Avaliação Psicológica e testagem no contexto da adoção no Brasil
20 de janeiro de 2023 Thais Rodrigues Vilela
Insight
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Em 1996, comemorou-se pela primeira vez durante o 1º Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à Adoção o Dia Nacional da Adoção, que passou a compor o calendário oficial do país em 2002, através da Lei n.º 10.447. Desde então, o vigésimo quinto dia do mês de maio é uma data marcada por ações e campanhas que objetivam promover conscientização acerca do tema, e enquanto agente de transformação social inserido neste processo, é importante destacar o papel do profissional da psicologia neste contexto.
A adoção legal se dá em diferentes fases regulamentadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e a Lei 13.509/2017 (Brasil, 2017), que reconhecem a importância da avaliação e do profissional de psicologia nesse processo. Os interessados em adotar passam por uma avaliação psicológica com um perito da vara da infância, que irá averiguar as circunstâncias e condições sociais e psicológicas daqueles pretendentes para emitir um parecer, favorável ou desfavorável, sobre a habilitação daquele ou daqueles sujeitos. O laudo psicológico deve apresentar de forma sistemática a avaliação realizada de acordo com as normativas de Resoluções do CFP, o Código de Ética e a literatura científica, oferecendo estruturação, conteúdo e linguagem adequadas e esclarecidas do percurso afetivo traçado no processo com objetivo de respaldar a decisão judicial.
Mesmo com o aprimoramento constante desse processo, ainda existem desafios quando pensamos na burocratização e morosidade dele, além da subjetividade investida na análise. Existe também uma carência de pesquisas para além do laudo individual de cada processo que relatem de forma mais ampla as experiências de profissionais atuantes e pretendentes que passaram pelo mesmo, ou que investiguem as características, dificuldades e potencialidades dessa fase avaliativa, tanto em termos dos instrumentos empregados como no manejo das entrevistas e na condução das observações, nos permitindo lançar um olhar reflexivo sobre a variabilidade e complexidade da adoção.
O rigor da avaliação deve ser quanto à aplicação e técnica, respaldada pelos princípios teóricos e éticos, sendo necessária uma compreensão não moralista e alienada em relação à consciência sócio-histórica da família para não incorrer em preconceitos, conscientes ou não, ao analisar os candidatos. Condições de ordem individual como orientação sexual, estado civil ou gênero não determinam as competências que serão analisadas no processo e o perito deve se ater a tais preconceitos e considerar os diversos arranjos familiares funcionais que formam a sociedade atual.
Fonte: Pixabay
A autora Cintia Liana cita que “o olhar do observador deforma a realidade”, ou seja, não vemos as coisas como são, mas como somos, o que representa um grande desafio ao lidarmos com questões abstratas. Nosso olhar, observações, análises, sentimentos e percepções frente às situações, são influenciados por nossa história pessoal. Dessa forma, não existe neutralidade absoluta, mas o profissional deve ater-se em sempre priorizar o melhor interesse da criança ou adolescente, realizando seu trabalho de forma imparcial, por isso também a importância em seguir os preceitos avaliativos e de testagem a fim de manter a fidedignidade e validade do processo. Isso evidencia o caráter falível e limitante da avaliação psicológica e que mesmo o psicólogo mais bem preparado, munido dos melhores testes, aplicados com critérios rigorosos, pode incorrer em erro de hipótese, pois a realidade não é objetiva, previsível e estritamente quantificável.
Normalmente a avaliação é feita em forma de entrevista psicológica combinada com outras técnicas, onde são verificados estrutura familiar dos requerentes, comportamento, pensamentos, crenças, inseguranças, medos, preconceitos, fantasias, se as expectativas condizem com a realidade, perfil da criança desejada, os motivos do desejo deste perfil, o que pensam da paternidade, maternidade e educação, qual o lugar que será ocupado por essa criança/adolescente no imaginário parental, e o critério mais importante para grande parte dos avaliadores: a motivação verdadeira (inconsciente) que leva o requerente a pleitear a adoção, que deve ser baseada em um desejo legítimo de ter um filho.
De acordo com Marcelo Tavares (2008), a entrevista clínica é muito importante no processo de avaliação psicológica pois é capaz de adaptar-se a diversidade de situações clínicas relevantes, e através da técnica explicitar particularidades que escapam a outros procedimentos, considerando as peculiaridades de cada caso, como testar os limites de aparentes contradições, observação atenta a expressões verbais e não verbais, além de conceder validade clínica às características indicadas pelos instrumentos padronizados. A entrevista é antes de tudo um contato social e a execução da técnica é influenciada pelas habilidades interpessoais do entrevistador, deste modo, depende do desenvolvimento destas para obtenção de êxito.
Fonte: Pixabay
O psicólogo pode utilizar ainda, por exemplo, técnicas de avaliação como testes psicométricos que avaliem por um viés quantitativo traços cognitivos, habilidades, interesses, motivações e necessidades, condutas sociais desviantes, ou mesmo testes projetivos de personalidade para a análise mais aprofundada da psiquê, ou que avalie crenças, valores e atitudes, processos afetivos e emocionais, na tentativa de resgatar e interpretar o inconsciente do indivíduo, além de instrumentos lúdicos para as crianças, questionários, reuniões e palestras para orientar os pretendentes e sanar possíveis dúvidas. Estes são apenas alguns exemplos, não há um teste específico utilizado para este contexto nem uma padronização da metodologia e é responsabilidade do psicólogo fazer a escolha do teste mais adequado ao contexto da avaliação e a população que se está avaliando, considerando também a linha teórica de sua atuação e se respaldando pela regulamentação vigente.
A conduta profissional na Avaliação Psicológica deve ser orientada pelos princípios fundamentais e condutas do Código de Ética Profissional do Psicólogo, baseado nos direitos humanos universais, justiça social em diversos contextos e dignidade da atuação. Para além do conhecimento explicitado no Código e Resoluções do CFP, é de responsabilidade do psicólogo aperfeiçoar as competências necessárias para que desenvolva repertório suficiente que o permita agir diante de dilemas éticos (MUNIZ, 2018). Durante este processo cabe ao profissional avaliar, promover e acompanhar o amadurecimento da relação de vínculo emocional e afetivo entre as partes, desmistificar preconceitos quanto à história pré-adotiva da criança ou adolescente, despir-se de seus preconceitos e observar a situação através de uma perspectiva ampla, ética e sensível. Neste ponto evidencia-se a importância da formação em avaliação psicológica, bem como reciclagem e atualização profissional, como variável para diminuição das infrações éticas.
Referências:
SILVA, Cintia Liana R. Psicologia de Família e Adoção: Avaliação Psicológica para Adoção. Joinville, SC. Disponível em:
BRASIL. Lei nº 13.509, de 20 de novembro de 2017. Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Diário Oficial da União, Brasília, 22 de novembro de 2017; 196º da Independência e 129º da República.
CECÍLIO, M. S.; SCORSOLINI-COMIN, F. Avaliação de Candidatos Pretendentes no Processo de Habilitação para Adoção: Revisão da Literatura. Psico-USF, Bragança Paulista, v. 23, n. 3, p. 497-511, jul./set. 2018.
ALVARENGA, L.; BITTENCOURT, M.I. A delicada construção de um vínculo de filiação: o papel do psicólogo em processos de adoção. Pensando fam. vol.17 no.1 Porto Alegre jul. 2013.
ERTHAL, T. C. MANUAL. DE PSICOMETRIA. 8° Edição, 2003.
TAVARES, Marcelo. A entrevista clínica. In: CUNHA, Jurema Alcides. Psicodiagnóstico – V. 5 Porto Alegre: Artmed, 2008, p.45 – 56.
MUNIZ, Monalisa. Ética na Avaliação Psicológica: Velhas questões, Novas reflexões. Psicol., Ciênc. Prof. (Impr). Out-Nov. 2018.
BRASIL. Lei nº 10.447, de 9 de maio de 2002. Institui o Dia Nacional da Adoção. Brasília, DF: Presidência da República, 1990.
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Reflexões sobre o processo de individuação na perspectiva junguiana: relato de experiência
2 de julho de 2022 Alciléa Carvalho Silva Cruz
Relato
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O presente relato versa sobre a experiência vivenciada no encontro presencial do Grupo de Estudos em Psicologia Analítica do Tocantins – Quíron – do curso de Psicologia, do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA), realizado no dia 07 de maio de 2022, das 10h30 às 12h30, na Livraria Leitura, na Cidade de Palmas/TO. O encontro se deu no formato de roda de conversa, mediado pelo professor Sonielson Luciano de Souza, e teve como temática de discussão a obra de Murray Stein “Jung e o Caminho da Individuação: uma introdução concisa.” (STEIN, 2020), com objetivo de discutir sobre as etapas do processo de individuação.
No primeiro momento, o professor trouxe os principais recortes junguianos sobre o conceito de individuação, apresentados na referida obra. A partir de sua explanação, entendemos por individuação o processo de autoconhecimento que nos permite o encontro com nossa realidade e singularidade, com os nossos próprios desejos, para que possamos nos tornar uma pessoa autêntica e viver em busca de nossa autorrealização.
De acordo com Jung, a individuação é um processo dinâmico e permanente, uma tendência inata, de nos tornarmos conscientes e desenvolvermos a nossa consciência ao longo de nossa vida. Para isso, precisamos reconhecer e dialogar com o nosso self, isto é, com o nosso próprio “si-mesmo” (STEIN, 2020). No entanto, compreendemos que não é possível reconhecer toda a potencialidade do self, mas podemos identificar e integrar partes dele.
Fonte: Imagem de JL G por Pixabay
O self é a dimensão mais profunda do ser humano, uma estrutura psíquica que possui uma identidade consciente específica e gerencia a nossa personalidade, sobretudo os seus processos inconscientes (STEIN, 2020). Portanto, reconhecer e integrar o self consiste em “tomar consciência do que nos é dado, quer proceda da biologia, da história pessoal ou coletiva, ou do incessantemente criativo inconsciente, e desenvolver o que recebemos da melhor maneira possível” (STEIN, 2020, p. 12).
No segundo momento, foi proposto a discussão sobre três questionamentos relativos ao processo de individuação do paciente/cliente, percebido pelos psicólogos e estagiários de Psicologia na prática clínica: “se o paciente/cliente reduz a sua função egóica ou percebe que há algo além (self), se ele(a) está disposto(a)a fazer esse encontro com o self” e se está disposto(a) a pagar o preço. Através dos relatos percebemos que muitos pacientes/clientes tendem a persistir na não compreensão de si mesmo e a racionalizar o seu processo de vida, devido à dificuldade e/ou o medo de confrontar a sua realidade, de fazer o ‘mergulho’ em si mesmo e de reconhecer a sua sombra.
O termo “sombra”, na psicologia junguiana, diz respeito aos conteúdos reprimidos no inconsciente. Esses conteúdos são diversos e se referem a todos os aspectos de nossa personalidade que recusamos a reconhecer, tanto características negativas e positivas, quanto pensamentos, sentimentos, emoções, desejos e situações vivenciadas como traumáticas. Todavia, eles se manifestam de alguma forma para nós, sobretudo por meio dos sonhos e de nossas projeções (STEIN, 2006).
Nesse sentido, os diálogos nos possibilitaram uma reflexão importante: o processo de individuação é do paciente/cliente e cabe ao psicólogo reduzir a sua expectativa em relação ao processo terapêutico. Portanto, ele deve acolher o indivíduo (fazer a função ‘continente’), favorecer a construção do vínculo e da transferência positiva (que leva certo tempo e pode ocorrer ou não), e desenvolver sensibilidade e intuição para identificar o melhor momento e a melhor forma de intervir, por meio da dialética e de outras estratégias terapêuticas, sugeridas pelo método analítico, conforme as necessidades e as predileções de cada paciente/cliente.
Fonte: Imagem por storyset no Freepik
No terceiro momento, as discussões foram focadas na persona, um termo que Jung se apropriou e o amplificou no contexto psicológico. Nesse sentido, significa “pessoa tal como se apresenta, não a pessoa como ela é”. Trata-se de um “constructo psicológico e social adotado que se relaciona com o desempenho de papéis na sociedade” (STEIN, 2006, p. 102).
Na clínica, é comum a hiperidentificação do paciente/cliente com as suas personas e, muitas vezes, isso ocorre de forma inconsciente. A esse processo Jung denominou de fixação ou possessão, ou seja, quando a pessoa está fixada em uma persona ou possuída por ela (STEIN, 2006). Logo, é uma das metas da individuação reconhecê-las e aprender a transitar entre elas de acordo com as exigências de cada situação, de forma consciente, sabendo que elas são parte de sua personalidade e não a sua totalidade. A esse processo Jung denominou função transcendente – capacidade de transcender as fixações e encontrar o meio termo. E isso só é possível quando existe um diálogo entre o consciente (ego) e o inconsciente (self).
Por meio dessas reflexões compreendemos que a individuação é um processo constante e dinâmico, que envolve todos os aspectos de nossa vida e nos permite lidar com os conflitos intrapsíquicos e interpessoais, de modo que possamos negociar os nossos próprios desejos com as exigências sociais e viver uma vida que faça, verdadeiramente, sentido para nós.
REFERÊNCIAS
STEIN, M. Jung e o caminho da individuação: uma introdução concisa. Tradução de E. L. Calloni. São Paulo: Cultrix, 2020.
STEIN, M. Jung e o mapa da alma: uma introdução. Tradução de A. Cabral. 5ª ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
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Desigualdades Sociais e Saúde: um panorama inconveniente
A obra “Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde“ (Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009), da médica Rita Barradas, com experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Epidemiologia, é organizada em seis capítulos, que apresentam informações detalhadas, baseadas em pesquisas e estudos quantitativos, sobre como a desigualdade social faz mal à saúde e o por que da sua ocorrência.
As desigualdades sociais são amplas e envolvem as desigualdades de classe social, de raça ou etnia e de gênero. Sendo um livro que contém dados quantitativos sobre os fatos é possível ser comprovado as hipóteses do senso comum e se surpreender com outras, como riqueza e bem-estar não é necessariamente uma relação mútua. O livro retrata sobre os impactos que essas desigualdades causam na saúde (patologias causadas pela insalubridade, pelo estresse, pela falta de informações entre outros fatores).
Fonte: encurtador.com.br/msvT0
O primeiro capítulo tem como título: ‘O que queremos dizer com desigualdades sociais em saúde?’. Desigualdades sociais, nesse contexto, são diferenças no estado de saúde entre grupos definidos por características sociais, tais como riqueza, educação, ocupação, raça e etnia, gênero e condições de local de moradia ou trabalho. A palavra desigualdade está se referindo às situações que implicam algum grau de injustiça, isto é, diferenças que são injustas porque estão associadas a características que sistematicamente colocam alguns grupos em desvantagem com relação ao acesso à saúde. Em todas as sociedades as situações de risco, dos comportamentos relacionados à saúde e o estado de saúde física e mental tendem a variar entre os grupos sociais, existe um gradiente entre as posições sociais e os efeitos sobre a saúde e não há um limiar a partir da qual as diferenças desaparecem.
Na falta de uma teoria, tenta-se explicar as desigualdades sociais em saúde de maneira relativamente simplista. Como a explicação de que os serviços à saúde é diferenciado para os vários grupos e, portanto, os efeitos são decorrentes de problemas na utilização dos recursos disponíveis, mas esta explicação é derrubada pela constatação de que as desigualdades não desaparecem países em que existe sistemas nacionais de saúde com garantia de acesso universal para todos os grupos sociais. Esta e outras explicações, como: a doença como principal determinante da posição social, estilo de vida e explicações baseadas em fatores genéticos não são válidas para compreender as desigualdades sociais em saúde e deixa clara a necessidade de estudos que possibilitem a compreensão desse fenômeno.
Há quatro teorias principais que visam fornecer elementos para compreensão do processo de produção da saúde e da doença e seus reflexos sobre a distribuição do estado de saúde na população. A teoria mais antiga e mais facilmente aceita é a estruturalista ou materialista, que confere maior importância à estrutura econômica da sociedade. De acordo com ela o montante de renda ou riqueza dos países grupos sociais dos indivíduos é o principal determinante do estado de saúde, a falta ou insuficiência dos recursos materiais para enfrentar de modo adequado os estressores ao longo da vida acaba por produzir a doença e diminuir a saúde, essa teoria é capaz de explicar a grande parte das desigualdades mas tropeça diante do paradoxo de que nem sempre a riqueza de um país vem acompanhada de melhor nível de saúde.
Fonte: encurtador.com.br/beCFK
Outra teoria desenvolvida para enfrentar o paradoxo entre riqueza e nível de saúde é a psicossocial. Ela dá mais importância à percepção da desvantagem social como fonte de estresse desencadeador de doenças. Na América Latina a discussão sobre as desigualdades sociais vem sendo feita principalmente à luz da teoria da determinação social do processo saúde-doença. Essa teoria analisa a constituição do próprio sistema capitalista com ênfase aos mecanismos de acumulação do capital e à distribuição de poder, prestígio e bens materiais deles decorrentes. A posição de classe e a reprodução social passam a ser vistos como os principais determinantes do perfil de saúde e doença.
E por fim a teoria ecossocial que chama a atenção para processos de incorporação pelos organismos humanos dos aspectos sociais e psíquicos predominantes no texto nos quais os indivíduos vivem e trabalham, esta teoria considera impossível a separação entre o biológico, o social e o psíquico.
Fonte: encurtador.com.br/efOR5
As quatro teorias apresentadas compreendem o processo saúde-doença como intrinsecamente histórico, isto é, determinado pelas condições estruturais e conjunturais em que vivem as populações humanas. As relações econômicas, sociais e políticas afetam a forma como as pessoas vivem e seu contexto ecológico e, desse modo acabam por moldar os padrões de distribuição das doenças, sendo assim toda e qualquer doença e sua distribuição populacional produtos da organização social, o que significa que todos devem ter acesso e utilizar os serviços indispensáveis para resolver as suas demandas de saúde, independente do grupo social ao qual pertençam, e aqueles que apresentam maior vulnerabilidade em decorrência da sua posição social devem ser tratados de maneira diferente para que a desvantagem inicial possa ser reduzida ou anulada.
No segundo capítulo fala sobre a posição social, de acordo com a concepção de Marx, e Weber e seus reflexos sobre a saúde. As explicações sócio-históricas das desigualdades em saúde baseiam-se na ideia de que saúde é um produto social e algumas formas de organização social são mais sadias do que outras. Assim, os mesmos processos que determinam a estruturação da sociedade são aqueles que geram as desigualdades sociais e produzem os perfis epidemiológicos de saúde e doença. Conceito-chave nessas abordagens é o processo de reprodução social que por sua vez implica a reprodução de diferentes domínios da vida como a reprodução biológica do indivíduo o das relações com o ambiente e o da cultura.
Fonte: encurtador.com.br/qGMY1
Todos esses processos produzem impactos sobre a saúde e a doença dos indivíduos, cujo resultado final será a preservação da saúde, a ocorrência da doença ou agravos à saúde. Na concepção marxista as classes sociais são definidas como grandes grupos de indivíduos que se diferenciam entre si pela posição que ocupam no sistema de produção historicamente determinado, pelas relações que estabelecem com os meios de produção, pelo papel que desempenham na organização social do trabalho e pelo modo como se apropriam de parte da riqueza social.
O conceito engloba as dimensões econômicas, sociais jurídicas, políticas e ideológicas. O conceito de classe social é importante para que possam pode ser identificados grupos definidos a partir de seus vínculos sociais estruturais que são os determinantes mais imediatos das condições de vida das famílias e, portanto, da situação de saúde dos indivíduos.
Na concepção weberiana a posição social dos indivíduos decorre da classificação segundo três dimensões: classe econômica, prestígio e poder político. Os estratos sociais são compostos por indivíduos que compartilham determinadas características de inserção econômica (ocupação), prestígio social (escolaridade) e poder ou riqueza (renda), características essas utilizadas para alocá-los em uma escala ou gradiente de valores crescentes ou decrescentes.
As desigualdades sociais em saúde podem se manifestar em relação ao estado de saúde e ao acesso e uso de serviços de saúde para ações preventivas ou assistenciais. Na população brasileira segundo dados da pesquisa Mundial de Saúde a auto avaliação do estado de saúde varia marcadamente com o nível de escolaridade, a prevalência de doenças crônicas também varia com os anos de escolaridade após ajuste por idade. E uso de serviço de saúde também é influenciado pelo grau de escolaridade mas as diferenças são muito menores a criação do Sistema Único de Saúde possibilitou o acesso para a grande maioria da população brasileira.
Fonte: encurtador.com.br/hsA19
A análise dos eventos de saúde em relação ao local de moradia tomando o espaço geográfico como um indicativo das condições de vida da população que nele reside mostra que os indicadores socioeconômicos dos países têm impacto sobre o nível de saúde da população. As desigualdades sociais em saúde repetem-se também no interior dos países em suas regiões e cidades. Há um nítido gradiente de mortalidade infantil que acompanha o PIB per capita em cada capital brasileira, mostrando que quanto maior riqueza menor a taxa de mortalidade infantil.
A posição social dos indivíduos e grupos sociais, medida por indicadores de classe social, variáveis isoladas como escolaridade e classes ocupacionais, ou a partir das condições de vida em determinados espaços geográficos, é um poderoso determinante do estado de saúde das populações, atuando sobre o perfil de morbidade e mortalidade e também sobre o acesso e utilização dos serviços de saúde. Há inúmeras investigações científicas demonstrando a existência das desigualdades sociais em saúde buscando modelos de interpretação para as mesmas, procurando entender os processos sociais e processos mediadores entre as condições concretas de vida e a saúde no âmbito populacional.
Neste capítulo (Ser rico faz bem à saúde?), o terceiro, Barata adentra a correlação comumente feita seja de que a riqueza traz mais qualidade de vida a partir do pressuposto de que se pode evitar situações como fome, doenças atribuídas a pobreza e a morbidade em geral, as pesquisas em diferentes países indicam que uma coisa não necessariamente está atrelada a outra, pois as correlações não indicam necessariamente causalidade.
As comparações seriam viáveis, no entanto, se existissem no âmbito de análise que se restringe apenas aos países desenvolvidos, onde o índice de riqueza absoluta atesta para as necessidades sociais básicas como atendidas. Em 1980, Wilkinsons demonstrou, após pesquisar nove países desenvolvidos, que menores taxas de mortalidade infantil estavam mais ligadas a uma boa distribuição de renda do que, de fato, PIB per capita. Outros estudos mostram que embora o nível de satisfação e bem-estar geral aumente com o acúmulo de riqueza no país, estes níveis são bem maiores em países com uma boa distribuição de renda. Temos, portanto, que uma boa distribuição de renda traz, no geral, mais benefícios quanto à saúde do que aumento de riqueza absoluta de um país.
Fonte: encurtador.com.br/cFXYZ
O quarto capítulo aborda as influências dos grupos étnicos nas desigualdades sociais na posição social, na saúde e na inserção social. Existe uma complexidade em explicar as causas das desigualdades étnicas e/ou raciais, pois ela abrange vários aspectos, como o contexto socioeconômico, histórico, político e cultural.
Essas visões de mundo que competem na explicação das desigualdades e iniquidades sociais, entretanto, não dão conta das iniquidades relacionadas com o pertencimento a determinados grupos étnicos, uma vez que os indivíduos não são livres para escolher a qual grupo pertencer, nem esta determinação está relacionada diretamente com a posição de classe. Qualquer consideração das desigualdades sociais em relação a grupos étnicos carrega a dupla determinação: a posição social que tais grupos ocupam na sociedade e a aceitação/rechaço que possam ter frente aos grupos majoritários (BARATAS, 2009, p. 56).
A raça ou etnia não é definida biologicamente, mas sim como uma construção sociopolítica, que dividiu grupos de acordo com suas peculiaridades (costumes, crenças, cor). Essa construção sociopolítica tem impacto nas condições de saúde, no acesso ao mesmo e também contribui para que esse grupo seja inserido na sociedade da pior maneira. O Brasil não tem uma segregação racial explícita, ele é considerado como um país miscigenado e multicultural (e ele é), porém é notório que as minorias étnicas sofrem uma desvantagem social. A maioria dos negros encontram-se presentes nos bairros periféricos, têm menor escolaridade, têm pior acesso ao trabalho, saneamento básico, saúde, educação e seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é inferior aos demais povos.
A discriminação é uma ideologia que se apresenta através das interações, tendo uma dominação, à custa das minorias, dos grupos superiores a frente dos outros, privando-os e os excluindo. O racismo é uma forma de discriminação, onde as vítimas são as minorias étnicas. Um dos aspectos fundamentais dos direitos humanos é a igualdade no tratamento, não podendo então haver nenhum tipo de discriminação, seja ela qual for.
Fonte: encurtador.com.br/boFY2
O quinto capítulo refere-se a gênero e sua relação com as desigualdades sociais. Embora a palavra ‘gênero’ possua diferentes significados dentro do seu contexto de utilização, biológico, gramatical ou da saúde, em termos gerais significa conjunto de objetos ou seres que possuem características compartilhadas e têm mesma origem. No âmbito da saúde, a palavra gênero vem para contrastar o masculino e o feminino, seus comportamentos no contexto social e para o acesso aos serviços de saúde.
Segundo a epidemiologista Nany Krieger, o termo gênero passa a ser usado na saúde a partir do ressurgimento do movimento feminista em meados do séc. XX. Essa inserção vem calcada na observação de inserção dos gêneros nos papeis sociais e sua repercussão dentro da saúde coletiva. Para Krieger, somos todos sexo e gênero. Sexo biológico, que influencia algumas de nossas condições de saúde, mas também gênero, este uma construção social, processo sociocultural, que define os papeis masculinos e femininos na sociedade e define as relações entre ambos.
A importância de salientar as diferenças entre os conceitos se dá pois um não toma o papel do outro, a variável sexo não dá conta das questões de gênero enquanto saúde, por um ser um processo sociocultural. Esse ressurgimento dos movimentos feministas no séc. XX vai atribuir uma grande importância ao gênero dentro do sistema de saúde e dos processos saúde-doença e seus atendimentos, pois ao nascer o indivíduo já está inserido neste paradigma e as suas consequências são inevitáveis, seja na questão social, cultural, da saúde etc. Como essas relações construídas permeiam todos os aspectos sociais, é impossível não levar em consideração quando se pensa em saúde pública e suas políticas.
Levando essas diferenças para o âmbito da saúde, as pesquisas indicam que há uma maior taxa de mortalidade para o gênero masculino em todas as faixas etárias, tirando situações com onde o infanticídio feminino e precariedades no parto são grandes. Esses dados, no entanto, refletem a diferença de gênero, pois não seria uma questão do sexo biológico, mas sim do gênero e sua imposição em relação à identidade cultural, nos trabalhos insalubres, na construção social, modo de vida etc. Paradoxalmente, o gênero feminino possui indicadores de saúde menores e recebe menos por horas de trabalho efetuadas, ao ponto que o homem recebe mais com menor grau de exigência e maior autonomia, sendo que as mulheres geralmente são forçadas a exercerem cargos com trabalhos mais monótonos e de perspectivas mais curtas, vínculos trabalhistas mais precários e maior desgaste psicológico e emocional.
Fonte: encurtador.com.br/EHJQ0
Não apenas isso, mas o uso dos serviços de saúde também reflete diferenças socioculturais apontadas por questões econômicas, de idade, etnia e de gênero. Embora o uso de consultas médicas aumente consideravelmente com a condição socioeconômica, a presença majoritária é de mulheres, aumento da diminuição do contraste de gênero ao ponto onde a condição socioeconômica aumenta. Para o estado de saúde, a maior desigualdade de gênero é observada entre famílias com até dois salários mínimos, mas as condições de saúde ruins e regulares são encontradas nas famílias com renda média.
O gênero, enquanto construção social, parece adentrar as várias camadas da sociedade na dimensão macrossocial e microssocial, ao ponto que os gêneros representam seus papeis em diversas esferas, esses papeis que são impostos. Quanto ao sistema de saúde, a conclusão a que Barata (2009) chegou é de que não parece haver discriminação nos serviços de saúde quanto à gênero, uma vez que a maior utilização do sistema se dá pelas mulheres. No entanto, esse uso poderia ser decorrente das políticas públicas voltadas à saúde reprodutiva das mulheres, acarretando nesse maior uso das unidades de saúde.
No sexto e último capítulo, Barradas (2009) sugere algumas políticas para o enfrentamento das desigualdades. É necessário políticas públicas de controle à gravidez indesejada, incentivo ao pré-natal, possibilidade de boa alimentação, grupos informativos sobre tabagismo na gravidez, pois estes atos juntamente com a pobreza são fatores de risco para incidência de baixo peso em recém-nascidos.
Fonte: encurtador.com.br/juHP0
Existem três níveis diferentes de ação política para reduzir as desigualdades sociais, essas ações dependem do contexto social e político de cada país. As políticas macrossociais, como as políticas que modificam a estratificação social,as condições de exposições e vulnerabilidade dos grupos sociais ou políticas de saúde que ajam sobre as consequências ruins das desigualdades, minimizando seus efeitos impactantes. As políticas redistributivas têm positiva ligação com a menor mortalidade infantil, simultaneamente, o nível de distribuição de renda e a esperança de vida estão altas, tais acontecimentos são comuns nos governos social-democratas.
Os princípios para a ação política devem ser o compromisso ético com a equidade; a abordagem baseada em evidências científicas; a preocupação com todo o gradiente de desigualdades, e não apenas com os extremos da distribuição ou com as diferenças individuais; a atuação na vida cotidiana, pois é nela que experimentamos o impacto da estrutura social; e a consciência de que as evidências são importantes, mas há outros ingredientes na tomada de decisão, dentre as quais talvez a mais relevante seja a vontade de transformar as evidências disponíveis em estratégias para a ação. As experiências levadas a efeito para promover a equidade em saúde incluem políticas de redução da desigualdade de renda e de redução da pobreza, políticas fiscais progressivas, controle sobre o capital volátil, perdão da dívida e novas fórmulas de cálculo baseadas na atenção às necessidades básicas, políticas de redução da vulnerabilidade e investimentos em saúde (BARATAS, 2009, p. 101).
Temos ainda que:
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) é uma política setorial em que vacinas são disponibilizadas de forma continuada na atenção primária (ex. postos de saúde), tendo Campanhas de Vacinação para que a prevenção atinja toda a comunidade. Apesar da abrangência da vacinação, ela apresenta diferenças entre as camadas socioeconômicas da população. Algumas pessoas da classe alta não usufruem do PNI, não por falta de acesso às informações, mas por outros motivos, dentre eles, a desconsideração das vacinas tradicionais e a vacinação em setores privados. Já as pessoas de classe baixa não vacinam por falta de informações da gratuidade do serviço e dos seus direitos sociais. Assim, mesmo um programa de ampla abrangência como o de imunizações não consegue em sua execução superar todas as desigualdades geradas na estrutura social. O fato de pertencer a uma determinada classe ou estrato social significa não apenas poder desfrutar de determinadas condições materiais, mas também acaba por moldar toda uma visão de mundo com complexas implicações para a saúde (BARATAS, 2009, p. 104).
É indispensável a atenuação das desigualdades sociais com ofertas de serviços de saúde, quando outras medidas como a modificação da estratificação social e da vulnerabilidade dos grupos diferentes não atingem toda população. Além da inquietação em executar sistemas de saúde para proteção às famílias dos efeitos nocivos das doenças, há um cuidado para que as pessoas não sofram desigualdades sociais pelos profissionais dos serviços de saúde.
Fonte: encurtador.com.br/uBORZ
O sistema nacional de saúde com acesso universal juntamente com a distribuição correta de serviços e de equipamentos no espaço geográfico são essenciais para que os indivíduos os utilizem, independentemente de suas particularidades. Além do mais é necessário um preparo dos profissionais e das instituições de saúde para trabalharem da melhor forma. A obra de Barata é rica em informações sobre as desigualdades sociais — classe social, etnia, gênero e inserção social— que afetam negativamente à saúde, pois através dos fatos em que ela está embasada (estudos e pesquisas quantitativas), são vistos a veracidade da obra. A autora que é uma médica social mostra os impactos que as desigualdades sociais têm na saúde, de tal maneira que nos faz refletir sobre tais impactos, impulsionando-nos a contribuir para mudar essa realidade.
Os profissionais da saúde mental que agem especificamente no social são o psicólogo social e o comunitário, trabalhando diretamente com as pessoas que vivenciam, nitidamente, as desigualdades sociais, e que também sofrem, pois a demanda é grande e existem poucos profissionais para atendê-la e também demais fatores não colaborativos para melhor execução da profissão. Barata expôs as informações de uma maneira fácil para avaliação e compreensão das contingências envolvidas na saúde. Portanto, o ideal é que os profissionais da saúde tenham acesso ao conteúdo do livro. Além disso, o Ministério da Saúde deve implantar políticas públicas para amenização desse quadro.
REFERÊNCIAS:
BARATA, Rita Barradas. Como e Por Que as Desigualdades Sociais Fazem Mal à Saúde. 1ª Ed.Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009. 120p. (Coleção Temas em Saúde).
* Trabalho resultante da disciplina de Antropologia, ministrada pelo prof. Sonielson Sousa.
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Workshop online gratuito sobre o Processo Hoffman
29 de setembro de 2017 Encaso Comunicação Corporativa
Mural
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A teoria é referência mundial há mais de 50 anos para quem deseja encontrar o amor-próprio, a capacidade de assumir a liderança, a autonomia, dentre outros resultados positivos para melhorar o autoconhecimento em todas as áreas da vida
Em 2017 o Processo Hoffman celebra 50 anos e, como parte das comemorações, os principais pilares da metodologia serão abordados durante um workshop online, totalmente gratuito. A primeira videoaula estará disponível a partir do dia 02 de outubro, e ao todo serão quatro etapas, com duração de 40 minutos cada. O conteúdo pode ser acessado entre os dias 03 e 16 do mês e vai abranger os principais conceitos do método.
Vale lembrar que o Processo Hoffman – reconhecido pela Universidade da Califórnia (EUA) – já ajudou mais de 100 mil alunos, em 14 países, a ampliar os níveis de Autoconsciência e de Autoliderança, gerando resultados significativos em termos de empatia, liderança, perdão, espiritualidade, bem-estar, vitalidade e performance. No Brasil, a técnica é conduzida há cerca de 40 anos pelo Centro Hoffman (referência mundial em treinamentos de Autoconhecimento) – e é ministrado há mais de 25 anos por Heloísa Capelas, especialista em Autoconhecimento e Inteligência Comportamental e também autora dos best-sellers: “O Mapa da Felicidade” e “Perdão, a Revolução que Falta”.
É importante reforçar que o workshop passa pelos principais conceitos do Processo Hoffman, mas não traz a vivência que só é obtida fazendo o curso. Haverá novas turmas presenciais nos meses de novembro e dezembro.
1ª aula:O despertar da consciência (foco na reflexão e quebra de crenças), síndrome do amor negativo;
2ª aula:Usina geradora de energia (expressar e liberar o medo, ansiedade – liberar fisicamente);
3ª aula:Importância do perdão (o exercício de trazer o olhar para nós mesmos, a questão do perdão do pai e da mãe);
Sobre a diretora do Centro Hoffman no Brasil, Heloísa Capelas
Heloísa Capelas é especialista em Autoconhecimento e Inteligência Comportamental e diretora do Centro Hoffman no Brasil. Palestrante, coach, master practitioner em PNL, autora do best-seller “O Mapa da Felicidade” e coautora de mais sete livros sobre Gestão de Pessoas, Liderança e Inteligência Feminina. Em 2017, lançou o livro “Perdão, a revolução que falta”.
Heloísa Capelas. Fonte: goo.gl/UzRHH8
Sobre o Centro Hoffman
Fundado em 1978, o Centro Hoffman promove a reeducação emocional e o desenvolvimento da inteligência comportamental por meio do Autoconhecimento. Localizado no Alto da Lapa, em São Paulo, a instituição possui licença internacional para aplicar o Processo Hoffman no Brasil, que consiste em um programa educacional psicoemocional intensivo com efeitos positivos comprovados cientificamente pela Universidade da Califórnia (EUA) e ministrado em mais 14 países.
Processo Hoffman e seus Resultados Científicos
A Metodologia Hoffman tem qualidade reconhecida por centros acadêmicos de excelência*, como a Universidade da Califórnia (EUA) que destacou aumentos relevantes em Inteligência Emocional, satisfação de vida, compaixão, vitalidade e perdão combinados com reduções duradouras e significativas em aspectos como depressão, ansiedade e tendências compulsivas.
O estudo, publicado no jornal científico Explore, concluiu que na literatura mundial nenhuma outra intervenção ou tratamento produziu reduções significativas e duradouras nos aspectos negativos individuais, enquanto, simultaneamente, aumentou as características positivas.
Outros estudos também foram realizados em renomadas instituições ao redor do mundo, como a Universidade de Pittsburgh (EUA), Universidade de Münster (Alemanha) e Universidade Harvard (EUA).
Deitando-se nalgum momento perdido ao fim de um longo dia de trabalho, está o iniciado dos liceus, em vias de finalizar sua passagem por aqueles corredores, escadarias e prédios cinzas, residências de um saber continuamente (des)construído, e poucas vezes imprescindível ou necessário. Sua condição é esta, agora não mais com os olhos brilhantes de seu verdejar pela incontáveis páginas amarelas, encolhia-se em meio aos seus cobertores estragados, uma pequena luz adentrava seu quarto minúsculo, velado pela claridade turva do luar ao longe, um único desejo o preenchia: apagar, ao menos por alguns instantes, as tormentas elucubrativas que habitavam sua mente.
Aos inícios dos arrebois, lá estava novamente, perscrutando epitáfios e lápides, a partir das quais encontraria o que lhe convinha, esse era apenas o introito ao execrável ritual, após a abertura e escavação dos túmulos. Feita a exumação dos restos mortais era preciso, agora, escolher, pausada e calmamente, membros, tecidos e demais partes do finado, a serem levados em sua antiga carruagem, encostada às margens do lago próximo ao olvidado cemitério. Findada mais uma ida na terra da carne pútrefa, aguarda-se no reduto longínquo, em meio a turvos pesadelos e frios suores, o próximo ciclo notívago. Em seu laboratório, havia três grandes divisões dos materiais coletados todas as noites.
Nas prateleiras postas à parede mais escura, repousavam os fluídos necessários ao seu trabalho, de formol a ácidos, diferentes tipos sanguíneos e misturas rotuladas com códigos entendíveis apenas pelo executor do intento. Amontoados em caixotes de madeira, estavam partes diversas dos corpos vistoriados em longas horas passadas na necrópole: braços, pés, pernas, troncos inteiros ou repartidos, ocos ou ainda com remanescências do que eram, outrora, camadas de tecidos internos dos mais diversos. Em uma bancada mais limpa e apartada do restante da sala, estavam enfileiradas as cabeças, crânios, olhos e cérebros, submersos em pequenos potes, dentições e diversos tipos de cabelo, como se fosse possível extrair desta seção uma beleza moldada a passo lento dos escombros das vidas não mais existentes. Por fim, também cuidadosamente organizados em armários com portas de vidro, estavam os órgãos e demais repartições internas do que viria a ser a opus magnum do criador inominável, ao menos esse era o pensamento que o habitava e fazia suas pernas e braços, dedos e olhar ficarem magnetizados durante todo o processo de montagem da sua criatura singular e inigualável.
Na beirada da mesa central estavam todas as ferramentas, utensílios, manuais, e demais quinquilharias necessárias para se fazer toda a andadura do mise-en-scène do ser em nascituro, às agulhas, de diferentes tamanhos e espessuras, cabia um lugar especial, já que a costura das membranas, músculos, ossos e tendões, demandava mais apuro e precisão em cada uma das perfurações e incisões. Após dias e noites inteiras insones, o trabalho começava a chegar ao seu tão esperado fim, e com o monstro chegando (im) perfeito à sua plenitude, eis que o seu mostrar-se como tal, começava a esboçar os traços, feições e silhueta inconfundível.
Até então, não se sabia a decifração do éter espiritual, o sopro de vida que nos vem ao primeiro choro e derradeiro suspiro, mas em anos de estudos nos livros dos mestres mais sombrios, o aflito aprendiz chegara a chave da aldrava: eletricidade. Uma carga impensável mesmo naquela época, de ampla evolução tecnológica, capaz de deixar a mais iluminada das cidades em completa penumbra, e assim ocorreu no momento em que o botão fora, enfim, apertado. Acabado todo o processo, grita-se “Está vivo!”, no entanto, não há orgulho ou calmaria nas têmporas, o que restou à enrugada tez é o questionamento, louco e incontrolável, ao fitar o corpo costurado, preso à tábua defronte: a criatura aqui trazida à existência, em condições tão condenáveis e desprezíveis, é tão horrível quanto aquele que a recolheu da atemporalidade para este reino mundano?
Uma respiração sôfrega e pesada inicia-se. Agora, é tarde, está feito, por entre as feridas e costuras, o sangue ainda goteja, frio e denso, e movimentos frenéticos habitavam os olhos sedentos de liberdade abaixo das pálpebras. As horas da noite sem fim ainda passavam, e o prospecto de novo membro dos círculos acadêmicos ainda suava gelidamente, em meio aos espasmos musculares, sabendo que ao raiar a primeira luz do dia vindouro, havia de ter ainda muitas idas aos seus mestres mortos, aos textos ininteligíveis e à prisão linguística a que estava sujeito há anos, sem saber, sequer da validade ou propósito do que lia, via e, principalmente, escrevia.