Abertas as inscrições para o IV Congresso de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho, em Manaus

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Evento contará com conferencistas internacionais. Trabalhos acadêmicos devem ser submetidos até 30 de abril


Estão abertas as inscrições para o IV Congresso Brasileiro de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho e também para o V Simpósio Brasileiro de Psicodinâmica do Trabalho. Os eventos serão realizados entre os dias 20 e 23 de Outubro de 2015, no Tropical Hotel, em Manaus-AM.

As inscrições podem ser feitas no site http://congressopsicodinamica2015.com.br. Para estudantes, a taxa para participação será de R$ 100,00 até o dia 30 de março, R$ 150,00 até o dia 30 de abril, e R$ 200,00 após esta data. Já para profissionais, a inscrição custa R$ 200,00 até 30 de março, R$ 300,00 até 30 de abril, e R$ 400,00 após esta data.

A programação do evento contém minicursos, conferências, discussões em mesa redonda, além de simpósios e programação cultural. Segundo a programação preliminar, os eventos contarão, inclusive, com palestras de conferencistas internacionais.

Dentre os diversos temas que serão abordados estão: conferência sobre Psicopatologias do Trabalho Contemporâneo: Novos Desafios Clínicos – com Dominique Lhuilier (CNAM – Paris, França); conferência sobre Sentido do Trabalho e Temporalidade – com Eric Hamraoui (CANAM – Paris, França); além da conferência sobre Sofrimento Psíquico no Trabalho: Problemas Amazônicos – com Ana Cleide Moreira (UFPA – Belém – PA).

Simpósio

Para os estudantes e profissionais que desejarem apresentar trabalhos acadêmicos no simpósio, a data limite para submeter os resumos termina no dia 30 de abril. As áreas temáticas, assim como as normas técnicas para a formatação dos trabalhos, estão disponíveis no site do evento.

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Clínica Psicodinâmica do Trabalho com a Unidade de Operações Aéreas do Detran

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A psicodinâmica do trabalho considera o trabalho como eixo central de estruturação do sujeito e prioriza, em sua análise, a organização do trabalho para compreender como são produzidos os processos de subjetivação e de saúde, assim como as patologias. Essa teoria vem se destacando como referencial de estudo sobre a saúde mental no trabalho.

Os estudiosos dessa abordagem procuram compreender e dar visibilidade a aspectos subjetivos que constituem a ação de trabalhar como a cooperação, o reconhecimento, as estratégias de defesas, as relações de prazer e sofrimento, a mobilização subjetiva, entre outros. Para isso, propõem a criação de um espaço de discussão onde os trabalhadores possam expressar, diante de seu coletivo de trabalho, a visão que têm a respeito do trabalho.

O efeito da subjetivação sobre o trabalho irá depender da mobilização e do engajamento do sujeito no trabalho. O favorecimento da subjetividade leva à vivência de prazer, mas quando ela é desconsiderada e bloqueada, favorece as vivências de sofrimento.

Prazer e sofrimento são vivências subjetivas e apontam a experiência do sujeito em função do fracasso ou do sucesso de seus esforços para resolver os conflitos que surgem no ambiente de trabalho. Para Dejours (2004a), uma forma de se captar o sofrimento é por meio das defesas, uma vez que ele não é diretamente acessível. Diante dele, os trabalhadores se mobilizam para transformá-lo e obter prazer, mas quando isso não é possível, surgem asestratégias de defesa individuais e coletivas para mascarar a percepção de risco e perigos a que estão expostos, assim como o sofrimento gerado pelas condições de trabalho.

Como exemplo da atuação da psicodinâmica do trabalho, Dejours (1992) investigou os pilotos de caça e percebeu que, apesar do medo relativo ao risco que supõe uma tarefa, o trabalho pode ser fonte de satisfação e de equilíbrio psíquico. Mas se o trabalho não tem sentido, a possibilidade de uma doença mental ou somática torna-se muito elevada.  Para o autor, o trabalho de pilotagem engaja o corpo, a inteligência, as intuições e o ser humano no que ele tem de mais íntimo.

Essa profissão, segundo Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), deve ser escolhida pelo piloto que tenha motivação para exercer essa atividade, caso contrário, o piloto se arrisca efetivamente a se matar. Para Dejours (1992), poucas profissões conseguem integrar a teoria e a prática, assim como poucas situações exigem tantas habilidades de um só sujeito simultaneamente.  O autor destaca que, na aviação, a valorização do corpo e do emocional pela situação de trabalho é exemplar da síntese trabalho intelectual-trabalho manual.

A exemplo de Dejours, que estudou a atividade aérea, a pesquisa que será apresentada teve como objetivo geral analisar a psicodinâmica do trabalho da Unidade de Operações Aéreas do DETRAN. Os objetivos específicos consistiram em: a) descrever a organização do trabalho; b) identificar as vivências de prazer e de sofrimento; c) analisar a mobilização subjetiva: inteligência prática, cooperação e reconhecimento e d) investigar as defesas coletivas utilizadas pelos pilotos para suportar as adversidades do ambiente de trabalho.

 

Método

A pesquisa teve como base os princípios teórico-metodológicos da psicodinâmica do trabalho. Utilizou-se a clínica do trabalho que se define como um espaço clínico e social que envolve o sujeito na realidade de trabalho. Tem como foco a análise da organização do trabalho e procura compreender como são produzidos os processos de subjetivação, as patologias e a saúde (MENDES, ARAÚJO & MERLO, 2011).

O estudo foi feito com a Unidade de Operações Aéreas – Uopa, constituída por 11 agentes de trânsito (nove pilotos, um mecânico de voo e um tripulante operacional) e duas técnicas de trânsito. Foram 10 sessões, que ocorreram no local de trabalho dos servidores, durante quatro meses, com encontros semanais e quinzenais, com duração entre uma hora e trinta minutos e duas horas.

A análise de dados foi feita pela Análise Clínica do Trabalho – ACT – proposta por Mendes e Araújo (2012). Nessa técnica, as verbalizações são analisadas no coletivo, ou seja, não se identifica a pessoa que fala.

Resultados

Organização do trabalho

A atividade aérea requer um profissional com muitas habilidades físicas, cognitivas e psíquicas. Para ter o privilégio de voar é preciso superar uma maratona que é o processo de seleção, formação e qualificação profissional. O processo seletivo é composto por avaliações médicas, físicas, psicológicas e teóricas. Percebe-se que “só fica na aviação quem tem perfil”. Durante o processo de formação se reconhece quem não tem perfil. “O meio se encarrega de tirar aqueles que, por algum motivo, não têm perfil”.

Todo o coletivo de trabalho formado pelos profissionais da aviação apresenta uma forte mobilização subjetiva na busca de evitar acidentes aéreos. Cada acidente é alvo de uma pesquisa técnica detalhada, em que todo erro ou negligência é combatido por medidas de segurança.

Dessa forma, a atividade aérea é marcada pelo controledas condições de uso das aeronaves e do estado de saúde física e mental dos pilotos.  O trabalho de pilotar é regido por muitas regras e normas que são padronizadas para todos os grupamentos aéreos.  Toda a doutrina que o piloto recebe visa evitar falhas por incompetência, despreparo ou falta de compromisso e responsabilidade. Prega-se a doutrina de não transgredir e manter o limite de segurança operacional.

Na aviação, o perigo, por se estar voando, é constante. Porém, o risco pode ser minimizado e administrado com treinamento, com a proficiência do piloto em situações de emergência, com cursos de segurança de voo e com supervisão eficiente de manutenção. Tenta-se prevenir os riscos e amenizar as situações em que os acidentes aconteçam. No entanto, podem ocorrer no voo situações imprevisíveis como incidentes, panes e acidentes, apesar de todo o planejamento do voo.

 

A mobilização subjetiva

Por ser um “universo restrito”, a atividade aérea está entre as profissões prestigiadas, valorizadas e elitizadas. São poucas as pessoas que têm oportunidade, qualificação e competência para ingressar na atividade aérea. A decisão de ser piloto é uma escolha consciente e coerente com os interesses e necessidades pessoais.

Os pilotos devem trabalhar em equipe, pois precisam manter um bom relacionamento com várias pessoas e não afetar seu desempenho profissional.  Além dos profissionais da aviação, lidam com os passageiros, demais servidores do órgão e familiares que podem desequilibrar seu funcionamento psíquico.

A forma de organização do trabalho, em que se trabalha com todos, em horários diferentes e em escalas diferentes, não promove o estabelecimento da cooperação pela convivência e pelo nível de afinidade entre as pessoas; mas se constitui pelo resultado do trabalho em conjunto. Ter uma missão bem sucedida estabelece um vínculo profissional entre a equipe. A cooperação existe, portanto, pela contribuição que cada um oferece ao seu grupamento ou a aviação.

O coletivo se constitui por saber que a vida de cada um deles depende do bom desempenho do outro.  Dessa forma, precisam superar as desavenças pessoais na hora em que precisam trabalhar juntos.  Neste contexto, ter brigas e conflitos é um risco. Todos precisam cooperar um com o outro para que tenham segurança necessária para trabalhar.

Além da cooperação, o trabalho operacional de conduzir um helicóptero envolve certa postura, habilidade e aprendizagem do corpo. A mudança na direção dos movimentos do helicóptero exige do piloto um esforço e uma interação entre seu corpo e a máquina. Mesmo sendo um trabalho extremamente prescrito, cada piloto adquire seu jeito de pilotar, o que requer o engajamento de toda a sua subjetividade para enfrentar as situações inesperadas, arriscadas e imprevistas.

 

No trabalho de pilotagem, não se respeita a postura natural do corpo do piloto. Para dar conta de pilotar, o piloto fica torto. Se fosse seguir as normas da ergonomia, não daria conta de pilotar. Se não ficar na posição torta, o piloto não consegue colocar os pés nos pedais e as mãos no cíclico e coletivo, que são os instrumentos de comando da aeronave.  A posição torta do corpo do piloto no helicóptero demonstra que “é o corpo que se adapta à aeronave”. “A aeronave já está construída, ela não se adapta a nada. A gente se adapta a ela ou não pilota”.

Apesar das dificuldades existentes, o trabalho aeronáutico é realizado com prazer e visto como fonte de prazer. Trabalhar como piloto é uma forma de realização pessoal que fortalece a identidade individual e coletiva dos profissionais. O piloto de helicóptero sente prazer em voar porque pode conduzir, controlar e comandar a aeronave. Também sente prazer pela sensação de liberdade, pelo deslocamento rápido e pela visão privilegiada que se tem quando se pode observar uma situação com várias dimensões.

O grupo se sente bem por fazer o que gosta e por gostar dos colegas. Outras fontes de prazer são o reconhecimento, as conquistas em relação à formação e o simbolismo que os instrumentos de trabalho representam, como o uniforme.

O trabalho de pilotar também é fonte de sublimação. As características do trabalho de pilotar como a diversidade do trabalho, a complexidade da tarefa, a qualificação requerida, o aperfeiçoamento permanente, a livre escolha da tarefa, o lugar ocupado pela motivação, o exercício simultâneo de todas as potencialidades físicas, psicossensoriais e intelectuais afasta o piloto das doenças mentais ou psicossomáticas (DEJOURS, 1992).

Os pilotos buscam por diversas maneiras encontrar a melhor forma de tornar o trabalho uma fonte de prazer. Mas como isso nem sempre é possível, precisam enfrentar o sofrimento de modo criativo ou criar estratégias de defesa para lidar com ele.

 

Sofrimento, defesas e patologias

No grupo, as vivências de sofrimento apareceram no início da formação para se tornar piloto, nas situações em que há restrições para a pilotagem, nos incidentes com o helicóptero, nos conflitos interpessoais e na dificuldade de integração com colegas que não fazem parte do grupo.

O sofrimento nas relações interpessoais ocorre devido ao conflito de papéis, aos traços de personalidade, ao abuso de intimidade construída pelos vínculos afetivos, devido às falhas no processo de comunicação e ao modo de gestão.

Os pilotos desenvolvem estratégias de defesa contra o sofrimento gerado pelo medo de acidentes, contra os ritmos de trabalho, diante dos conflitos das relações de trabalho, contra a ansiedade gerada por situações de risco.

As estratégias de defesa identificadas no grupo são o controle, o pacto de confiança, o humor, a negação e a projeção, estratégias de convivência para se garantir a segurança do voo e estratégias de comunicação para melhorar a convivência.

A atividade aérea é marcada pela tentativa de se controlar tudo que faça parte do ambiente aeronáutico. Busca-se controlar a aeronave, o estado de saúde física e mental da tripulação, a forma de comunicação, os relacionamentos afetivos, o desempenho dos profissionais, os riscos, as transgressões e tudo que ocorra dentro e fora da aeronave. Por meio da estratégia de controle se constrói um pacto de confiança de que é seguro voar.

O pacto de confiança é estratégia para se lidar com o risco e com o medo. A relação de confiança é importante para a segurança do voo, pois precisam confiar um no outro, no profissionalismo de cada um. “Tem que ter aquela confiança… você sabe que a tua vida está na mão de outra pessoa”.

Outras estratégias são o humor, a negação e a projeção. O humor é uma forma de evitar sentimentos agressivos, de lidar com situações delicadas e de evitar conflitos.  Há a negação e a projeção quando o grupo relata situações que ocorrem em outros grupamentos, mas não percebe que há entre eles. Há ainda a negação momentânea da percepção da vulnerabilidade de sofrer acidentes, que ajuda o piloto a enfrentar as situações de risco. A pessoa, às vezes, só vai ter noção do risco após ter vivenciado uma situação complicada.  Surge ainda quando se nega reconhecer que o colega possa sofrer com determinadas situações, como com o treinamento de emergência ou com a escala de sobreaviso.

Os pilotos criam estratégias para permitir que as relações sociais aconteçam sem prejuízos para a segurança do voo. O grupo procura separar o lado afetivo do lado racional e respeitar o limite e o jeito de ser de cada um. Busca ainda identificar o momento certo para se conversar e conhecer como a pessoa reage em determinadas situações. Também há o cuidado em relação ao modo de falar, devido à preocupação de como a palavra possa ser interpretada.

Essas estratégias de defesa foram desenvolvidas na tentativa de preservar o equilíbrio emocional dos trabalhadores e garantir a segurança de voo, além de contribuir para identificar quem tem perfil para permanecer no grupo ou não. Não aceitar as defesas pode gerar uma ameaça de desconstrução delas e colocar o grupo em risco.

Nessa pesquisa, não foram encontradas patologias relacionadas ao trabalho, uma vez que o profissional não pode voar se não estiver em condições de saúde física e mental satisfatórias para a realização da atividade. No entanto, voar gera danos físicos e mentais. A causa material do dano físico pode ser uma explosão, um incêndio, um acidente de descompressão, circunstâncias atmosféricas, irregularidades no funcionamento do helicóptero. No grupo, os danos físicos e psicossociais aparecem devido à estrutura ergonômica do helicóptero, devido ao público que influencia na pilotagem, devido às críticas de quem não conhece a realidade aeronáutica e devido à sobrecarga de trabalho.

O grupo, no entanto, já se mobilizou para enfrentar diversas situações e esforça-se para encontrar soluções para melhorar o desempenho no trabalho.

 

Análise clínica da mobilização do coletivo de trabalho

A implantação do espaço de discussão permitiu que o grupo se mobilizasse para que os encontros acontecessem, pois viram neles uma oportunidade para se encontrar e conversar. Durante as sessões, os participantes demonstram ser cooperativos e solidários uns com os outros.

No grupo, o acordo de convivência se destaca em relação aos acordos sobre a organização do trabalho e de como lidar com as dificuldades do trabalho de ofício.  As regras são construídas e modificadas constantemente de acordo com a necessidade.  As regras são elaboradas para criar condições favoráveis para as relações sociais, mas aquelas que não cumprem mais seus objetivos são substituídas por outras.  O grupo tem conseguido encontrar saídas para as situações de sofrimento que comprovam que já existe a mobilização subjetiva para lidar com o real do trabalho.

A atividade aérea exige que os profissionais tenham entrosamento, relações de confiança e que cooperem uns com os outros para que tenham segurança necessária para trabalhar e possam se manter vivos. Para poderem conviver juntos, os servidores buscam lidar com as desavenças e com as diferenças, assim como respeitar o limite e o jeito de ser de cada um. O grupo considera que os conflitos ocorrem por causa das características de personalidade e que não irão conseguir mudar os colegas. Terão que aprender a conviver com eles e a lidar com suas características de personalidade.

As regras sociais, que organizam o viver junto, são propostas desenvolvidas com o objetivo de amenizar os conflitos interpessoais e não comprometer as relações profissionais.  Outra situação que também contribui para o esforço do grupo em unir as pessoas e superar as diferenças individuais é que o trabalho da aviação é muito sofisticado. Quando alguém sai do grupo, não dá para substituí-lo facilmente.

Desse modo, grupo deseja encontrar maneiras de conviver um com o outro que sejam respeitosas, fraternas, solidárias, cooperativas, que não sejam de competição, de degradar o outro, de desqualificar o outro.  Não levam os problemas para fora do grupo e procuram encontrar soluções entre eles.

Considerações

Com a clínica, foi possível conhecer a organização do trabalho, o conteúdo das tarefas, as jornadas de trabalho, o processo de formação desses profissionais, os modos de gestão e descrever as relações socioprofissionais entre outras características do serviço de monitoramento aéreo de trânsito.

Diante das adversidades do trabalho, o grupo se mobiliza para encontrar soluções. É um trabalho, que apesar da prescrição, o profissional contribui com sua experiência, sua inteligência e seu jeito de trabalhar. Estão sempre corrigindo falhas para evitar a possibilidade de ocorrer um acidente.

A mobilização subjetiva ocorre porque todos cooperam fazendo a sua parte para o sucesso da missão. A cooperação é importante para o funcionamento coletivo e para a construção das regras de trabalho. Estabelece-se pela confiança que se tem no compromisso de cada um com o trabalho, pois o bom desempenho garante que todos trabalhem com segurança.

Essa clínica mostrou que o trabalho na aviação representa a concretização da realização do desejo de voar gerado na infância. É uma profissão dinâmica, gratificante, prestigiada e valorizada. O voo gera prazer porque é o momento em que o piloto vê o resultado dos seus esforços pelo tempo investido em formação e em treinamento. No entanto, a avaliação das condições física e mental é rigorosa. O piloto não pode relaxar em relação à saúde. Seu corpo é testado constantemente em relação à qualidade de funcionamento orgânico comprovada por exames médicos. Mas a preocupação com a saúde se justifica pela segurança de voo e quem não tem condições de voar é eliminado da tripulação.

Esse estudo contribuiu para dar visibilidade ao trabalho exercido pela UOPA e, por meio dessa visibilidade, tornar o trabalho conhecido pelos pares e pelas pessoas que não fazem parte do contexto aeronáutico. A possibilidade de se mostrar o trabalho não visível gera a chance de se obter reconhecimento ao se submeter ao julgamento do outro. Segundo Dejours (2004b), o trabalho precisa ser visível para haver reconhecimento.

 

Referências

DEJOURS, C. A Loucura do trabalho: estudo da psicopatologia do trabalho. 5ª edição ampliada. São Paulo. Cortez-Oboré, 1992.

DEJOURS, C; ABDOUCHELI, E; JAYET, C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.

DEJOURS, C. Addendum. Da psicologia à psicodinâmica do trabalho. Em LANCMAN, S. e SZNELWAR, L. I.  (orgs.). Christophe Dejours: da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho.Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. Brasília: Paralelo 15. P. 47-104.  2004a.

DEJOURS, C. Patologia da comunicação. Situação de trabalho e espaço público: a geração da energia com combustível nuclear.  Em LANCMAN, S. e SZNELWAR, L. I. (orgs.). Christophe Dejours: da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. Brasília: Paralelo 15. P.  243-275.   2004b.

MENDES, A. M; ARAÚJO, L. K. R. Clínica psicodinâmica do trabalho: o sujeito em ação.Curitiba: Juruá. 2012.

MENDES, A. M; ARAUJO, L. K. R; MERLO, A. R. C. Prática clínica em psicodinâmica do trabalho: experiências brasileiras. Em BENDASSOLO, P. F; SOBOLL, L. A. P. Clínicas do trabalho – Novas perspectivas para compreensão do trabalho naatualidade. São Paulo: Atlas. 2011.

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Clínica Psicodinâmica da Cooperação com catadores de materiais recicláveis

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A Clínica Psicodinâmica da Cooperação acontece via criação de um espaço de discussão para dar voz ao sofrimento dos trabalhadores, e, assim, potencializar a mobilização subjetiva do coletivo para a construção das regras sobre o fazer e o viver no espaço de trabalho (Mendes & Araujo, 2012). Afinal, “trabalhar não é apenas produzir, é também viver junto” (Dejours, 2012b, p. 85). Esta Clínica tem seu arcabouço teórico-metodológico na Psicodinâmica do Trabalho, desenvolvida por Christophe Dejours, na França na década de 1980, época que chegou ao Brasil, com a publicação da obra a Loucura no Trabalho.

Trata-se de uma pesquisa-ação para trabalhadores que não adoeceram, mas que desejam falar sobre seu sofrimento no trabalho, assim, seu intuito é ser promotora de saúde, agindo preventivamente, pois esta mobilização do coletivo vai agir na organização do trabalho, como poderá ser visto nesta prática com alguns trabalhadores da Associação de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis da Região Centro Norte de Palmas-TO (ASCAMPA).

Sede da ASCAMPA
Foto: Liliam Ghizoni (maio, 2013)

A ASCAMPA contava, na época da realização da Clínica, com 34 associados, 16 participaram das sessões, sendo 9 homens e 7 mulheres, com idade variando entre 39 e 78 anos. Por sessão obteve-se a participação de 4 a 10 catadores. A maioria possui poucos anos de escolaridade, três já concluíram o ensino médio e uma catadora o estava cursando.

As sessões aconteceram de fevereiro a junho de 2012, aos sábados pela manhã, tiveram a duração média de 1h20 e participavam deste coletivo de pesquisa, uma psicóloga, uma estagiária estudante de Psicologia do CEULP/ULBRA e os catadores. Contou-se com a supervisão semanal de uma psicóloga em Palmas e mensal com a orientadora da Tese em Brasília. Cada sessão era iniciada com um memorial, que resgatava os principais conteúdos da sessão anterior.

Apresenta-se a seguir, um resumo de cada sessão para, na sequência, descrever o processo de mobilização dos catadores ao longo das sessões.

Na 1a Sessão (4 fev 2012), os catadores relataram sua rotina de trabalho explicando que não há um horário fixo para catar, depende de fatores como clima, demanda específica de algum órgão que solicita a coleta, ou, ainda, de disponibilidade de tempo. Alguns possuem emprego fixo (vigilante; faxineira; vendedores de bolos, espetinhos, milho verde) ou precisam conciliar a catação com os cuidados domésticos e familiares. Fizeram as seguintes queixas: falta de local apropriado para armazenamento dos materiais; forma como a fiscalização da vigilância sanitária/zoonoses contra focos de dengue faz a abordagem na Sede e nas casas dos catadores; falta de maquinários para transformar o material coletado e, assim, valorizar o preço do produto; baixo preço dos materiais; e falta de comunicação entre diretoria, associados e demais catadores individuais. Verificou-se que as ações dos catadores são individuais, mesmo fazendo parte de uma associação que deveria funcionar de forma coletiva, como um grupo, onde todos podem participar das decisões sobre o trabalho bem como sobre suas responsabilidades.

Na 2a Sessão (25 fev 2012), o destaque nas falas foi a falta de união entre os catadores, o que acaba por denunciar desorganização dos catadores e da própria Associação para resolver as questões do dia a dia de trabalho. Enquanto clínica-pesquisadora manifestou-se sentimentos de aflição e agonia pelo fato de ouvir boas ideias para a solução dos problemas citados e angústia por não ter ninguém que se prontificasse a colocar em prática tais ideias. Afinal, os que poderiam fazer alguma coisa estavam ali na sessão: os próprios catadores, os protagonistas/personagens desta história. Nesta sessão, a clínica-pesquisadora manifestou o medo de os catadores ocuparem o terreno concedido pela Prefeitura de qualquer jeito, começando as atividades neste novo espaço de maneira desorganizada.

A 3a Sessão (03 mar 2012) teve um memorial diferente: fez-se um pedido de desculpas pela quebra de compromisso na sessão anterior, quando rompeu-se o sigilo ao realizar a sessão de Clínica do Trabalho na presença de pessoas que não eram catadores, mesmo estes sendo convidados pelos próprios catadores. Diante da situação, percebeu-se que os objetivos do trabalho não estavam claros nem para as clínicas-pesquisadoras nem para os catadores. Retomou-se o sentido da Clínica Psicodinâmica da Cooperação com o grupo.

Na 4a Sessão (10 mar 2012), o memorial não foi lido, pois em supervisão, decidiu-se que a sessão seria iniciada solicitando aos catadores que relembrassem o que havia sido falado na última sessão. Elencou-se como pontos de destaque para virem à tona durante a sessão: estresse no trabalho; gosto pelo trabalho, pelos objetos do lixo; e medo de perder o espaço.

A 5a Sessão (24 mar 2012) ficou marcada pela dificuldade dos catadores de relembrarem os conteúdos da sessão anterior, sem o memorial. Um catador trouxe a questão da pouca união entre a classe dos catadores. A clínica-pesquisadora aproveitou a fala para trazer a temática do estresse no trabalho. Eles não atribuíram estresse à prática da catação, pelo contrário, alguns relacionaram essa atividade a um momento de descontração, de extravasamento. Os motivos para não sentirem estresse, citados pelos catadores, foram novamente: a flexibilidade na rotina e nos horários, a facilidade da atividade (não é de difícil execução), e a possibilidade de movimentar-se e estar em contato com outras pessoas. Porém, é neste contato interpessoal que o estresse se manifesta, como relata um catador: “Todo mundo desconta estresse em todo mundo, os catadores descontam no [Administrador da Sede],assim como o [Administrador]também já descontou nos catadores”. Há também outras fontes estressoras: desconfiança na balança que faz toda pesagem dos materiais para o Administrador efetuar os pagamentos e falta de cooperação, de diálogo e organização. Outro aspecto relevante foi a manifestação de insegurança por parte dos catadores, que têm medo de perder o espaço para “as pessoas de fora”, “os grandes”. Eles expressaram também sentimento de vulnerabilidade e impotência, já que esses “grandes” (empresários que atuam com a reciclagem e/ou indústrias de incineração), como eles mesmos dizem, “têm poder, têm dinheiro, têm tudo”.

A 6a Sessão (31 mar 2012) foi iniciada novamente com o relato dos participantes sobre o que havia sido discutido no encontro anterior. Os catadores relembraram o tema “estresse no ambiente de trabalho”, relacionando-o ao acúmulo de problemas pessoais com os profissionais, mas também trouxeram novos elementos: um “antiestresse”, que seria um membro da Associação que, quando de bom-humor, consegue descontrair o ambiente fazendo piadas e brincadeiras com todos à sua volta. E outras fontes estressoras: o acúmulo e não cumprimento das tarefas diárias, a diferença nos ritmos de trabalho, a falta de cooperação e de pensamento coletivo (união). Implícito ficou a falta de comunicação e de diálogo bem como a forma de lidar com as fofocas e a dificuldade para resolverem os conflitos.

Na 7a Sessão (14 abr 2012), os catadores falaram bastante das dificuldades que têm encontrado na Associação, principalmente sobre as regras de funcionamento e de convivência. Falaram sobre a necessidade de reuniões entre os catadores para decidirem os horários e regras da entrega/pesagem do material, pois alguns estão se sentindo discriminados e desanimados, uma vez que sempre que chegam à Sede, o Administrador está ocupado e tem dificuldade para atendê-los. Reconheceram a sobrecarga de trabalho do Administrador e a necessidade de falarem sobre os problemas da associação no coletivo. Pontuou-se que os catadores têm dificuldades para falar diretamente para o Administrador o que os incomoda, pois gostam dele, o respeitam, mas sabem que ele comete erros assim como todos os seres humanos. Falar é importante para que o próprio Administrador reflita e possa modificar algumas de suas atitudes, assim como cada catador também possa refletir e mudar sua forma de agir com os colegas associados.

A gestão financeira da ASCAMPA foi muito citada nesta sessão, pois tem gerado desconfiança que, por sua vez, tem afastado alguns catadores. Assim, sugeriu-se que os catadores que têm participado efetivamente da Associação (uma média de 10 catadores) organizem esta questão, pois, assim, poderão atrair outros catadores e dar credibilidade à ASCAMPA e à futura Cooperativa que pretendem criar. Ainda nesta sessão, um catador deu a definição de associação/cooperativa:“O pessoal tem que por na cabeça que a Associação, é todo mundo presente, mas está todo mundo ausente. Então como é que você pode cobrar uma coisa a uma pessoa, se você não está lá presente? Todos têm que estar junto. Chama-se associação, o nome está bem claro, associado, ó, é grudado é a mesma coisa um dia que quiser cooperativa, é cooperando um com outro, estar cooperativa, o nome diz tudo”.

Na 8a Sessão (28 abr 2012), além de exporem suas queixas sobre as problemáticas vivenciadas com a gestão da ASCAMPA, os catadores começaram a articular o que precisava ser feito. Assim, surgiram algumas ideias: reunião com café da manhã pelo Dia do Trabalhador na Sede da Associação, o que é muito importante e significativo, pois, até então, todas as atividades eram feitas na Sede de uma entidade parceira; e dar continuidade a estas reuniões, agendando um dia fixo para conversarem sobre as questões/problemas da Associação. Definiram como pauta: falar sobre os problemas de gestão da ASCAMPA e ver como irão fazer isto junto com o Administrador, uma vez que ele não estava presente na sessão; dividir as funções dentro da Associação de acordo com o “jeito” de cada um.

Na 9a Sessão (05 de mai 2012), o marco foi o enfrentamento com o Administrador da Sede, uma vez que ele havia faltado nas duas sessões anteriores. As clínicas-pesquisadoras tomaram conhecimento de um coletivo gestor que havia sido criado pelos catadores para atuar na Sede, conjuntamente com o Administrador. Assim, refizeram normas de convivência e de trabalho.

Na 10a Sessão (26 mai 2012), mais uma vez, foi pontuado o atraso para o início das sessões, desta vez, com elementos interpretativos sobre os motivos deste atraso. Porém, em forma de questionamento: “Chegar no horário é respeitar os colegas, independente da atividade ou não?O que acham disto?É difícil chegar no horário? É complicado ouvir o memorial/texto lido no início da sessão e falar dele?”.

Retomou-se a temática da construção das tarefas do coletivo gestor dentro da Sede. Pontuou-se a forma como a convivência tem avançado entre os catadores, eles começaram a falar mais sobre o que pensam em relação ao trabalho e sobre o comportamento dos colegas, deixando o medo de lado, pois, percebia-se que a amizade e o trabalho estavam muito misturados. Porém, faltam ajustes referentes às diferenças de ritmos e tempos de trabalho bem como toda a organização financeira da ASCAMPA.

Na 11a Sessão (02 jun 2012), os catadores falaram de seus sentimentos em relação às mudanças já implantadas na Sede pelo coletivo gestor. Embora cansados, devido à quantidade de trabalho, os catadores afirmaram que a principal mudança observada foi na organização para a pesagem e o respeito com o catador que chega à Sede. Assim como evidenciaram a coragem para falar o que veem de errado, sem medo de perder a amizade ou criar confusão.

Pontuou-se a coragem e o entusiasmo dando lugar ao medo de falar e de agir. Mas também se demarcou a necessidade deconversarem sobre o que vão fazer, como a tarefa vai ser feita, como irão tratar das desavenças/brigas e confusões. As clínicas-pesquisadoras falaram sobre a importância de reconhecerem tanto o trabalho do colega quanto do coletivo gestor.

A 12a Sessão (09 jun 2012) foi a última e, assim, marcada pela emoção. Foi a primeira sessão que aconteceu na sede da ASCAMPA, por decisão dos catadores já na sessão anterior. Havia cadeiras para todos sentarem, mesa arrumada para o café e tudo muito limpo e organizado, num espaço novo, criado para ser uma espécie de escritório, recepção, área de convivência.

Houve o reconhecimento da equipe de trabalho, sobretudo das mudanças implantadas (o atendimento, a pesagem, a quantidade de material e a limpeza). Reconhecem os conflitos (atritos), mas estão confiantes no trabalho da equipe. No início da Clínica, eram três pessoas atuando na Sede, agora são sete. Há ainda discordâncias sobre o futuro, sobretudo nos aspectos relacionados a forma de pagamento aos catadores que atuam na Sede.

Relataram a necessidade de melhorarem os controles financeiros da Associação, torná-los mais transparentes; porém, há resistências quanto a quem irá ocupar esta função.

 

Descrição da mobilização subjetiva dos catadores

Pontuam-se as Sessões 7a a 9a como as “disparadoras dos grandes incômodos com a administração da Sede. Nestas sessões, houve enfrentamentos, começavam a vencer o medo de falar, porém havia muita desconfiança. Começaram a se reunir após a sessão da Clínica para discutir as questões que estavam surgindo na Clínica referente ao dia a dia na Sede” (Memorial da 12a Sessão, 09 jun 2012).

A 7a e a 8ª Sessões não contaram com a presença do Administrador da Sede, o que acabou por provocar muitas falas importantes, sobretudo para que os catadores pudessem perceber que poderiam se organizar num coletivo, para além do Administrador. E assim, conseguem, começam, a fazer reuniões após as sessões de Clínica e também na Sede da Associação, culminando com a criação de um coletivo gestor que passa a entender e organizar os processos de trabalho dentro da ASCAMPA.

É na 9ª Sessão que acontece o enfrentamento com o Administrador da Sede: “Esta 9a Sessão foi bem difícil… difícil ver a passividade dos catadores diante da aparência de rude e triste do[Administrador]. Todos sofrem com isto… [O Administrador]por achar que está sendo apunhalado pelas costas e os demais por não terem a coragem de falar… mas eu ainda tenho a esperança que eles consigam agir, no dia a dia e ir consertando estas questões” (Diário de Campo da 9a Sessão, 05 mai 2012).

Percebe-se que a mobilização está acontecendo através da decisão tomada pelos catadores de vencerem os medos e reafirmarem o que haviam dito nas duas sessões anteriores. As estratégias de defesa do Administrador, de vitimização e de justificação de todas as críticas recebidas, não afetam todos os catadores, alguns seguem decididos na reorganização coletiva da Associação, incluindo-o, apesar das dificuldades.

Assim, este momento configura-se pela passagem do grupo dasdiscussões para as deliberações,um movimento essencial para a mobilização subjetiva acontecer no coletivo e a organização do trabalho ser repensada.

A 10a e 11a Sessões: “Foram as sessões de deliberações. Formaram um coletivo de trabalho e começaram a colocar a ‘mão na massa’ na Sede da Associação. Antes eram 4 pessoas para atuar na Sede (1 administrador, 1 prensador e 2 jovens auxiliares), agora chegaram mais 4 integrantes catadores, formando um coletivo de 7 pessoas (houve desistência de um jovem). Criaram regras de convivência, regras para a realização das tarefas, dos horários e distribuição de atividades conforme o perfil” (Relatório Final, 06 jul 2012).

Se nas sessões anteriores o enfrentamento tinha sido verbal, os conteúdos trazidos nestas duas sessões se caracterizam pelo conflito na gestão da ASCAMPA. O velho e o novo jeito de administrar. Um consolidado e que os catadores não aceitam mais e outro ainda confuso, em construção.

A inovação não perpassa somente as questões administrativas e de processos de trabalho, mas também da necessidade de lidar com mulheres ocupando o mesmo espaço, anteriormente eminentemente masculino. Configura-se um “mal estar/incômodo com a presença das “mulheres” na Sede… ou seja, começaram a falar sobre a forma como a nova gestão está acontecendo… e com isto foram também refletindo” (Diário de Campo, 10a Sessão, 26 mai 2012).

Percebe-se que a comunicação entre os catadores ainda é truculenta, em vários momentos agressivas. Acaba-se por perceber que discutir regras, onde não havia nenhuma, está se tornando uma tarefa bem difícil para o coletivo do trabalho, sobretudo por ser a primeira experiência de tê-las e de habituar-se a regras de trabalho e convivência. Como houve pouca discussão sobre tais regras, os próprios catadores começam a negar tais normas e, assim, tentam atingir a catadora que escreveu o cartaz, afirmando que ela é mandona e que eles não irão aceitar este tipo de atitude.

Neste momento, os catadores têm dificuldades para perceber que eles podem criar as regras, experimentá-las, e fazer novas regras, como desejarem. Mas esta liberdade para administrar os inibe e acabam por repetir comportamentos do então Administrador, assim como ainda deixam com ele o controle dos pagamentos para os catadores, embora não concordem com a forma como ele faz.

Assumir os riscos e as responsabilidades ainda é uma tarefa difícil para o coletivo gestor, lembrando que este coletivo é formado por catadores que valorizavam justamente a liberdade da catação nas ruas, a construção dos seus horários e o fato de não terem patrão. Acredita-se que os catadores do coletivo gestor terão um tempo para esta adaptação que, talvez, não coincida com o final da Clínica.

A última sessão, a 12a: “Foi a primeira sessão na sede da ASCAMPA. Foi criado um espaço para tal. Uma espécie de escritório com sala de convivência. Fez-se uma avaliação positiva (e emocionada) das mudanças implantadas pelo grupo gestor bem como reconhecimento pelo trabalho de toda a equipe, com as seguintes melhorias percebidas pelos demais catadores: o atendimento ao catador, a pesagem (respeito ao catador), a quantidade de material (aumentou significativamente), a limpeza e organização da Sede, a qualidade dos almoços. Ainda estão discutindo: organização da contabilidade, formas de pagamento a equipe gestora, rodízios nas atividades da Sede, representação da ASCAMPA em reuniões externas, aumento da equipe de catadores na Sede, negociações de preço junto aos atravessadores (compradores)” (Relatório Final, 06 jul 2012).

Espaço da 12a Sessão de Clínica em 09/06/2012
Foto: Liliam Ghizoni

A Clínica termina, mas a mobilização do coletivo de catadores continua, novas demandas surgem e não se sabe que rumos a organização do trabalho da ASCAMPA vai tomar. Este é o vir a ser da Clínica, no seu durante e no seu após.

A clínica-pesquisadora, por sua vez, tem “satisfação em ver a teoria e o método dando certo… pois se propôs ao grupo a criação de um espaço de escuta do sofrimento, para transformar a organização do trabalho. E as mudanças são perceptíveis… embora fique a sensação de que a Clínica termina, mas o trabalho não… pois há muitas novas discussões e deliberações a serem feitas… e o ciclo continua…” (Memorial da 12a Sessão, 09 jun 2012).

Observou-se a mudança na forma de se verem e de verem o coletivo da Associação. No início, reclamavam que eram poucos, fracos, individualistas, ao final: “É muito interessante […] de se organizar porque a gente achava assim difícil, mas tudo tem solução basta ter o consenso que depende de cada um de nós, a união faz a força, a gente sozinho não consegue […], nós temos que aprender a confiar um no outro [..]  trabalho nós melhora a cada dia mais, então estamos de parabéns a gente esta de parabéns mesmo quando fala somos poucos, mais uns poucos que acreditem” (Transcrição da Reunião de Discussão do Relatório Final, 06 jul 2012). A confiança como base para a cooperação é percebida pelos catadores e, assim, reconhecida na Reunião de Discussão de toda a Clínica, o que foi muito importante para a continuidade da mobilização do coletivo.

Atualmente, um ano e seis meses após a criação do Coletivo Gestor, a ASCAMPA colhe alguns frutos desta mobilização. Articulam a constituição de uma Cooperativa; contam com o trabalho de uma estagiária do Curso de Administração da UFT, via Projeto do NESol, no apoio administrativo-financeiro, desde outubro de 2013 e são proponentes do Projeto CATAFORTE – Negócios Sustentáveis em Redes Solidárias, do qual participam oito Associações e Cooperativas do Estado, contam com recursos do Ministério do Trabalho e Emprego e Fundação Banco do Brasil para o próximo ano, para tal contam com a Parceria do Instituto de Direitos Humanos e Meio Ambiente de Palmas-TO.

 

Referências:

Dejours, C. (2012b). Trabalho vivo: trabalho e emancipação (Tomo 2, F. Soudant trad.). Brasília: paralelo 15. 222 p.

Mendes, A. M & Araújo, L. K. R. (2012). Clínica Psicodinâmica do Trabalho: o sujeito em ação. Curitiba, Juruá. 154 p.

Nota:

Este texto é baseado no capítulo 8 da tese da primeira autora, orientada pela segunda autora, extraído de: Ghizoni, L. D. (2013). Clínica Psicodinâmica da Cooperação na Associação de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis da Região Centro Norte de Palmas – TO (ASCAMPA).Tese de Doutorado. Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações. Brasília, DF.

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