Quando a Vida Floresce em Novos Caminhos: Minha Jornada na Psicologia aos 50

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Iniciar uma segunda graduação aos 50 anos, quase três décadas após me formar em Fisioterapia, representou e ainda representa uma travessia rumo a um renascimento pessoal e profissional inesperado e profundamente gratificante.

A psicologia sempre exerceu um fascínio em mim, intensificado pela leitura das obras de Irvin D. Yalom, como “Quando Nietzsche Chorou”, “Mentiras no Divã” e “Mamãe e o Sentido da Vida: Histórias de Psicoterapia”, entre tantos outros títulos que me cativaram profundamente. A escrita perspicaz e a abordagem existencialista desse renomado psiquiatra americano, professor emérito de Stanford, foram uma constante fonte de inspiração. E assim, em meio ao cenário da pandemia de Covid-19, retornei a vida acadêmica, sendo que os três primeiros semestres transcorreram no ambiente virtual.

O início da faculdade foi uma experiência compartilhada com minhas amigas Lúcia, Cristina e Glaucilene. Juntas, demos os primeiros passos nessa nova jornada universitária, que para mim representava também um mergulho no meu próprio processo de individuação, uma jornada que se constrói a cada dia e que ainda estou a percorrer. A vida, porém, nos leva por diferentes sendas, e Lúcia e Cristina acabaram seguindo outros percursos, enquanto eu e Glaucilene mantivemos o firme propósito de avançar nos estudos da psicologia.

Em alguns momentos, pensei em desistir. Mas, como escreveu Clarice Lispector, “depois do medo, vem o mundo”. E é tão real! A gente tem medo do novo, tem medo de ir, tem medo de mudar. Uma frase de uma música do Caetano me representa neste processo: “e a mente apavora o que ainda não é mesmo velho”. 

Um fator determinante para minha jornada foi a disciplina “Psicologia Analítica”, ministrada pelo professor Sonielson Luciano. Por meio de suas aulas, comecei a desvendar a riqueza do mundo psíquico, a compreender a força dos arquétipos que moldam nossa experiência e a dinâmica sutil dos complexos que influenciam nosso comportamento. Essa nova lente de análise tornou a jornada profundamente enriquecedora e apaixonante. Minha idade, outrora um receio, transmutou-se em bagagem, em um acúmulo de experiências que enriquecem minha compreensão da complexidade da vida.

Ao mergulhar nos estudos da alma humana, encontrei ressonâncias inesperadas com minha vivência pregressa. A experiência na Fisioterapia, com suas nuances de dor física e emocional, revelou-se um terreno fértil para a compreensão da intrínseca ligação entre corpo e mente. Descobri que minhas “feridas” da vida, minhas próprias lutas e superações, paradoxalmente, me conferiam a capacidade de ser, como na mitologia grega, um Quíron moderno: um curador ferido, capaz de auxiliar outros em seus processos de cura justamente por ter experimentado a vulnerabilidade.

Com a perspectiva de me tornar psicóloga ao final de 2025, aos 55 anos, sinto que a jornada iniciada aos 50 segue com uma força revigorada. Aquele medo inicial, outrora presente, cede espaço a uma confiança serena, firmemente ancorada na certeza de que a vida se tece em um constante recomeço, numa espiral de aprendizados e transformações. Permito-me, com entusiasmo renovado, ser aprendiz a cada instante, desconstruindo velhas convicções para acolher as inúmeras possibilidades: uma delas, aposentar como fisioterapeuta e recomeçar como psicóloga. Sigo com a convicção de que a idade jamais poderá restringir a busca pelo conhecimento e a concretização de um propósito.

Minha jornada e de tantos que se reinventam após os 50 anos, que aos olhos do mundo pode ter se iniciado tardiamente, revela-se profundamente enriquecedora e gratificante, demonstrando que o tempo, longe de ser um empecilho, pode atuar como um poderoso catalisador para o crescimento tanto pessoal quanto profissional. E, ecoando a sabedoria de Clarice, celebro o vasto mundo que se descortinou após a superação do medo, um universo onde a maturidade se harmoniza com a renovação, e a experiência nutre uma insaciável sede de aprender e de contribuir, impulsionada pela profunda compreensão da psique humana que a obra de Jung me proporcionou.

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Terminando o curso de psicologia: a solidão e monotonia que nos atravessa

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O último ano de qualquer curso do ensino superior é algo que sempre nos leva a dois sentimentos latentes: a ânsia de finalizar essa etapa e pegar o diploma; e o medo de errar, de não estar pronto para esse processo. 

Desde pequena, sempre quis minha independência, morar sozinha em uma cidade grande, seguir meus próprios caminhos com liberdade de escolha. Isso não só lançou uma sombra sobre a minha infância e adolescência, marcada pela sensação de não pertencimento e de insatisfação pelas limitações físicas e emocionais dessas fases. Eu sonhava em me tornar adulta e viver os prazeres geralmente associados à fase, tendo em mente obviamente das dificuldades e obstáculos.

Quando finalmente entrei na faculdade, senti que entrei em um outro universo, um mais flexível e repleto de oportunidades e chances de escolha, especialmente por causa da grade aberta. Eu não era necessariamente novata na psicologia por ser transferida, mas também não era uma veterana, o que acabou me colocando em uma posição de um certo “não pertencimento” novamente, porém não na mesma magnitude que no ensino médio e fundamental.

Apesar das circunstâncias, fui capaz de cultivar boas amizades e relações ao longo desse percurso, de uma forma que minha própria percepção de self mudou de forma positiva. Andar pelos corredores e ser cumprimentada de forma genuína, receber perguntas de colegas, curiosos para me conhecer melhor, tudo isso amenizou a sensação de que eu sempre seria a “esquisitinha sem amigos”. Conheci gente de todas as idades, formas, gostos e estilos de vida, o que abriu meu olhar sobre o que o mundo e a vida adulta poderia oferecer: era mais do que eu poderia ter imaginado enquanto criança.

Ao longo dos semestres, fui percebendo aos poucos o que a grade aberta e a transferência com aproveitamento de disciplinas implicava: um processo gradual de distanciamento dos outros, que aos poucos pegavam cada vez menos matérias comigo.

Acho que o fim da picada de fato foi o último ano de curso. Comecei a tomar antidepressivos, a pouca vontade que eu já tinha de levantar da cama e fazer algo (especialmente atividades de lazer) parecia ter sumido. Ao longo do curso eu já havia perdido interesse nos amados videogames, em desenhar, em sair de casa…já no último ano eu não só comecei a ver o lazer como uma obrigação e mais uma responsabilidade para cumprir, como também comecei a procrastinar o meu autocuidado para me dedicar às responsabilidades do último ano. Juntando tudo isso com a minha tendência ao medo de abandono extremo (graças ao borderline), eu comecei a ter a total certeza de que eu poderia sumir e que isso não faria a menor diferença.

E justo quando a gente pensa que não pode piorar, piora. Último semestre… não sei nem por onde começar a descrever as sensações que esse semestre está me proporcionando… para começar, já digo logo que a sensação é de que estou fazendo o 9º período de novo. Nada de novo, nada de diferente, nada excitante ou minimamente motivador. E para piorar, é cada vez mais difícil de conseguir achar horário em comum com meus amigos para podermos sair no final de semana. Sinceramente? Eu estou no último período e assim que me formar vou me mudar de cidade, e sinto que sequer estou conseguindo aproveitar esses últimos momentos de vida universitária com meus amigos.

Tudo bem, eu to entendendo que sua vida tá corrida, que você tem outros problemas e responsabilidades, mas se a gente sequer consegue achar um tempo de troca, isso sequer é amizade? O que é a relação com outro se não uma troca? O que estamos trocando? Bom dia(s) apenas? “Opa, tudo bom?” E passa reto sem ouvir uma resposta… ah, sem falar de como isso muda completamente quando nosso coleguinha fica solteiro… volta o cão arrependido…

Tô ligada que existem níveis de prioridade, mas é sacanagem ver a falta de esforço e compromisso zero que as relações de amizade possuem atualmente. “To cansado, hoje não dá…” mas se fosse para uma rapidinha insalubre com um desconhecido, a pessoa é capaz de mover oceanos.

Mas se eu decido ficar em casa, deitada, mofando, olhando pro teto porque não há absolutamente nada minimamente reforçador no meu dia a dia, eu tenho que ouvir que sou completamente responsável por isso. Tem finais de semana que eu praticamente imploro por migalhas de atenção dos meus amigos, mas sim, eu com certeza tô escolhendo ficar nesse estado de paralisia que (se choquem agora) eu sequer tenho vontade de comer, mesmo com a barriga doendo de fome. Tá tudo tão sem graça que eu sinto meu corpo lentificando, minha fala se arrastando e até o corpo caindo pro lado, lentamente. Isso porque eu estou com a terapia e medicamentos em dia. 

O resumo da ópera é bem simples: meu discurso pode não fazer o menor sentido para você leitor, até você chegar no último semestre e perceber que novamente está no “do terceirão pra vida” (ninguém nunca mais se falou). Aqui lavo minhas mãos e digo, BRASÍLIA EU TO CHEGANDO!

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Meu percurso pela universidade na meia-idade – quando o perder-se é encontrar-se

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Não saias! É no interior do homem que habita a verdade

No início deste ano de 2025, me deparei dentro de um grupo de “formandos em Psicologia”. É difícil acreditar que esse percurso já está finalizando. Confesso que foram muitos os momentos em que a vontade de desistir bateu forte. Cursar uma universidade não é um processo simples, muito menos fácil. Mas de onde surgiu essa ideia de cursar Psicologia em plena meia-idade?

Tudo começou em 2020, quando o mundo vivenciava a pandemia do COVID-19. Uma tragédia mundial que levou à morte de milhares de pessoas. No meio ao caos, eram muitas as oportunidades de reflexões e mudanças de atitude diante da vida. Diante do imperativo “fica em casa”, encontrei uma oportunidade de participar de um programa no YouTube chamado “Vai pra dentro”, proposta do Psicólogo junguiano Marlon Reikdal, onde tinha como mote um adágio alquimista citado por Jung: “Não saias! É no interior do homem que habita a verdade” e, a partir desse programa, vivenciei uma experiência transformadora através do autodescobrimento como filosofia de vida. 

No início do ano de 2021, ainda em plena Pandemia, um grupo de amigas saiu com a brilhante ideia de fazermos o curso de Psicologia juntas e resolvi aceitar o desafio. Não foi uma decisão fácil e confesso que eu, particularmente, sozinha, não empreenderia tal iniciativa. Mas como era um grupo de quatro amigas, resolvi encarar. E, quando efetivamente conseguimos fazer a matrícula, senti um frio na barriga, com uma sensação dupla: empolgação e medo ao mesmo tempo. Na minha cabeça, apareciam os questionamentos de dúvidas: como assim, voltar para uma universidade após os 50 anos? Mas você não está aposentada? Vai enfrentar uma turma de jovens que acabaram de sair do ensino-médio, como será essa convivência? E os trabalhos acadêmicos e as provas? 

Por outro lado, meu estilo aventureiro e amante do processo de aprendizagem vibrava e vivenciava um recomeço, um novo vir a ser, era um sentimento de vida pulsando dentro de mim. E não seria um curso qualquer, iríamos cursar Psicologia – uma ciência que estuda o ser humano em todas as suas expressões, as visíveis (comportamento), as invisíveis (processos psíquicos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos todos assim). Quem não se interessa por uma jornada de conhecimentos sobre o ser humano e suas subjetividades?

E foi assim que passei a cursar Psicologia. No primeiro ano, as aulas ainda estavam de forma on-line, uma alternativa interessante, onde assistíamos às aulas em casa e, apesar de não haver uma vivência de sala de aula, foi um processo tranquilo e uma experiência nova e com muito aprendizado. No grupo de amigas, decidimos que iríamos fazer poucas disciplinas, levando o curso de forma bem leve, sem estresse. Por sermos portadoras de diploma, tivemos o aproveitamento de várias disciplinas, esse foi outro incentivo motivador nessa trajetória. 

Uma grata surpresa que tive ao iniciar o curso foi me deparar com um grande número de colegas também vivenciando a meia-idade. Muitas pessoas cursando a segunda ou terceira graduação e, para minha alegria, reencontrei alguns outros amigos e amigas, éramos muitos. A jornada tinha tudo para ser uma rica experiência. Nesse percurso de estudante na meia-idade, encontrei colegas vivenciando momentos de grandes transformações e mudanças próprias desse período. Percebi que muitos viviam tanto as turbulências emocionais, causadas por situações de dúvidas e ansiedades, ao colocar em xeque os valores que serviram de direcionamento e sustentação à sua vida até o momento; mas, ao mesmo tempo, experimentavam as possibilidades e as novas oportunidades que estavam por vir com essa mudança na direção do percurso.

E, assim, adentramos na jornada significativa pelo fascinante mundo da formação em Psicologia. Desde o primeiro ano, nas primeiras aulas, nos deparamos com a ideia de que existem várias Psicologias, no plural, refletindo as diferentes abordagens e escolas de pensamento que compõem essa profissão e suas múltiplas áreas de atuação. Essa diversidade nos convidou a questionar: qual é o verdadeiro significado de ser psicólogo? Como cada abordagem contribui para compreender a complexidade da mente e do comportamento humano?

O curso nos levou a entender sua história e a complexa definição de seu objeto de estudo. A Psicologia se dedica à subjetividade humana — a forma como pensamos, sentimos, fantasiamos, nos comportamos, amamos — ou seja, o modo único de ser de cada pessoa. Além disso, aprendemos que ela também reconhece o contexto social e histórico que influencia esses fenômenos, nos levando a refletir que somos fruto de nossas experiências de vida e do ambiente que vivemos. 

Ao longo dos semestres, vivenciamos diversas experiências, algumas desafiadoras e até dolorosas. Alguns colegas desistiram, inclusive duas amigas das quatro do nosso grupo inicial, o que nos fez questionar: por que continuar? Quais são as nossas motivações mais profundas? Os desafios eram constantes, e a vontade de abandonar o curso às vezes parecia maior do que a força para seguir em frente. Um fato marcante e o maior motivo da continuidade nesse percurso foi a presença da minha colega e amiga Marildes Rocha. Juntas, formávamos uma dupla inseparável nos trabalhos, estudos, estágios, nas caronas e em todos os momentos na universidade. Quando via uma de nós sozinha, era comum surgir a pergunta: cadê a sua amiga? Essa conexão forte e o apoio mútuo reforçaram minha certeza de que, mesmo diante dos obstáculos, não estávamos sozinhas nessa jornada. Era essa parceria que nos dava força para seguir em frente, acreditando que o crescimento pessoal e as mudanças que buscávamos valiam cada esforço.

Fonte: imagem de arquivo pessoal

Ao final do quarto ano de curso, tive contato com todas as abordagens e escolas de pensamento oferecidas pelo curso. Identifiquei-me profundamente com as psicologias profundas, especialmente as psicodinâmicas, como a Psicanálise e a Psicologia Analítica. Essas abordagens despertaram algumas reflexões: como podemos compreender o inconsciente e os processos internos que influenciam nossas ações e emoções? Quem somos nós para além dos anos de vida, da nossa história e dos papéis que representamos? Essa compreensão me impactou positivamente. Saber que somos mais do que imagina nosso eu consciente às vezes assusta, mas também é transformador.

As surpresas de fazer um curso de Psicologia são muitas. Novas áreas de trabalho aparecem, assim como o compromisso social que ela exige. Entre esses compromissos, destaca-se a defesa de políticas públicas de saúde mental que sejam acessíveis e gratuitas. Isso nos faz refletir sobre o papel do psicólogo não só nos atendimentos clínicos individuais, mas também na atuação voltada para a coletividade, pensando na transformação social e na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Ao estudar Psicologia Social e Intervenção Psicossocial, também revisitei conteúdos da minha formação em Serviço Social, o que foi extremamente gratificante. Essa experiência reforçou a compreensão de que a Psicologia possui um compromisso social forte, apoiado por um arcabouço teórico e metodológico que pode promover mudanças concretas na realidade brasileira. 

Enfim, cursar Psicologia na segunda metade da vida, representa um mergulho interno em direção à integração e ao desenvolvimento subjetivo. Nesse momento, somos convidados a atender ao clamor de nossa vida interior, questionando o significado da vida e indagando se não haveria algo a mais a ser conquistado. Para Carl Gustav Jung, criador da Psicologia Analítica e referência nos estudos ligados à segunda metade da vida, essa fase é marcada por momento de transição com mudanças significativas e assevera que, no entardecer da vida:

[…] Para o jovem constitui quase um pecado ou, pelo menos, um perigo ocupar-se demasiado consigo próprio, mas para o homem que envelhece é um dever e uma necessidade dedicar atenção séria ao seu próprio Si-mesmo. Depois de haver esbanjado luz e calor sobre o mundo, o Sol recolhe os seus raios para iluminar-se a si mesmo. (JUNG, 2000, p. 167).

A contemporaneidade e a valorização cultural da jovialidade faz uma negação do processo de envelhecimento. Essa transição da vida adulta para a velhice, chamada por Jung de metanóia, é marcada pela morte simbólica e uma ameaça ao pertencimento à sociedade. Portanto, o ingresso em um curso de Psicologia após os 40 anos é uma oportunidade de vivência de rica experiência simbólica de passagem e renascimento para outro lugar de posicionamento existencial. 

Referência:

JUNG, C. G. A natureza da psique. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. (Obras completas de C. G. Jung, v. 8/2).

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A experiência de estar em ênfase clínica

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Quando entramos no curso de psicologia, muitas vezes fantasiamos como será a prática clínica, como poderemos ajudar as pessoas com a nossa profissão e nos enchemos de expectativas sobre a profissão. Acho que é seguro dizer que essas expectativas são comuns e normais para todo tipo de curso, porém, é perceptível de que quando falamos de saúde (física ou mental), muitos estufam o peito e alimentam o seu próprio ego com a falsa ideia de que estão salvando vidas.

Essa lógica de “salvador”, para mim, se torna uma das piores e mais horríveis coisas que alguém pode fazer na psicologia, como se o sofrimento e anos de uma história cheia de atribulações fossem magicamente resolvidas por fulaninho estagiário (ou formado). É como apagar o protagonismo do paciente que todos os dias luta à caminho de uma melhora, mesmo que, para o olho nu, ele não esteja se esforçando o suficiente.

Quando finalmente chegamos no último ano de curso, geralmente, caímos na realidade da nossa própria “insignificância”: É como se o paciente estivesse trilhando ruas e caminhos desconhecidos, segurando uma pequena vela que alcança um campo de visão ainda muito miúdo, caminhando nessa escuridão com a crença de que só há aquele caminho. Nós somos meros andarilhos, caminhando com um lampião (que apesar de ampliar o campo de visão, ainda não é absoluto), caminhando lado a lado desse paciente e iluminando curvas e trilhas que antes não eram perceptíveis. Por vezes, o paciente toma esse lampião e explora por si, ainda se agarrando à vela. Em outros momentos, ele permite que nós iluminemos o caminho com o lampião, mas ainda se guiam pelo campo de visão de sua vela, e por aí vai.

Somos limitados e incapazes de prever e enxergar todas as curvas e trilhas possíveis, mas conseguimos acompanhar e iluminar alguns caminhos, sendo então decisão do paciente seguir o caminho que mais lhe faz sentido.

Na minha prática clínica, costumo dizer que eu, enquanto estagiária e futura psicóloga, não estou “fazendo um grande mousse”, e que as conquistas do paciente são de seu mérito. Porque sim, a concepção de “eu fiz isso”, “eu consegui”, “eu fiz o que pude”, ou seja, o protagonismo do paciente, se vê muito mais saudável e significante ao longo prazo, tendo em vista que somos meros andarilhos, e que nossa ajuda é passageira na longa estrada que o paciente enfrenta e terá de enfrentar.

Muitas vezes, precisei perguntar aos pacientes se havia algo que eles pudessem fazer de diferente ou como eles se sentem sobre as decisões que têm tomado, o que os leva a perceber que o sofrimento às vezes vem de uma necessidade de controle sobre aspectos que fogem do seu agir. Às vezes, é sobre o sofrimento decorrente de algo que talvez nunca mude por estar fora de seu controle, e o que fazer a partir disso. É refletir sobre os motivos pelos quais isso me afeta tão profundamente, ou os recursos que possuo enquanto paciente para diminuir um pouco aquela angústia. Não é sobre uma cura, uma salvação, ou uma felicidade imensurável, mas talvez a mínima paz de saber que tenho feito o possível, e isso me satisfaz.

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Gamificação e Psicologia: como jogos digitais moldam comportamentos

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Explorar a influência dos jogos digitais e da gamificação no comportamento humano, destacando efeitos psicológicos positivos, negativos e a aplicação da gamificação em diversos contextos.

No mundo hiperconectado de hoje, os jogos digitais vão além do simples entretenimento, tornando-se um fenômeno cultural que influencia profundamente os comportamentos e a vida de milhões de pessoas. A gamificação, que envolve a aplicação de elementos típicos de jogos em contextos não lúdicos, emergiu como uma ferramenta poderosa em várias áreas, desde a educação até a saúde mental. Contudo, como qualquer ferramenta, seu impacto pode ser tanto benéfico quanto prejudicial. Neste texto, exploraremos como a gamificação e os jogos digitais influenciam a psicologia humana, destacando os benefícios, como o aumento da motivação e do aprendizado, bem como os riscos, como o vício e o isolamento social.

O Poder da Gamificação na Motivação e no Aprendizado

A gamificação tem mostrado ser uma estratégia eficaz para aumentar a motivação e o engajamento em diversos contextos. Elementos como recompensas, níveis e desafios são projetados para tornar as atividades cotidianas mais atraentes e envolventes. No ambiente educacional, o uso dessas técnicas tem demonstrado melhorar o desempenho acadêmico e aumentar a retenção de conhecimento (Clark et al., 2019). Quando recompensados por completarem tarefas ou atingirem objetivos, os alunos tendem a experimentar um aumento na motivação intrínseca, resultando em um aprendizado mais eficaz e prazeroso.

                                                                                                                                                                                                Fonte: www.freepik.com

Além da educação, a gamificação também está sendo utilizada em programas de saúde para promover comportamentos saudáveis. Aplicativos que incentivam a prática de exercícios físicos ou o controle da dieta, por meio de metas diárias e recompensas virtuais, têm mostrado resultados positivos em termos de adesão e persistência (Koivisto & Hamari, 2019). Esses exemplos mostram como a gamificação pode transformar atividades consideradas tediosas em desafios empolgantes que motivam as pessoas a alcançar seus objetivos.

   Fonte: www.freepik.com

Outro aspecto relevante da gamificação é sua capacidade de promover a colaboração e o trabalho em equipe. Em ambientes corporativos, por exemplo, a implementação de sistemas gamificados pode estimular a interação entre colegas, criando um senso de comunidade e propósito compartilhado. Jogos que envolvem a resolução de problemas coletivos ou o cumprimento de missões em grupo podem fomentar habilidades de comunicação, cooperação e liderança, essenciais para o sucesso em ambientes de trabalho modernos (Liu et al., 2020). Essa abordagem não só melhora a produtividade, mas também contribui para a satisfação no trabalho, criando um ambiente mais dinâmico e engajador.

Fonte: www.freepik.com

O Lado Sombrio dos Jogos Digitais: Vício e Isolamento

Apesar dos benefícios, o impacto dos jogos digitais na saúde mental também pode ser prejudicial. O vício em jogos é uma preocupação crescente entre profissionais de saúde. A busca constante por recompensas instantâneas, uma característica comum nos jogos, pode levar ao desenvolvimento de dependência comportamental, onde o indivíduo sente necessidade de jogar continuamente, mesmo que isso interfira em sua vida pessoal e profissional (Kuss et al., 2019).

Além disso, o isolamento social é outro efeito colateral negativo do uso excessivo de jogos digitais. Jogadores que passam longas horas imersos em mundos virtuais podem começar a negligenciar interações sociais no mundo real, o que pode levar ao isolamento e à diminuição das habilidades sociais (Zhu et al., 2020). Esses impactos são particularmente preocupantes em crianças e adolescentes, cujas habilidades sociais e emocionais ainda estão em desenvolvimento.

A questão do isolamento torna-se ainda mais complexa quando consideramos os “jogadores solitários”, que preferem jogos single-player e acabam dedicando muito tempo a essas atividades, em detrimento de interações no mundo real. Embora esses jogos ofereçam experiências ricas e imersivas, eles também podem contribuir para um sentimento de desconexão com a realidade. Estudos indicam que a falta de interação social, combinada com o uso excessivo de jogos, pode aumentar os níveis de ansiedade e depressão, especialmente em indivíduos predispostos a essas condições (Bányai et al., 2019).

Outro ponto crítico é o impacto dos jogos competitivos online, que podem exacerbar comportamentos agressivos e aumentar o estresse. Em ambientes altamente competitivos, os jogadores podem sentir uma pressão constante para performar bem, o que pode resultar em aumento da agressividade e deterioração da saúde mental. Essa pressão pode gerar comportamentos tóxicos, como bullying virtual e abuso verbal, que afetam negativamente a experiência de jogo e têm consequências reais para a saúde mental dos jogadores (Anderson et al., 2020).

Gamificação em Diversas Áreas: Potencial e Preocupações

A gamificação está sendo aplicada em uma variedade de áreas, desde o marketing até a saúde mental, com o objetivo de engajar e motivar pessoas. No setor corporativo, por exemplo, empresas têm utilizado gamificação para melhorar a produtividade e o envolvimento dos funcionários, transformando tarefas monótonas em desafios que estimulam a competitividade saudável e o espírito de equipe (Koivisto & Hamari, 2019).

No entanto, é essencial que essas aplicações sejam feitas de maneira equilibrada e responsável. A busca incessante por engajamento pode levar ao esgotamento e ao estresse, principalmente se os desafios forem percebidos como inatingíveis ou se as recompensas não corresponderem ao esforço investido (Zhu et al., 2020). Portanto, a gamificação deve ser projetada de forma a promover o bem-estar e o desenvolvimento pessoal, sem sacrificar a saúde mental dos usuários.

Além disso, a gamificação tem potencial para ser explorada em áreas como a reabilitação física e mental. Em reabilitação física, jogos digitais e sistemas gamificados têm sido usados para motivar pacientes a seguirem regimes de exercícios que, de outra forma, seriam vistos como tediosos ou dolorosos. Ao incorporar elementos de jogo, como metas e recompensas, pacientes se sentem mais engajados e motivados a continuar com a terapia, o que pode resultar em melhores resultados de recuperação (Deutsch et al., 2021). Na saúde mental, técnicas de gamificação têm sido aplicadas para ajudar indivíduos a gerenciar condições como ansiedade e depressão, através de jogos que ensinam habilidades de enfrentamento e promovem o bem-estar emocional (Fleming et al., 2020).

Conclusão

A gamificação e os jogos digitais têm o potencial de moldar comportamentos de maneiras poderosas, tanto para o bem quanto para o mal. Quando utilizados de forma consciente e equilibrada, eles podem aumentar a motivação, melhorar o aprendizado e promover comportamentos saudáveis. No entanto, é crucial estar atento aos riscos associados, como o vício e o isolamento, e garantir que a gamificação seja aplicada de maneira a apoiar o desenvolvimento saudável e equilibrado. Ao compreender e gerenciar esses impactos, podemos aproveitar ao máximo o potencial positivo dos jogos digitais na vida moderna.

 

Referências

ANDERSON, C. A.; SHIBUYA, A.; IHM, J. W.; et al. Aggressive behavior in virtual environments and its relationship with real-world aggression: A meta-analysis. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 46, n. 10, p. 1549-1565, 2020.

BÁNYAI, F.; ZSILA, Á.; KIRÁLY, O.; et al. Problematic social media use: Results from a large-scale nationally representative adolescent sample. PLOS ONE, v. 14, n. 6, e0217299, 2019.

CLARK, D. B.; TANNER-SMITH, E. E.; KILBURN, C. M. Digital games, design, and learning: A systematic review and meta-analysis. Review of Educational Research, v. 89, n. 3, p. 385-418, 2019.

DEUTSCH, J. E.; BORBNIK, A.; KOPRIVA, G. Self-guided game-based rehabilitation for individuals with spinal cord injury: A pilot study. Games for Health Journal, v. 10, n. 3, p. 172-180, 2021.

FLEMING, T.; BOWIE, C.; ALPASS, F.; et al. The effectiveness of a gamified online intervention at improving youth mental health: A randomized controlled trial. Journal of Medical Internet Research, v. 22, n. 4, e13705, 2020.

KUSS, D. J.; GRIFFITHS, M. D.; PONTES, H. M. Internet addiction: the end of the road? In: Internet Addiction. Palgrave Macmillan, Cham, 2019. p. 353-375.

KOIVISTO, J.; HAMARI, J. The rise of motivational information systems: A review of gamification research. International Journal of Information Management, v. 45, p. 191-210, 2019.

LIU, D.; LIU, M.; ZHANG, X. How gamification motivates: An exploration of the theoretical mechanisms of gamification. Computers in Human Behavior, v. 107, p. 106313, 2020.

ZHU, Y.; LAMPERT, T.; GUTWIN, C.; et al. Exploring the impact of competitive games on stress, social connection, and motivation. In: Proceedings of the 2020 CHI Conference on Human Factors in Computing Systems. 2020. p. 1-14.

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Interdisciplinaridade: a nova fronteira no tratamento de pacientes em Home Care

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Como diferentes profissionais colaboram à promoção da saúde mental do paciente em home care.

Primeiro, precisamos entender o que é home care. O conceito de “cuidado em casa” surgiu como forma de atender a necessidade de tornar os serviços de saúde mais acessíveis, personalizados e centrados no paciente, permitindo que o cuidado fosse oferecido no ambiente familiar, e proporcionasse conforto e segurança, especialmente para aqueles com doenças crônicas, idosos ou pacientes em fase terminal. A transição dos cuidados de saúde para o domicílio é uma evolução importante em relação ao modelo tradicional, que era predominantemente focado em unidades de saúde, como USF (Unidade de Saúde da Família) e hospitais de grande porte. Esse modelo centralizado, embora eficaz para tratamentos agudos e intervenções cirúrgicas, mostrou-se limitado para atender às necessidades de cuidados continuados e personalizados, especialmente para pacientes com condições crônicas ou aqueles que necessitam de cuidados paliativos e com dificuldade de mobilidade.

O aumento da expectativa de vida e a prevalência de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e doenças cardíacas, pediram por uma reavaliação de como os cuidados de saúde são oferecidos no Brasil. A demanda por um atendimento mais próximo e humanizado impulsionou a expansão do home care como uma alternativa viável e necessária.

Os benefícios desse serviço são diversos e vão desde a personalização do cuidado, pois permite que o paciente seja tratado de maneira individualizada e com um plano específico de cuidados relacionados às suas necessidades, como a redução de riscos hospitalares, maior autonomia, qualidade de vida e conforto. Para que o sucesso do home care aconteça, faz-se necessário a Equipe Multidisciplinar, uma junção de vários profissionais da saúde trabalhando em conjunto para atender às diversas necessidades do paciente. Essa equipe pode incluir médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, cuidadores e terapeutas ocupacionais, cada um desempenhando um papel específico e direcionado na manutenção e melhoria da saúde do paciente.

O trabalho em equipe no home care permite a divisão de responsabilidades na tomada de decisões sobre o direcionamento dos tratamentos, o que não significa que a responsabilidade individual de cada profissional seja reduzida em relação ao paciente, mas sim que a colaboração entre diferentes perspectivas aumenta as chances de considerar todas as implicações antes de definir as condutas. Além disso, essa abordagem facilita o atendimento, pois um único profissional não precisa lidar com todas as queixas do paciente, especialmente aquelas que se referem a áreas fora de sua expertise. Contudo, como a formação acadêmica individual geralmente não prioriza o trabalho em equipe, essa forma de atuar só pode ser desenvolvida na prática.

Observando o funcionamento da Equipe disciplinar, tem-se: o médico, que coordena o plano de tratamento e monitora a saúde do paciente; o enfermeiro, administrando medicamentos, realizando curativos e monitorando sinais vitais; o fisioterapeuta, que trabalha para melhorar a mobilidade e prevenir complicações físicas; o nutricionista, profissional que elabora planos alimentares que atendem às necessidades específicas do paciente; o terapeuta ocupacional, que adapta atividades diárias para promover a independência; o fonoaudiólogo, auxiliando com dificuldades de fala e deglutição; o assistente social, oferecendo apoio logístico e conectando a família a recursos comunitários; e o cuidador, que auxilia nas atividades diárias, proporcionando apoio contínuo e companhia. Perceba que para todos, existem funções muito específicas e necessárias à saúde física e mental do paciente, e é claro que a Equipe Multidisciplinar pode mudar de formação, a depender da disponibilidade de profissionais na cidade. Mas e o psicólogo, onde fica nisso tudo?

O papel do psicólogo nos serviços de home care

“O psicólogo que participa de uma equipe que faz atendimento em domicílio pode trazer, para os outros membros que a compõem, a subjetividade do paciente, do seu cuidador e da família. É seu papel, também, facilitar a comunicação entre a equipe e os pacientes e/ou familiares.” (Laham, 2004)

                                                                                                                                   Fonte: Freepik

A atuação do psicólogo no home care faz-se fundamental na garantia de um cuidado integral que vá além das necessidades físicas do paciente, abordando também seus aspectos emocionais e psicológicos. De uma escuta ativa ao acolhimento, o psicólogo exerce por diversas vezes, um papel de apoio diante das circunstâncias às quais se envolvem o paciente e sua família em meio à doença. Esse apoio pode versar inclusive sobre o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento para lidar com as mudanças em sua vida, como a perda de independência, a adaptação a uma nova realidade física ou mental, e o enfrentamento de diagnósticos graves ou terminais. Em situações de crise, o psicólogo pode trabalhar para reduzir o sofrimento imediato e proporcionar um alívio emocional que permita ao paciente e à família uma melhor gestão da situação.

É importante frisar que o suporte não se limita ao paciente, mas se estende também à família e aos cuidadores, que frequentemente enfrentam altos níveis de estresse e exaustão emocional ao lidar com as demandas do cuidado domiciliar. O psicólogo nesse caso, pode oferecer momentos de acolhimento para os familiares, ajudando-os a compreender as dinâmicas emocionais que surgem nesse contexto e fornecendo estratégias para manter o equilíbrio emocional. O psicólogo desempenha ainda um papel importante na psicoeducação, informando e educando o paciente e sua família sobre como os aspectos emocionais podem influenciar a saúde física. Esse trabalho pode ser desenvolvido com técnicas de relaxamento, manejo do estresse e comunicação eficaz, capazes de serem utilizadas no dia a dia para melhorar a qualidade do cuidado e a convivência familiar. Nos casos em que o paciente está em cuidados paliativos, o psicólogo ajuda tanto o paciente quanto a família a lidar com o processo de fim de vida. Isso inclui trabalhar na aceitação da condição, auxiliar no alívio do sofrimento emocional e preparar a família para a perda iminente, de maneira que o processo seja vivido com dignidade e o mínimo possível de sofrimento.

De maneira geral, o psicólogo contribui na promoção da qualidade de vida do paciente e dos seus. Isso envolve ajudá-los a ressignificar a experiência da doença, encontrando novos significados e propósitos que podem proporcionar um senso de bem-estar e realização, mesmo diante das limitações impostas pela condição de saúde. Lembrando que a atuação do psicólogo não acontece de maneira isolada ou autossuficiente sobre as outras atuações dentro da equipe multidisciplinar, ao contrário! É “a intervenção em equipe [que] possibilita que diferentes olhares auxiliem a criação de diferentes hipóteses”. (Brandão, 2001, p. 90).

 

Referências

BRANDÃO, S. N. Visita Domiciliar: Ampliando Intervenções Clínicas em Comunidade de Baixa Renda. Dissertação de Mestrado, defendida na Universidade de Brasília, 2001.

GAVIÃO, A. C. D., & PALAVÉRI, F. K. C. (2000). O papel do psicólogo. In Y. A. O. Duarte & M. J. D. Diogo, Atendimento Domiciliar: Um enfoque gerontológico. São Paulo: Atheneu. 

LAHAN, C. F. (2004) Peculiaridades do atendimento psicológico em domicílio e o trabalho em equipe. São Paulo. Disponível em: <link>. Acesso em 19 de agosto 2024.

SILVA, L. B. Doença Mental, Psicose e Loucura: Representações e Práticas da Equipe Multiprofissional de um Hospital-dia . São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

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Aspectos éticos na interseção entre Inteligência Artificial e Psicologia

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À medida que novas pesquisas surgem, os paradigmas existentes revelam falhas e contradições. Novos paradigmas, por sua vez, surgem com lacunas, pois não estão completos, e vão sendo moldados gradualmente à medida que novos fatos são demonstrados e aceitos (Kuhn, 1972).

Refletir sobre o futuro da Psicologia ou quaisquer áreas é um assunto difícil e pode gerar polêmicas. Pouco mais da metade (52%) dos universitários brasileiros usa inteligência artificial (IA) nos estudos, de acordo com uma pesquisa global realizada pela Chegg.org, o braço sem fins lucrativos da empresa de tecnologia educacional Chegg.

A rápida evolução da inteligência artificial está mudando a forma como interagimos com a tecnologia e entre nós mesmos. À medida que as máquinas se tornam mais sofisticadas e capazes de simular aspectos da inteligência humana, como a compreensão da linguagem natural, o reconhecimento de padrões e a tomada de decisões complexas, é crucial que os humanos desenvolvam habilidades para interagir de forma eficaz tanto com outras pessoas quanto com sistemas de IA. A interface entre inteligência artificial (IA) e psicologia é fascinante e cheia de considerações éticas importantes. Aqui estão alguns pontos-chave:

  • Privacidade e Confidencialidade: As IA podem lidar com dados altamente sensíveis sobre os usuários, especialmente quando aplicadas em psicologia e saúde mental. É essencial garantir que esses dados sejam protegidos e que a privacidade dos usuários seja respeitada.
  • Viés Algorítmico: As IA podem replicar e até amplificar os preconceitos humanos presentes nos conjuntos de dados usados para treiná-las. Isso pode resultar em decisões discriminatórias ou prejudiciais, especialmente em contextos psicológicos sensíveis. É crucial mitigar e monitorar esses vieses.
  • Transparência e Explicabilidade:  Os algoritmos de IA em psicologia devem ser transparentes e explicáveis. Os usuários precisam entender como as decisões são tomadas para confiar nos resultados, e os profissionais de saúde mental devem ser capazes de interpretá-los corretamente.
  • Consentimento Informado: É necessário garantir que os usuários estejam plenamente informados sobre como seus dados serão usados e como a IA afetará seu tratamento ou intervenção psicológica. O consentimento informado é fundamental para a ética em qualquer aplicação de IA na psicologia.
  • Responsabilidade e Prestação de Contas: Os desenvolvedores de IA e os profissionais de psicologia têm a responsabilidade ética de garantir que a IA seja usada de maneira ética e benéfica para os usuários. Mecanismos de prestação de contas são necessários para lidar com qualquer uso indevido ou consequências não intencionais.
  • Equidade e Acessibilidade: É essencial garantir que as IA em psicologia sejam acessíveis e equitativas, atendendo às necessidades de grupos diversos e minoritários. Isso inclui considerações sobre acesso à tecnologia, representação adequada nos dados e adaptação cultural.
  • Segurança e Bem-Estar do Usuário: A segurança e o bem-estar dos usuários devem ser prioridades em qualquer aplicação de IA na psicologia. Isso envolve garantir que a IA não cause danos psicológicos ou emocionais e que os usuários tenham recursos de apoio disponíveis, caso necessário.
                                                                    Fonte: https://s2-techtudo.glbimg.com/

Esses são apenas alguns dos pontos éticos fundamentais na interface entre IA e psicologia. O desenvolvimento ético e responsável nessa área é crucial para garantir que a tecnologia beneficie a saúde mental e o bem-estar das pessoas.

A interface entre Psicologia e Inteligência Artificial (IA) representa um campo emergente repleto de desafios intrigantes e complexos. Um dos principais desafios é a compreensão e modelagem das emoções humanas. A psicologia há muito tempo estuda as emoções e suas implicações no comportamento humano, enquanto a IA, através de técnicas como aprendizado de máquina e redes neurais, busca replicar ou reconhecer essas emoções em sistemas artificiais. Entretanto, a subjetividade e a complexidade das emoções humanas tornam essa tarefa extremamente desafiadora, exigindo modelos sofisticados e uma compreensão profunda da psicologia emocional.

                                                                                      Fonte:https://s2-techtudo.glbimg.com/

Outro desafio significativo é a ética no desenvolvimento e utilização da IA.O uso de IA na psicologia levanta questões éticas e de privacidade, especialmente em relação à segurança e proteção dos dados dos pacientes. É importante garantir que os sistemas de IA sejam desenvolvidos e utilizados de maneira ética e responsável, respeitando os direitos e a dignidade dos indivíduos. À medida que sistemas de IA se tornam mais integrados em nossas vidas, questões éticas sobre privacidade, consentimento e o potencial de viés nos algoritmos se tornam cada vez mais prementes. A psicologia pode contribuir para a criação de sistemas mais éticos, ajudando a identificar e mitigar preconceitos implícitos nos dados e algoritmos, além de promover o desenvolvimento de IA que respeite os direitos e a dignidade dos seres humanos.

Por fim, a interação humano-IA é um campo que demanda atenção especial. A psicologia tem muito a oferecer na compreensão de como as pessoas percebem e interagem com sistemas de IA. Questões como a confiança em sistemas de IA, a aceitação de decisões automatizadas e o impacto psicológico do uso prolongado de IA são áreas de pesquisa emergentes. A colaboração entre psicólogos e engenheiros de IA pode levar ao desenvolvimento de interfaces mais intuitivas e humanas, promovendo uma integração mais harmoniosa entre humanos e máquinas. Em resumo, a interface entre Psicologia e IA é rica em desafios, mas também oferece oportunidades significativas para avanços científicos e tecnológicos que beneficiem a sociedade.

A integração da Inteligência Artificial (IA) na área da Psicologia tem se mostrado significativa. O uso da IA na Psicologia pode promover avanços inovadores e desafiar paradigmas. O relacionamento entre Psicologia e tecnologia resulta em abordagens eficientes, acessíveis e consequentemente personalizadas no tratamento de questões psicológicas. Em resumo, enquanto navegamos por este futuro já presente, cheio de desafios e incertezas, a Psicologia se destaca como um farol de esperança.

Referências

Pasquali, L. (2008). A ciência da mente: a psicologia à procura do objeto. Brasília, DF: Autor.

KUHN, T. (1972). The structure of scientific revolutions. Chicago: Chicago University Press. 

A Psicologia na Era da Inteligência Artificial: O Inabalável Valor do Humano. Disponível em <: https://blog.cicloceap.com.br/tecnologia-e-psicologia-navegando-no-futuro-da-humanidade/  >. Acessado em 23 maio 2023.

Transformação digital na Psicologia: entenda tudo sobre o assunto. Disponível em <: https://blog.cognitivo.com/transformacao-digital-na-psicologia/ >. Acessado em 23 maio 2023.

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Os efeitos da inteligência artificial (IA) para os artistas: concorrentes ou parceiros?

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Culturalmente, tendemos a ver a IA como uma ameaça potencial, enraizada em nosso imaginário por filmes de Hollywood desde os anos 80, que retratam guerras apocalípticas entre máquinas e humanos e a ideia de uma revolta robótica pela dominação mundial.

A inteligência artificial te permite criar imagens detalhistas em segundos.

O filósofo e ensaísta espanhol Daniel Innerarity, considerado “um dos 25 pensadores mais influentes do mundo” pela revista francesa “Le Nouvel Observateur”, tem explorado intensamente o tema da criação por inteligência artificial. Em seu artigo “O sonho da máquina de criar”, Innerarity aborda a fascinação que a ideia de uma sociedade de criação automatizada provoca em nós.

Os programas de inteligência artificial têm alcançado sucessos espetaculares, não apenas nos domínios do cálculo, previsão analítica ou diagnóstico, mas também na composição musical, na modelagem criativa de processos visuais, em séries de televisão, no design arquitetônico e na escrita de histórias. Esses avanços levaram muitos a especular que, em breve, o ser humano será substituído em muitos campos, incluindo a criatividade. A questão de saber se a inteligência artificial pode produzir arte é fascinante e incerta. A arte gerada por IA poderia tomar conta de nossa criatividade artística, automatizando ou mecanizando a criatividade, como já se prevê para o trabalho ou a democracia. Se a criatividade artística era um dos últimos domínios de distinção entre humanos e computadores, esse bastião parece agora estar sendo demolido, e estaríamos entrando numa era de criações sem autores humanos.

Contudo, há uma diferença fundamental entre produzir algo baseado na digestão de milhares de obras de arte e criar algo original. A criatividade humana não pode ser imitada ou repetida; implica sempre uma certa transgressão que não pode ser reduzida a regras ou algoritmos estatísticos. A criatividade envolve irregularidade. Na computação, o que aparenta ser associações livres é, na verdade, algoritmicamente determinado, sem romper com nada ou trazer novidades radicais. Assim, a criatividade gerada por IA é, no melhor dos casos, uma imitação fraca da criatividade verdadeira.

Fonte: Daniel Innerarity em maio, em Lisboa, durante a conferência internacional “Inteligência Artificial e Cultura — Do Medo à Descoberta”, promovida pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)

As inovações tecnológicas da “arte gerada por inteligência artificial” não constituem necessariamente uma inovação artística. Computadores têm uma forma fraca de criatividade, que lhes permite reproduzir padrões de fala, sons ou formas, mas nada além disso. Não se pode esperar que um computador produza algo radicalmente imprevisível, como fizeram os criadores verdadeiramente disruptivos da história das artes.

A ideia de uma “imitação da criatividade” tem algum sentido? Essa interação entre arte e tecnologia já existia quando pintores utilizavam a fotografia como estudo preliminar. Artistas que trabalham com IA veem esses programas como ferramentas que os libertam de tarefas pouco criativas e abrem novas possibilidades. Esses programas democratizaram a criatividade, tornando-a mais acessível e permitindo que mais pessoas experimentem a arte em suas várias formas. Mesmo aqueles que não são particularmente dotados para a arte podem usar essas ferramentas para gerar resultados criativos.

Essa situação é semelhante ao embate que os pintores do realismo enfrentaram com a invenção da fotografia, temendo que esta extinguiria sua arte. Enquanto as máquinas imitam os criadores, estes últimos podem se dedicar ao que os caracteriza como tal, desafiando as fronteiras do inimitável. Ao contrário do pessimismo que diagnostica a mecanização do ser humano como o fim da criatividade, talvez se possa argumentar o contrário. “Quanto mais os seres humanos se mecanizam, mais reconfortante se torna a ideia de que as máquinas podem compreender alguma coisa de arte” (Rauterberg 2021, 195). A tentativa de gerar arte através das máquinas pode revelar precisamente o que elas não conseguem criar. Assim, a especificidade da criatividade humana é destacada quando as máquinas criam algo que se assemelha à criatividade, mas não o é.

Neste contexto, muitos criativos estão preocupados que a IA possa roubar seus empregos. A questão principal para os profissionais da criatividade não é regular as tecnologias de IA para proteger as formas como costumavam trabalhar. Devemos nos perguntar: “Como podemos usar essas tecnologias de IA para criar novas possibilidades de trabalho que agreguem mais valor ao nosso trabalho?” Profissionais que usam IA para criar no lugar deles terão resultados medíocres e parecidos globalmente. Já aqueles que usarem a IA como ferramenta para aprimorar suas próprias criações se tornarão mais relevantes e valorizados ao alcançarem resultados superiores. Há uma diferença abismal entre as duas abordagens.

É neste momento que a psicologia deve atuar, auxiliando na transição entre eras do trabalho, assim como ocorreu na revolução da internet. Esta trouxe novos cargos, evoluções na educação e saúde, e uma mudança estrutural completa. Inicialmente, a internet trouxe inseguranças para os trabalhadores, com a automação e digitalização substituindo muitos empregos manuais e operacionais. Muitas pequenas empresas lutaram para competir com grandes corporações que adotaram rapidamente novas tecnologias. Portanto, o papel do psicólogo é crucial para ajudar os trabalhadores a lidar com essas transformações, minimizando o sofrimento ou adoecimento possível.

Um psicólogo pode desempenhar um papel crucial no auxílio a indivíduos enfrentando mudanças drásticas no mercado de trabalho geradas pelo surgimento da inteligência artificial (IA). Essas transformações podem causar ansiedade, insegurança e desmotivação, e o psicólogo está bem posicionado para ajudar as pessoas a lidar com essas emoções e a se adaptarem a novas realidades.

Primeiramente, o psicólogo trabalha para identificar e abordar os medos e ansiedades associados às mudanças tecnológicas. Utilizando técnicas como a dialética, ele ajuda a reestruturar pensamentos negativos e a promover uma mentalidade mais positiva e resiliente. Isso é fundamental para que a pessoa veja as mudanças como oportunidades de crescimento e não como ameaças. O psicólogo também pode auxiliar no desenvolvimento de habilidades de enfrentamento e adaptação. Isso inclui o fortalecimento da autoestima e da autoconfiança, essenciais para que o indivíduo se sinta capaz de aprender novas competências e se adaptar a novas funções no contexto da IA. O psicólogo também pode ajudar a identificar os pontos fortes e interesses do indivíduo.

Outra área de atuação importante é o suporte no planejamento de carreira, campo ascendente no mercado da psicologia. O psicólogo pode colaborar na elaboração de um plano de ação, estabelecendo metas realistas e passos concretos para alcançá-las. Isso pode incluir a recomendação de cursos de capacitação em habilidades relacionadas à IA, estratégias de networking e métodos eficazes para a busca de emprego em setores emergentes. O psicólogo também oferece suporte emocional durante o processo de transição. As mudanças impulsionadas pela IA podem ser desafiadoras e solitárias, e ter um profissional para fornecer apoio e encorajamento pode fazer uma grande diferença. Além disso, o psicólogo pode mediar grupos de apoio, onde indivíduos em situações semelhantes compartilham experiências e soluções, promovendo um senso de comunidade e solidariedade.

Por fim, o psicólogo pode ajudar a pessoa a desenvolver uma visão de longo prazo sobre o impacto da IA no mercado de trabalho. Isso envolve entender as tendências futuras e preparar-se para elas, o que pode incluir a aprendizagem contínua e a flexibilidade para mudar de carreira ou funções conforme necessário.

 

Referências

União Brasileira de Compositores (UBC). Artigo sobre a inteligencia artificial “O sonho da máquina criativa” Disponível em :< https://www.ubc.org.br/publicacoes/noticia/21771/artigo-sobre-inteligencia-artificial-o-sonho-da-maquina-criativa >. Acesso em: 14, jun, 2024.

Escola Panamericana de Arte e Design. “Inteligencia artificial e criatividade: adversários ou aliados?” Disponível em :< https://www.escola-panamericana.com.br/inteligencia-artificial-e-criatividade-adversarios-ou-aliados/ >. Acesso em: 14, jun, 2024.

Disponível em :< https://industriall.ai/blog/a-ia-no-mercado-criativo-quais-os-impactos-dessa-tecnologia >. Acesso em: 14, jun, 2024.

Rauterberg, Hanno (2021), Die Kunst der Zukunft. Über den Traum der kreativen Maschine, Berlin: Suhrkamp.

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O futuro é hoje: desafios e possibilidades na interação entre a Psicologia e a Inteligência Artificial

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De acordo com a Associação de Psicologia Americana (APA, 2023), a Inteligência Artificial está mudando todos os aspectos da Psicologia. Os profissionais desta área e suas competências são insubstituíveis, mas a implementação cuidadosa e  estratégia é crucial, aponta a corporação.

A IA pode afetar o mercado de trabalho a depender de duas características: as habilidades do trabalhador e a natureza das atividades que exerce.

Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), cerca de 40% de todas as ocupações do mundo vão ficar expostas aos efeitos da inteligência artificial (IA). No cenário nacional, um levantamento da Page Interim, unidade de negócio do PageGroup especializada em recrutamento, seleção e administração de profissionais terceirizados e temporários, mostra que três a cada quatro profissionais brasileiros acreditam que a IA vai substituir os empregos. Outros dados, desta vez da edição de 2024 da Pesquisa Game Brasil (PGB), mostraram que mais da metade dos 3.340 respondentes – 58% – disseram acreditar que o uso da inteligência artificial vai substituir empregos e acentuar desigualdades. Por outro lado, um número ainda maior de pessoas (67,8%) acredita que a IA pode melhorar o trabalho e tornar as pessoas mais criativas e produtivas. Quais são as áreas mais afetadas pela IA? Há setores que não serão impactados? Como se adaptar a essa tecnologia?  Esse foi o conteúdo de um dos episódios mais recentes do podcast Dois Pontos do Estadão, que recebeu Adriano Mussa, reitor e diretor de Inteligência Artificial da Saint Paul, e Priscilla Tavares, professora da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP). O episódio teve a apresentação da colunista do Estadão, Roseann Kennedy e do editor de Link, Bruno Romani.

Ao assistir o videocast fica claro que para os especialistas da área, a IA pode afetar o mercado de trabalho a depender de duas características: as habilidades do trabalhador e a natureza das atividades que exerce. Para eles as atividades extremamente mecânicas e repetitivas que podem ser automatizadas, têm grande probabilidade de sofrer com a chegada da IA. No entanto, as atividades que exigem habilidades cognitivas de ordem superior têm pouca probabilidade quanto a serem extinguidas ou substituídas. 

Para eles, a IA é boa quanto a execução e otimização de tarefas e não substitui cargos ou funções. Para ilustrar, citam o professor Geoffrey Hinton, psicólogo cognitivo e cientista da computação anglo-canadense que é conhecido como o pai do deep learning (aprendizado de máquina com base em um conjunto de algoritmos) e que há 7 anos falou o seguinte: parem de estudar radiologia pois a IA é muito melhor que qualquer ser humano para diagnosticar doenças com base nas imagens. No entanto, o que aconteceu foi que a demanda por radiologistas no planeta subiu e chegamos a duas conclusões: primeira, o professor é um gênio da IA mas ele não sabe nada de radiologia; e a segunda é que a IA faz apenas 01 das 33 tarefas de um radiologista que é diagnosticar. Além do diagnóstico é necessário que o profissional dialogue com médicos e médicas para discutir os melhores caminhos de tratamento e os pacientes querem dialogar e discutir suas possibilidades de tratamento com pessoas e não com a IA. 

Com base no exemplo acima, temos o entendimento de que a grande pergunta é: quais dessas tarefas a IA pode fazer melhor do que nós em nossas profissões e como isso nos beneficia para que possamos otimizar processos e eliminar atividades mais mecânicas ou automatizáveis no dia a dia, liberando mais tempo para o que realmente importa?

No caso da área de psicologia podemos aproveitar do conhecimento da IA quanto ao refinamento de dados para o critério diagnóstico, mas será necessária toda a expertise do nosso contato com os pacientes, bem como o vínculo bem estabelecido para que com o nosso conhecimento possamos personalizar e direcionar o paciente para o melhor tratamento, por vezes refinando o próprio diagnóstico. Para os especialistas em IA, o fundamental é estar atento às mudanças e buscar capacitação e adaptação às novas tecnologias. Para eles, o que acontece ao longo dos anos, na maioria das vezes não é a extinção dos cargos e funções, mas o aprimoramento destes com a exigência de novas habilidades do trabalhador como por exemplo: o pensamento crítico, habilidade de comunicação, interações sociais relevantes, liderança, etc.

Existem ferramentas de triagem e diagnóstico, permitindo uma detecção precoce de problemas de saúde mental. Chatbots e assistentes virtuais baseados em IA também estão se tornando cada vez mais populares como ferramentas de educação emocional, instrução do uso de técnicas de meditação guiada, respiração diafragmática, dentre outras, para pessoas que não têm acesso imediato a um profissional de saúde mental.  Sobre esta questão, resolvi testar a IA e usei o ChatGPT. Fiz a seguinte pergunta:” Você pode me ajudar? Estou com uma crise de ansiedade”. A resposta do ChatGPT: “Claro, estou aqui para ajudar. Se você está enfrentando uma crise de ansiedade, é importante lembrar que você não está sozinho e que existem maneiras de lidar com isso. Aqui estão algumas estratégias que podem ajudar a acalmar sua ansiedade: Respiração profunda: Experimente técnicas de respiração profunda para acalmar seu corpo e mente. Respire lenta e profundamente, concentrando-se em cada respiração. Prática de mindfulness: envolve focar sua atenção no momento presente. Isso pode ajudar a reduzir a preocupação com o futuro e a ruminação sobre o passado. Exercícios de relaxamento muscular: Faça exercícios de relaxamento muscular progressivo, onde você tensiona e relaxa os diferentes grupos musculares do seu corpo. Isso pode ajudar a aliviar a tensão física causada pela ansiedade. Distração saudável: Envolver-se em atividades que você gosta e que o distraiam da ansiedade, como ouvir música, praticar um hobby ou sair para uma caminhada. Fale com alguém: Compartilhe seus sentimentos com alguém em quem confia, seja um amigo, um membro da família ou um profissional de saúde mental. Falar sobre o que você está passando pode ajudar a aliviar a carga emocional. Se você sentir que está perdendo o controle da situação ou se a ansiedade estiver interferindo significativamente em sua vida diária, é importante buscar ajuda profissional. Um psicólogo, terapeuta ou outro profissional de saúde mental qualificado pode oferecer apoio e orientação personalizados para ajudá-lo a lidar com sua ansiedade de maneira eficaz. Lembre-se de que é normal sentir ansiedade de vez em quando, mas é importante aprender a gerenciá-la de forma saudável. Estou aqui para fornecer apoio e orientação sempre que precisar.” 

Nesta situação, observei que a IA ofereceu um apoio primário e forneceu informações importantes para que o usuário da tecnologia desse um primeiro passo para o controle da ansiedade, indicando possíveis caminhos para um maior bem-estar. No entanto, mesmo diante destas sugestões, vemos a necessidade de uma explicação minuciosa e detalhada de um profissional para que a técnica seja compreendida e realizada de forma correta, bem como a análise de contexto para o entendimento da situação estressora e os componentes desencadeantes da ansiedade para a compreensão do quadro. 

Os especialistas ainda destacam que à medida que a tecnologia avança, surgem novas maneiras de aplicar a IA para entender e melhorar a saúde mental, o bem-estar e o comportamento humano. No entanto, também surgem preocupações sobre questões éticas, de privacidade e de confiabilidade dos resultados.

Sobre os desafios, um dos principais é garantir que os algoritmos de IA sejam justos e imparciais, evitando vieses que possam prejudicar certos grupos demográficos. Além disso, há preocupações sobre a privacidade dos dados dos pacientes e a segurança das informações confidenciais armazenadas em sistemas de IA. E aqui temos novamente o fator humano, o vínculo terapêutico e o sigilo entre paciente e profissional como algo valioso e insubstituível.

Desta forma, é possível observar que embora a IA possa ser uma ferramenta poderosa para auxiliar no processo terapêutico, é importante reconhecer que o aspecto humano no cuidado mental continua sendo fundamental. Captação de emoções, entendimento de contextos de vida e histórico do desenvolvimento, riscos e vulnerabilidades são questões bem humanas e distantes do entendimento da IA. Prova disto foi mais uma das perguntas que fiz para a IA, desta vez ao Copilot, IA da Microsoft. Perguntei: “Você acredita que pode substituir um psicólogo clínico e me atender virtualmente? A resposta da Copilot foi: “Embora eu possa fornecer informações e ajudar com muitas coisas, eu não sou um substituto para um psicólogo clínico. Eu sou uma inteligência artificial e não tenho a capacidade de entender completamente as emoções humanas ou fornecer aconselhamento terapêutico. É importante procurar a ajuda de profissionais de saúde mental qualificados para questões de saúde mental. Eles têm o treinamento e a experiência necessários para ajudar de maneira eficaz. Se você estiver passando por um momento difícil, recomendo que entre em contato com um profissional de saúde mental. Lembre-se, é importante cuidar de sua saúde mental”.

Fica claro que a IA oferece um vasto potencial para revolucionar o mercado de trabalho da psicologia e não para extingui-lo, proporcionando novas maneiras de entender e tratar os desafios de saúde mental. No entanto, para aproveitar ao máximo essas oportunidades, é essencial abordar os desafios éticos, técnicos e sociais que acompanham essa transformação, garantindo que a IA seja utilizada de maneira responsável e inclusiva para o benefício de todos.

Referências:

AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. AI is changing every aspect of psychology. Here’s what to watch for. Monitor on Psychology2023. Disponível em:<https://www.apa.org/monitor/2023/07/psychology-embracing-ai>. Acesso em 21 maio de 2024

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL VAI ROUBAR O SEU EMPREGO? Dois Pontos. Estadão, 01 de maio de 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PFy0WzYTp88.  Acesso em 06 de maio de 2024.

COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL AFETA O MERCADO DE TRABALHO E SEUS TRABALHADORES. Andréa Greco. Linkedin, 23 de fevereiro de  2023. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/como-intelig%C3%AAncia-artificial-afeta-o-mercado-de-trabalho-andr%C3%A9a-greco. Acesso em 02 de maio de 2023.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL AFETARÁ ATÉ 40% DOS EMPREGOS EM TODO O MUNDO, ESTIMA FMI. Infomoney, 16 de Janeiro de 2024. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/carreira/inteligencia-artificial-afetara-40-dos-empregos-em-todo-o-mundo-estima-fmi/ . Acesso em 02 de maio de 2024.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PODE DAR SUPORTE PARA PSICÓLOGO. Gustavo Basso. DW.com, 21 de março de 2024. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/intelig%C3%AAncia-artificial-pode-dar-suporte-para-psic%C3%B3logo/a-68634325#:~:text=Rob%C3%B4s%20de%20conversa%2C%20jornadas%20instru%C3%ADdas,psic%C3%B3loga%20e%20pesquisadora%20Karen%20Sacavacini. Acesso em 02 de maio de 2024.

MUSSA, Adriano. (2020) Inteligência Artificial – Mitos e Verdades: as reais oportunidades de criação de valor nos negócios e os impactos no futuro do trabalho. São Paulo. Editora Saint Paul.  

 

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