‘Um simples favor’ e a representação da psicopatia

Compartilhe este conteúdo:

‘Um simples favor’ é uma ótima produção cinematográfica para quem quer conhecer até que ponto um psicopata pode chegar para obter aquilo que deseja.

Fonte: encurtador.com.br/bgPQY

Um simples favor é um filme de 2018, dirigido por Paul Feig, interpretado por Blake Lively e Ana Kendrick. O drama conta a estória de duas mulheres e uma amizade que esconde vários segredos.

O que você diria se uma amiga sua lhe pedisse para buscar o filho na escola para cuidar por algumas horas? Esse pedido é consideravelmente simples, e provavelmente você não veria problema algum em atendê-lo. Foi nesse contexto que Stephanie e Emily se tornaram amigas.

Emily Nelson é uma mulher que não passa despercebida em lugar algum. Ela ocupa um cargo de alto nível para uma grande empresa, sendo rica e bem-sucedida. Casada com Sean e mãe de Nicky, residente numa casa fantástica, ela não teria do que se queixar (em tese). Já Sthephanie é a típica mãe adorada pelo sistema patriarcal. Possui altas habilidades culinárias, além de ser muito boa em cuidar da casa e de seu filho Miles. Ela é viúva, tendo seu marido ceifado por um acidente de carro.

Mas por que descrever as duas personagens principais nessa configuração? É interessante perceber como o filme traz uma mensagem de antagonismo entre as duas mães, mesmo que esse não seja um dos principais focos do enredo. Sthephanie e Emily possuem maneiras de ser mulher totalmente diferentes, no entanto, veem uma na outra um exemplo a ser conquistado.

Fonte: encurtador.com.br/iETZ4

É possível também observar como o longa trata essas diferentes formas de ser, de maneira natural e sem julgo, retratando assim a possibilidade de ser mãe e/ou mulher, para além da forma tradicional adotada como certa pela sociedade patriarcal.

A amizade construída entre Emily e Sthephanie se deu de maneira muito rápida, e a partir disso, Sthephanie passou a cuidar regularmente de Nicky, sempre que sua amiga precisava. Em um dia desses comuns, Sthephanie busca os meninos na escola e cuida do filho de Emily enquanto ela retorna do trabalho, no entanto, ela não voltou nunca mais.

Quatro dias se passaram e ninguém tem notícias do paradeiro de Emily. Então a polícia foi acionada e cartazes com sua foto foram espalhados pela cidade, na tentativa de encontrá-la. E ela é encontrada, mas já sem vida, no fundo de um lago. Com esse desfecho, a vida dos envolvidos muda totalmente. Sean e Sthephanie decidem ficar juntos como um casal, cuidando de Miles e Nicky. Assim, Emily é enterrada para sempre da história de todos.

Porém, o ditado popular “Quem é vivo sempre aparece!” se faz real na trama. Emily passa a realizar aparições para Nick, fazendo dele seu mensageiro para a nova família que foi construída. E é aqui, que Sthephanie se questiona se realmente a amizade que havia entre elas tinha sido real ou se de fato ela não conhecia verdadeiramente quem era Emily Nelson.

Emily representa uma personagem com traços de psicopatia. Mas isso você só descobre no clímax da trama, e os detalhes deixarei para você leitor conferir com seus próprios olhos. Entretanto, uma breve história de como Emily se constituiu como indivíduo será retratada aqui.

Fonte: encurtador.com.br/avIPR

Emily nasceu de uma gestação de três bebês, uma delas faleceu, sobrevivendo ela e sua irmã gêmea. Quando adolescentes tiveram a criação de um pai muito agressivo e protetor, a ponto de não deixar que elas frequentassem sozinhas os lugares, buscando-as a força quando isso acontecia e agredindo-as fisicamente de forma brutal. Tal acontecimento pode ter sido fator influente no desenvolvimento da psicopatia em Emily (GOMES e ALMEIDA, 2010).

Certo dia as irmãs atearam fogo na casa onde o pai estava, matando-o, e depois fugindo de casa. Desse dia em diante, elas passaram a se esconder da polícia assumindo diferentes identidades e tomando caminhos opostos.

A irmã bem-sucedida que é a nossa protagonista, não chegou aonde chegou através de métodos convencionais de se relacionar, mas sim, usando de grande manipulação e mentiras, performadas do modo mais natural e eficaz possível. De acordo com Gomes e Almeida (2010, pág.14) “após se concretizar, a psicopatia se torna um fator de risco: podem ocorrer atos infracionais, pois os indivíduos acometidos por este transtorno têm maior facilidade em utilizar charme, manipulação, mentira, violência e intimidação para controlar as pessoas e alcançar seus objetivos (APA, 2002; RICHELL ET AL., 2003; VALMIR, 1998).”

As características presentes num psicopata se encaixam perfeitamente no modo de ser de Emily Nelson. Tais características de acordo com Cleckley (1998) apud Gomes e Almeida (2010, pág.14) são: “(…) charme superficial, boa inteligência, ausência de delírios e de outros sinais de pensamento irracional, ausência de nervosismo e de manifestações psiconeuróticas, falta de confiabilidade, deslealdade ou falta de sinceridade, falta de remorso ou pudor e tentativas de suicídio. Comportamento antissocial inadequadamente motivado, capacidades de insight, julgamento fraco, incapacidade de aprender com a experiência, egocentrismo patológico, incapacidade de sentir amor ou afeição, vida sexual impessoal ou pobremente integrada e incapacidade de seguir algum plano de vida (…) escassez de relações afetivas importantes, comportamento inconveniente ou extravagante após a ingestão de bebidas alcoólicas, ou mesmo sem o uso destas, e insensibilidade geral a relacionamentos.”

Fonte: encurtador.com.br/HINTW

Como dito anteriormente, Emily não era uma mulher que passava despercebida, visto que era dona de um charme estonteante e uma presença e segurança de si admiráveis. Além disso, a protagonista é expert em contar mentiras para manipular as pessoas e as situações ao seu favor. Esse comportamento é reproduzido durante todo o filme, fazendo com que até mesmo o telespectador que está vendo a trama de fora, duvide se o que ela diz é verdade ou mentira.

Para Gomes e Almeida (2010) o indivíduo psicopata é um ator da vida real que possui a habilidade de conquistar o que quiser se aproveitando dos pontos fracos humanos. Um exemplo a ser citado, é a cena em que ela diz à Sthephanie que a considera sua melhor amiga alegando nunca ter se aproximado tanto de alguém, contudo, na cena seguinte, ela tenta matá-la a tiros.

‘Um simples favor’ é uma ótima produção cinematográfica para quem quer conhecer até que ponto um psicopata pode chegar para obter aquilo que deseja. Ainda acrescento que a atriz Blake Lively faz uma interpretação digna de aplausos, provocando no telespectador amor e ódio por sua personagem, despertando o típico sentimento que as pessoas com as quais o psicopata interage sentem.

FICHA TÉCNICA

 UM PEQUENO FAVOR

Titulo Original: A Simple Favor 
Direção: Paul Feig
Elenco: 
Anna Kendrick,Blake Lively,Henry Golding
Gênero: 
Suspense,Policial
Ano:
2018
País: EUA

REFERÊNCIA:

GOMES, Cema Cardona; ALMEIDA, Rosa Maria Martins de. Psicopatia em homens e mulheres. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio Grande do Sul, v. 62, n. 1, p.13-21, fev. 2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v62n1/v62n1a03.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2018.

Compartilhe este conteúdo:

Mentes Perigosas: risco é real de psicopata viver a seu lado – (En)Cena entrevista a Dra. Ana Beatriz Silva

Compartilhe este conteúdo:

Autora do best seller “Mentes Perigosas” e de outros títulos de grande impacto editorial, como “Mentes Consumistas”, “Mentes Inquietas” e “Bullying”, com mais de 1,5 milhões de livros vendidos, a psiquiatra carioca Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva veio a Palmas recentemente, a convite da Laica – Liga dos Amigos do Idoso, Criança e Adolescente, para a palestre “Mentes Perigosas”, num evento de cunho beneficente, realizado no Cristal Hall e que contou com o  apoio do Ceulp/Ulbra (curso de Psicologia) e da GEP Livraria, dentre outros.

Reprodução do livro
Reprodução do livro

A Dra. Ana Beatriz é médica graduada pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), com pós-graduação em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e é professora Honoris Causa pela UniFMU (SP). Preside a AEDDA – Associação dos Estudos do Distúrbio de Déficit de Atenção (SP), e é diretora de uma clínica que leva o seu nome, no Rio de Janeiro, além de escritora, palestrante, conferencista, e consultora de diversos meios de comunicação, sobre variados temas do comportamento humano. Em Palmas, a Dra. Ana Beatriz concedeu uma entrevista exclusiva ao Portal (En)Cena, cuja íntegra segue abaixo.

(En)Cena: Em linhas gerais, qual a tônica da palestra “Mentes Perigosas”?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: O meu foco foi sempre trazer o conhecimento científico, de caráter técnico, para uma linguagem abrangente e basicamente para o público leigo. Mantenho um rigor científico, mas uso uma linguagem que aproxima este conhecimento do grande público. Eu acredito que se você pega um conhecimento, sistematiza-o mas não tem capacidade de propagá-lo, ele fica na estante. E um livro tem de sair da estante, pois ele é uma obra que não se realiza em si; isso só ocorre quando ele começa a circular pelas mãos dos leitores, daí o conhecimento começa a se propagar. A palestra “Mentes Perigosas” é baseada eu meu livro homônimo. E o objetivo é fazer com que mais pessoas conheçam sobre a psicopatia, de forma clara e abrangente.

(En)Cena: Fale-nos um pouco mais sobre o livro “Mentes Perigosas”.

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: É um livro do final de 2008 e início de 2009. Já passou por uma revisão, e veio para falar sobre psicopatia. Durante muito tempo as pessoas não tinham uma noção exata do que se tratava esse transtorno, e normalmente associavam-no com uma doente mental. Porque o nome psicopata dá esta dubiedade. Mas diferente do que o nome possa indicar, a psicopatia é antes de tudo um transtorno de personalidade, ou seja, é uma maneira de a pessoa ser, no seu funcionamento cerebral.

(En)Cena: Explique-nos com mais detalhes como funciona este funcionamento cerebral do psicopata.

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: A pessoa já nasce com uma tendência a agir com quase 100% de razão e nenhuma emoção. E o que significa isso? Que são pessoas absolutamente frias, calculistas e que não consideram o outro. Ou seja, não têm o sentimento da empatia, não se colocam no lugar do outro. Não têm remorso ou arrependimento. São pessoas que basicamente veem no outro não alguém, mas um objeto de uso. E objeto de uso para quê? Para três funções específicas: status, poder ou diversão.

(En)Cena: Então a pessoa já nasce psicopata? Esta é uma condição apriorística?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Na psicopatia legítima, sim. Mas existem gradações, não há dúvida. Eu falo no livro e nas palestras, de que tudo no comportamento tem um grau. Temos que pensar o comportamento humano como aquela luz que tem o dimmer. É o conceito do espectro, os tons… você tem desde o mais leve, passando pelo moderado e, enfim, culminando no mais grave. Dentro da psicopatia vamos ver que os mais graves seriam o que todo mundo mais ou menos já ouviu falar, já conhece, que são os serial Killers. São pessoas com uma enorme indiferença afetiva – sem a capacidade de vincular a existência do outro…

Entrevista ao (En)Cena, na Livraria GEP – Foto: Douglas Erson

(En)Cena: Mas de que forma eles se apresentam? Como eles “transitam” socialmente? Há variações, também, no comportamento?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Nunca se percebe quando se cruza com um psicopata. Ele não é aquela pessoa que tem cara de mau, muito pelo contrário. Todos são extremamente sedutores e dissimulados. Para se ter uma ideia, a falta de empatia – que é essa capacidade de você se colocar no lugar do outro, sofrer pelo outro – é tão grande que existem estudos recentes – e eu nem coloquei ainda na última revisão de “Mentes Perigosas” –, de pouco mais de um mês atrás, que indicam que os psicopatas são capazes de não reagir quando alguém boceja perto. Esta reação (de bocejar quando alguém também o faz) é instantânea, pois o cérebro associa o sentimento do outro e se contagia. É tamanha a indiferença com o outro que não há a empatia nem o bocejar. Então não esperem do psicopata aquele cara mal trajado ou alguém com cara de vilão. Pelo contrário, ele vai ser alguém que entra na vida das pessoas sempre de forma benquista.

(En)Cena: E existe um padrão de “ataque”?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Sim, eu costumo dizer que existe o “171 afetivo”, que são aqueles homens que vão a lugares estratégicos seduzir mulheres, por exemplo em aeroportos, locais turísticos, etc. É muito comum você ver aqueles homens que ficam ali esperando uma mulher sozinha, ou mesmo duas ou três mulheres, para que eles possam seduzir. E todo bom psicopata se apresenta para você exatamente como você quer que ele seja. Não podemos esquecer que o psicopata é quase que exclusivamente razão, e sem nenhuma emoção. Então ele sabe o que você está pensando.

(En)Cena: Então todo psicopata é absolutamente zero de emoção?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Depende da gravidade. Daí voltamos para aquela ideia de gradações. Mas sempre temos que pensar o psicopata como alguém que tem um cérebro que funciona quase que com a emoção zerada, e com a razão quase a 100%.

(En)Cena: Os dados gerais apontam que 4% da população mundial tem algum nível de psicopatia. Há dados específicos sobre o Brasil?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Não, não temos. O Brasil se baseia muito nas pesquisas que são realizadas nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrália e principalmente no Canadá, onde você tem o psicólogo Dr. Robert Hare que revolucionou os estudos e pesquisas em psicopatia. Ele conseguiu desenvolver, dentro dos sistemas penitenciários, um check-list, que chamamos de escala Hare – em homenagem a ele, obviamente – onde se é capaz de diferenciar os presos que são psicopatas dos presos não psicopatas. Então se chegou ao número de que 20% da população carcerária é psicopata. E 20% destes 20% respondem pelos crimes mais pavorosos e hediondos que a gente possa imaginar. A reincidência dos psicopatas também chega a ser de duas a três vezes maior do que a dos outros presos. Então se você for espremer isso tudo, estamos falando em diferenciar os presos recuperáveis dos não recuperáveis, porque hoje estão todos juntos. O sistema penitenciário, hoje, não tem a função que deveria ter, que é recuperar os recuperáveis. Pelo contrário, os recuperáveis acabam se tornando soldadinhos dos psicopatas.

Fonte: R7

(En)Cena: Então, por tudo isso que a senhora nos disse, é quase que uma situação de irreversibilidade em relação à psicopatia.

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Olha, até hoje não há nenhum indício de recuperação. É importante destacar que há pessoas que têm atitudes psicopatas de forma isolada. O transtorno de personalidade é uma maneira de ser. Então quando for feita uma avaliação, ela sempre será do conjunto da obra, não de uma atitude isolada. Por exemplo, há casos em que uma pessoa ensandecida pelo ciúme tem uma atitude psicopata. Peguemos o caso de um homem que tem um ataque de ciúmes e machuca sua companheira. Isso, isoladamente, é uma coisa grave, uma lesão corporal. Mas se o modo dele ser, no geral, não é assim, e ele demonstra arrependimento real, a gente não pode dizer que ele é um psicopata. Os estudos mostram que 25% dos agressores de mulheres são psicopatas, ou seja, a grande maioria não é. E daí você vai ver que estes 25% são aqueles agressores contumazes, recorrentes. Quando se puxa a ficha desses caras eles já foram denunciados não sei quantas vezes, e só muda de mulher e de Estado. E como não há, ainda, a comunicação entre as polícias de forma mais eficaz, neste país gigante que é o nosso, fica difícil identificar estas pessoas já de primeira. Porque o diagnóstico de psicopatia se faz do histórico de vida da pessoa. Por exemplo, um psicopata de 20 anos já tem uma ficha corrida. Pode até ser que não haja uma ficha criminal, mas ele já tem uma história para contar. Já vai aparecer gente para descrever que, desde criança, dada pessoa já fez tentativas de estupro, ou que na adolescência já começou a roubar, etc.

(En)Cena: E na infância, é possível identificar alguns traços?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Aí há um cuidado a mais sobre este assunto. Por exemplo, é muito comum que os pais presenteiem seus filhos com bichinhos de estimação. E é muito capaz que a criança acabe machucando-os, pela ânsia de brincar, já que têm enorme energia. Mas é muito fácil perceber que a criança que tem sentimento, que tem sensibilidade, ao machucar o seu cachorrinho, por exemplo, e ver que ele está sofrendo, ela fica extremamente ressentida, ela fica muito mal. Eu já vi uma criança que chegou para mim e disse: – “Eu machuquei o meu cachorro sem querer, foi sem querer. Ele vai morrer?”. Ou seja, há uma ânsia de se justificar. Uma criança que não tem essa percepção, ela não vai ter a mesma reação. Pelo contrário, ela vai sentir certo prazer com isso e vai tentar repetir. Na série Dexter, por exemplo, o pai chega para o filho ainda criança (o personagem principal, o psicopata Dexter Morgan [Michael C. Hall]) e pergunta se foi ele que matou o cachorro da vizinha. Depois de um tempo insistindo na pergunta, ele acaba por dizer que a mãe estava reclamando muito do cachorro, que fazia muito barulho. Quando finalmente resolve dizer que matou o cão, e perguntado do por que ter feito aquilo, ele diz que queria ver como era um cachorro sofrendo, morrendo… Então até os 5, 6 ou 7 anos de idade, a criança com uma tendência à psicopatia ainda não tem a habilidade de mascarar os seus sentimentos. E se você vai perguntando, ela fala!

Eu lembro de que um casal que levou um garotinho, um filho para que eu atendesse. Na casa, eles tinham um Yorkshire e uma irmãzinha recém-nascida, de 8 meses. E um dia pegaram esse garotinho jogando talco no rosto da bebê. Quando ele foi pego, tentou se desculpar dizendo que tava colocando talquinho para trocar a fralda. Mas no nariz?! Os pais acharam aquilo estranho. Mais à frente, o flagraram beliscando a menina. Até aí, tudo bem! Poderia ser ciúmes… no entanto, num fatídico dia ele pegou o cachorrinho Yorkshire e jogou do 8º. andar. O vizinho viu aquela cena. Quando eu perguntei para ele por que havia feito aquilo, ele disse que “só queria ver como é que era um cachorrinho sofrendo e sentindo dor”. Ele falou isso de uma maneira natural. É claro que se fosse hoje provavelmente ele não diria isso, pois já desenvolveu a habilidade da mentira. Então este instinto deles (dos psicopatas) é muito claro, desde o início. Inclusive há algumas pesquisas que mostram que a partir dos 8 meses o bebê humano pode identificar a empatia. Então digamos que você pega uma criança no colo e leva até uma pracinha. Lá, se ela ver uma criança cair e chorar, na mesma hora o bebê já estabelece uma conexão e percebe que algo desagradável está acontecendo. É comum que eles comecem a chorar também. Já a criança com a tendência psicopata não tem esta conexão.

Mas é preciso ter cuidado. Por exemplo, não se faz diagnóstico de psicopatia na infância, só após os 18 anos. Por quê? Porque pode ser que a criança apresente características que sugerem que, no futuro, desenvolva a psicopatia. No entanto, até os 18 anos essas dinâmicas são nomeadas como transtornos de conduta. O cérebro passa por dois grandes momentos de amadurecimento, sendo um entre os cinco e sete anos, e outro entre 17 e 20 anos. Mas isso é só para haver um padrão, uma marcação média. Porque tem crianças que vão ter esse amadurecimento com 14 anos, e têm pessoas que nem com 28 anos vão ter. Levando-se em conta isso, em alguns países não se fala mais na questão da maior ou menor idade. O que se tenta descobrir é se a criança tem consciência do que ela fez, se ela tem capacidade de entender o que ela fez. E se ela tem capacidade de ter noção da gravidade do que ela fez.

Foto: Reprodução TV Globo

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva:  Tem um caso clássico, que eu até coloquei em “Mentes Perigosas”, que é de duas crianças – à época uma de 12 e outra de 8 anos – que roubam um bebê de uma mãe que está numa sorveteria, e o levam para os trilhos de um trem e deixam-no lá para morrer. Essas crianças foram pegas depois, e em juízo, ao indagadas por que fizeram aquilo, disseram que queriam ver como era um neném explodir. Então existem graus de indiferença com o outro que só um psicopata é capaz de fazer.

(En)Cena: E nos casos daqueles jovens que realizam massacres em escolas, e que logo depois se matam?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Neste casos, a maioria é por psicose e não por psicopatia. Porque o psicopata não se arrepende, não existe essa possibilidade. Por exemplo, já se viu determinados políticos irem para a cadeia e se matar lá dentro? (risos). Pelo contrário, têm uns que vão e ficam até mais encorpados e confiantes. Ganham viço e até a retórica melhora.

É interessante lembrar que todo psicopata se aproxima de pessoas – ele escolhe pessoas mais sensíveis – com o discurso da vitimização. Desconfie sempre de alguém que entra na sua vida e já escancara questões muito delicadas. Por exemplo, sempre digo que quando uma mulher no ambiente de trabalho, já na primeira semana, diz que foi abusada sexualmente pelo pai ou pelo tio, devemos acender o sinal de alerta. Eu já boto três pés atrás. Tenho 50 anos e já passei por muitos casos. Para uma mulher dizer que foi estuprada às vezes isso leva anos. Então se deve desconfiar destas confissões instantâneas. Isso acontece muito com mulheres tentando seduzir homens. Porque homens adoram histórias tristes, e em alguns isso gera até certo fetiche.

(En)Cena: Então, pelo que vimos até aqui, o entendimento geral de que toda criança é boazinha não passa de um mito?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Um grande mito! Mesmo a criança que não tenha essa formação psicopática, ela tem maldade, ou atos maldosos que são normais à essência humana. A questão é saber se há o arrependimento para que haja a superação.

(En)Cena: E continuando a falar do tema ‘maldade entre as crianças’, pegando aquele caso do filme “Vamos falar sobre Kevin”, a origem [da formação psicopata] é na mãe, na criança, ou em ambos?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Depende, porque aqui você também conta com um componente genético. E a genética não é um jugo de fatalidade, ela é, em alguma medida, fruto da probabilidade. Por exemplo, um pai e uma mãe podem não ter a menor característica psicopática, e ter um filho assim. Mas se for pesquisar na família, vamos encontrar um bisavô ou mesmo avô com estes traços. E no Brasil isso se torna ainda mais evidente. Há muito pouco tempo os nossos avós ou bisavós poderiam perfeitamente ser capatazes de fazendas escravocratas. Então a gente está sempre julgando uma relação de parentalidade muito próxima, e esquece-se dos ancestrais desta família. Outro exemplo: a mãe do traficante Fernandinho Beira-Mar foi uma das pessoas mais dóceis que se conhece. Dos filhos – que se não me engano são nove ao todo – Fernandinho é o único caso que se envolveu na criminalidade. Todos os outros irmãos são pessoas de bem, professores, pessoas batalhadoras. E a própria mãe dele era uma pessoa que tinha essa noção de que ele era diferente. É tanto que enquanto ela esteve viva, manteve uma educação e uma disciplina bem severa com ele. É importante lembrar que a educação não muda a essência, mas modula. Uma criança e um adolescente sabe o que pode e como deve fazer [certas coisas]. Se você tem um pai e uma mãe ali bem focados, para não deixar o filho se jogar para um lado e para o outro, claro que este filho melhora.

Outro exemplo: se vê por aí um pedófilo estuprar uma criança em praça pública? Não se vê! Porque ele é absolutamente maquiavélico. Ele vai friamente calcular a ação. Mas parte das pessoas ainda acha que isso é fruto de impulsos incontroláveis, e eu nunca vi um impulso que só se manifesta em meses. Impulso é impulso, concorda? Você pega um dependente de crack, por exemplo, e ele faz qualquer coisa para obter a droga, até transar com um cachorro em público. Aqui há um transtorno em que a pessoa está fora de si e sem o controle nenhum do impulso.

(En)Cena: E a predominância da psicopatia é mais no sexo masculino?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Teoricamente sim, mas eu tenho as minhas dúvidas. A estatística é de três homens para cada mulher psicopata, tendo em vista uma porcentagem de 4% de pessoas acometidas pela patologia. De maneira geral, a estatística é clara quanto àquele percentual que nasce com traços psicopatas. Se vai se manifestar, depende da sociedade. E estamos num momento em que a sociedade favorece para que os casos se aflorem, já que há um pico de materialismo e individualismo, onde a cultura do psicopata ou cultura da esperteza acaba predominando. Os nossos valores sociais, hoje, acabam favorecendo que esses 4% floresçam e que inclusive ocupem posições de poder.

(En)Cena: Então a política é um campo fértil para o psicopata?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva:  A política é um dos campos mais atrativos para um psicopata. Porque é uma das raras profissões onde você tem poder ilimitado, diversão ilimitada, vaidade e megalomania. Todo psicopata é megalomaníaco.

(En)Cena: O seu livro foi o primeiro do gênero no Brasil? Qual o impacto que ele causa nas pessoas?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Eu acho que sim. Ele ampliou a curiosidade do grande público para temas deste gênero. Eu fico feliz quando vejo pessoas leigas no assunto se debruçando sobre o livro e sabendo diferenciar, por exemplo, a psicopatia da psicose. Então quando há um crime e a imprensa vai à rua entrevistar as pessoas, eu vejo estas pessoas simples usarem o termo psicopata com o sentido real da palavra. Não estão falando da psicose. Também agradeço muito o contato que eu passei a ter com o pessoal do Direito. Eu converso com vários juízes que, hoje, já tem uma clareza maior sobre o tema. E “Mentes Perigosas” ainda não cumpriu a sua missão, ainda tem um longo caminho pela frente, que é poder diferenciar no sistema penitenciário os presos que são psicopatas dos que não são psicopatas. Espero sinceramente que possamos avançar sobre isso nos próximos 10 anos, para que pela primeira vez tenhamos um sistema capacitado a identificar no sentido de recuperar [os presos] os recuperáveis. Porque o que acontece hoje é um crime. Os recuperáveis são aqueles que numa rebelião são postos de cabeça para baixo, como se fosse um frango de padaria. Os que morrem numa rebelião não são os irrecuperáveis.

(En)Cena: E seus projetos futuros?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Há menos de um ano eu lancei “Mentes Consumistas” que fala deste materialismo todo que permeia a nossa sociedade. Hoje creio que vivemos um momento em que a maior crise não é econômica, mas ética. Quanto aos projetos futuros, eu agora relanço já atualizado o livro “Bullying: mentes perigosas nas escolas”, que já foi um derivado de “Mentes Perigosas”, e estou escrevendo um livro que vai se chamar, talvez, “Mentes Agradecidas”, falando de meus 25 anos de carreira, agradecendo os melhores casos de minha vida, que são 11 no total. Também estou trabalhando num romance chamado “Horizonte Vertical”, que é uma ficção com aquela temática da “volta no tempo”, já que sou fascinada por Física e Cosmologia. Também tenho uma minissérie, “Janelas da Mente”, que são 11 episódios onde cada um abordará um tipo de comportamento. E, por fim, estou trabalhando em um grande projeto, que é uma encomenda chamada “Mentes de Fé”. Este é bem difícil, porque eu não falarei de religião, apesar de estar estudando todas as grandes religiões, mas de espiritualidade, da necessidade que a gente tem de levar em consideração a nossa dimensão espiritual, tendo em vista que contamos com a dimensão física, a mental e a espiritual. Inclusive muito dessa crise ética que assola nosso país é porque nos esquecemos de nossa dimensão espiritual, e aqui volto a falar que não se trata de religiosidade, mas de espiritualidade. Estamos muito materialistas. É preciso repensar este modo de viver.

(En)Cena: O Portal (En)Cena e o Ceulp/Ulbra agradecem a sua gentileza pela entrevista.

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Eu é que agradeço pelo espaço concedido, e me anima saber que há um envolvimento do curso de Psicologia daqui, do Ceulp/Ulbra, com temas atuais e desafiadores. É cada vez maior o número de psicólogos, mundo afora e também no Brasil, que encabeçam pesquisas de ponta sobre o comportamento humano. Isso é um avanço enorme e enriquecedor. Continuem firmes. Temos muito a explorar e avançar no nosso país.

Compartilhe este conteúdo:

Perfume: a história de um assassino

Compartilhe este conteúdo:

Até onde você iria, na busca da realização de um sonho?

E se esse sonho fosse  tudo o que você tem?

Você desistiria diante do primeiro obstáculo?

 

Em “Perfume – a história de um assassino”, o aprendiz de perfumista Jean-Baptiste Grenouille, brilhantemente interpretado pelo ator inglês Ben Whishaw, é mais uma dentre as milhares de pessoas que não tem nada além de um sonho, e, como a vida não passa disso, satisfazer esse desejo se torna uma questão de sobrevivência.

Para além de qualquer diagnóstico clínico ou acusação, o filme retrata mais de que a história de um sociopata e serial killer que mata mulheres em busca da sua essência virginal. Esse personagem é, antes de tudo, um homem com um objetivo: fazer o melhor perfume do mundo.

O cenário do filme é a Paris de 1738,

[…] as pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza, e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou de palavras sedutoras. Mas não podiam escapar do aroma. Pois o aroma é o irmão da respiração. Com esta ele penetra nas pessoas, eles não podem escapar-lhe caso queiram viver. E bem para dentro delas é que vai o aroma, diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente entre atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas (Trecho da narração de abertura do Filme:  Perfume – a história de um assassino).

São os odores que movem essa trama, do início ao fim. A história gira em torno do dom incomum de Jean-Baptist, seu superolfato, capaz de distinguir entre qualquer cheiro/essência, mesmo em longas distâncias.

O panorama onde tudo começa é o mercado municipal, um ambiente fétido, contaminado pelos mercadores de peixe e, assim como, sem lógica alguma, Jean-Baptiste é literamente expelido do ventre de sua mãe, embaixo de uma mesa, no meio do mercado. A mulher, sem qualquer remorso, planeja ao final do dia recolher os restos mortais do recém-nascido e descartá-lo no rio que corta a cidade, exatamente como foi feito com seus outros quatro filhos. E meio como que pedindo socorro, Jean-Baptiste começa a chorar, delatando a mãe, que, pela monstruosidade do plano, é condenada à morte.

Começa a saga do bebê, que vive sendo levado para todos os lados, mas sem pertencer a canto algum.

No orfanato, assim como as outras crianças, Jean-Baptiste nunca soube o que era o amor maternal, mas também não se atreve a conquistar a amizade de outras crianças. Nunca soube como fazer parte de algum grupo, sempre solitário, não sentia falta de ninguém, e passava os dias assim, horas e mais horas admirando o mundo que podia descobrir através do cheiro.

Ainda no orfanato, nosso personagem demonstra os primeiros traços de perversão em sua personalidade, pois a psicopatia (ou transtorno da personalidade antissocial) consiste num conjunto de comportamentos e traços de personalidade específicas, caracterizados por um desvio de caráter, pela ausência de sentimentos genuínos, frieza, insensibilidade aos sentimentos alheios, manipulação, egocentrismo, falta de remorso e culpa para atos cruéis e inflexibilidade com castigos e punições.

Quando não teve mais idade para permanecer no orfanato Jean-Baptiste foi vendido para um curtume, onde passou anos trabalhando exaustivamente em rotinas diárias de dezesseis horas, e contra todas as probabilidades, mais uma vez ele sobreviveu. Sim, nosso personagem é um sobrevivente. Um tipo que não se encaixa, mas também não sente falta disso. Ele passa os dias voltado para si, imerso em seu próprio mundo, em suas descobertas, nos cheiros. É um prazer puramente narcisista.

A grande mudança e o desenrolar da trama se dão quando Jean-Baptiste vai pela primeira vez à cidade. Perdido em meio à multidão ele fica encantado com a aquarela de odores. Para ele não há cheiro bom ou ruim… São apenas cheiros.

E nesse dia ele sente um aroma diferente, único, exalado por uma bela ruiva que trafega livremente pela capital francesa. Jean-Baptiste não consegue se libertar daquele aroma e persegue a moça, que assustada, foge. Ele, temendo ser pego, tapa a boca da jovem para que esta não possa gritar, passa-se algum tempo, e ele nem percebe quando ela morre sufocada em suas mãos. Ele não se conforma com a morte da moça, ao perceber que seu cheiro se esvai junto com a vida, e inebriado pela lembrança daquele aroma extasiante, ele entende que precisa encontrar um meio de preservar os cheiros.

Em momento algum ele se preocupou com o fato de a jovem ter morrido, ou de ter-lhe tirado a vida. Sua frustração foi única e exclusivamente em não conseguir capturar aquela essência, os psicopatas não sentem culpa e em geral culpam outras pessoas de seus comportamentos. Raramente aprendem com seus erros ou conseguem frear seus impulsos.

Logo surge a oportunidade, e Jean-Baptiste é vendido como aprendiz de perfumista. No novo oficio ele trabalha dia e noite na fabricação de perfumes, a fim de aprender a arte da destilação. Logo  entende que o método não é suficiente para satisfazer suas necessidades. O aprendiz de perfumista convence seu mestre a lhe fazer uma carta de recomendação e migra para Grasse, no interior do país, para aprender a técnica da odorização, um método mais eficaz que a decantação, para preservar os aromas.

Em sua viagem rumo à cidade de Grasse, Jean-Baptiste se recolhe por um período de tempo em uma caverna, onde, curiosamente, encontrara paz.  Naquele lugar distante de tudo e de todos

[…] Pela primeira vez na sua vida, ele não se via na obrigação de cheirar, a cada fôlego, algo de novo, de inesperado, de hostil, ou de perder qualquer coisa agradável. Pela primeira vez era-lhe dada à oportunidade de respirar quase à vontade sem ter, incessantemente e ao mesmo tempo, olfato atendo (Trecho da narração do Filme: Perfume – a história de um assassino).

E ao retomar sua viagem o aprendiz de perfumista descobre que finalmente  era alguém, que era excepcional.

Na nova cidade Jean-Baptiste rapidamente se estabelece, e se mostra um aluno brilhante. Depois de algumas tentativas fracassadas, aprende a arte da odorização a frio, e recomeça seu plano de preservar os cheiros, a fim de compor uma sinfonia de aromas, 13 notas/tons/odores que resultariam no melhor perfume do mundo. Nosso aprendiz de perfumista era também um artista.

Os psicopatas sempre causam boa impressão. No entanto costumam ser egocêntricos, desonestos e indignos de confiança. Com frequência adotam comportamentos irresponsáveis sem razão aparente, exceto pelo fato de se divertirem com o sofrimento alheio. Ou, como no caso de Jean-Baptiste, eles têm um objetivo especifico, e não medem esforços para alcançá-los. Outro traço marcante no comportamento de um psicopata é a incapacidade de lidar com a frustração.

Uma a uma, 12 virgens são assassinadas, e têm suas cabeças raspadas, mas sua virgindade não é violada. O caso intriga as autoridades, a cidade entra em estado de alerta, todos estão apavorados. Só falta uma moça, Laure, a bela ruiva filha do vice-cônsul Antonie Richs. Jean-Baptiste amava aquele perfume mais que tudo, era a essencial final, que daria o último e principal acorde à sua sinfonia de aromas.

Temendo o que poderia acontecer à sua filha o vice-cônsul, certo de que a beleza de Laure atrairia o assassino, abandona a cidade e foge com ela. Jean-Baptiste, auxiliado por seu dom incomum, percebe que o perfume se distancia da cidade, e parte em sua busca. Nesse meio tempo ele é descoberto, e uma infantaria também parte da cidade em sua captura. Os esforços de Richs não são suficientes, e sua filha acaba sendo morta pelo assassino de mulheres.

Já estamos chegando ao final do filme, e Jean-Baptiste consegue por fim terminar seu perfume quando é capturado.

O veredito foi pronunciado no dia 15 de abril de 1766 […] O perfumista Jean-Baptiste Grenouille, será conduzido nas próximas 48 horas até ao pátio, diante das portas da cidade e, ali, de rosto virado para o céu, será atado a uma cruz de madeira e receberá, ainda em vida, doze pancadas com uma barra de ferro que lhe quebrarão as articulações dos braços, das pernas, das ancas, dos ombros, após o que permanecerá nessa cruz até que a morte sobrevenha (Trecho da narração do Filme: Perfume – a história de um assassino).

O instante final chega, e o perfumista, munido de um traje elegante, caminha até seu carrasco, para receber a pena. O seu semblante, tranquilo, desperta ainda mais desprezo na população da cidade que lota a praça, na esperança de ver tão vil criatura ser torturada até à morte.

Mas a tranquilidade do perfumista escondia sua cartada final, é que no centro do pátio, Jean-Baptiste retira do bolso seu perfume, despeja uma gota do liquido milagroso em um lenço e faz um movimento no ar, como uma saudação, permitindo que o vento conduza o aroma ao nariz de todos, que num instante, estão inebriados. O aroma, à medida que atinge o olfato das pessoas vai provocando um estado de transe hipnótico, nesse instante as pessoas não sentem mais ódio pelo assassino. Seus corações ardem em uma paixão insana por Jean-Baptiste, e a imagem do monstro dá lugar à figura de um anjo. Num súbito momento, todos, até mesmo o bispo da cidade, rendem-se às paixões da carne, e começam a se amar em praça publica. Não há quem escape, todos dançam conforme a música do maestro. Pois “[…] Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas.” (Trecho da narração de abertura do Filme: O Perfume – História de um assassino).

Algumas horas depois, quando a população acorda, e todos percebem o que tinham feito, a culpa corrompe seus corações, e como Jean-Baptiste já estava longe o suficiente para ser preso, eles decidiram condenar um inocente, que após 14 horas de tortura, confessou os crimes, e é levado à forca.

O perfumista regressou à Paris. Com o que tinha nas mãos, ele poderia dominar o mundo, se quisesse poderia ser o novo Messias, um novo Papa, controlar centenas de milhares de pessoas, poderia escolher ser um Imperador Supremo, ou mesmo um Deus na Terra.

Só havia uma coisa que o perfume não poderia fazer, ele não poderia transforma-lo numa pessoa que podia amar e ser amado como o resto dos homens, “Então vá para o inferno”, ele pensou. “Maldito Seja o homem, o perfume e até ele mesmo”. (Trecho da narração do Filme: O Perfume – História de um assassino).

Jean-Baptiste é conduzido, por sua memória olfativa, ao mercado de peixe onde nasceu, e lá, no dia e 26 de junho 1767, ele desenrosca a tampa do pequeno frasco, e assim como quem não quer nada, deixa-se banhar por aquele liquido. A população de mendigos e pedintes que ali ficavam não pode resistir àquela beleza angelical, ele se deixou ser tomado por todas aquelas pessoas. Todos queriam para si um pedaço que fosse daquele ser divino, então eles, literalmente, o devoraram, pedaço por pedaço, sendo ingerido em praça pública.

Jean-Baptiste tem sua vida atravessada por uma serie de mortes. A primeira de sua mãe que, ao ser delatada pelo choro agudo do filho, foi condenada à forca, a da madre que lhe prestava cuidado no orfanato, seu empregador no curtume, seu mestre de perfumaria, todas as virgens com quem cruzou caminho e, por fim, a sua própria. Assim como veio ao mundo, no chão imundo e fétido do mercado municipal, ele o deixou.

Mais que um assassino, ou um psicopata, o filme retrata o perfil de um homem que não consegue ter nenhum sentimento por ninguém. Mas que a satisfação de desejos próprios, Jean-Baptiste luta pela realização de um sonho, ele tem um objetivo, e fará o que for necessário para consegui-lo.

Ele busca compensar no assassinato dessas mulheres, a criação do melhor perfume do mundo, não são mortes em vão, afinal, elas morem por um bem, pois se continuam a viver, seu aroma logo se corromperá. Tudo o que Jean-Baptiste busca inocentemente é preservar este cheiro que tem que ser apreciado por todos.

O que ele quer na verdade é que todos percebam o mundo como ele sente, ele é superior, e não faz questão nenhuma de demonstrar que pensa ao contrario. Jean-Baptiste consegue alcançar o coração das pessoas porque aprendeu naturalmente que as pessoas gostam de ser agradadas, e ele faz isso com maestria, a fim de conseguir o que quer.

E nessa conflitiva incessante entre certo e errado que o filme se desenrrola.

Saiba mais:

Segundo vários estudos, existem diferentes graus de psicopatias. Os mais comuns são aqueles que dificilmente matam, estes são os mais difíceis de serem diagnosticados, pois tendem a se passar despercebidos no ambiente social. São considerados “psicopatas comunitários”. Eles geralmente possuem inteligência média ou até mesmo maior que a média, são frios, racionais, mentirosos, dissimulados não se importam com os sentimentos alheios, são muito manipuladores, e sempre passam uma imagem de inocente.

Esse psicopata raramente vai para cadeia, mas quando por algum motivo vai é tido como preso ‘exemplar’ pelo seu bom comportamento. Comumente foram crianças que já apresentavam traços de frieza, insensibilidade e intolerância a frustrações, que podem ser evidentes em condutas como maus-tratos a coleguinhas, animais, mentir, roubar e etc.

Já o psicopata do grau “Moderado ao Grave”, corresponde àquele individuo que atende aos requisitos do Transtorno da Personalidade Antissocial. São geralmente agressivos, impulsivos, frios, sádicos, mentirosos, não possuem empatia e são, quase sempre, autores de assassinatos e serial killers, cujos verdadeiros instintos ninguém é capaz de desconfiar.
É comum nessas pessoas um histórico de doenças neuropsiquiátricas como: depressão, déficit de atenção, transtorno de ansiedade ou outros distúrbios de personalidade, além de um persistente sentimento de vazio existencial e tédio. Frequentemente foram crianças introvertidas e que apresentaram transtorno de conduta.

É de destacar que por mais intrigantes que sejam os graus de psicopatias, um ponto comum deve ser considerado: em todo o ambiente intrafamiliar é marcado por diversos e extensivos conflitos.

O transtorno parece estar associado a 3 fatores:

a) Disfunções cerebrais/ biológicas;

b) Trauma neurológico/ predisposição genética;

c) Traumas sócio-patológicos na infância. (Ex: Abuso sexual na infância, emocional, violência, conflitos e separação violenta dos pais.)

Uma análise fisiológica afirma que, todo individuo antissocial possui um desses comportamentos no histórico da sua vida. Entretanto nem toda pessoa que sofre algum tipo de abuso na infância vai se tornar psicopata, sem ter uma influência genética ou distúrbio cerebral.

REFERÊNCIAS: 

Handbook of psychopathy – Christophen J. Patrick (Ed. Juil-fond Press. 2007)

Scott o Lilienfeld e Hal Askowitz – Universidade do Arizona

Wilhout conscience, the disturbing worlf of psychopaths among us – Robert D. Have (Ed. Ynilford Press. 1999)

http://www.psicopatia.com.br/

http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/o_que_e_um_psicopata_.html

http://psicopatasss.blogspot.com/2009/08/sintomas-psicopatas.html

http://www.psiqweb.med.br/site/DefaultLimpo.aspx?area=ES/VerClassificacoes&idZClassificacoes=50

http://www.psicosite.com.br/tra/out/personalidade.htm

http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?422

http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/n1/27.html

FICHA TÉCNICA DO FILME:

PERFUME – A HISTÓRIA DE UM ASSASSINO

Título Original:  Das Parfum – Die Geschichte eines Mörders
Direção:  Tom Tykwer
Roteiro: Tom Tykwer
Elenco: Ben Whishaw, Alan Rickman, Dustin Hoffman, Rachel Hurd-Wood;
Paises:  Alemanha, França, Espanha
Ano: 2006
Gênero:  Drama

Compartilhe este conteúdo:
Imagem: The Corporation

The Corporation: a busca patológica por lucro e poder

Compartilhe este conteúdo:

A Corporação (The Corporation) é uma produção canadense dirigida por Mark Achbar (Manufacturing Consent: Noam Chomsky and the Media) e Jennifer Abbot a partir do best-seller de Joel Bakan (The Corporation: The Pathological Pursuit of Profit and Power) sobre os poderes das grandes corporações no mundo contemporâneo como a Nike, Shell e IBM. No documentário, de acordo com os diretores, as corporações controlam a sociedade economicamente e agem de forma predatória, mas não têm a punição devida. Nos EUA, a lei aplicada nas ações dessas empresas é a mesma aplicada aos cidadãos do país. Portanto, a partir da concepção apresentada no documentário, as corporações são como psicopatas que não são punidos, se avaliarmos suas “atitudes”.

No documentário constam depoimentos de mais de 40 pessoas, incluindo Noam Chomsky, Milton Friedman, Mark Moody-Smith (ex-presidente da Royal Dutch Shell) e os jornalistas Jane Akre e Steve Wilson, ex-funcionários da Fox News. Temas que variam desde fábricas de fundo de quintal no Terceiro Mundo até a destruição do meio ambiente, passando pela patente do DNA, fazem parte dessa narrativa cinematográfica.

O documentário começa com um breve histórico das grandes empresas do ponto de vista legal, jurídico. Na primeira parte é colocado que as corporações há 150 anos eram empresas sem expressão e hoje são instituições que seguem uma dinâmica própria, que transcende as vontades individuais de seus acionistas e executivos, e que têm poderes, controlam e influenciam a vida das pessoas.

As corporações são comparadas a peças de um quebra-cabeça da sociedade, um time esportivo onde cada um tem uma função, mas com finalidades definidas; é como se fossem um “sistema telefônico” que tem o poder de transformar a vida do indivíduo. As mesmas são também comparadas a animais: aos tubarões por terem objetivos bem definidos (são frios e não param enquanto não atingirem suas metas), às águias por serem competitivas sempre prontas a atingirem seus objetivos e às baleias por serem grandes e “gentis”, mas capazes de engolir com facilidade seu alvo.

“Que tipo de pessoa é uma corporação?” é uma questão feita aos consumidores. Mac Donalds é um jovem empreendedor, Nike é um jovem energético, General Eletric é um velhinho com muitas histórias para contar, Microsoft é um jovem agressivo etc. É enfatizado que as corporações têm direitos de pessoas mortais, mas não têm consciência moral.

No documentário é enfatizado o fato de que, de acordo com a lei, as firmas têm os mesmos direitos que os indivíduos: podem processar, ser processadas, alugar, acionar judicialmente, sofrer perdas, capitalizar ganhos, incorporar patrimônio e tantas outras ações que as pessoas físicas realizam durante suas existências.

A partir dessa ótica, a produção se envereda em mostrar que existe uma grande diferença entre os indivíduos e a corporação. Espera-se dos indivíduos que demonstrem responsabilidade ética e social. Já a corporação tem, por lei, apenas uma responsabilidade: garantir a seus acionistas o maior lucro possível. É perceptível que a principal razão de ser da corporação é a obtenção de lucro, mesmo que isso se oponha ao bem estar comum de toda a coletividade humana. Concerne aqui afirmar, com base nos depoimentos do longa-metragem, que esta abordagem conduz à exploração da força do trabalho, à devastação do meio ambiente, a fraudes contábeis e várias outras coisas do gênero que fazem parte do mundo do capital.

Num momento do documentário um executivo de uma multinacional se diz impotente para mudar qualquer ação da empresa onde trabalha, mesmo considerando que muitas das práticas contrariam seus princípios e filosofia de vida. Há outro depoimento, de um destacado consultor do mercado financeiro, que atesta que graves crises, como o ataque terrorista ao World Trade Center, ou guerras, como aquelas que são travadas no Oriente Médio, são um ótimo negócio para os investidores que apostam seu dinheiro em ouro, petróleo, indústria bélica etc.

Entenda-se que o modo como as corporações se “comportam” reflete-se também nas relações de trabalho. Como relata o documentário, “seja no que diz respeito à dissociação entre atos individuais de funcionários e realizações criminosas cometidos pela companhia, seja na desumanização do processo de produção, existe, no ideal corporativo, algo próximo da diminuição do homem à condição de máquina”. Escândalos de grandes empresas são relatados mostrando uma realidade assustadora.

Assim, casos reais são analisados (como um psiquiatra faria) visando a um diagnóstico. É mostrada uma ficha que vai sendo preenchida mediante os estudos de casos. Abaixo um paralelo das “atitudes” da corporação e a análise de seu “comportamento”:

 

Personality Diagnostic ChecklistWorld Health Organization ICD-10

Manual of Mental Disorders DSM-IV

Danos aos trabalhadores (demissões, exploração) Indiferença com os sentimentos alheios

Incapacidade de construir relações estáveis

Danos a saúde (produção de lixo tóxico, poluição) Indiferença negligente de segurança alheia
Danos aos animais (destruição do habitat, confinamento) Mentir e enganar os outros por ganância

Incapacidade de sentir culpa

Dano para o meio ambiente (emissões de CO2, desperdício nuclear) Incapacidade de se inserir nas normas sociais
Diagnóstico: PSICOPATA
Abott, Achbar. The Corporation. Canadá, 2004.

Para tanto, a loucura de uma corporação é como a loucura de um indivíduo. Nesse estudo apontado no documentário as corporações são tidas como a tirania de diversas gerações e representam o tipo Psicopata. O indivíduo recebe mensagens das corporações, por meio da mídia, que ditam e gerenciam as suas percepções e direcionam o modo de cada um pensar. As marcas ficam cada vez mais significativas e o que consumir passa a ser um desejo não mais oculto.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

THE CORPORATION

Direção: Jennifer Abbott e Mark Achbar
Roteiro: Joel Bakan e Harold Crooks
Elenco: Mikela J. Mikael (narração), Noam Chomsky, Michael Moore, Jane Akre;
País: Canadá
Ano: 2004
Gênero: Documentário

Compartilhe este conteúdo: