MESQUITA, 2011, p. 62).

Frente à discussão, é possível perceber que “o vácuo entre o agora e o depois” (PERLS, 1969, p.15) é o limbo da existência onde o sujeito ansioso se encontra. Vivemos a sociedade do cansaço, como afirma Han (2015) “A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais “sujeitos de obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos” (p.22). Esta busca pelo desempenho tem a tendência de conduzir os sujeitos a evitação de contato e por isso experimentar da ansiedade com maior frequência.

É preciso encarar o contexto atual de maneira assertiva, onde filtra-se aquilo que deve ser introjetado ou não na construção do ser. A introjeção dessa condição, cujo foco é o desempenho e a independência por meio de ganhos financeiros e status social tornam os sujeitos dependentes e tolhidos da liberdade de serem fecundos em seus sentimentos, sejam eles bons ou ruins. É cansativo não ser autêntico e tolhido da liberdade própria do ser para gozar das experiências presentes.

Viver o aqui e agora numa sociedade ocidental capitalista é um grande desafio. Mas a verdade é que esta concepção ao passo que é imprescindível é também difícil de ser compreendida na prática. O aqui e agora pressupõe mudança e aceitação. Mesquita (2011) argumenta que

Para que haja mudança, segundo a visão gestáltica, o indivíduo precisa se apropriar de si e integrar suas polaridades. Tem que se reconhecer, aceitar-se para poder mudar. Quando isso não é feito, toda a energia de impulso e motivação é jogada para o futuro, para o que se deseja ser. Mas, como o futuro é sempre um sonho, um para além do presente, podemos dizer, então, que o momento atual esvazia-se de projetos, de impulsos e, consequentemente, nenhuma mudança real acontece. (p.63).

Uma realidade está ligada a outra e assim compõe a totalidade do ser. O indivíduo nunca é visto separadamente, conforme a Gestalt-Terapia. Este está se relacionando com o meio e atuando nele, se trata de uma relação de reciprocidade. Incansavelmente a Gestalt-Terapia trabalha o resgate do cliente que flutua no vácuo do agora e depois para que presentifique sentimentos e sensações a fim de atribuir a estes novos significados para si. (MESQUITA, 2011, p. 65).

 Viver o presente permite ao sujeito desenvolver as próprias potencialidades na medida em que se encontra, na certeza de que não se pode ser aquilo que não é. Perls (1969) afirma que “Se você estiver no agora não pode estar ansioso, por que a excitação flui imediatamente em atividade espontânea. Se você estiver no agora, você será criativo, inventivo.” (p.16). ainda segundo Perls (1969) o agora possui uma base segura na qual a preocupação com o futuro não possui, por isso que estar ansioso gera angústias.

Fonte: https://bit.ly/2A61Fzg

O autor também chama a atenção para os papéis sociais acreditando que a ansiedade também parte deste pressuposto. Como mencionado anteriormente por Han (2015), esta é a sociedade do desempenho. E diante disto há a busca exacerbada por status social, onde a performance do sujeito frente aos demais precisa ter um desempenho que indique que ele é competente o bastante. Por isso que Perls (1969) afirma que nem sempre a ansiedade é existencial, mas que pode ser uma preocupação com estes papéis que podem não ser socialmente aceitos. Todavia, para compreender de onde parte isto é necessário mergulhar em si mesmo e lá encontrar respostas.

A ansiedade pode ser compreendida como produto de um aqui e agora corrompido. O que corrompe esta experiência pode partir de diversos pontos tais como o contexto social, que citado anteriormente tem seguido um ritmo muito acelerado no qual fica impossível experienciar o contato com sentimentos e sensações, ou mesmo pela inautenticidade diante da sociedade, a preocupação com os papéis a serem desempenhados impedindo de ser quem se é.

O fato é que a ansiedade está cada vez mais presente na vida dos sujeitos ocasionando uma série de problemas nas relações interpessoais, na tomada de decisões, servindo de empecilho para o contato com os próprios sentimento, etc. Todos estão propensos a, em algum momento, desenvolver a ansiedade. Por isso, torna-se necessária a compreensão acerca do aqui e agora e de estudos relacionados, pois a ansiedade o afeta diretamente.

Perls (1969) destaca que “quanto mais a sociedade muda, mais ela produz ansiedade” (p.52), pois afeta não só a vivência do aqui e agora, como também produz inseguranças acerca das representações sociais que se tem. Desempenhar um papel socialmente aceito, viver no limbo da existência, são condições da ansiedade e que precisam ser trabalhadas na busca de homeostase. Para isso o sujeito precisa aceitar as condições em que se encontra e a partir disso elaborar estratégias de mudanças. É por isso que a ansiedade precisa ser compreendida com profundidade, levando em consideração a totalidade dinâmica de cada um, sendo este um ser inserido em ambientes diversos e exposto a situações variadas nas quais a ansiedade pode se instalar.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Josiane Maria Tiago de. Reflexões sobre a prática clínica em Gestalt-terapia: possibilidades de acesso à experiência do cliente. Rev. abordagem gestalt.,  Goiânia ,  v. 16, n. 2, p. 217-221, dez.  2010 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672010000200012&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  15  abr.  2018.

BRUM, Eliane. Exaustos-e-correndo-e-dopados. El PaÍs Brasil, Brasil, v. 00, n. 00, p.1-10, jul. 2016.

D’ACRI, Gladys; LIMA, Patricia; ORGLER, Sheila. Dicionário de Gestalt-terapia: “Gestaltês”. 2. ed. São Paulo: Summus, 2012.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. São Paulo: Vozes, 2015

HENCKES, Aislin Cristina Corbellini; SANTOS, Maria Luisa Wunderlich dos. Ansiedade e Gestalt-Terapia. 2017. Boletim EntreSIS V.2, n.1 (2017). Santa Cruz do Sul- RS. Disponível em: <http://online.unisc.br/acadnet/anais/index/php/>. Acesso em: 28 mar. 2018.

LIMA, Patrícia Albuquerque. Criatividade na Gestalt-terapia. Estud. pesqui. psicol.,  Rio de Janeiro ,  v. 9, n. 1, abr.  2009 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812009000100008&lng=pt&nrm=iso>. acesso em  14  abr.  2018.

MESQUITA, Giovana Reis. O aqui-e-agora na Gestalt-terapia: um diálogo com a sociologia da contemporaneidade. Rev. abordagem gestalt,  Goiânia ,  v. 17, n. 1, p. 59-67, jun.  2011 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672011000100009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  27  abr.  2018.

NUNES, Lauane Baroncelli. Pensando gestalticamente a contemporaneidade. 2008. Rev. IGT na Rede, v 5, n.9, 2008 p.185-199. Disponível em: <http://www.igt.psp.br>. Acesso em: 14 abr. 2018.

PERLS, F.. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia, 2 Ed. Rio de Janeiro: LTC, 1977.

PERLS, Frederick Salomon. Gestalt-terapia explicada. São Paulo: Summus, 1977.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Do self e da ipseidade: uma proposta conceitual em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2005. 206 p.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: Refazendo um caminho. 8. ed. São Paulo: Summus Editorial, 2012.

ROBINE, Jean-marie. O Self desdobrado: perspectiva de campo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2006. 254 p. Tradução: Sonia Augusto.

SANTOS, Letícia Pimentel; FARIA, Luiz Alberto de Freitas. Ansiedade e Gestalt-Terapia. 2006. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, vol. 12, n.1, jan., 2006 pp. 267-277. Goiânia-GO. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa.=357735503027>. Acesso em: 28 mar. 2018.

VOGEL, Andréa Rodrigues. O papel do terapeuta na relação terapêutica de Família Sistêmica Construcionista Social.2012. Rev. IGT na Rede, v 9, n.16, p.97 de 152. Disponível em: <http://www.igt.psc.br/ojs/issn 1807-2526>. Acesso em: 14 abr. 2018.

Compartilhe este conteúdo:

O cuidado que não praticamos nos lares

Compartilhe este conteúdo:

Há um visitante que mexe muito com a gente. Um certo intruso que guarda um monte de nossas falhas, posturas vergonhosas, maluquices ingênuas, etc. Sim, senhor! Ele traz à tona essas coisas tão complexas e profundas, mas que fazemos questão que elas fiquem no mais profundo de nós. E ele vem com tudo. Se não tivermos cuidado, ele chega, rouba seu lanche da noite, toma seu lugar no sofá e vai baforando pelos quatro cantos de sua casa. Senhoras e Senhores, estou falando, é claro, do Passado.

O Passado vem como uma bebida curiosa. Você começa a beber, logo se embriaga no meio dessa sedução. E tudo, ali, é magnífico. Dependendo de sua ansiedade, fraqueza e inabilidade, você vai bebendo, bebendo e bebendo… É uma dependência desesperadora. Acaba por não perceber que tudo isso é ilusão. Esquece que o porre, mais cedo ou mais tarde, vem com tudo! É importante, vez ou outra, passear nos tempos vizinhos. Claro! Mas, para que essa viaje seja produtiva, além de organizarmos data e horário, devemos ser íntimos, conhecedores do trajeto e do povoado. Não podemos chegar lá, do nada, e pedir aconchego. Deixe o cargo de penetra para o Passado.

Não que eu seja contra a entrada do Passado na casa do Presente e vice-versa. Não é isso! Não veja de forma injusta. Eles podem até tomar um café juntos e construir diálogos proveitosos, marcando outras visitas. Mas, esse amarrar-se aos eventos “envelhecidos”, em suma, traz muitas dores. É uma relação que depende de requisitos, tais como: autoentendimento, sensibilidade e leveza.

Baseando na imensidão dos mistérios do mundo, talvez nunca conheçamos a mais real natureza do que somos. Mas é importante buscar conhecer-se melhor, entender até onde pode suportar. Conseguindo isso, você atrai o autoentendimento para si. Você aperfeiçoa peças que não se encaixavam com sua estrutura. Fica forte! Os impactos, dificilmente, lhe impactarão tanto, agora.

Despreocupados com tudo, pendemos para o lado errado e, ao mesmo tempo, perdemos a capacidade para enxergar. E precisamos ver bem mais! Observar coisas nas entrelinhas recola o intelecto e a alma. A correria do dia a dia faz o desfavor de desgrudar esse dois deuses. Precisamos dessa parceria, pois é aí que nasce a filha dessa relação: sensibilidade.

E por falar nos comprometimentos da lida cotidiana, não podemos esquecer que ela teima em arrancar a leveza de nós. Sem ela, perdemos toda a paciência para persistir nas causas que achamos essenciais e, então, colocamos os nossos sonhos para dormirem nas outras camas e, infelizmente – ou será felizmente? -, abrigar em outros corações. Para esse mal, o remédio é simples: preserve as humildes e sinceras amizades que os encontros, os carinhos e as diversões farão o resto.

Consegue perceber que é muito mais que reunir as duas energias? Se faltar qualquer requisito, essa ligação só trará respostas negativas. O Passado vem com poucos recursos. Devemos, então, ter estrutura para recebê-lo. No fim do encontro, o Passado e você irão para as suas respectivas casas.

Passado dá certa pena. Na verdade, dá poucas penas. Além de poucas, elas são deformes. Então você, eufórico, resolve voar, pois acha que o percurso será alto, longo, proveitoso, inenarrável… Mas, em pouco tempo, você percebe que a queda é certeira lá na frente. Acaba por entender que gastou intensidade onde não devia, e que você foi jovem ou ingênuo demais para firmar nesse investimento.

Entendemos que os dois mundos podem se encontrar, mas nunca irão se abraçar, apertar as mãos. Isso dói bastante! Machuca profundamente quem aprendeu a se vincular de forma agarrada. Para alguns, esse tipo de contato é protetor. Com isso, vemos que, além de aprender acerca dos requisitos, devemos procurar entender que há outras possibilidades de relação, mas que não nos cortem em tantos pedaços.

Porque ele vem com força, manipulando nossas quimeras. Talvez, a sua arma mais forte seja a de, também, guardar os nossos melhores momentos. Nossa juventude. Quem sabe, o maior desempenho do Passado, que faz sermos presos a ele, venha desse pretexto… E você, incompreendido das coisas, e querendo ser imortal, cai como um bobo. Devemos, respectivamente, estrear e estrelar outras histórias e personagens, senão, por ela, tendemos a continuar seguindo o roteiro velho e mastigado.

Ficar passeando na propriedade do Passado me faz entender como nos escravizamos e, ao mesmo tempo, como nos privamos de tanta criatividade, assim, a ponto de não improvisarmos novas histórias e, louvavelmente, ampliar emoções. Tá na hora de ser o diretor e fazer um enredo que seja digno de prêmio. Ou melhor: ainda há tempo de compreender que não se pode morar na casa do Passado. Você nunca foi bem-vindo lá, mesmo!  O seu lugar é no Presente. Lá, tudo está quitado e bem ajeitado para você administrar os passos que quiser desenhar.

O Passado? Deixe-o te visitar. Passado é uma “visita”… e toda visita, uma hora, tem que se despedir, não é mesmo?

 

Compartilhe este conteúdo: