(En)Cena entrevista Ernesto Venturini

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Participando do II Congresso Internacional de Saúde Mental e Reabilitação Psicossocial, realizado em Porto Alegre entre os dias 3 e 5 de outubro, o psiquiatra e pesquisador italiano Ernesto Venturini, falou ao portal sobre a Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial, a questão dos manicômios judiciários, o lançamento de seu novo livro e da relação que tem com o Brasil.

Ernesto Venturini é um psiquiatra, colaborador de Franco Basaglia no processo de deinstituzionalização na Itália, desde o principio, em Gorizia e em Trieste. Contribuiu ativamente para o êxito da lei da reforma psiquiátrica na Itália. Foi diretor do Departamento de Saúde Mental em Imola e desempenhou papéis de responsabilidade na Saúde Pública na Região Emilia Romagna. É colaborador de Universidades italianas e internacionais e autor de alguns livros sobre psiquiatria e reforma psiquiátrica. Cooperou com a Organização Mundial de Saúde (OMS) em alguns países da África. Como assessor da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) para a América Latina, acompanhou a reforma psiquiátrica brasileira desde o 1992.

(En)Cena – Professor, qual a sensação de participar de um encontro que traz temas ligados à questão da Luta Antimanicomial?

Ernesto Venturini – Costumo vir sempre a eventos no Brasil e a sensação é sempre a mesma, fico sempre feliz de participar das discussões e da movimentação em torno dos temas da Saúde Mental.

(En)Cena – Em sua fala no evento, a questão dos manicômios judiciais foi o eixo principal, qual a situação dessas instituições na Itália?

Ernesto Venturini – Lá existe a intenção, na verdade a discussão já está até bem avançada, em abrir mão desse tipo de instituição. É uma dimensão que a Reforma Antimanicomial não alcançou a primeira vista, já que a Luta  Antimanicomial teve uma abordagem de saúde e o manicômio judicial está na esfera da justiça. Mas existe um forte movimento para que essa questão seja revista…

(En)Cena – Do ponto de vista da Luta Antimanicomial, a discussão não deveria avançar para os presídios, em uma perspectiva de que esses lugares também existem como espaços carentes de saúde mental?

Enersto Venturini – Sim, sem dúvida. É sim um espaço que deve ser discutido, entretanto a perspectiva da discussão do manicômio judicial acontece em função de que os próprios usuários, se organizaram reivindicando julgamentos sem diferenciação. Ou seja, a situação dos manicômios é tão precária que acaba-se preferindo a prisão.

(En)Cena – Fale um pouco do seu livro “O Crime Louco”, ele apresenta essa perspectiva recente na Itália?

Ernesto Venturini – No evento, infelizmente terei disponível apenas o e-book*, mas o livro físico vem logo em seguida. Na verdade o livro apresenta sim, esses aspectos da saúde mental e do direito, e que traz o tema da violência na psiquiatria.

Ernesto Venturini no II Congresso Internacional de Saúde Mental e Reabilitação Psicossocial. Foto: Irenides Teixeira

(En)Cena – No evento você ainda apresenta a palestra “Saúde Mental e Direitos Humanos”, pretende debater essa ideia da violência nos temas da saúde mental?

Ernesto Venturini – Essa é a ideia da palestra, mas com a abordagem de mostrar o quanto deve-se focar nas belas coisas que existem. Falarei sim sobre as terríveis experiências que presenciei na Itália mas também quero falar sobre as belas coisas que vi e o que pode ser aproveitado como exemplo de boas atitudes e ações.

*O livro “O Crime Louco” está disponível, gratuitamente, em formato .pdf no site da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) acesse o material clicando aqui

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O Modo Psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar

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COSTA-ROSA, Abílio. O Modo Psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar In
AMARANTE, Paulo (org.). Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.


O artigo em questão surge de seminários e estudos em relação às práticas do hospital psiquiátrico motivados pela comemoração do dia Nacional da Luta Antimanicomial – movimento que se comemora dia 18 de maio, fruto do encontro de trabalhadores de Saúde Mental, ocorrido em 1987, em Bauru, São Paulo.  Esse movimento é ligado à Reforma Sanitária e à Reforma Psiquiátrica Brasileira e também a movimentos de desinstitucionalização guiados por Franco Basaglia. O foco, tanto dos movimentos quanto do artigo em questão, analisa o modelo de Atenção à Saúde Mental, transferindo uma visão de tratamento que se referia ao  Modo Asilar para uma Rede de Atenção Psicossocial, estruturados em unidades de serviços comunitários e abertos

Só nos é possível entender e elaborar as práticas psicossociais se tivermos noção: da análise política de instituições, da análise institucional, da constituição subjetiva e do conhecimento dos principais movimentos mundiais no campo da saúde mental e quais suas consequências no contexto nacional. Além do que foi citado acima, nos é fundamental entender determinados paradigmas para que haja eficácia nas ideias propostas pelos movimentos reformistas. Costa-Rosa nos demonstra que para se fundamentar um paradigma jurídico-ideológico e teórico-técnico de ação sobre a demanda é preciso: definir seu objeto e meios de atuação, ou seja, de como o processo saúde-doença-cura é visto; organizar os dispositivos institucionais, de forma a se regular o funcionamento interno das instituições; gerar novas formas de relacionamento com os usuários e a população; ter conhecimento dos efeitos de suas práticas levando em consideração os termos: jurídico, ético, teórico-técnicos e ideológicos.

Para termos práticas que substituam o Modo Asilar é necessário ter um ‘medidor’, mas o texto nos traz a questão de como determinar se um dado modo de atuação em saúde mental é realmente alternativo a outro? Tem-se então a ideia da contradição, não somente em essência ou em interesse, mas sim diferenças que apareçam como força radical de mudança. Mudança essa que ocorre de forma dialética, onde pode emergir tanto das condições instituintes quanto instituídas. O texto nos traz que essa contraditoriedade pode ser observada tanto em termos dos saberes e práticas, quanto do discurso que os articula. Não cabendo aqui um julgamento de quais vertentes são boas ou ruins, mas sim evidenciar que são forças com focos distintos.

Quando nos referimos as divergências do Modo Asilar e do Modo Psicossocial, falamos de diferenças tanto em saberes e práticas, quanto acerca do discurso. Já citamos acima os quatro âmbitos principais do paradigma das práticas em saúde mental, cabe-nos agora, de forma sucinta, elucidar a diferenciação que o texto traz desses fatores que definem os Modos em questão.

Para o modo asilar esses âmbitos se determinam de forma que se foca no orgânico a se tratar, praticamente negando a existência do sujeito  fazendo a utilização do método medicamentoso e de métodos onde o mesmo não está ativo no processo. Fazendo com que o sujeito não seja um participante do tratamento, mas apenas um depositário. O modo também se caracteriza pela inexistência de comunicação entre profissionais ‘dedicados’ ao mesmo caso, sendo a ficha de prontuário o mediador entre os mesmos.

Quanto às formas de organização institucional, ou seja, dentro das instituições, o que rege o modo asilar são modelos piramidais ou verticais, onde o poder vem do sentido do vértice para a base. Onde o poder se concentra em poucos e, obedecer cabe à maioria.

A forma de relação com os clientes é vista de modo que os únicos que detém o saber, suprimento, razão e sanidade são os membros da instituição (agentes) e cabe ao usuário o papel de louco, carente, ignorante, dentre outros. De forma simples, considera-se que poder e saber são inseparáveis.

Aqui o foco principal é a supressão dos sintomas sem nenhuma preocupação a mais, nem com o andamento da patologia, nem com a situação subjetiva do sujeito. O olhar se volta fundamentalmente para o cunho orgânico da situação, deixando de lado as possibilidades psicossociais no processo.

Já em contraposição às formas de atuação do modo asilar, o modo psicossocial vem em busca de englobar no entendimento das doenças fatores políticos e biopsicosocioculturais, afim de um entendimento global do sujeito, considerando sua subjetividade como participante do processo e não apenas uma questão orgânica ou biológica que pode e deve ser tratada quimicamente. O modo atribui ao sujeito uma relevante importância de maneira que o mesmo participe de forma fundamental na mobilização de seu tratamento. Enquanto o modo asilar vê o sujeito como foco do problema, o psicossocial vê que o tratamento deve se estender a um grupo mais ampliado, que possa abranger todos os âmbitos de atuação e implicação do sujeito em questão.

A forma da organização institucional no modo psicossocial se dá de forma horizontal, partindo dos princípios da descentralização, que consiste na equiparação (horizontalização) das relações de poder, tanto em relação aos trabalhadores, quanto entre estes e o os usuários. Como nos demonstra Yasui, no artigo em questão: ‘Modo psicossocial dá ênfase à participação da população (além da participação da clientela efetiva) na esfera que diz respeito ao poder decisório da instituição. Aqui também já não basta, portanto, ser democrático. São necessárias a participação e a autogestão. Esse exercício de uma intersubjetividade horizontal deve ser contabilizado a favor da meta de destituição do imaginário institucional autoritário e repressor de que a instituição é necessariamente tributária no modo asilar’ (P. 19)

Quanto à relação com a clientela, é criado um espaço de interlocução dentro das instituições através de seus agentes, visto que a participação do sujeito se faz essencial, visto que na sua fala o mesmo trabalha como participante na determinação da demanda social e participa como membro atuante, juntamente com o serviço, na criação de propostas de saúde coletiva, deixando para trás a idéia do modo asilar de que poder e saber andam em junção.

Assim como no modo asilar, a supressão dos sintomas é visada no modo psicossocial, porém não se finda nesse ponto, uma vez que se procurará levar em conta a dimensão subjetiva e a sociocultural como influências do processo saúde-doença-cura.


ABÍLIO DA COSTA-ROSA é professor na UNESP-Assis, possui Doutorado em Psicologia Clínica, Mestrado em Psicologia Social, Graduado em Psicologia e Filosofia. Trabalha há 25 anos na Saúde Coletiva.

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