Brasil: um país de “psicohipocondríacos”

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Estamos vivendo uma época muito boa para a psicologia, onde a popularização das profissões psi estão em alta. Já não se tem mais tanto estigma em relação a profissão. Não enxergam mais como loucos aqueles que fazem terapia e a profissão deixou de ser elitizada, fazendo com que as massas possam ter acesso à ela.

Porém, em relação a isso, algo deve ser visto com preocupação. A popularização das profissões psi também trouxeram uma popularização das doenças mentais. Vejo com extrema preocupação o grande número de “doentes” mentais ou psicológicos.

Com frequência temos ouvido algo como:

“Tomo 2mg de Clonazepam (Rivotril)  e você?”

“O médico passou 2mg, mas estou tomando 4mg. Mas estou tomando também 10mg de Metilfenidato (Ritalina) “

“Rivotris” e “Ritalinas” surgem de bolsas, mochilas, armários e caixinhas de remédio com uma força cada vez maior. Dividem espaço com dipironas e Dorflex em nossas farmacinhas dentro de casa e são distribuídos aos parentes como se fossem água.

Fazer uso desses fármacos tem gerado uma condição de status.

“Eu tomo Rivotril e você não.”

Em 2010 o Brasil consumiu 2,1 toneladas de Clonazepam, a droga da paz já é a segunda droga mais consumida, perdendo apenas para o anticoncepcional Microvlar (Super Interessante – Julho 2010).

Esse grande consumo do benzodiazepínico é muito facilitado devido ao baixo preço do fármaco e a facilidade com que as receitas do tarja preta são conseguidas.

Creio que a popularização das profissões psi seja muito benéfica. Porém devemos tomar muito cuidado com o que isso pode acarretar. Não podemos passar de um país que teme e sataniza as doenças mentais e as profissões psi, para um que os idolatra e diviniza.

Estamos nos transformando em um país “psicohipocondríaco”. E pessoas que antes não tinham nenhum problema com isso, lotarão nossas clínicas devido essa forma de histeria coletiva que tem nos assolado.


Nota: Texto originalmente publicado em http://psicologia-ro.blogspot.com.br/2012/08/brasil-um-pais-de-psicohipocondriacos.html

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Início, Meio e um Longo Caminho

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Primeiro: vai dar tudo errado. Não porque você não é capaz, não por causa do sistema, não porque as pessoas desistem do atendimento antes mesmo de iniciar. Vai dar tudo errado porque é exatamente aí que você precisa olhar para ver onde vai acertar.

Segundo: vai ser de um extremo ao outro. Se no começo foi complicado, o meio será confuso. Você terá a opção de desistir e a opção de continuar, mesmo depois de receber alguns “nãos”, mesmo passando a maior parte do tempo debruçado sobre uma mesa ou tentando, de todas as formas, montar algum grupo terapêutico ou continuar com o atendimento do sujeito que já esperou tempo demais e agora sentencia: “Não, já tô bem”.

Terceiro: você vai se sentir finalmente na sua profissão. Poderá chegar à quase certeza de que é realmente naquela área que quer, ou não, trabalhar. “Quase” porque ainda tem muitas coisas para aprender e conhecer sobre o leque de oportunidades que a Psicologia oferece. Poderá entender alguns empecilhos do tal Sistema e quem sabe irá chegar à conclusão de que essa é a melhor profissão que você poderia ter escolhido.

Por último: vai ver que, mesmo arrastando alguns meses de frustração, mesmo achando que as coisas não estão indo para frente e tendo a sensação de que você só está ali dentro enrolando e passando o tempo – ainda que as 8 horas semanais pareçam sem sentido – no final, vai entender que o que você fez foi muito, mesmo parecendo pouco. E esse pouco valeu todo seu primeiro estágio em “Ênfase”. Sua primeira experiência na prática.

Então a gente começa a entender a fala de Rubem Alves, quando diz: “O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio”.

Primeiro aprendemos a arte de escutar, para depois então a maestria de falar.

 

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“Orientação Profissional: a Abordagem Sócio-Histórica”: autoreconhecimento e informação

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O texto traz uma reflexão acerca dos principais tópicos apresentados no livro: Orientação Profissional: A abordagem Sócio-Histórica de Silvio Bock, frisando especificamente a importância do autoconhecimento e da informação profissional na hora de o jovem escolher uma profissão.

Hoje, mais do que nunca, em nossa sociedade, os jovens vivem o grande desafio da corrida acelerada na busca da auto-afirmação profissional com seu engajamento no mercado de trabalho. E, considerando que a escolha profissional ocupará dois terços da vida do jovem, uma decisão maquinal e, muitas vezes, de cunho emotivo, sem analisar a futura profissão de forma minuciosa, ponderando também questões subjetivas, aumenta a probabilidade de frustração quanto à carreira e a realização pessoal.

A escolha de uma profissão é resultado de toda a bagagem histórica e cultural do indivíduo. Desde a fase escolar a criança já faz menção do que almeja ser quando crescer, essa escolha está pautada em suas relações familiares e sociais, exercendo influência direta em seu futuro, e na forma como constitui sua individualidade.

O mercado de trabalho influencia a escolha de uma profissão ao impor vagas que, nem sempre, vem de encontro com a aquilo que o individuo se identifica realmente. As leis de oferta e demanda de profissões acabam influenciando decisões de cunho emocional, visando apenas status social e retorno financeiro. A sociedade, as mídias televisivas e a família contribuem nessa decisão precipitada, obrigando o jovem a optar por profissões para as quais não tem nenhuma aptidão, gerando desgaste, stress e perca de um tempo, que muitas vezes, poderia ser mais bem empregado na busca pela profissão almejada.

O jovem sempre cria uma imagem idealizada de cada profissão. Sílvio Bock (2002) chama essa imagem idealizada de “Cara”.

 “A cara é resultado do contato direto ou não, como já afirmado, que ela teve com a área do profissional. Esta cara não é verdadeira nem falsa, não é nem mais próxima nem mais distante da realidade, não é correta ou incorreta, é simplesmente uma cara que deve ser trabalhada. As pessoas se identificam ou não com essas caras. É interessante perceber que essas caras são constituídas na interiorização e singularizarão do vivido, por isso são diferentes para cada pessoa. (BOCK, Orientação Profissional: A abordagem Sócio-Histórica, 2002, p. 81).

A escolha profissional sempre remete a condição social do individuo, e serve como subsidio para reforçar no jovem sua identidade e posição social.

Para Sílvio Bock (2002), A Orientação Profissional, nesse contexto de escolha profissional, pretende proporcionar ao sujeito, meios de se autoconhecer, pois, segundo ele, só desta forma o jovem terá ferramentas necessárias para buscar uma profissão numa área com a qual se identifica, seja ela: humanas, exatas ou biológicas. Vale ressaltar que, por mais lógica e racional que seja a escolha profissional, não se pode afirmar que ela seja totalmente correta ou errada. No meio do percurso o indivíduo pode mudar de idéia, e descobrir uma nova profissão com a qual se identifica, surge nesse momento uma nova indagação: Mudar ou não de profissão?

A Orientação Profissional apenas diminui a probabilidade de uma frustração, proporcionando ao individuo meios para escolher de forma coesa a profissão com a qual mais se identifica, e sem ignorar informações relevantes a respeito dela, tais como retorno: financeiro, ofertas de vaga no mercado de trabalho, realização pessoal, etc. A esse respeito, Sílvio Bock (2002), afirma que: “A melhor escolha profissional é aquela que consegue dar conta do maior número de determinações para, a partir delas, construir esboços de projeto de vida profissional e pessoal”.

O autoconhecimento e a informação profissional, portanto, usados como método de prática da Orientação Vocacional, têm como objetivo auxiliar o sujeito quanto à escolha de uma profissão. Pois o mais importante não é apenas escolher uma profissão lucrativa, ou em uma área que se tenha afinidade. O casamento das duas alternativas é que proporcionará ao individuo melhor oportunidade de sucesso. Para Silvio Bock (2002), a escolha profissional é sempre um ato de coragem.

Nota: Trabalho realizado e apresentado à Professora Nara Wanda Zamora Hernandez, da disciplina Psicologia Sócio-Histórica, do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA.

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A Saúde Mental e a Universidade

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No decorrer da história, as manifestações contrárias ao poder político e aos costumes eram fáceis de ser julgadas e punidas. Afinal, as regras foram feitas pela sociedade, que também estabelecia formas para exigir respeito. Mas, as transgressões individuais causadas por atitudes fora dos padrões comportamentais, considerados normais, provocavam medo e desconfiança e eram tratadas como loucura, bruxaria, satanismo, enfim anormalidades.

A sociedade evoluiu e com os avanços do conhecimento e da tecnologia é possível chegar mais próximo do ser humano, com maior clareza e precisão para analisar e entender seu comportamento sem medo ou superstição. A Psicologia busca compreender as emoções, a forma de pensar e o comportamento do ser humano. Embora existam diversas áreas e linhas de atuação, a Psicologia busca o conhecimento e o desenvolvimento humano, individualmente ou em grupo.

Nesta entrevista, o psicólogo César Gustavo Moraes Ramos fala sobre Saúde Mental e o papel da Universidade na formação profissional

Foto: Márcio Di Pietro

Nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 33 anos, formado em Psicologia e mestre em Ciências Criminais pela PUC do Rio Grande do Sul, César mora no Tocantins desde 2009, quando assumiu a Coordenação do Curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra. Com atuação nas áreas da educação, direitos humanos, clínica, segurança, gestão pública e na parceria com empresas nas avaliações das instituições, César gosta de música e faz questão de apreciar os sons analógicos dos discos de vinil.

(En)Cena – Quais os conceitos de Saúde Mental e Transtorno Mental?

César Ramos – Quero fugir dos conceitos da Organização Mundial da Saúde ou outros órgãos de saúde. Saúde Mental é um bem estar físico e social. É quando nós estamos bem com nós mesmos e com a comunidade a que pertencemos. O transtorno mental seria uma ideia de sofrimento psíquico. Na realidade, o transtorno mental apresenta-se em uma série de patologias, mas nós não precisamos trabalhar sempre com o  conceito de patologia. Podemos trabalhar com o conceito de sofrimento que implica uma grande mudança na percepção dessa temática.

(En)Cena – Como uma pessoa descobre que está com algum tipo de transtorno mental?

César Ramos – Nossos códigos patológicos – CID-10 e DSM – pautam uma série de procedimentos para identificar pessoas com transtornos mentais, eles trazem vários tipos de sintomas catalogados, como por exemplo: questões de movimentos estereotipados, de percepção ou alucinações. Mas hoje, para identificarmos uma pessoa com transtorno ou alguma patologia, nosso olhar deve estar mais focado para o âmbito do sofrimento e da adaptação dos espaços que ela ocupa. Na realidade nós vamos ter que perceber o quanto uma pessoa cria elementos que dificultam a convivência dela em sociedade ou de pessoas que vivem com ela. Temos que tomar muito cuidado com a questão do etnocentrismo, devemos recordar que o conceito de patologia não é asséptico e recebe interferências que vão desde questões sociais, antropológicas, históricas até desdobramentos que as inovações tecnológicas proporcionam. Mas a questão do sofrimento psíquico pode ser resumido a grosso modo da seguinte maneira: É o momento que nós começamos a ter atos ou situações que nos causam prejuízos nas diversas áreas da nossa sociabilidade.

(En)Cena – A psicologia tem alguma relação com a filosofia?

César Ramos – A psicologia nasce neste intrincado, neste caldeirão que vai desde a fisiologia até os estudos culturais. Ela é fruto tanto da filosofia quanto da biologia. E isso reflete muito na formação do profissional, por exemplo, a faculdade que estudei, no Rio Grande do Sul sofreu uma forte influência do movimento geopolítico que ocorreu na Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Houve uma migração muito grande de pensadores para o sul da América Latina. Porto Alegre devido a sua proximidade com Buenos Aires e Montevidéu, recebeu uma influência muito grande da psicanálise que está próxima da filosofia e do estudo cultural. É diferente de outras regiões no Brasil que sofreram uma influência grande dos estudos desenvolvidos na América do Norte que estavam mais próximos do âmbito da biologia.

(En)Cena – Com a Reforma Psiquiátrica, amparada pela lei 10.216/2001, que modificou o enfoque da Política Pública da Saúde na questão da Saúde Mental, quais foram as mudanças que a Universidade teve que fazer em sua grade curricular?

César Ramos – As principais mudanças foram identificar as problemáticas do modelo asilar e do modelo hospitalocêntrico na questão da Saúde Mental. Vivemos assim até os anos 80 e 90 no Brasil. Hoje passamos para o modelo de atenção psíquico-social, onde a pessoa portadora de sofrimento não é isolada de sua comunidade, não é desmantelada dos seus vínculos e principalmente não é observada pela patologia. A patologia é parte integrante dela e não o principal elemento de sua identidade.

Na universidade, o Curso de Psicologia passou por uma grande mudança, marcada em 2004, onde se reformularam as diretrizes curriculares nacionais. O Curso de Psicologia passa a ser um curso generalista. Antes a formação em psicologia no Brasil era pautada pelas grandes escolas de pensamento que cada universidade adotava. Era como se todas as multiplicidades de áreas e âmbitos da psicologia fossem observadas por apenas um tipo de lente, um formato de óculos. Hoje temos o desafio de instrumentalizar o aluno com inúmeras lentes para que ele possa perceber qual o óculos mais se identifica.

Foi este marco de 2004 que fez acabar com esta cristalização das verdades, onde cada universidade seguia uma corrente e estavam mais próximas das escolas de pensamento do que realmente da multiplicidade de áreas e de oportunidades que um profissional da psicologia pode ocupar.

Situando a questão da Saúde Mental devemos perceber que tal política acompanha um movimento maior, uma mudança de perspectiva do Sistema Único de Saúde onde nós, brasileiros, durante muito tempo investimos nas altas complexidades. A nossa referencia era o hospital, o distanciamento do paciente, o deslocamento dele. Assim criamos nossos laboratórios, tiramos as pessoas das ruas e as colocamos – com discurso humanista – dentro de um espaço onde vamos tratá-las, mas manipulando-as como se fossem objetos.

Essa mudança sai da idéia de uma medicina voltada para alta complexidade e para outra que começa a se pautar na prevenção e na atenção básica.

(En)Cena – A matriz curricular do Curso de Psicologia do Ceulp Ulbra contempla a realidade da Saúde Mental?

César Ramos – Temos os estágios, que é oportunidade dos estudantes trabalharem dentro das políticas publicas em Saúde Mental, nos Caps, na rede integrada do Sistema Único de Saúde. Temos as disciplinas iniciais e finais que colocam o aluno em contato com estas instituições. Temos disciplinas exclusivas para a temática mas não podemos esquecer que esse tema deve ser transversal porque pauta a psicologia pela perspectiva dos Direitos Humanos. A diferença está na mudança de olhar a partir deste marco institucional que é a Lei 10.216/2001, os movimentos sociais que desencadearam esse marco causaram um impacto muito grande na nossa formação do profissional de psicologia.

César Ramos em atividade como Coordenador do Curso de Psicologia do CEULP/ULBRA

Foto: Márcio Di Pietro

(En)Cena – Como o curso está atuando em relação ao mercado de trabalho. Existe alguma política de inserção do aluno no mercado de trabalho?

César Ramos – A universidade se divide em ensino, extensão e pesquisa. O mercado de trabalho está cada vez mais fluído, cada vez mais acelerado, aliás, aceleração é uma das principais marcas do nosso espaço-tempo, da nossa contemporaneidade. Cientes disso notamos, por exemplo, que no inicio do curso de psicologia há 11 anos atrás nossos alunos eram absorvidos pelo mercado na gestão de recursos humanos, no recrutamento e seleção pelas consultorias empresariais. Hoje percebemos que o nosso aluno é mais absorvido nas políticas publicas de assistência social, onde ele vai trabalhar num centro de assistência social, num centro especializado com questões de violência, de abandono, etc. Todavia as possibilidades são diversificadas temos egressos desenvolvendo atividades em todas as áreas clássicas da psicologia.

Nossa equipe de professores tem a clareza de que devemos preparar o aluno para enfrentar as dificuldades e para conseguir inclusive elaborar e empreender ações diferenciadas, porque onde existem pessoas, existe a psicologia, existe a possibilidade de trabalho. Independente do nosso olhar de mercado de trabalho o curso não está focado para o emprego, ele está focado para as possibilidades. Novamente, estamos cientes da fluidez do mercado e de que esse quadro atual irá se modificar no futuro. Pautamos muito na faculdade o protagonismo, a iniciativa, a capacidade de identificação de uma problemática e de proposição de resultados.

Nós entendemos que o aluno tem que saber as questões clássicas dos campos de área de atuação da psicologia, mas também tem que sair daqui com o instrumental para conseguir propor novos âmbitos da psicologia porque nós dificilmente vamos conseguir, enquanto universidade, suprir todas as multiplicidades de possibilidades que existem no campo de trabalho e que irão mobilizar a economia nas próximas décadas. Posso afirmar que temos agradáveis surpresas nas conquistas profissionais de nossos egressos.

(En)Cena – Saúde Mental é um tema transversal (tema transversal pode ser discutido em várias disciplinas). Quais seriam estas disciplinas que a psicologia trabalha?

César Ramos – Saúde Mental é um tema transversal porque ele faz parte da vida das pessoas, então ela vai estar incluída em qualquer área, não só na área de humanas, mas na área da saúde, assistência social e inclusive na área das exatas. Tendemos a observar na área das exatas mais o produto do conhecimento e não o processo do conhecimento que está sendo elaborado por pessoas que estão trabalhando com seus desejos, suas problemáticas, seus sofrimentos, suas alegrias. Então a psicologia pode contribuir muito com esse processo.

(En)Cena – O que o Curso de Psicologia do Ceulp Ulbra está fazendo em relação à Saúde Mental no estado e no país?

César Ramos – No município nós temos o Serviço de Psicologia (SEPSI), completamente integrado a rede municipal. É um serviço gratuito, de simples acesso, está muito bem localizado numa área central da cidade e que presta um serviço de muita qualidade. A nível estadual e nacional, nós temos ações que vão além da produção do conhecimento e da pesquisa, fazemos parte do projeto de um portal virtual denominado (En)cena, onde trabalhamos uma temática muito importante e pouco agendada na reforma psiquiátrica que é a temática cultural.  Na Reforma Psiquiátrica nós já avançamos nas proposições legislativas, nas questões políticas e arquitetônicas dos espaços, mas não avançamos muito na cultura. Infelizmente percebemos esse desafio em qualquer mídia, em qualquer publicação onde o louco ainda é visto como aquele monstro perigoso, aquele cara que comete atos bárbaros e transmite a sua loucura, aquele cara contaminado moralmente.

(En)Cena – A universidade é autista. Como a universidade se encaminha em relação aos acontecimentos do dia a dia?

César Ramos – A colocação da universidade autista representa a dificuldade de comunicação numa relação por ter seus comportamentos cristalizados, estereotipados. Trocaria esse diagnóstico, diria que as universidades em geral são exatamente como as demais instituições: esquizofrênicas. As instituições foram criadas para serem gestadas olhando para dentro, para o seu próprio umbigo. As instituições criaram estes limites, essa segregação justamente para a sua própria existência. Nosso papel enquanto gestores professores e operadores de ensino na contemporaneidade é oxigenar a instituição. Aqui no Ceulp somos muito felizes nisso, conseguimos respirar as mazelas, as dificuldades e as belezas do território – seja físico e/ou virtual – ao qual estamos inseridos.

Tencionamos e obrigamos o aluno a ir para a comunidade, ir para a rua e trazer o conhecimento para dentro da universidade, para que ele não fique enclausurado, respirando só um ar viciado de pretenso saber.

O (En)Cena é um projeto exemplar nessa dinâmica, ele consegue agregar conhecimentos das mais diversas áreas, acadêmicas ou não, e disseminar pela rede virtual, atingindo um elevado numero de pessoas e promovendo mudanças sociais imensuráveis.

(En)Cena – Como Coordenador do Curso de Psicologia, como vê a relação entre a comunicação, a psicologia e os sistemas de informação trabalhados no Portal (En)Cena?

César Ramos – O que nós fizemos com o (En)Cena foi justamente aproveitar estes instrumentais e ninguém melhor do que as pessoas que pesquisam e que trabalham com sistemas de informação e comunicação para entender uma questão que nós da psicologia temos muita dificuldade de entender que é o quanto que a tecnologia molda o nosso comportamento. Unimos os cursos de Sistemas de Informação, Comunicação Social e Psicologia porque acreditamos na força da interdisciplinaridade, na potência criativa de nossos alunos.  Trabalhar um espaço de referência tanto para o estudante como para os profissionais da área de Saúde Mental bem como aos usuários desses serviços é uma tarefa árdua que não compete somente a Psicologia.

A “estranheza” dessa parceria está fundada no olhar segmentado que herdamos da modernidade. Devemos recordar sempre que habitamos o século XXI e que a possibilidade de conexões entre saberes e fazeres são múltiplas. A idéia do (En)cena é trabalhar a cultura produzida por profissionais, por usuários no âmbito da saúde mental, pessoas comuns com seus desejos, com suas vontades, com seus erros e seus acertos. Também é um dispositivo de troca de experiência porque nós percebemos que existem muitas boas práticas no âmbito da Saúde Mental mas que ficam trancadas dentro do seu espaço físico. A nossa idéia com o (En)cena é contribuir para a política nacional de Saúde Mental trazendo a temática para próximo do usuário, do estudante, da população. Pretendemos implicar as pessoas nas questões dos Direitos Humanos fomentando o protagonismo de suas idéias, produções e ações.

(En)Cena – O homem contemporâneo, inserido neste mundo, onde as novas tecnologias reduziram as distancias e modificaram as relações de tempo e espaço e a comunicação, através de diferentes mídias, coloca a informação em tempo real de qualquer parte do planeta, com tudo isto como está a mente do indivíduo, do cidadão do século XXI?

César Ramos – Está acelerada como deve ser. Acredito que a mente, a nossa percepção, o nosso dia a dia, estejam em total compatibilidade com este quadro que você relatou. Agora o que está em incompatibilidade ainda são algumas percepções científicas, por exemplo: a dificuldade de entendimento que algumas áreas da saúde possuem sobre as influencias das tecnologias no nosso meio, em nossa subjetividade, no nosso modo de se relacionar e como elas inclusive produzem novas modalidades de comportamento que na minha percepção não podem ser inferidas automaticamente nas categorias de patologias psíquicas.

Tentarei exemplificar esse processo com dois casos. Primeiramente a questão do déficit em atenção/hiperatividade. Ela começa a surgir (ser diagnosticada) com muita intensidade no final dos anos 90. Uma criança que viveu a sua infância acompanhando este ritmo cultural, a saída do analógico para uma entrada acelerada na questão digital, possui outros modos de se relacionar com a informação. Quando esta criança chega dentro de uma sala de aula onde ainda o que pauta a instituição é um modo diferenciado de relacionamento com a informação, um modo mais analógico, um modo que valoriza uma coisa de cada vez, essa criança vai ter um comportamento diferenciado que será identificado pela instituição como um comportamento errante ou desviante. Ao propagar esse entendimento de que a criança ansiosa por informação e atividades está desviante – e não que a instituição está com dificuldade de assimilar as transformações culturais – patologizamos e medicalizamos indivíduos que na realidade estão mais aptos as novas possibilidades de aprendizagem que seus professores.

O segundo e último exemplo diz respeito às modificações que a era digital trouxeram para nossos ideais de beleza. Pautei essa temática em um Insight do (En)cena. Não podemos esquecer que a era digital facilita a vida do operador da imagem na sua manipulação. As imagens geradas, altamente reformuladas, criaram referenciais de corpos inumanos, nada “naturais”.

Esses novos ideais estéticos dispararam comportamentos, atitudes e estratégias de alcançar a felicidade através do corpo inumano perfeito. O boom de patologias como anorexia e bulimia nos consultórios psiquiátricos e psicológicos no inicio do século XXI revelam que muitas vezes as estratégias utilizadas para alcançar o padrão de beleza podem gerar profundos sofrimentos nas famílias e nos indivíduos. Podemos aferir que as patologias seguem modas totalmente datadas na sua historicidade. Obrigado pela entrevista.

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Assassina de aulas

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Sorriu tão amargamente que apagou a vontade da profissão que estava estudando há quase dois anos e meio. Olhou por um instante o teto branco e suas lâmpadas florescentes, retornou a olhar os rostos cansados dos colegas de aula e ao fundo dos tímpanos, apenas a voz chata e gritante da professora, insistindo na mesma velha pergunta de sempre:

-Por que vocês querem ser psicólogos?

Comparações reais, sala de aula é igual a uma sala de velório, só não vela-se um corpo, mas mastiga-se o silêncio.

Escreveu alguma coisa nas folhas úmidas do caderno companheiro, e sorriu por não saber quem foi o palestrante da aula passada, aliás, essa foi uma das inúmeras vítimas assassinadas pelos olhos que dormiam no sofá da sala de casa, ao invés de estarem abertos lendo o que dizia o quadro branco.

Imaginou a circunferência que viria exposta na prova, na semana que estava por desenrolar, resultado da falta de atenção. Prestou mais atenção na dúvida da professora tentando entender porque os alunos estavam tão confusos, do que na disciplina que merecia as idéias de estudo.

Descruzou as pernas, pensou em ir embora, mas lembrou que deveria assinar a lista de presença. Deu graças a Deus que era presença física, porque mental, com toda a certeza não se fazia presente, desde muito cedo.Sua vontade não passava nem próximo ao portão do futuro, na verdade pensava em ir pra casa, sem cogitar formatura, possíveis pacientes ou clientes, termos dos quais nunca soube decidir o que seriam. Pensou no churrasco do final de semana, chocolates para satisfazer a falta da química que o romance traz, ou, só pra se sentir mais gordinha. Lembrou-se dos muitos trabalhos que deveriam ser feitos e nas provas que deveria estudar, mas essas lembranças ficaram tão pouco tempo que se assemelhavam mais ao gosto de água na boca.

Comentou com a colega ao lado que pegou algumas de suas canetas, mas que devolveria assim que terminasse de escrever o que a mente não conseguia guardar, lembraram rapidamente até da infância colegial e das “canetinhas coloridas”. Tempo bom!

Saiu da sala, sem assinar a “chamada”, andou pelo corredor sem dar tchau a quem ficava, atravessou a rua e voltou para casa. Sem nenhuma culpa por ter assassinado mais uma aula, nenhum peso na consciência por deixar a professora falando sozinha.

Só queria dormir…

– Por que mesmo que ela quer ser psicóloga?

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