Fonte: Imagem de arquivo próprio

Psicologia no Esporte: Roberto Burns fala sobre a atuação do psicólogo no futebol

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O (En)Cena entrevista o psicólogo Roberto Burns, que carrega em sua história um laço antigo com a Psicologia do Esporte. Quando criança, começou a jogar futebol, que é enraizado em suas origens familiares, e ainda menino se apaixonou pelo esporte. Iniciou trabalhos na área do futebol em estágios quando cursava Psicologia e atualmente possui experiência como coordenador técnico esportivo; técnico e auxiliar técnico de categorias de base e Analista de Desempenho de futebol profissional.

Roberto possui foco em clubes e escolas de futebol; consultoria para atletas de alto rendimento e atendimento clínico para redes (casais e famílias). Em 2023, o psicólogo fundou a empresa Ampliase, que atua na coordenação e consultoria para atletas e equipes de alto rendimento.

(En)Cena – Roberto, como foi a escolha de trabalhar na área da Psicologia do Esporte?

Roberto Burns – O esporte no geral, mas especificamente no futebol, está na minha vida desde o início. Meu pai sempre foi apaixonado por futebol, jogou futebol, meu avô jogou futebol, então isso vem muito forte desde as minhas origens familiares e também acabou que durante o meu desenvolvimento fui pegando gosto também. Joguei futebol de forma competitiva, nunca fui um atleta de algum clube relevante, sempre atuei em Palmas, mas em escolinhas foi de forma competitiva até os 11, 12, 13 anos. Consequentemente, fui pegando gosto não apenas pela parte do jogar o futebol, mas também compreender o jogo e as situações. Entrei no curso de Psicologia, depois disso comecei a conhecer um pouco a Psicologia do Esporte e acho que foi um caminho construído já desde a minha infância que culminou com a Psicologia e a atuação nessa área. Foi algo que eu tinha esse interesse e ainda no 8º período já comecei a atuar em estágios e logo que me formei também já estava basicamente encaminhado em um clube que eu já havia feito estágio anteriormente.

Seu trabalho é focado em algum ramo específico do esporte?

É focado no futebol. Eu ainda não tive experiência e também não tenho bagagem teórica para outros esportes. No futebol, especificamente, eu pude juntar a parte técnica por ter trabalhado na parte técnica como analista de desempenho, técnico e auxiliar técnico do Palmas nas categorias de base dos 14 até os 17 anos de idade e depois sub-20 também. Atuei na equipe profissional como analista de desempenho, então muito dessa parte técnica eu estudei e experienciei e alinhando essa parte técnica alinhei também a parte mental com a Psicologia. O meu foco hoje é integralmente no futebol, não excluo outras possibilidades, mas hoje é onde me sinto seguro e onde me traz desafios e motivação para trabalhar.

Como é a atuação do psicólogo no futebol?

O psicólogo no futebol contempla uma das áreas de atuação. Acho que tem que colocar a psicologia no lugar que ela deve estar. Eu não gosto de dar relevância exacerbada à nossa atuação e nem também de não dar a relevância merecida. Eu não concordo com a psicologia ser a salvadora do mundo. Mas também não concordo com algumas vezes em que ela é subestimada por fatores sociopolíticos, por fatores também de mercado que acabam englobando só os políticos. Então eu gosto de colocar a Psicologia no lugar que ela está hoje no futebol. A psicologia está integrada em uma das quatro partes de trabalho. No futebol a gente tem a parte técnica, que é a parte de tudo aquilo que tem a ver com a bola nos pés. A parte tática que tem a ver com posicionamento, leitura de jogo, filosofia do time, a parte física que envolve tudo aquilo que tem a ver com o corpo. Então, impulsão, aceleração, velocidade e força é a parte mental. E é nessa parte mental que a psicologia entra. Eu gosto muito de deixar a gente bem quadrado, onde eu acho que deva estar. Não só eu acho, mas enfim, pelas fontes, que é por onde eu sempre estudei e fiz os cursos. Eu entendo que esse é o caminho, então ela é uma das quatro partes de atuação, deve ser respeitada como tal, deve receber a relevância que cabe a ela. Hoje a gente está em uma crescente boa de questão de reconhecimento. Tem uma disputa muito forte também com outras áreas que trabalham a performance em relação à parte mental. Então a gente às vezes está ali dividindo o mercado com alguém que trabalha com coaching, com mentoria esportiva, coisas do tipo. E eu acho que temos que trabalhar mais, tem que estar acessível cada vez mais sob o ponto de vista de linguagem, de conteúdo, para que consigamos fazer com que as pessoas compreendam a Psicologia como uma prática técnica e uma prática capaz de trabalhar em vários lugares, que a gente tira um pouco desse misticismo que existe em relação à Psicologia e passe a trazer ela cada vez mais para um mercado comum, não algo fora da caixinha. Resumindo, dentre as quatro partes de atuação dentro do futebol, a Psicologia entra em uma delas, que é a parte mental. Então, a comissão técnica é composta por pessoas que trabalham com a parte técnica, tática, física e também a parte mental.

Como é realizada a coordenação e consultoria para atletas e equipes?

Ela faz parte da empresa que eu criei em janeiro, que se chama Ampliase, uma empresa que tem foco na coordenação de projetos esportivos, não necessariamente na área de atuação da Psicologia. Então, eu trabalho em escolinhas de futebol, trabalho em projetos sociais e desenvolvimento, desenvolvendo metodologia e a parte da coordenação. Já a consultoria para atletas e equipes é outro ramo que eu trabalho dentro da própria Ampliase. Então, dentro da Ampliase eu tenho o trabalho dedicado à parte de coordenação, a parte de desenvolvimento de projetos. Aliado a isso tem a parte que entro com a Psicologia. Não que a Psicologia esteja separada uma parte ou outra, mas eu entro formalmente com ela na parte de consultoria para atletas. E o que é isso? Um pouco distante do processo psicoterapêutico. Eu, dentro da parte mental, dentro daquilo que eu sou capaz de propor. Reflexão de ampliar a visão do atleta sobre a perspectiva mental. Então a gente trabalha bastante a questão das emoções, a questão da ansiedade, como isso é aplicado no campo, como que não é. “O que eu posso fazer com isso? O que eu faço com o meu erro? Qual é o tamanho do erro? Qual é a importância do erro?” É uma parte em que eu coloquei como consultoria, porque eu acredito que seja isso. Então não é um processo psicoterapêutico, é um processo que eu faço intervenções mais práticas, intervenções às vezes mais objetivas. E, enfim, é um trabalho com atletas e hoje no futebol principalmente com atletas de base. Atualmente eu tenho trabalhado com mais de dez atletas, dos oito até os 17 anos. Coordenação esportiva e desenvolvimento de projetos esportivos não necessariamente é a parte psicológica. A consultoria é uma parte psicológica, mas que também não é psicoterapia. Tudo isso é endossado pela Ampliase como um CNPJ. Então, eu decidi traçar esse caminho para que eu pudesse fugir um pouco da imagem do Roberto e deixar isso profissionalizado em nome de uma empresa, porque eu acho que eu poderia ampliar a minha área de atuação e possibilitar novas oportunidades.

O atendimento é feito de forma individual e em grupo?

O atendimento é feito de forma individual em relação à consultoria. Eu atendo cada atleta de maneira diferente e a metodologia tem uma base, mas é bastante resiliente nesse sentido. Já o atendimento em grupo ocorre com as equipes. Hoje eu trabalho para o FlaPalmas, que é uma equipe de desenvolvimento de base aqui, mas é a equipe mais vencedora do estado. Esse trabalho eu faço quase que integralmente em grupos. Então eu trago os atletas para a clínica. Lá a gente trabalha várias perspectivas, mas principalmente o ponto é propor reflexões. Eu tento não deixar grandes frases de efeito, algumas máximas, eu evito fazer isso. Eu tento principalmente propor reflexão para que eles se compreendam enquanto grupo, se compreendam enquanto pessoas que se relacionam profissionalmente, se relacionam socialmente e, enfim, o foco e propósito são levantar temas do cotidiano que eles estão vivendo ou que eles não estão vivendo, o que eles podem viver, o que eles não podem viver. Tudo isso de maneira bem democrática, quase que como um facilitador do processo, né? Então, me baseei também na época que eu estudei na faculdade sobre Pichon-Rivière e gostava muito. Tem um foco bastante grande na questão da intervenção em grupos.

Como é executada a preparação dos atletas para as competições?

Eu acredito que é uma das partes do processo de preparação de um atleta em uma dessas partes em que eu atuo, que é a parte da Psicologia. Eu tento trazer os temas do cotidiano, trazer os temas às vezes que a gente consegue aprender na teoria e correlacionar eles no contexto do futebol. Então é o foco principal, propondo reflexão, dando espaço para que eles conversem, para que eles se compreendam, para que eles deem novos significados para determinadas situações. Pontualmente, vamos supor que os atletas vão estão se preparando para a Go Cup, que foi algo que aconteceu mês passado. A Go Cup, a maior competição de base do mundo, tem clubes do mundo inteiro. Ela corre em Goiânia. Então, um exemplo pontual do sub-9, eu trouxe os atletas para a clínica e debati com eles, conversei, trouxe visões que querendo ou não, quando a gente fala no papel de psicólogo ela é mais legitimada. Então, é aproveitar esse papel não para induzir ou para convencer, mas é aproveitar esse papel para conseguir fazer o máximo de reflexões possíveis. Eu trazia temas como motivação, como dificuldade, como objetivo. Eu trabalhei bastante a diferença entre objetivo e sonho. Ansiedade é o que mais é trabalhado, acho que na Psicologia inteira e no futebol não é diferente. Então, o que acontece com o nosso corpo durante a ansiedade, durante o processo de ansiedade? Como que isso de alguma maneira nos ajuda e nos ajudou historicamente? Como é que isso nos atrapalha e o que a gente pode fazer com isso? Então é bastante ampla a área de atuação.

Quais são os desafios de trabalhar com equipes?

Eu acredito que é aquela questão de colocar a Psicologia onde ela deve estar. Algumas pessoas vão creditar um valor à ela, que às vezes é um tanto exagerado como às vezes uma frase muito comum que é usada. O pessoal fala assim: “a mentalidade é tudo”, já eu não vejo por esse lado. Eu acho que mentalidade é um processo importante. Ou algumas pessoas que falam “eu não quero psicólogo na minha equipe”, nunca aconteceu comigo, mas pode acontecer e acontece no mundo inteiro. E aí vem o processo de você mostrar o valor da Psicologia na equipe. E eu acho que a dificuldade é você lidar com essas diferentes visões de conseguir caminhar em um rumo que você consiga ser justo no que está fazendo, sem passar por cima das pessoas ou deixar que elas passem por cima de você. É um processo. A Psicologia em si já é nova num contexto mais amplo, histórico. Mas, no futebol ela é bem recente. A gente teve um exemplo da Copa do Mundo de 2022 que foi bastante debatido, em que o treinador declarou que o psicólogo da equipe seria ele mesmo, não nessas palavras, mas deu a entender. Até aquele momento a gente via muita progressão, mas aí quando a gente vê um treinador da seleção brasileira, ou seja, hierarquia máxima dentre os profissionais técnicos no Brasil, dá uma declaração dessa a gente vê que às vezes não estamos onde deveríamos. E aí entra um debate muito gigante sobre por que os porquês disso ou não. Como que aconteceu, o que aconteceu para a gente chegar nesse ponto de estar debatendo isso? Eu acho que o passo principal que eu já repeti várias vezes é de nos colocar onde a gente tem que estar. E se a gente trabalhar onde a gente deve trabalhar e onde podemos trabalhar, as chances de darem errado são muito menores. Consequentemente, as chances de conseguirmos ser mais validados e conseguir ter uma maior credibilidade. Então, trabalhar dentro da ética, conseguir ter um respaldo teórico bom, mas principalmente conseguir se relacionar de forma ética e de forma segura sobre o que estamos fazendo. Acho que quando há insegurança, quando há uma dificuldade em passar o que a gente sabe, andamos uns passinhos para trás, mas quando a gente consegue mostrar de fato o que podemos fazer, como a gente pode fazer, sem receio do que os outros estão fazendo parecido ou semelhante, como por exemplo, o caso dos coaches. Eu acho que a gente consegue trabalhar da melhor maneira e aí, naturalmente, conseguimos assumir o lugar que a gente precisa de fato estar.

Seu trabalho é norteado por qual abordagem teórica da Psicologia?

O meu trabalho é baseado na perspectiva sistêmica e não necessariamente na abordagem, já que eu tenho trabalhado um pouco menos a questão da psicoterapia, mas o pensamento sistêmico, o paradigma sistêmico, a ciência paradigmática é algo que me pegou logo que eu li. A gente ainda não tem tantos materiais falando especificamente disso, mas é algo que me norteia desde sempre. Então, os princípios básicos que eu sou apaixonado, que é o da instabilidade, o da intersubjetividade e o da complexidade são os que me guiam e os que conseguem me dar um norte a ser seguido. Hoje eu acredito na psicologia sistêmica, no pensamento sistêmico novo-paradigmático.

Roberto, como é a atuação fundamentada na abordagem da Psicologia Sistêmica na área do esporte?

Eu pego esse pilar e pego muito do paradigma, que é algo que é bastante debatido nos livros, de que antes de a gente responder a uma teoria, a gente responde o paradigma, responde à visão de mundo que corresponde àquela teoria. E eu acredito fortemente nisso, que a gente não precisa estar munido de todas as informações, de todas as teorias existentes no mundo, mas sim tendo um comportamento que evidencia e que legitima. O nosso paradigma que legitima a nossa visão de mundo. Então, quando eu compreendo que eu não sou um especialista de conteúdo, mas um especialista de relação, que eu vejo o ser humano como um ser complexo, como um ser instável, intersubjetivo, ou seja, que trabalha ele em relação ao outro e, diferentemente, ele em relação a outra pessoa diferente desse outro, eu acho que a gente fica contemplado para trabalhar, não preso na abordagem e não preso no pensamento, mas abraçado pelo paradigma. E é aí quando você, abraçado pelo paradigma, consegue ter um trabalho muito mais confortável, mais seguro, mais afetivo e mais efetivo também.

Para você, essa fundamentação auxilia no manejo do trabalho e na compreensão do esporte e da atuação dos atletas como um conjunto complexo de elementos?

Acho completamente, não só um conjunto complexo, mas um conjunto instável, um conjunto intersubjetivo. Auxilia e como falei, nos guia de uma maneira confortável de se trabalhar e instigante para que consigamos cada vez mais novas reflexões e novas formas de se atuar que correspondam a isso. A fundamentação auxilia, contempla e nos dá força para que a gente consiga seguir.

Quais são os desafios a serem enfrentados pelo psicólogo esportivo?

O psicólogo esportivo, falando pessoalmente e também como classe, tem dificuldades em vários fatores. Eu acho que um dos que eu posso citar é encontrar o nosso lugar e saber se a gente é importante demais, se a gente é importante de menos ou se somos simplesmente importantes, né? E também conseguir passar tudo isso que aprendemos durante cinco anos de uma maneira acessível. Não passar os conteúdos, até porque alguns não devem ser passados, mas conseguir passar o que a gente pode e o que conseguir, é trazer a Psicologia cada vez mais a um contexto acessível, ainda mais num país tão inacessível sob o ponto de vista intelectual, sob o ponto de vista de conteúdos. São poucas as pessoas que conseguem acessar determinadas coisas e eu acho que a psicologia enquanto classe, quando ela consegue se aproximar da população, quando ela consegue se aproximar de quem precisa de forma integral dela, conseguimos fazer o nosso trabalho de uma maneira muito suave e muito mais segura, sem receio do que outras pessoas que trabalham também com isso possam tomar o nosso lugar. Eu acho que o caminho é bem objetivo nesse sentido. Nós fazendo o nosso com segurança, com ética, com acessibilidade temos o melhor a oferecer. E tendo o melhor a oferecer, a gente consegue superar os obstáculos. Mas, nesse caminho de acessibilidade eu acho que às vezes não conseguimos passar tudo e tu também não consigo às vezes passar o que conseguimos aprender. A gente tem uma dificuldade em questão de expectativa e realidade do que acontece dentro da prática da Psicologia e sofremos igualmente como qualquer pessoa que se forma e que atua com todos esses estigmas, né? Aí eu acho que já é algo mais generalizado, foge um pouquinho do esporte. Generalizações de que estamos sempre analisando, que somos pessoas calmas e que não temos emoções intensas e que conseguimos controlar as emoções. Eu acho que quando entramos nesse discurso, damos brecha para que as pessoas consigam ocupar os espaços que não deviam. Quando não criamos expectativas surreais, a gente se iguala. E aí, quando a gente se iguala, a gente tem um campo para trabalhar. Consequentemente dividido. Então, é fugir às vezes de um uma frase simplificada para exemplificar uma parte da atuação, sabe? É fugir disso e fugir de frases prontas e de receitas, porque não cabe a gente e não é o nosso papel. Tem muita gente aí fazendo isso de forma competente ou não, mas existem e elas estão fazendo. E eu acho que temos coisas diferentes a oferecer e que estamos conseguindo cada vez mais dar sensibilidade a isso.

Como a Psicologia contribui e pode ajudar para que os atletas alcancem um bom desempenho e alto rendimento no futebol?

A Psicologia é uma área de atuação junto ao preparador físico, junto ao técnico, junto ao auxiliar técnico e é um componente do processo. Ela ajuda a partir do momento que é efetiva e técnica, que ela é embasada, que ela é democrática, que ela sabe se relacionar e ajuda o atleta do alto rendimento. Ela ajuda o atleta que não é do alto rendimento, ajuda a pessoa, ajuda as redes dessa pessoa, os laços afetivos. Ela ajuda tudo quando é bem feito, quando é feito da maneira que temos o domínio e conhecimento pra fazer. Quando a gente escapa um pouquinho disso, ela já passa a se confundir com algumas coisas que não devem ser confundidas e às vezes também não são tão efetivas. Então, acho que a Psicologia contribui nesse sentido e especificamente no contexto que eu trabalho hoje, eu vejo que contribui principalmente na forma que nos relacionamos com os outros, que é um passo importante e decisivo no futebol. É uma base muito, muito, muito importante. Coincidentemente, a gente tem a TCC hoje com uma área de grande abrangência, de grande atuação na psicologia do esporte. Porque é uma demanda bem forte nesse sentido. E aí eu vou ali de cantinho trabalhando, porque as relações também, na minha visão, são algo que se não for de uma maneira saudável, se não for de uma maneira respeitosa, de uma maneira perspicaz, pode frustrar um processo inteiro. E se for de uma maneira eficaz, se for de uma maneira responsável, pode potencializar as pessoas de uma maneira impressionante

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A importância da Psicologia para as atividades esportivas

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JOSÉ EDUARDO BISPO DE OLIVEIRA – Acadêmico do curso de Psicologia do Centro Universitário Luterano de Palmas – E-mail: joseeduardobispo@rede.ulbra.br

ROBERTO MADUREIRA BURNS NETO – Psicólogo do esporte (CRP- 23/002381) Coordenador de Projeto de Associação Palmas Jovem – E-mail: burnsneto@gmail.com 

 

A psicologia do esporte é um ramo da psicologia que se originou a partir da necessidade de observar e entender de forma científica como pessoas poderiam lidar de uma maneira mais palatável com suas atividades. Gill e Williams (2018) pontuam que a psicologia do esporte identifica princípios e diretrizes para ajudar profissionais podendo ser aplicada para ajudar as pessoas envolvidas na atividade. Também, como a atividade física pode ser potencializada quando tem o emprego da psicologia com o atleta de alto rendimento e quais os benefícios na recuperação de indivíduos com limitações físicas ou cognitivas.

Outrossim, é fundamental delinear que a psicologia do esporte derivou em grande parte da Psicologia do Desenvolvimento, utilizando diversas técnicas do processo de aprendizagem e absorção de informações para deixar a prática do exercício um ambiente de satisfação e reduzir o processo de ansiedade que pode surgir quando se disputa grandes campeonatos. Assim, (Weinberg e Robert S. 2017) destacam que, em virtude dos psicólogos do esporte atuarem com a identificação dos objetivos do indivíduo e a partir disso, buscar potencializar as capacidades latentes. Esses psicólogos que adquirem experiência na prática esportiva são cotados também para trabalharem com o auxílio de tropas de elite militares e cirurgiões que buscam aperfeiçoar o desempenho.

Em outro momento, faz-se essencial, especificar a atuação da Psicologia Clínica do Esporte entre a Psicologia Educacional do Esporte. Enquanto a primeira recebe a qualificação para identificar e tratar indivíduos com transtornos emocionais e aplicar testes para averiguar os respectivos níveis de impactos que esses causem ao desenvolvimento do atleta.

Para a atuação da Psicologia Clínica do Esporte é necessário que seja respeitado os protocolos de garantia do sigilo e um ambiente apropriado para esculta e aplicação de testes que sigam a regulamentação do Conselho Federal de Psicologia (CFP).

Para a segunda, a Psicologia Educacional do Esporte, por atuarem de forma mais próxima das atividades de campo, como treinamentos e momentos de interação entre os atletas. Tem o papel de promover a qualidade da saúde mental dos atletas, tendo como fundamento entender quais fatores ambientais e emocionais influenciam de forma negativa e os elementos de estímulo para os indivíduos.

Especialistas em psicologia educacional do esporte são “treinadores mentais” que educam atletas e praticantes de exercícios sobre habilidades psicológicas e seu desenvolvimento. (WEINBERG, ROBERT S. 2017 p. 7-10.)

Dessa maneira, o Psicólogo Educacional consegue desde potencializar o desenvolvimento do atleta, até atuar na prevenção de transtornos como A Síndrome de Burnout voltada a prática esportiva. Por essa perspectiva, esse trabalho terá seu aprofundamento na Psicologia Educacional.

Foto: Pixabay

A saúde mental dos atletas

A linha teórica da Psicologia Educacional do Esporte e do Exercício, aborda que, para observar quais motivos influenciam o indivíduo é preciso observar cada pessoa e sua particularidade de maneira individual. Para que a partir disso, sejam implementados métodos e formas de perceber a pessoal de uma forma mais tangível. De acordo com suas vivências ambientais e práticas de vida.

Em primeiro momento, a saúde mental e como os atletas encaram o desafio, vão ter forte influência no seu desempenho e satisfação durante a prática esportiva. (Spielberger, 1966), destaca que a ansiedade é definida mais formalmente como estado emocional de apreensão e tensão que acompanham uma forte ativação do sistema nervoso. A partir dessa lógica, quando o atleta perde a capacidade de perceber esse aumento exponencial dos batimentos, que é um somatório para o quadro ansiogênicos, tem-se a perda de consciência dos seus objetivos e até esquecimentos das habilidades aprendidas.

Ademais, (Spielberger 1966), pontua que a ao destrinchar a ansiedade, surge o produto que seria o Traço de Ansiedade (TA). Que predispõe, um indivíduo a entender como uma circunstância ameaçadora uma situação que não é. Assim, um exemplo seria um jogador ao bater um pênalti, começa acredita de forma concentra que vai tropeçar e não conseguirá acertar na bola. A partir desse pensamento disfuncional, definido como (TA), por medo de não conseguir, os batimentos do atleta têm uma aceleração desproporcional ao momento em que ele se encontra e, por estar ansioso acaba de fato errando o pênalti.

Ao adentrar na perspectiva, um time que não tem um profissional de Psicologia Esportiva está alguns passos atrás na observação de traços ansiogênicos, que inicialmente podem se apresentar como leves. Contudo, com ausência de um acompanhamento maior pode se tornar uma crise maior, podendo vir a incapacitar o atleta de exercer suas funções por completo.

O estresse ocorre quando há um desequilíbrio substancial entre as demandas físicas e psicológicas impostas a um indivíduo e sua capacidade de resposta, em condições nas quais a falha em satisfazer a essas demandas tem consequências importantes. (WEINBERG, ROBERT S. 2017 p. 76.)

Desse modo, caminhando por um olhar Psicologia Positiva sobre o contexto ambiental que se dá a Psicologia Educacional do Esporte e do Exercício, tem-se mostrado como problema para os atletas que sofrem pressões tanto interna dos treinadores, equipe técnica, dos colegas de equipe e da família. Assim, os atletas por não conseguirem se desvincular das cobranças, acabam desenvolvendo síndromes associadas ao ambiente das práticas esportivas. Como a Síndrome de Burnout, associada a treinamentos excessivos e poucos níveis de descanso, gerando uma sobrecarga no atleta.

Quando o volume de treinamento é grande demais ou o atleta mostra ausência de repouso ou outros estressores físicos ou psicológicos, ocorrem adaptações problemáticas, que levam ao desempenho deteriorado. (WEINBERG, ROBERT S. 2017 p 470.)

Somado a isso, indo contra a crença popular de que quanto maior o esforço, melhor para o atleta. É demonstrado que, o descanso é fundamental para a recuperação e o desenvolvimento do atleta, tanto físico, quanto psicológico. Portanto, quando o tempo de descanso não é respeitado o atleta sofre uma série de consequências. Como, mais contusões e estresse durante a partida.

 

Burnout no esporte

Em competições esportivas, sempre tem uma série de pessoas envolvidas na preparação além dos atletas que são, a equipe técnica, a equipe de arbitragem que fica em campo e a que atua por vídeo. Assim, para obterem êxito nas suas atividades são exigidos altos níveis de treinamento desses indivíduos. Em grande parte, essas pessoas influenciadas pela crença popular de que quanto maior o volume de treino, tem-se um melhor resultado, acabam se sobrecarregando e gerando um maior desgaste pessoal e na equipe envolvida.

A teoria é quanto mais treinar, melhor, você tem de começar a treinar cedo, o ano inteiro, se quiser competir em alto nível. Os praticantes de exercícios, em sua busca de se sentirem e parecerem melhor, às vezes vão longe demais, treinam excessivamente e chegam a Burnout. (WEINBERG, ROBERT S, 2017,  p. 469).

Foto: Pixabay

Ademais, a Síndrome de Burnout, descrita como um estado de exaustão física e emocional relacionada ao trabalho, afeta não somente os ambientes de trabalho formal, como é difundido pela crença cultural. Tem impactos severos desde os atletas comuns até os de alto rendimento que, por muitas vezes acabam tendo uma queda significativa no rendimento. Fato que, em casos chegam a níveis tão prejudiciais que levam o atleta a encerrar sua carreira de forma precoce.

A despeito disso, Michael Phelps nadador americano, considerado um dos maiores atletas olímpicos de todos os tempos, ganhador de 28 medalhas olímpicas. Declarou em uma entrevista á Sports Ilustrated em 2017 que, a pressão para vencer e a atenção da mídia a todo tempo, “em momentos se sentiu como um rato em uma roda”, sentimento que o levou a um estado de esgotamento emocional que o levou a cogitar aposentadoria. Em adição, o jogador de futebol americano, Andrew Luck, que jogou na Liga Nacional de Futebol (NFL), tida como o apogeu do esporte, se aposentou aos 29 anos citando problemas de saúde mental e síndrome de Burnout como motivadores da decisão. Em entrevista coletiva em 2019 a ESPN, Luck mencionou que a tensão e o estresse se acumularam durante os anos, movimento esse que o levou a decidir se afastar de forma precoce da prática esportiva.

 Boa parte das pessoas, se prendem a imagem perfeita que é levantada sobre os atletas, eleitos como seres quase que perfeitos, sem erros e sem grandes desafios que não podem vencer. Não satisfeito, todos estão propensos a desenvolver Burnout, ansiedade ou um esgotamento emocional, em destaque, quando submetidos a condições ambientes de desgaste. É fundamental, explanar que o esgotamento emocional, pode acontecer se as condições forem desfavoráveis, com ambientes e rotinas que não proporcionam descanso, em que a vida do atleta fica resumida somente a se preparar para vencer e a felicidade condicionada a vencer campeonatos.

Caminhos para uma experiência satisfatória

Nas práticas esportivas, tem-se a construção do entendimento social que o estímulo constante por resultados levam aos fatores essenciais para uma vitória. Assim, educam atletas e os condicionam a vitórias e novos campeonatos, ao vencer um campeonato começa a preparação para o próximo, temporada 2022, temporada 2023. Esse constructo, faz com que o atleta se questione quais os motivos de buscar o próximo, e o sentimento de nunca conquistar o suficiente inunda.

Os desafios da competição podem ser estimulantes e prazerosos. Mas, quando derrotar o oponente toma precedência na mente sobre obter o melhor desempenho possível, a fruição tende a desaparecer. A competição só pode ser apreciada quando é um meio de aperfeiçoar as habilidades; quando se torna um fim em si, deixa de ser divertida. (MIHALY, 2020, p.66).

Em consequência disso, uma gama de atletas ficam adoecidos, por passarem anos treinando para ir a campeonatos importantes, e ao receberem o troféu e uma quantidade acima da media de dinheiro, ainda assim ficam insatisfeitos. Por essa ótica, (Mihaly 2020, 1ª ed, .68) pontua que, o esporte é um dos locais mais propícios para o desenvolvimento de um sentimento de envolvimento e autoconhecimento, fatores em conjunto podem ser elementos para uma sensação de satisfação e deixar o indivíduo se sentindo integrado do meio.

Assim, (Mihaly 2020, 1ª ed, .68), desenvolveu a teoria de que existem elementos que são importantes para que o indivíduo, consiga maiores momentos de satisfação. A primeira seria o confronto de tarefas que são possíveis de serem concluídas pelo atleta. Segundo, o atleta conseguir ter uma concentração no que deve ser alcançado. Terceiro e quarto, os treinadores possuírem metas objetivas que devem ser alcançadas por esse indivíduo. O que estimularia os atletas a estarem sempre em um apetite por se superar. Quinto, a partir da retirada do foco em conquistar troféus e, o desenvolvimento do foco em se auto aperfeiçoar, maiores fatores para uma vivência mais saudável e a motivação para se superar estaria renovada.

Considerações finais

Faz-se necessário, portanto, uma equipe da psicologia esportiva atuando na desconstrução desses padrões condicionados a resultados que já estão institucionalizados por boa parte dos times, comissões técnicas e comissões de arbitragem. Assim, ao ser demonstrado que o foco somente em conquistar troféus e campeonatos é um dos principais responsáveis pelo adoecimento psíquico, que pode desenvolver sintomas psicossomáticos e aposentadoria precoce dos jogadores, tem-se portanto, um passo a mais para reestruturar esse sistema. Proporcionando uma melhor saúde mental para esses atletas e a possibilidade para atingir e superar novos parâmetros nas performances. Já que, quando aliados a técnicas positivas e a atuação de psicólogos esportivos, os times demonstram índices de melhores resultados e maior adesão dos atletas.

 

REFERÊNCIAS

VIEIRA, L. VISSOCI, J. OLIVEIRA, L. VIEIRA, J. Psicologia do esporte: uma área emergente da psicologia. 2010. https://www.scielo.br/j/pe/a/dxqXV7GtH7zkCLkzYq7K7Wd/.

GUSTAFSSON, H. KENTT, G. HASSMEN, P. LUNDGVIST). Prevalence of burnout in competitive adolescent athletes. Journal of Athletic Training, 2020.

OLMDILLA- ZAFRA, A. GARCÍA-GONZALEZ. ORTEGA, E. Burnout and muscular-skeletal injuries among professional football players. Journal of Sports Sciences. 2019.

SPORTS ILLUSTRATE Michael Phelps Opens Up About Depression and Suicidal Thoughts. 2017. https://www.espn.com/olympics/swimming/story/_/id/26796317/phelps-wins-award-mental-health-advocacy

CNN,  Michael Phelps: I am extremely thankful that I did not take my life. 2018. https://edition.cnn.com/2018/01/19/health/michael-phelps-depression/index.html

CSIKSZENTMIHALY, MIHALY. Flow: a psicologia do alto desempenho e da felicidade – 1ª ed. Rio de Janeiro, 2020.

WEINBERG, ROBERT S. (2017) Fundamentos da psicologia do esporte e do exercício. 6ª ed. Porto Alegre, 2020.

 

 

 

 

 

 

 

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