Em um contexto mundial mais tecnológico, os dispositivos móveis fazem parte da vida das pessoas, os mais comuns são os celulares, tablets, relógios e notebooks. A tecnologia existe para auxiliar o homem nas tarefas do dia-a-dia, e com isso muitas empresas oferecem recursos e serviços que fazem a diferença, por exemplo: o email que se conecta a uma agenda e permite que outros dispositivos sincronizem a mesma agenda entre os demais dispositivos, auxiliando as pessoas a lembrarem das tarefas mais importantes do dia a dia. Contudo, após os casos internacionais de Edward Snowden, Cambridge Analytica e outros, muitas pessoas se deram conta de que os serviços gratuitos não são de graça e que, serviços que não cobram por sua utilização querem algo em troca, algo conhecido como o novo petróleo, também conhecido como dados [1]. Diante de outros acontecimentos, as pessoas começaram a ver a importância dos dados e como eles podem nos auxiliar a encontrar novas respostas ou nos deixar vulneráveis.
Comercialmente, os dados são muito importantes para as empresas, a partir deles é possível entender melhor o ambiente de negócios ou criar novas campanhas de marketing. Entretanto, a coleta de dados como, endereço, CPF e outras informações pessoais, permitem às empresas realizarem ações que impactam diretamente a vida dos clientes, como, os serviços da Google que solicitam informações e, caso as cláusulas de serviços sejam aceitas, o cliente pode fornecer os dados sobre sua localização em tempo real. As empresas, por questões judiciais, precisam oferecer um ambiente seguro de armazenamento dos dados, porém, não há nada que seja totalmente seguro, e caso haja um vazamento de dados, uma pessoa mal intencionada pode utilizar essas informações e invadir a privacidade das pessoas.
Neste contexto de abundância de dados, a privacidade é um tema que vem sendo discutido por diversas vezes em um mundo cada vez mais conectado, e mais tecnológico. À medida que o tempo passa, as tarefas que antes eram consideradas difíceis e complexas, se tornaram simples e práticas com a ajuda dos dispositivos móveis, como fazer cálculos, por exemplo, que para nós seres humanos é algo bem complexo de ser feito, quando em de grandes proporções sem o auxílio de alguma ferramenta. Mas a que custo? É realmente segura? A batalha mundial pelos dados está acontecendo, e as pessoas ou organizações que detém a maior quantidade de dados de outras pessoas exercem maior influência e inferência. Clarissa Véliz em seu livro ‘Privacidade é poder’ analisa as consequências para a sociedade com a exploração de rastros digitais das pessoas [2].
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Edward Snowden diz que precisamos de ferramentas que não possam ser violadas [3]. Snowden é ex-funcionário da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) que tornou públicos detalhes de vários programas que constituem o sistema de vigilância global da empresa, e que o país usa para espionar a população americana e vários países da Europa e da América Latina, entre eles o Brasil, inclusive fazendo o monitoramento de conversas da ex-presidente Dilma Rousseff com seus principais assessores [4]. Mas porque seria tão importante dados de outros líderes de outros países ? Dados pessoais podem se tornar uma arma nas mãos de determinadas pessoas e/ou instituições. Snowden ainda disse em entrevista que não podia deixar que o governo dos Estados Unidos destruísse a privacidade, a liberdade da Internet e os direitos básicos de pessoas em todo o mundo em nome de um maciço serviço secreto de vigilância que eles estão desenvolvendo [4].
Outro fator de preocupação é a popularização da Internet das Coisas (Internet of Things – IoT), agora, televisores, geladeiras e outros equipamentos domésticos produzem dados e com isso novas discussões sobre a segurança da informação e das pessoas. Problemas sempre existiram, não há produto perfeito, essa tecnologia evoluiu muito nos últimos anos em vários aspectos por causa dos benefícios que podem ser extraídos em muitos cenários [5]. No começo já era esperado a existência de problemas, pois estamos falando de uma tecnologia que estava fora da caixa quando começou, com a crescente demanda da automatização de tarefas juntamente com a disponibilidade de conteúdos gratuitos e reconhecimento do valor das informações geradas por esses sensores ou aparelhos.
O futuro desta tecnologia parece ser bem promissor, com a união do mundo físico com o digital. Grande parte das aplicações destinadas a utilização desse tipo de tecnologia ainda são para as empresas, que buscam baratear a mão de obra e aumentar a sua carga de produção [6]. Talvez a pandemia tenha feito muitas pessoas verem o real potencial de fábricas ou lojas que usam IoT no seu ambiente, de que esse é o próximo passo para uma nova revolução que pode ser temida, mas também muito aguardada [7]. Assim, independentemente, da vontade de uns ou temores de outros, a tendência é que cada vez mais o mundo esteja conectado em vários níveis, desde aplicações simples como ligar o ar-condicionado quando estiver perto de casa ou mais complexas, por exemplo, a utilização na construção civil para prevenir acidentes.
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Recentemente Frances Hauguen, ex-funcionária do Facebook, relatou uma série de denúncias para o The Wall Street Journal, provando com documentos internos que os algoritmos do Facebook fomentam intencionalmente a discórdia e que são projetados para causar dependência entre os usuários. Mas por que o Facebook está tão interessado em manter os usuários conectados por um maior tempo possível? Shoshana Zuboff chama de capitalismo de vigilância está coleta de dados. A economia digital se nutre deles. Ela os processa, refina e os serve aos anunciantes para que possam personalizar sua publicidade, ou às empresas, para que planejem novos serviços. Quanto mais detalhes souberem sobre cada usuário da internet, melhor será a estratégia para abordá-los e lhes oferecer um produto [2].
A evolução tecnológica, acentuada pela popularização de diversas ferramentas (software ou hardware), provocou mudanças significativas na sociedade, resultando em consequências positivas e negativas. Positivamente, a tecnologia quebrou paradigmas, por exemplo, profissionais do mundo todo podem compartilhar conhecimento sobre qualquer assunto nas redes sociais; pessoas, com equipamentos minimamente adequados, podem acessar iniciativas globais de educação de qualidade, oferecidas por profissionais de universidades de renome como Harvard ou Oxford. Negativamente, com a popularização das redes sociais, também potencializou discursos polêmicos e o surgimento de movimentos agressivos, como o “cancelamento” de pessoas na internet ou de grupos radicais de diversos espectros políticos. Em todos os contextos, positivos, negativos ou neutros há a geração de dados , cada vez mais precisos, que fornecem o padrão do caminhar de uma pessoa, da digital, do rosto, entre outros. A geração de dados em si parece ser inevitável, mas com qual finalidade esses dados serão utilizados é que pode produzir consequências positivas ou não, em todo caso, há um longo caminho a percorrer no que tange à conscientização das pessoas sobre esse contexto.
O capítulo “As Origens da Família Moderna”, do livro de Jonas Melman, “Família e Doença Mental – repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares”, discorre sobre o processo histórico que resultou na constituição da família moderna da forma como se configura nos dias atuais. A obra aborda a temática das transformações sociais ocorridas desde o final da Idade Média até a atualidade e aponta como esses acontecimentos sociais influenciaram e condicionaram as mudanças ocorridas na estrutura da organização familiar ao longo dos séculos.
Busca compreender como as mudanças na estrutura da sociedade influenciam na estrutura e dinâmica do grupo familiar, detendo-se em aspectos como criação dos filhos, afetividade, ambiente familiar, separação entre vida profissional, vida privada e vida social, educação escolar, dentre outros.
De acordo com o autor, a estrutura familiar, centrada na afeição e na intensificação das relações entre pais e filhos é uma invenção recente na história do homem ocidental (MELMAN, 2001, p. 39). Ele toma como exemplo a sociedade medieval, que não dispunha de condições propícias para construir essa noção de privacidade e intimidade que temos hoje, por conta da forma como os indivíduos se relacionavam com o espaço familiar.
Além de conviverem pessoas alheias ao núcleo familiar, como servidores e criados, a família se agrupava em grandes casas onde se reuniam amigos, religiosos, clientes e visitantes. E essa condição não dependia de classe econômica. Enquanto nos grandes casarões conviviam dezenas de pessoas, nas casas das pessoas mais pobres, pequenas e menos habitadas, a situação era a mesma, não havia espaço para o isolamento em ambientes privados.
Outro aspecto importante diz respeito à educação da criança. A transmissão de saberes e valores não era responsabilidade da família. Geralmente ao completar sete anos de idade, esta ia residir com outra família que ficava responsável pela sua socialização, onde tinham obrigações, realizavam trabalhos domésticos e eram tratados como aprendizes.
Dessa forma, desde muito cedo a criança se tornava independente da própria família, embora muitas vezes a ela retornasse. Nessas condições, não se alimentava um sentimento profundo entre pais e filhos, ao contrário, a família representava mais uma responsabilidade moral e social, destinada à transmissão dos bens e do nome.
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O estudo mostra como se deu essa passagem da família medieval para a família moderna, construindo-se um novo modelo de família em que a escola passa a ser o principal meio de iniciação social da criança, desde a infância até a fase adulta. Gradativamente, com o aumento do número de instituições de ensino, a partir do século 18, a escola vai se estendendo aos diversos setores da sociedade. Ao mesmo tempo, impõe sua autoridade moral e passa a adotar um sistema disciplinar cada vez mais rigoroso.
Esse movimento vem acompanhado de modificações também no ambiente familiar, que vai perdendo seu aspecto de espaço aberto à visitação pública e passa ter uma fisionomia de espaço privado, reservado à segurança, intimidade e privacidade dos seus membros. A partir do final do século 19, a configuração da família vai se modificando, sendo raras as famílias mais abastadas que viviam como as famílias medievais, afastando as crianças da casa dos pais como processo de formação.
Após estudarmos um pouco mais sobre a história das origens da família, nos questionamos a forma como vivem hoje as famílias modernas, em que há um excesso de proteção por parte dos pais e até que ponto essa forma de educação contribui para a ampliação de experiências, para o alcance da autonomia da criança/jovem e sua preparação para a vida.
Temos observado com frequência, famílias em que os filhos entre 25 e 34 anos têm adiado a saída da casa dos pais, uma tendência em ascensão no Brasil. Atualmente, apenas um de cada cinco jovens nessa faixa etária já conquistou sua independência e autonomia. Há pouco mais de 10 anos, a proporção era maior, quando um de cada quatro jovens entre 25 e 34 anos eram independentes. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda destaca que a maioria dos jovens da Geração Canguru é composta por homens (60,2%).
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Ou seja, o que era um processo natural há alguns anos – buscar a independência pessoal, seguir o próprio caminho – vem mudando gradualmente e dando origem a uma nova perspectiva. A lógica de caminhar com as próprias pernas tem ficado para trás, e vem dando espaço à chamada “Geração Canguru”.
Muitos fatores podem estar por trás do crescimento desse fenômeno no Brasil, que já foi registrado em outros países. O primeiro é financeiro. O aumento do custo de vida, principalmente nas grandes cidades, faz com que os jovens acabem morando por mais tempo na casa dos pais.
O segundo motivo que pode incentivar o crescimento da Geração Canguru é o receio de colocar em risco questões emocionais importantes, como a autoestima e a autoconfiança. Ou seja, possivelmente pela falta de oportunidades propiciadas ao longo da vida, o jovem/adulto não se sente preparado para enfrentar uma vida independente sem a proteção dos pais.
Daí a importância de questionar até onde é válida a educação nos moldes da família contemporânea, pois alimentar essa relação de dependência pode prejudicar não somente o amadurecimento dos jovens, mas ser prejudicial para toda família.
Referência
MELMAN, J. As origens da família moderna. In:Família e Doença Mental, repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares. São Paulo: Escrituras Editora, 2001. p. 39-54.