Os benefícios do grupo terapêutico para mulheres privadas de liberdade

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O grupo terapêutico pode ajudar mulheres privadas de liberdade e beneficiá-las na redução do sofrimento e dos danos psicológicos causados pelo encarceramento, fortalecendo o vínculo consigo mesmas e com as integrantes do grupo e, de forma natural, recompor as bases da autoestima e autoconfiança, muitas vezes perdidas ao longo da privação de liberdade.

A dinâmica de grupos tem comprovado efeito terapêutico para pessoas que passam por crises ou ameaças em seu curso de vida, proporcionam benefícios para a saúde coletiva, aprendizagem, bem-estar, desenvolvimento de equipes e desenvolvimento pessoal. Além disso, a intervenção em grupo auxilia pessoas que passam por crises no desenvolvimento do ciclo vital ou crises decorrentes de situações que possam ameaçar sua existência, tem um comprovado efeito terapêutico, conforme retrata a literatura especializada. Mas, independentemente do efeito terapêutico já mencionado, o trabalho com grupos também propicia outros benefícios, como a prevenção primária, aprendizagem no meio escolar, ações de formação para adultos, promoção de coesão em equipes de empresas ou equipes esportivas (GUERRA; LIMA; TORRES, 2014, p.16).

O termo ‘dinâmica de grupos’ foi trazido ao vocabulário científico por Kurt Lewin, que pesquisou não só as influências poderosas nos indivíduos em situação de grupo, como os processos desenvolvidos. Para Kurt Lewin, no campo da dinâmica de grupo, a teoria e a prática estão conectadas metodologicamente de uma forma que, se propriamente conduzidas, podem fornecer respostas para problemas sociais práticos (GUERRA; LIMA; TORRES, 2014, p.18).

Na teoria desenvolvida por Kurt Lewin, estamos diante de um grupo quando há interdependência entre seus membros, mesmo que não existam similitudes entre eles. Podemos acrescentar a essa definição de grupos, que a interdependência entre os membros busca a realização de objetivos comuns e visa um relacionamento interpessoal satisfatório (GUERRA; LIMA; TORRES, 2014, p.21).

Fonte: Imagem por wirestock no Freepik

Mindfulness

O termo Mindfulness faz referência a um conjunto de ferramentas terapêuticas baseadas em meditação, utilizadas na psicologia e na medicina. Podemos relacionar três significados para Mindfulness: uma teoria, uma prática para desenvolver as habilidades de atenção plena e um processo psicológico (que envolve a atenção consciente e a atitude de presença). O interesse em Mindfulness e suas aplicações está presente nas neurociências, medicina, psicologia, assistência social e psicoterapia (MORETTI, 2018).

Mindfulness é a tradução para o inglês do termo sati, em páli, que faz referência ao mesmo tempo aos termos consciência, atenção e memória. Segundo Moretti (2018), as ferramentas clínicas utilizadas são adaptações ocidentais de práticas ancestrais já documentadas no budismo teravada, incluindo as práticas meditativas. Além disso, as práticas meditativas remontam à uma época ainda mais antiga, tendo suas origens no Vale do Indo, há cerca de 5000 anos.

Essas práticas incluem a focalização da atenção e a auto-observação das próprias vivências, incluindo a percepção das sensações proprioceptivas, de pensamentos e de estados emocionais. A psicologia ocidental adaptou essas práticas meditativas excluindo seus elementos religiosos e místicos, podendo assim, incorporá-las em programas e terapias baseadas em Mindfulness (MORETTI, 2018).

 A partir do surgimento desses programas de mindfulness ocidentais, o movimento ganhou destaque no contexto clínico da psicologia e na promoção da saúde mental, sendo associados a diversas escolas psicoterápicas. Kabat- Zinn foi pioneiro na estruturação de um programa em 1979, que utilizava adaptações de práticas budistas e yoguicas em pacientes com dores crônicas, visando a diminuição do estresse gerado pelo quadro de saúde (PEREIRA; DALGOLBO; SILVA, 2021).

O programa denominado Mindfulness Based Stress Reduction (MBSR) foi implantado na Universidade de Massachusetts. O MBSR foi aplicado como o principal programa de treinamento para pesquisas psicológicas e a sua inovação consistia em ensinar que sensações e emoções negativas não deveriam ser combatidas, e sim acolhidas e aceitas, a partir de uma nova perspectiva. Estudos desenvolvidos com diversas pesquisas sugerem a eficácia do MBSR em pessoas com depressão, ansiedade e dor crônica (PEREIRA; DALGOLBO; SILVA, 2021).

Fonte: Imagem de Sarah Teoh por Pixabay

Terapia Focada na Compaixão

A Terapia Focada na Compaixão (TFC) foi desenvolvida por Paul Gilbert, professor de psicologia clínica da Universidade de Derby, com o objetivo de criar autocompaixão e reduzir o sentimento de vergonha, através do desenvolvimento de um sistema de suporte interno que antecede o envolvimento com o conteúdo interno doloroso. A TFC surge como uma abordagem de tratamento transdiagnóstico fundamentada na psicoeducação da perspectiva neurocientífica e evolutiva da mente (ALMEIDA; REBESSI; SKYPSZNSKI; NEUFELD, 2021).

Entre os benefícios do desenvolvimento da autocompaixão para o bem-estar do indivíduo estão maior felicidade, satisfação com a vida e motivação, melhores relacionamento e saúde física e menos ansiedade e depressão. Pessoas autocompassivas também têm mais resiliência para enfrentar momentos de estresse na vida, como por exemplo crises de saúde e traumas de combate (NEFF; GERMER, 2019, p.1).

A autocompaixão compreende tratar a si mesmo da forma como você trataria um amigo que está com dificuldades, uma vez que mesmo que o amigo tenha cometido erros ou esteja se sentindo inadequado, a cultura ocidental enfatiza a gentileza com amigos, familiares e vizinhos. O indivíduo autocompassivo mobiliza três elementos quando está em sofrimento: autobondade, humanidade compartilhada e Mindfulness (NEFF; GERMER, 2019, p.7).

A autobondade consiste em sermos apoiadores e encorajadores quando notamos falhas pessoais. Já a humanidade compartilhada traz um senso de interconectividade, fazendo com que reconheçamos que a vida envolve sofrimento para todos, ou seja, a dor faz parte da experiência humana compartilhada. O terceiro elemento é o Mindfulness que implica em estar consciente das experiências momento a momento, sem resistência ou esquiva (NEFF; GERMER, 2019, p.8-9)

Portanto, a autocompaixão surge no cerne do Mindfulness quando o indivíduo passa por sofrimento na vida. A atenção plena incentiva que a pessoa se “abra” ao sofrimento com ampla consciência amorosa. Já a autocompaixão traz a necessidade de ser gentil consigo mesmo em meio ao sofrimento. Assim, Mindfulness e autocompaixão formam juntos um estado de presença calorosa e conectada para atravessar momentos difíceis (NEFF; GERMER, 2019, p.1).

Fonte: Imagem de James Chan por Pixabay

Dialética

A Dialética tem origem nas palavras dialectica do latim e dialektike do grego, que podem ser traduzidas como discussão. O prefixo “dia” indica reciprocidade, e “lêgein” ou “logos” indicam o verbo e o substantivo do discurso da razão. Dessa forma, a Dialética surgiu com o intuito de incorporar as razões do outro, através do diálogo. O termo foi empregado na Grécia antiga no sentido de arte do diálogo, que seria a capacidade de demonstrar uma tese por meio da argumentação (PEREIRA, 2013).

Atualmente, a Dialética pode ser compreendida como o modo de pensar as contradições da realidade, ou seja, compreender o real como permanentemente em transformação e, em essência, contraditório. O conhecimento é sempre a busca da totalização. Qualquer objeto que se possa perceber ou criar é sempre parte de um todo e interligado a outros objetos, fatos ou problemas (PEREIRA, 2013).

Portanto, para que possamos nos apropriar da realidade, através do uso da Dialética, é necessário buscar uma visão de conjunto, colocando a compreensão da realidade numa constante que gera teses e antíteses, que por sua vez geram sínteses que geram outras teses e assim por diante. A técnica busca uma totalização que nunca é alcançada ou definitiva (PEREIRA, 2013).

Sistema Prisional Brasileiro

O sistema prisional do Brasil, em termos de população carcerária, é um dos maiores do mundo. Isso faz com que se evidencie um antigo problema enfrentado por ele, a superlotação. Além das vagas não corresponderem a volumosa demanda de atendimento, existem ainda outras complicações enfrentadas pelo sistema prisional brasileiro. Desses, podemos citar três que julgamos serem os mais relevantes: a falta de infraestrutura predial somada à sua escassa manutenção, acesso precário aos serviços de saúde e número de funcionários e agentes prisionais insuficientes para suprir todas as demandas de serviço.

No que diz respeito ao Sistema Prisional Feminino a situação tende a ser pior. As condições físicas estruturais dos presídios apresentam maior precariedade, alguns, inclusive, não possuem uma infraestrutura mínima que garanta a dignidade da pessoa humana. Em 2019, por exemplo, a Unidade Prisional Feminina de Palmas-TO recebeu inúmeros apontamentos do Ministério Público do Tocantins (MPTO), por apresentar uma série de irregularidades de “infraestrutura, abastecimento de materiais e insumos”. Além dessas, “falta de uniformes, ausência de kits de higiene pessoal em quantidade suficiente, instalações elétricas precárias, caixa d’água com tampa sem vedação, falta de salas específicas para atendimento de advogados, ausência de berçário e creche” (PORTAL DO MPTO, 2019), na época também foram assinaladas pelo promotor, resultando em uma ação civil pública.

Fonte: Imagem de Ichigo121212 por Pixabay

Assistência à saúde nos sistemas prisionais

É preciso enxergar o indivíduo antes de ver seu crime, como afirma Foucault (1987). Apesar das Pessoas Privadas de Liberdade (PPL) terem por pena a privação do seu direito de ir e vir temporariamente, se conserva constitucionalmente os demais direitos inclusive o direito ao acesso à saúde, conforme a portaria 1.777/2003 que institui o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP). Este plano prevê no âmbito prisional a presença dos profissionais da atenção básica de saúde composta ao menos por médico, enfermeiros, assistente social, psicólogo, auxiliar de enfermagem e dentista.

Dez anos depois da publicação desta portaria, que visou aproximar as PPL ao direito de acesso aos serviços do SUS, verificou-se que de 2003 a 2013 houve um aumento de 120% da população encarcerada, dificultando a execução do PNSSP pelas superlotações e poucos profissionais disponíveis para essa assistência. Avaliando e reformulando o modo de atuação nesse sentido foi elaborada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), contendo o direito ao acesso aos mesmos profissionais contidos no PNSSP, porém com equipes subdivididas pelo: “Número de pessoas privadas de liberdade por unidade prisional, vinculação dos serviços de saúde a uma unidade básica de saúde no território e existência de demandas referentes à saúde mental.” (BRASIL, 2014, p.21)

A cartilha reforça como objetivos específicos da atuação das equipes:

  1. Promover o acesso das pessoas privadas de liberdade à Rede de Atenção à Saúde, visando ao cuidado integral;
  2. Garantir a autonomia dos profissionais de saúde para a realização do cuidado integral das pessoas privadas de liberdade;
  3. Qualificar e humanizar a atenção à saúde no sistema prisional por meio de ações conjuntas das áreas da saúde e da justiça;
  4. Promover relações intersetoriais com as políticas de direitos humanos, afirmativas e sociais básicas, bem como com as da Justiça Criminal;
  5. Fomentar e fortalecer a participação e o controle social. (BRASIL, 2014, p. 11)

Dessa forma, com equipes estruturadas o psicólogo tem oportunidade de atuar para além das avaliações psicológicas e confecção de laudos.

O cárcere, como dito anteriormente, desperta nas reeducandas a sensação de solidão. Assim, ao formar um grupo terapêutico para e com esse público podemos, de certo modo, amenizar esse sentimento. Dessa forma, compreender melhor a dinâmica cotidiana das mulheres em privação de liberdade e, através da Terapia Focada na Compaixão, do Mindfulness e da Dialética, mostrando o benefício da prática autoconhecimento, da compassividade e do foco no momento presente. Inspirar um ambiente de confiança no grupo, sigiloso e seguro, respeitoso e acolhedor. Por fim, entendendo os benefícios do foco da atenção no momento presente, aprendam a lidar melhor com seus sentimentos, com mais controle emocional e a ter atitude compassiva e de autocompaixão enquanto estiverem privadas de liberdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, N.; REBESSI, I. P.; SZYPSZNSKI, K. P. D. R.; NEUFELD C. B. Uma intervenção de Terapia Focada na Compaixão em grupos online no contexto da pandemia por COVID-19. Psico, v. 52, n. 3, p. e41526, 2021. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/revistapsico/article/view/41526. Acesso em 06/06/2022;

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. 288p. https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/centrocultural/foucault_vigiar_punir.pdf. Acesso em 06/06/2022;

GUERRA, M. P.; LIMA, L.; TORRES, S. Intervir em Grupos na Saúde. 2. ed. Lisboa: Climepsi Editores, 2014.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres (Vol. 2). Brasília, DF: 2018. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf. Acesso em 06/06/2022.

Ministério da Saúde. Ministério da Justiça. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional. Brasília (DF): Brasil; 2014. Disponivel em: http://www.as.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2016/06/Cartilha-PNAISP.pdf. Acesso em 06/06/2022;

Ministério da Saúde. Ministério da Justiça. Portaria Interministerial nº 1777 de 9 de setembro de 2003. Aprova o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. Brasília (DF): Brasil; 2003. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2003/pri1777_09_09_2003.html. Acesso em 06/06/2022;

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TOCANTINS (MPTO). Péssimas condições da unidade prisional feminina de Palmas resultam em Ação Civil Pública. Portal do MPTO – Notícias. 07 de abr. de 2019. Disponível em: https://mpto.mp.br/portal/2019/04/17/164117-pessimas-condicoes-da-unidade-prisional-feminina-de-palmas-resultam-em-acao-civil-publica. Acesso em 06/06/2022.

MORETTI, L. Mindfulness na construção terapêutica do espaço comunicativo baseado na atenção conjunta ao corpo. São Paulo: Nova perspect. sist., v. 27, n. 60, p. 87-99, abr.  2018.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-78412018000100007&lng=pt&nrm=iso>. acesso em  06  jun.  2022.

NEFF, K.; GERMER, C. Manual de mindfulness e autocompaixão: um guia para construir forças internas e prosperar na arte de ser seu melhor amigo. Porto Alegre: Artmed, 2019.

NONNENMACHER, C. A. D.; PUREZA, J. da R. As relações entre a autocompaixão, a ansiedade social e a segurança social. Contextos Clínic,  São Leopoldo ,  v. 12, n. 3, p. 1000-1027,   2019. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S 1983-34822019000300015 &lng=pt&nrm=iso. Acesso em 01/06/2022.

PEREIRA, F. N.; DALGOLBO, C. G.; SILVA, M. O. Revolução budista ou apocalipse zumbi? Discussões sobre mindfulness a partir de uma perspectiva gestáltica.  Psicologia USP:  2021, volume 32, e200146. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pusp/a/x9JLCdgmWdXwrStgpBvCZPk/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 06/06/2022.

PEREIRA, T. T. S. O. Pichon-Rivière, a dialética e os grupos operativos: implicações para pesquisa e intervenção. Rev. SPAGESP, Ribeirão Preto, v. 14, n. 1, p. 21-29, 2013.   Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702013000100004&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 13/06/2022.

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Como pássaros na gaiola: a realidade das famílias enclausuradas pelo sistema penitenciário brasileiro

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“Todo homem é maior do que o seu erro”
MARIO OTTOBONI

Para que haja uma completa reinserção dos presidiários na sociedade, faz-se necessário disponibilizar os meios para que eles alcancem este fim.

Assim, por interesse pelo assunto e por uma proposição da disciplina de Estágio Básico V do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA, nós, acadêmicos, passamos a fazer parte do Conselho da Comunidade na Execução Penal (CCEP) de Palmas/TO.

Nosso ingresso no conselho se deu com o intuito de conhecer de perto a realidade na qual vivem as famílias das mulheres apenadas. Assim, estávamos imersos em dois campos desconhecidos: a visita domiciliar e o sistema prisional.

De imediato surgiram inúmeros desafios: o medo das demandas com as quais iriamos nos deparar ao longo do processo; a incerteza de como seriamos recebidos por essas famílias e seus respectivos reeducandos; com nossos próprios (pre)conceitos; nossas inseguranças e angústias.

O processo foi árduo. Batemos em várias portas em busca de conhecer melhor a realidade das famílias de algumas das mulheres em privação de liberdade na unidade prisional de Palmas/TO, mas, na maioria delas, o endereço que nos foi fornecido estava desatualizado. O que de pronto, já evidenciava o mais comum dos descasos que o nosso sistema penitenciário: ignorar a participação a família no processo de reeducação dos apenados.

Fomos a campo, com a finalidade de compreender como vivem os familiares das presidiárias, saber de suas possíveis necessidades e dificuldades, para assim conhecer mais a fundo em quais aspectos o CCEP poderia contribuir para amenizar o sofrimento dessas famílias, visando sempre fortalecer o vínculo dos apenados com suas famílias.

Gostaríamos de esclarecer que este deveria ser um relato de nossas experiências práticas enquanto membros do CCEP, porém – como uma espécie de reflexo do caos que circunda não só meio prisional mas todas as instituições – o que transcrevemos a seguir é, em grande parte, um pouco de nossas tentativas frustradas de intervir junto às famílias das reeducandas de um presídio feminino no Tocantins.

Além disso, trazemos um pouco de nossos aprendizados extraídos de nossa intervenção e de todo o arcabouço teórico adquirido por meio das intensas discussões ao longo do semestre acerca do sistema penitenciário brasileiro.

Todavia, antes de qualquer relato, julgamos imprescindível explicar aos leitores sobre o que é e como funciona o CCEP.

Apesar de sua importância e previsão em lei, o CCEP é um órgão pouco conhecido pela população brasileira. Trata-se de um mecanismo instituído pelos Artigos nº 80 e 81 da Lei de Execução Penal (LEP), a qual estabelece a existência de um conselho da comunidade em cada comarca, composto por, no mínimo, um representante de associação comercial ou industrial, um advogado indicado pela seção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e um assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais.

O Conselho tem a função de representar a sociedade em um processo que se inicia no ingresso do indivíduo no âmbito prisional e só se encerra com a retomada de sua liberdade. Todavia, é a própria comunidade quem detém as alternativas a serem ofertadas ao réu condenado.

O seu objetivo é aproximar a comunidade do sistema penitenciário e seus reeducandos, visando minorar os danos ocasionados pelo encarceramento, pelas privações e pelas condições degradantes, as quais comumente eles são submetidos.

Percebemos – do pior modo possível – que o termo “reeducanda”, costumeiramente utilizado para se referir as presidiárias, na maioria das vezes, se trata apenas de um mero jogo de palavras. É um modo “politicamente correto” para se referir àquelas pessoas que se encontram segregadas em nosso falido sistema carcerário. Que, acreditamos, não seja restrito de Palmas/TO.

Ao nós apossarmos do termo: dizermos reeducandas, estamos sugerindo que elas estejam sendo submetidas a um sistema de reintegração social. No mundo real, sabe-se que não é bem isso que acontece.

Empossados de todas essas informações já compartilhadas, fomos em busca dessas famílias. De pronto, a primeira barreira era nosso semblante de constrangimento, ao nos depararmos ao difícil tema que seria abordado, que vez por outra parecia se mesclar a um sentimento de pseudoautoridade, diante dos entrevistados.

Nossas primeiras visitas foram frustradas, pois não encontrávamos familiares das presidiárias, mas tivemos uma rica observação de como a comunidade se referia a elas e suas famílias.

Quando perguntávamos se ali era a casa de fulana, víamos rostos espantados e com uma resposta tão rápida quanto um disparo: “– Não!”. Então, tentávamos iniciar uma conversa, questionando se eles conheciam alguém que teve seu familiar preso. E as respostas eram bem uniformes: “– Sim, mas eles mudaram de Palmas!”.

Em algumas dessas visitas, saímos com a nítida sensação de que, mesmo com todas as explicações acerca do que é o Conselho, os residentes preferiam negar seu parentesco com as reeducandas. Talvez por medo, vergonha ou insegurança.

Nas visitas, os nomes daquelas mulheres e suas histórias quase não eram lembrados, mas os crimes, estes ainda estão vivos na memória dos que nos recebiam. Era como se todo histórico de uma vida tivesse sido apagado, restando apenas um único e cruel capítulo: o crime.

Podemos supor que além do sofrimento presente em cada uma dessas histórias, o preconceito que essas famílias passam a sofrer seja a principal causa de mudarem seu endereço. Uma tentativa de se apagar o passado vergonhoso.

Em vários casos, pudemos comprovar que o afastamento se dá também em relação as apenadas, que – não raramente –  são abandonadas por seus familiares no cárcere.

A distância das unidades prisionais em relação ao distrito urbano, as dificuldades financeiras e as constrangedoras revistas realizadas antes das visitas nos presídios são alguns dos fatores apontados pelos familiares como justificativa por sua ausência e descaso em relação às reeducandas.

Quando conseguimos cumprir nossa missão, fomos muito bem acolhidos. Por meio dos relatos e da postura adotada pelas pessoas que se encontravam nessas residências.

Deparamo-nos também com uma realidade de sofrimento causada pelas drogas, que de tanto se perdurar, já passou a fazer parte de seus traços e hábitos. Um exemplo é o da filha de dona Ana, hoje com 29 anos, é usuária de drogas ilícitas desde os 13. Fato que fez com que ela já fosse detida por 6 ou 7 vezes.

Hoje, sua família vive em um misto de incredulidade e esperança de que Mariana possa reestabelecer sua vida quando retomar a liberdade.

Uma vez que a visita domiciliar foge dos padrões dos atendimentos psicológicos tradicionais, ainda há uma enorme carência de materiais que abordem como se deve proceder nesse tipo de intervenção.

São raras as discussões e produções acadêmicas que tenham como foco as famílias de pessoas em privação de liberdade, o que evidência um vasto campo a ser explorado.

A falta da literatura para nortear nossas práticas gerou desconforto e o receio de estarmos (ou não) invadirmos a privacidade daquela família. Nosso receio era o de ferir o direito à privacidade em meio à toda dor que assolavam aqueles lares.

Em nossa busca por uma intervenção íntegra, fomos convidados a experimentar um modelo de intervenção, em que, claramente teríamos de nos deixar ser conduzidos pelos limites impostos pelo outro (cliente), uma vez que aquele era o seu ambiente, seu território.

 

Nota: Todos os nomes pessoais aqui utilizados são fictícios, com vista a preservar a identidade dessas pessoas.

 

Referências:

BRASIL. Lei de Execução Penal. Brasília: Senado, 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm.>. Acesso em: 26 de março de 2014.

MARTINS, J.S. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

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Projeto de Remição da Pena, a leitura como inclusão social

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O sistema carcerário é um dos principais problemas que vive o Brasil. O reeducando, que em certos casos, já vive com as deficiências da saúde pública e um crítico sistema educacional, ao entrar no cumprimento da pena, enfrenta problemas de questões humanitárias que prejudicam sua evolução durante o tempo da detenção, um tempo que deveria ser separado para reflexão, estudos e controle comportamental.

A Lei nº 7.210/84 de 1984, de execução penal determina uma humanização durante o cumprimento. Trinta anos depois, atualmente, ainda não houve uma efetivação de se trabalhar essa pena na questão humanitária. Problemas como o do sistema carcerário, é uma função dos governos, diante de tanta lentidão e falta de sensibilidade na execução dos projetos, em certos casos, o sistema privado, as instituições de ensino e também a sociedade em geral podem assumir a iniciativa contribuindo para um melhor desenvolvimento de um país.

A leitura como exercício da mente, essa é a estratégia utilizada pelo Conselho Comunitário e a Universidade Luterana do Brasil, Ceulp/Ulbra, na cidade de Palmas-TO. As duas instituições, assinaram convênio através de uma portaria expedida pelo juiz da vara criminal, para execução do Projeto de Remição da Pena pela Leitura – RPL. A intenção é envolver inicialmente os acadêmicos dos cursos de direito, psicologia e Serviço Social, no desenvolvimento intelectual dos reeducando através da leitura de obras literárias.

De acordo com o Presidente do Conselho Comunitário de Palmas, Geraldo Cabral, na pratica o direito possui acima de tudo uma função social, não é simplesmente uma lei seca. Segundo o Presidente, os acadêmicos poderão ver de perto a realidade carcerária, a superlotação e estrutura física, das unidades prisionais de Palmas. “É um trabalho pequeno, de formiguinha, construindo no dia a dia aos poucos, mas com isso vai certamente colaborar com a diminuição na questão da superlotação dos presídios”, acredita Geraldo Cabral, exaltando ainda a parceira com o Ceulp/Ulbra. “Esse projeto demonstra o interesse de função social de uma universidade comprometida com os problemas sociais, e com isso os alunos podem relacionar essa questão social com o curso de direito”, diz.

Cerca de 60 alunos já estão envolvidos com o projeto. Os acadêmicos adotam no máximo três reeducando, e o acompanham durante um mês através da leitura de um livro. Depois da leitura do livro, o reeducando, faz um trabalho de resumo escrito, o acadêmico responsável corrige o trabalho e repassa para o conselho comunitário que, atribui uma nota. No final desse processo, o reeducando recebe como beneficio uma remição da pena de quatro dias, por leitura concluída.

A estudante do 9° período de direito, Thais Clara Gomes Silva, 21 anos, adotou três reeducando, e trabalha com os as dinâmicas do projeto através dos livros: Inquietação, Superando a Ansiedade e Vida Conjugal. “Eu nunca tinha ido a um presidio, lá a gente ver de certa forma como excluídos são os detentos, é gratificante ver que estamos podendo ajudar de alguma forma e ver a ressocialização para eles também”, relata.

Segundo a coordenadora do projeto RPL e professora do curso de direito do Ceulp/Ulbra, Denise Cousin Souza Knewitz, a previsão é que Cerca de 400 detentos podem ser envolvidos inicialmente no projeto. “O sistema prisional não contribui o suficiente para a recuperação do detento, acredito que a leitura pode contribuir, eles podem melhorar através da leitura”, a coordenadora lembra ainda a importância da doação de livros pela sociedade. “Nesse projeto a instituição educacional representa a sociedade na contribuição para amenizar esse que é um dos grandes problemas do Brasil”, finaliza.

Uma das beneficiadas com o Projeto RPL, Janaina Lustosa Vieira, 38 anos, 2ºgrau completo, divorciada e mãe de dois filhos, entrou como reeducando há um ano e meio no Presídio Feminino de Palmas-TO. Ela conta que, não acredita no projeto que o governo prega de reeducação. “A situação aqui é tão ruim que as pessoas saem pior ainda, aqui é a escola do crime”, Janaina acredita que a leitura é o verdadeiro caminho para os reeducando. “As detentas , elas conversavam sobre drogas e crime, depois desse projeto da leitura, estão conversando sobre as historias dos livros”, diz.

Fabricações de tapetes e crochês são alguns dos projetos desenvolvidos nos presídios no Brasil. “A sociedade acha que o preso é ignorante e só sabe fazer tapete, eu vejo que os presídios precisam ter mais informação e cultura, devido a maioria semianalfabeta”, desabafa a reeducando Janaina Lustosa, revelando ainda a ultima obra literária que acaba de ler – livro 11 minutos, do autor Paulo Coelho. “Uma pena que é apenas um livro por mês, deveria ser mais. Aqui no presidio não tem atividade física, isso gera muito ociosidade, finaliza.

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Existe vida no cárcere?

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O Sistema Prisional Brasileiro, que visa a ressocialização correcional dos indivíduos presos/apenados, como um todo, é falho em diversos aspectos, e as condições de vida dentro do mesmo costumam ser precárias.

Na prática, essa ressocialização não existe como deveria, e o regime de reclusão tem sido empregado para punir estes sujeitos, que vivem uma realidade de privação e violação dos direitos. Hoje, o que encontramos são prisões superlotadas, degradantes para mulheres e homens, com condições insalubres. No caso das mulheres, se olharmos o nosso percurso histórico, essa violência muitas vezes é velada e naturalizada pela própria sociedade.

Precisamos (re)pensar como estamos punindo.

Infelizmente, percebe-se que os apenados são abandonados e destituídos de direitos, em todos os sentidos da palavra. Há demora no julgamento dos processos, na concessão de benefícios e na progressão de regime e também, por outro lado, existe uma carência de manutenção do sistema. Enquanto isso, eles permanecem em situação de cárcere, alheios a tudo e a todos, a mercê de todo tipo de mazelas, dentro de um espaço que tem sido palco para cenas de extrema violência, privação de liberdade, rebeliões e aumento da criminalidade, como é constantemente mostrado pelas mídias.

Em hipótese poderíamos pensar que à egressa desassistida/abandonada de hoje, continuará sendo a “criminosa” reincidente de amanhã. O que está errado?

Essas situações que já proporcionavam impacto em nossas vidas por discursos de ódio e medo criaram outros significados ao entrarmos pelas grades. Durante a realização deste projeto de intervenção, experienciamos uma realidade aquém do esperado: de tristeza, dor e isolamento. O resultado desse contato, foi uma quebra de paradigmas, e a possibilidade de um enfoque diferente daquele contaminado pelo diálogo de nossa sociedade, que se isenta de seu papel de (co)responsabilidade por esse regime, subjugando essa parte de indivíduos que permanece calada, destituídos de sua cidadania, em condições precárias – para não dizer desumanas – sobre o pretexto de pagarem sua dívida com uma sociedade que ao longo de sua história de vida, só lhes cobra, sem nada oferecer em troca. Uma realidade que não apresenta sinais de que irá mudar tão cedo.

O relato que segue traz considerações de uma intervenção realizada por um grupo de estagiárias do curso de Psicologia numa unidade prisional feminina do Tocantins, um trabalho que se justificou pela necessidade de tentar minorar os agravos subjetivos da reclusão carcerária, trabalhando questões como relacionamento interpessoal, confiança e autoestima das encarceradas.

Para trabalhar com este grupo, usamos como metodologias: a roda de conversa e a aplicação de dinâmicas de grupo, por considerar que tais métodos elucidam no setting grupal os elementos necessários para análise da dinâmica do grupo (ZIMERMAN; OSÓRIO, 1997). Esse formato permitiu que todas participassem desenvolvendo novas possibilidades de relações de apoio e cuidado. As frases utilizadas no decorrer do trabalho foram extraídas de atividades realizadas com as encarceradas, como por exemplo: levamos diversas figuras e pedimos para cada uma escolher a que mais se identificasse e a partir daí justificar sua escolha; em outro momento levamos perguntas que as fizessem refletir sobre si mesmo, perguntas como “quais são os seus medos?”, “o que eu quero para o futuro?”, entre outras.

Fonte da imagem: http://mairafernandesbittencourt.blogspot.com.br/2012_07_01_archive.html

“Essa imagem demonstra a dor, meu desespero, a vida que eu tinha, hábitos…
Nunca me passou que eu iria chegar a usá-las.
Ainda me dói muito usá-las, ficou marcado.
Cada vez que eu tenho que usá-las, é como se eu fosse um monstro, um bicho do qual as pessoas têm medo, ao me verem usando isso.
Dói, mas espero nunca mais me constranger,
Não vou me permitir passar por isso novamente. ”

E assim fomos construindo a relação deste grupo com transparência, compromisso, dedicação e sigilo. Sempre deixando claro para elas que o nosso desejo era que ninguém se sentisse tolhido em sua forma de expressão (gesto, olhar, falar, chorar etc.). Dentro de um grupo, todas as formas de expressão são importantes, a comunicação, seja qual for, deve ser espontânea e, acima de tudo, as diferenças individuais devem ser respeitadas (ZIMERMAN; OSÓRIO, 1997).

No nosso primeiro encontro com o grupo de mulheres foi um momento de apresentação. O grupo pôde conhecer as estagiárias e vice-versa. Foi um momento de interação e integração, onde pudemos falar sobre o grupo, os encontros futuros e as expectativas das encarceradas sobre o mesmo.

Já de início, pudemos perceber que elas se dispuseram a falar sobre suas vidas, experiências, medos, dúvidas, que, em consenso geral, eram um pedido de socorro.

Junto com elas escolhemos um nome para o grupo, que passou a chamar-se “OUTRO OLHAR”, um nome forte, marcante, que traz no seu íntimo: esperança. Cada uma delas fez questão de dizer o que significava este outro olhar para si a cada momento que passamos ali.

Quais são os meus medos?
Minha família parar de me apoiar e meus filhos,
no futuro, jogarem essa experiência na minha cara
e não aceitarem minha correção”

No total foram 10 encontros. Ao desenvolver um trabalho como este, encontramos algumas dificuldades. Percebemos a força da resistência quando lidamos com o discurso da segurança institucional na construção de estratégias de promoção de saúde. Um encontro de percepções por vezes antagônicos.  Percebemos o quanto a instituição, no seu cotidiano, produz sofrimento para todas as pessoas envolvidas: trabalhadores e apenadas.  Mas é preciso dizer, que a equipe nos recebeu e nos auxiliou no que foi possível para o desenvolvimento dessa atividade.

Contudo, partimos do olhar de compromisso social que a academia tem com a comunidade, e nos propusermos a somar com o trabalho desenvolvido pela unidade, não apenas como acadêmicas de Psicologia, mas como membros e integrantes de uma sociedade que também tem responsabilidade com a educação e reinserção social dessas mulheres. Esta experiência resgatou em nós o sentimento aguerrido de lutar por uma sociedade mais justa e menos perversa.

Vivenciamos algo que é só nosso, que ninguém nunca vai nos tirar, e que provavelmente não vamos ter a chance de experienciar novamente. Nossa sociedade não faz ideia da força, da coragem, da história, dos erros, dos acertos, da sabedoria, e do ser humano que existe em cada uma daquelas mulheres ali presas. Elas lutam a cada dia de forma individual e coletiva, por seus direitos, pela efetivação de um espaço democrático dentro das instituições, que permita um processo de construção consciente, de aprendizado, de produção de subjetividade, e de sujeitos que batalham pelo direito à autonomia de gerir suas próprias vidas, apesar do regime de isolamento.

Não podemos nos esquecer de que a população carcerária é formada por seres humanos, elas são iguais a nós, mas, que estão presas por terem cometido um ato infracional, ou seja, um erro. Vale lembrar que crime não é doença ou condição genética e que todos somos seres humanos, passíveis de erros. Portanto, a grade e os muros que nos separam delas, se vistas de perto, não são assim tão espessas e distantes de nossa realidade.

Enquanto estagiárias, não temos palavras para descrever o impacto dessa experiência para nossa vida e formação (pessoal, social e acadêmica). Mas podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que este foi um momento especial que tivemos de crescimento na nossa jornada, entendendo que ela também atravessa o ensino.

O grupo era comprometido, forte, integrado, tinha boa comunicação e estava disposto a crescer. As encarceradas encontraram ali um ambiente seguro para expor suas ideias, ao mesmo tempo em que estavam abertas a novas reflexões.

Ao longo dos 10 encontros, experimentando na pele a dor da vergonha; do preconceito; da discriminação; da desigualdade; da humilhação; do esquecimento; do abandono; da privação de liberdade; do desrespeito; da falta de oportunidade; da condenação (de todos os tipos de condenação), que aquelas mulheres – e outros tantos como elas – sofrem.

Fonte da imagem: http://padom.com.br/a-verdadeira-auxiliadora/

“Eu me identifiquei com a figura porque parece ser uma pessoa triste e solitária.
Hoje estou me sentindo assim. ”

Não queremos aqui levantar uma bandeira a favor ou contra seus atos, que já foram julgados, e pelos quais elas já pagam sua dívida com a sociedade. De outro modo, nossa bandeira é a favor da vida, e de uma nova oportunidade para essas mulheres – essa ideia se mostra tão arbitrária se considerarmos que para muitas delas tal oportunidade seria a primeira – construírem uma história de vida da qual possam se orgulhar, e realmente aprender com seus erros.

Para além dos resultados positivos, esta intervenção já teria sido gratificante, só pelo simples fato do aprendizado que tivemos e do quanto cada minuto lá dentro mudou a percepção acerca da nossa sociedade. No final de cada encontro, descobríamos algo novo em cada uma das participantes. Houve mútua troca de experiências. Foram momentos de renovo, que resultaram num misto de descobertas, aprendizado e lição de vida.

Diante de todos os desafios no início do estágio, o foco principal não era saber o porquê elas estavam ali, ou seja, quais delitos foram cometidos, mas sim um “outro olhar”, como o nome do grupo propriamente dito. O que valia mais nos encontros era a singularidade de cada uma, os desabafos, os sorrisos, as lágrimas, os momentos compartilhados e a história de vida.

Ao final de cada encontro, saíamos daquela instituição com a sensação de dever cumprido, pois como relatado pelas mesmas, aquele “era o dia mais esperado da semana”. Entendemos a importância do nosso apoio.

É preciso agradecer e reconhecer quão grande e importante foi esta experiência para nós em nível individual, pessoal, social, acadêmico e profissional. O privilégio de conhecer essas mulheres nos permitiu constatar que o sistema prisional e as políticas públicas em geral precisam urgentemente de melhorias, e a existência da banalização do ser humano, da vida; a ineficácia da ressocialização; o futuro incerto e sem perspectivas desses homens e mulheres que só querem/precisam de uma chance para fazer/ser diferente.

 

Referência:

ZIMERMAN, David E.; OSORIO Luiz Carlos [et.al.]. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

Nota:

Os trechos de reflexões dispostos ao longo do texto são de autoria das encarceradas de um presídio feminino do Tocantins como resultado das dinâmicas ao longo dos encontros. Zelando pela imagem pessoal, o grupo reserva o direto de manter o sigilo de suas identidades.

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Olhar fotográfico nos presídios

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Internos, internas e profissionais do Presídio Central de Porto Alegre/RS e da Penitenciária Feminina de Madre Pelletier produziram fotografias para a exposição “A liberdade de olhar”. A coletânea reúne cem imagens que retratam o cotidiano de detentos e funcionários de presídios da capital gaúcha.

Foto Divulgação

Foto: Letícia Bender

As fotografias foram produzidas entre agosto e outubro de 2013 e também apresentadas na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família em Brasília – DF. A ação é organizada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) e do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, com apoio da Delegação da União Europeia no Brasil.

Foto Divulgação

Foto: Letícia Bender

“A liberdade de olhar” pretende dar visibilidade ao cotidiano de quem vive e trabalha em presídios e mostra a vulnerabilidade dos espaços e das relações. “Parece que a gente estava solta”, comenta uma jovem grávida que cumpre pena. Outro detento diz: “deixei de ser chamado de traficante para ser chamado de fotógrafo”.

Foto Divulgação

Foto: Letícia Bender

A organização do projeto percebe que, por meio das fotos, “aparece um debate crucial sobre direitos humanos, questões de gênero, violência e saúde, sobretudo diagnóstico, tratamento e prevenção ao HIV/AIDS, hepatites virais e tuberculoses”.

Foto Divulgação

Foto: Letícia Bender

Foto Divulgação

Foto: Letícia Bender

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