A intimidade na era digital

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Há alguns anos venho pensando sobre a importância da intimidade nos relacionamentos interpessoais. Percebo um esfriamento quanto ao respeito, quanto aos vínculos de afeto e de confiança, quanto à bondade no falar, quanto à compaixão pelo outro. A procura exagerada por satisfação, segurança, realização, sucesso, prazer imediato e evitação do sofrimento tem colocado em risco a convivência e a intimidade emocional. Sendo assim, brechas para um estilo de vida narcisista podem ser abertas e, inadvertidamente, se estabelecerem.

O comportamento de deletar tudo e todos que desagradam retira da pessoa a possibilidade de treinar para coexistir, lembrando que sou o que sou a partir do outro.

O que levaria uma pessoa a querer desenvolver a intimidade emocional em seus relacionamentos nos dias de hoje? E será mesmo que o comportamento é diferente de gerações anteriores?

Na atual Sociedade da Transparência, chamada assim pelo filósofo Byung-Chul Han, as ações são operacionais e uniformizadas, todos fazem as mesmas coisas e a comunicação veloz é rasa, o igual responde ao igual. O momento é de superficialidade, de desapego ao outro, de compromissos mantidos até que desagradem a alguém, de distância mantida confortavelmente para que a alteridade não se faça presente.

Recentemente, um documentário apresentado por três repórteres abordou o tema fake news. Viajaram por vários lugares do mundo para entrevistar quem produz fake news. Conversaram com um jovem da Macedônia e chamou a minha atenção quando afirmou: as mentiras são ditas porque tem quem pague por elas; as pessoas querem acreditar no que falamos. Achei que suas afirmações faziam sentido. Os critérios para discernir a verdade encontram-se confusos na Sociedade da Transparência

Com a confiança abalada, pode parecer às pessoas ser retrógrado falar sobre intimidade emocional uma vez que o novo jeito de relacionar-se sugere conforto. Há liberdade para expressar as mais variadas formas de intimidade, inclusive a intimidade sexual que no século passado isso era tabu.

Fonte: encurtador.com.br/hmuz8

Se as pessoas vivem no mesmo ambiente, passam horas juntas, mas não desenvolvem um relacionamento de intimidade emocional, tudo fica puramente funcional. Tarefas e atividades são executadas para alcançar objetivos; já o relacionamento afetivo pode adoecer. O assunto é instigante, mas quero manter o foco na intimidade emocional de forma mais abrangente.

A matriz de identidade emocional se desenvolve a partir das relações interpessoais, diz o psiquiatra e psicodramatista Moreno, autor da teoria sóciopsicodramática. O primeiro relacionamento se dá, geralmente, com os pais, cuidadores e com a família. É bom lembrar que a convivência pode gerar intimidade, mas conviver não é sinônimo de ter intimidade. O relacionamento de intimidade emocional tem a comunicação como sua principal ferramenta: conversar, dialogar, compartilhar sentimentos e sonhos, fazem parte da relação, assim como a empatia, a confiança, o respeito. Atualmente, o que mais atrai as pessoas é a convivência virtual nas redes sociais. Muitas horas são passadas diante do celular, tablete, computador onde assuntos são alinhavados com opiniões, encontros e confrontos. A exposição é fato e uma vez na nuvem, o privado pode tornar-se público a qualquer momento por descuido ou por algum hacker à espreita.

As gerações Y e Z nasceram a partir dos anos 80, início da era digital. Talvez, essas gerações pensem que a intimidade emocional não faz parte de suas necessidades. Afinal, o número de amigos, seguidores ou de visualizações muitas vezes impressiona. A intimidade digital oferece companhia online 24 horas. Sendo assim, pode-se deduzir que a solidão e a falta de companhia são para quem não tem um smartphone ao alcance. Algo certamente inconcebível para os nascidos na era digital. É possível viver sem um celular, sem estar vinculado a uma rede social? As redes sociais podem contribuir para a melhora da autoestima e confiança em si mesmos? Podemos dizer, sim! Desde que a comunicação entre as pessoas ultrapasse a realidade virtual e passe para o plano de encontro olhos-nos-olhos. Senão, os relacionamentos digitais correrão o risco de desenvolver relações de dependência, de estar continuamente online, imerso em outra realidade onde o outro é construído apenas a partir da subjetividade e da possível ação da família ina, isto é, dopamina, endorfina, serotonina e ocitocina, produzidos no organismo, segundo alguns estudos, por causa da crescente quantidade de likes, por exemplo.

São diversos os atrativos para que as pessoas se mantenham conectadas. Atrás da aparente distração inofensiva e encantadora, ofertas de gratuidade, empresas, usuários e plataformas, vendem dados, apresentam anúncios, propagam ideias específicas e oferecem promoções de serviços que serão cobrados. (Revista SUPERINTERESSANTE- Black Mirror; 2018). Seria opressora essa interferência na vida de redes sociais?

É grande a contribuição da neurociência para a compreensão do que ocorre no organismo humano ao vivenciar determinadas situações. São identificados neurotransmissores e hormônios produzidos. As emoções podem ser alteradas por excesso ou falta de determinado elemento bioquímico. Por exemplo, na depressão ou nos quadros distímicos, a serotonina e a noradrenalina estão num nível abaixo do satisfatório. A pessoa pode apresentar um desinteresse pelo outro e optar por um distanciamento prolongado; pode evitar pessoas e situações prazerosas por não se sentir atraída; pode passar horas e horas ligada nas redes sociais e ter a impressão de estar conectada ao outro. Mas, será mesmo?

Fonte: encurtador.com.br/pBSTX

Às vezes, sim. Alguns aplicativos são usados como ferramentas virtuais para prestar socorro e apoio quando as pessoas apresentam ansiedade e depressão. O chatbot Woebot, criado pela psicóloga Alison Darcy da Universidade de Stanford, oferece terapia virtual por AI, inteligência artificial. Alison diz: Woebot não é um substituto para um terapeuta em pessoa nem ajudará a encontrar um. Em vez disso, a ferramenta faz parte de uma ampla gama de abordagens para a saúde mental. A experiência do Woebot não mapeia o que sabemos ser uma relação humano-a-computador, e também não mapeia o que sabemos ser uma relação humano-homem. Parece ser algo no meio. O aplicativo servirá de ponte para o retorno à convivência social.

O psicólogo e psiquiatra austríaco Vicktor Frankl, autor da Logoterapia, diz que a essência da vontade humana é a vontade do sentido; e quando ele não é encontrado, o indivíduo torna-se existencialmente frustrado. Em consequência, a depressão, adição e agressão passam a fazer parte da vida. É crescente o número de pessoas que tenta ou comete o suicídio devido à depressão. A vida necessita de sentido. Para a geração i, do smartphone, do iPhone, do iPod, do iPad, ou do eu conectado, o vazio e o isolamento em si mesmo podem significar a falta de sentido existencial. O outro, virtual, não coexiste em sua realidade concreta. Um exemplo recente, que provavelmente será objeto de estudo, foi a polarização de opiniões na última eleição para presidente no Brasil. A cegueira para ver e escutar o outro dominou grande parte dos relacionamentos de intimidade emocional e/ou virtual. Gerou brigas, dissenções e isolamento em bolhas de iguais. As redes sociais podem entorpecer a geração i quanto ao sentir e relacionar com o outro se a imersão for exagerada.

O seriado da Netflix, Black Mirror, retrata de forma impactante os efeitos da vida espelhada na tela escura de um celular. Após cada episódio é preciso um tempo para refletir a realidade de um futuro que faz parte da atualidade em muitos aspectos. O anseio natural do ser humano está presente nas tramas como a busca de relacionamentos significativos, companhia, aceitação e validação. Sem querer dar spoiler de sensações, posso dizer que o final de cada episódio faz o silêncio interior parecer gritante. O ambiente, geralmente sombrio, impressiona, traz sentimento de frustração e estranheza, suscitando perguntas como: eu vivo isso? Meus valores ficaram reduzidos ao que é útil ou não para mim? A aparência vale mais que tudo? Curtidas, interesse em saber quem ou quantos curtiram são relevantes? A fluidez e a banalidade das relações são exemplificadas na maioria dos episódios. Fato é que as redes sociais não fazem as pessoas felizes e mais, podem adoecer quando os relacionamentos de intimidade emocional não estão presentes.

Fonte: encurtador.com.br/hzCV1

Alguns estudos sobre o comportamento na era digital apontam a interferência das redes sociais sobre a conduta e o sentido de ser. Alguns afirmam que há grande probabilidade de alguém sentir-se isolado após passar duas horas ou mais em redes sociais. A solidão na era digital é uma forma de solidão acompanhada (Filipa Jardim da Silva).

Sem o sol, não há corações aquecidos. Sem intimidade emocional não há laços nem vínculos. O livro O Pequeno Príncipe, lido por muitos na infância, adolescência ou juventude, narra um diálogo entre o Príncipe e a raposa, retratando bem o convite à intimidade. Após as apresentações, a raposa responde ao convite do Príncipe, que se encontra triste, para brincar.

– Eu não posso brincar contigo, não me cativaram ainda.

– Ah! Desculpa – disse o principezinho. Mas, após refletir, acrescentou:

– Que quer dizer cativar?

– Tu não és daqui – disse a raposa. – Que procuras?

– Procuro os homens – disse o pequeno príncipe. – Que quer dizer cativar?

– Os homens – disse a raposa – têm fuzis e caçam. É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinha?

– Não – disse o príncipe. – Eu procuro amigos. Que quer dizer cativar?

– É algo quase sempre esquecido – disse a raposa. Significa criar laços…

– Criar laços?

– Exatamente – disse a raposa. – Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…

Fonte: encurtador.com.br/foFHL

A intimidade emocional e a intimidade virtual podem exercer um papel importante, quando a relação conectar a necessidade humana de criar laços. Da necessidade nasce o outro, significativo, único porque foi cativado pelo sentir. Lembra a primeira relação do ser humano – a díade mãe e filho; A interação entre os dois tende a desenvolver o primeiro vínculo afetivo.

Em 1995, Sherry Turkle, professora na área de estudos sociais sobre ciência e tecnologia no MIT (Massachusetts Institute of Technology), publicava um livro que a colocaria na capa da revista Wired: Life on Screen era um retrato positivo do impacto do digital nas nossas vidas. Mais de 15 anos depois, Turkle mudou de opinião e a Wired virou-lhe as costas, quando em 2011 o livro Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other chegou ao mercado. Na obra, a autora escreve que, hoje em dia, o fato de sermos inseguros e ansiosos nas nossas relações e perante o conceito de intimidade, faz com que procuremos na tecnologia formas de viver relações e, ao mesmo tempo, formas de nos proteger delas. O problema da intimidade digital, diz Sherry, é que ela é incompleta: Os laços que formamos através da internet não são, no final, os laços que nos unem.

O interesse nos encontros, nas conversas e no convívio interpessoal fora do ambiente virtual será um desafio constante, hoje na era digital e nas eras seguintes. Não é possível saber o que nos aguarda. Cada vez mais os aparelhos, aplicativos, plataformas como o Facebook e Twitter e outros meios de comunicação virtual atrairão e farão de tudo para ter cativo o usuário. Espero que a vulnerabilidade, o frio na barriga, o desconforto de sair do lugar por causa de um novo encontro pessoal perdurem. Que a opção por desenvolver afeto por uma AI ou um desconhecido das redes não seja vista como a única saída para a sensação de intimidade. Que a aventura da intimidade emocional seja sempre do interesse das pessoas, seguindo na contramão da Sociedade da Transparência. Que o adaptar-se ao pouco tempo disponível para relacionar-se com as pessoas continue a ser precioso no desafio de manter e aprofundar a intimidade emocional. Como tudo em exagero faz mal, estabelecer os limites claros e firmes para o uso da internet é expressão de amor para consigo mesmo e para com o outro. Bem-vindos à era da intimidade emocional de todos os tempos!

“Quando pensamos em alma e ligações de alma, pensamos em intimidade.”(Dora Eli)

Fonte: encurtador.com.br/aghsF
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Uma história de amor, saudade e cuidados

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Me chamo Jéssica Gontijo, tenho 26 anos, moro em Palmas e sou acadêmica de psicologia CEULP/ULBRA. Venho relatar a minha experiência e da minha família sobre os cuidados que precisamos tomar com a matriarca da família, minha avó Terezinha de 85 anos, diagnosticada com Alzheimer a aproximadamente cinco anos.

Esta linda senhorinha, mineira e mãe de dez filhos mudou-se para Paraíso do Tocantins a mais de cinquenta anos e onde vive atualmente. Em meados de 2015, foi diagnosticada com Alzheimer, onde veio a fazer diversos tratamentos para que a doença não evolua. Porém, alguns sintomas foram surgindo ao longo desses anos, ora suas lembranças se fazem presente através de palavras, ou através de um sorriso ou um olhar atento com a chegada de seus filhos e netos.

Fevereiro de 2020, comemorando seus 85 anos, onde foi a última reunião com todos os familiares antes da pandemia.
Foto: Jéssica Gontijo

Enquanto neta, sempre procuro compreender quais maneiras de contato e vínculo afetivo minha avó consegue transcender em meio ao silêncio ou a carinha de dúvida que ela faz ao ver alguém chegar. E é num lindo sorriso que ela se conecta comigo e com a certeza de que meu nome é a coisa menos relevante que ela precisa lembrar, afinal de contas, eu sou apaixonada por esse sorriso e é desta forma que conseguimos perpetuar nossa relação.

Mas no ano de 2020 a família precisou passar por várias adaptações, devido a pandemia. Nossa família é muito numerosa, em média 55 pessoas nas datas comemorativas, assim precisou-se muita conversa, compreensão e cuidados para a saúde de todos e principalmente da minha avó.

A neta pediu que ela sorrisse para sair bonita na foto.
Foto: Jéssica Gontijo

As visitas foram drasticamente reduzidas, e para alguns foram totalmente suspensas, devido ao tipo de rotina que cada membro da família teve durante a pandemia, e possíveis riscos que corriam por conta do contato social que ainda precisam ter por conta de trabalho. Processo muito delicado para uma família tão unida, numerosa e carinhosa como a família Gontijo costuma  ser no dia a dia.

Assim, posso denominar esta nova configuração de se relacionar da minha família em ‘saudade’, ‘cuidados’ e o ‘amor’ que prevalece sempre. Mas apenas isso não foi o suficiente para os cuidados frente ao vírus, pois alguém que com diagnosticado com Alzheimer precisa ter os cuidados redobrados por ser grupo de risco no contágio do vírus. Dona Terezinha não podia mais ficar sentada na porta de casa acompanhando as movimentações da sua rua ou interagindo com os vizinhos e amigos que ali estavam.

A nova rotina precisou ser muito restrita em ficar em casa, até mesmo por conta da locomoção da minha avó, que é cadeirante. As visitas eram apenas de poucos familiares, mas todos sempre acompanhando através das redes sociais. Uma forma criativa e segura para que minha avó pudesse acompanhar e interagir com os vizinhos, foi colocar uma faixa de restrição no portão, enquanto estivesse aberto para que as pessoas não entrassem em casa, mas que ela ainda pudesse acompanhar a movimentação da rua. Assim, os cuidados se dão para que ela não fique sem interação social a fim de não prejudicar seu estado emocional e psicológico

“O sorriso da minha avó será a minha maior lembrança”.
Foto: Jéssica Gontijo

Fácil, este momento não está sendo. Manter a saúde mental em meio a tantas restrições, incertezas faz com que a gente repenso o que é realmente é primordial nas nossas vidas, e como devemos interagir, viver e nos resguardar diante de um momento delicado que o mundo está vivendo. Mas, o que nos move é continuar tratando da melhor forma a história e o legado que nossa amada Terezinha.

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“A Forma da Água” à luz do Encontro de Martin Buber

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Concorre com 13 indicações ao OSCAR:

Melhor filme, Melhor diretor, Melhor atriz (Sally Hawkins), Melhor roteiro original, Melhor ator coadjuvante (Richard Jenkins), Melhor Fotografia, Melhor Atriz coadjuvante (Octavia Spencer), Melhor Direção de arte, Melhor Figurino, Melhor Edição, Melhor Trilha sonora,
Melhor Mixagem de som, Melhor Edição de som

O filme de Guilhermo Del Toro, que recebeu treze indicações ao Oscar 2018, traz em seu enredo uma história de amor que acontece em tempos de guerra e preconceito, entre dois personagens marginalizados, de um lado Elisa (Sally Hawkins), uma muda com cicatrizes na garganta e zeladora de uma base militar do governo americano, que desenvolve pesquisas de novas tecnologias durante a Guerra Fria, e do outro um monstro marinho homem-anfíbio (Doug Jones), que fora capturado pelo governo para ser estudado e possivelmente utilizado como arma de guerra.

Elisa se propõe a aproveitar a vida minuciosamente desde a hora que acorda, fazendo suas atividades rotineiras como colocar uma música e aproveitá-la enquanto cozinha os ovos que levará para o lanche do trabalho, ou ao tomar seu banho, momento que tem um encontro com si mesma ao tocar-se. Desenvolve uma relação de companheirismo com seu vizinho Giles (Richard Jenkins), um designer que fora demitido após o advento da fotografia, ambos são solitários, no entanto, tem um ao outro em um laço de amizade. Além de contar com uma amiga no trabalho, Zelda (Octavia Spencer), que é sua parceira no decorrer das atividades realizadas durante o turno, ambas mantêm uma relação próxima de diálogo e compartilham suas angústias e alegrias.

Fonte: goo.gl/DTmfh4

Buber (2001) traz como a essência de seu pensamento a relação interpessoal, e o diálogo na atitude existencial do face a face, formas que permeiam a relação desses personagens. Entretanto, apesar dessas relações bem-sucedidas, Elisa ainda sente um vazio dentro de si, a falta de um amor. Nesse momento entende-se a clareza do pensamento do autor que diz que os sentimentos residem no homem, mas o homem habita em seu amor, dessa forma, torna-se possível a compreensão de que o amor se realiza entre o Eu e o Tu.

Certo dia solicitam a presença de Elisa e Zelda em determinado setor, para que fosse realizada a limpeza de um laboratório o qual estava sujo de sangue, devido a criatura que ali habitava ter arrancado os dedos de Strickland (Michael Shannon), o vilão que a havia capturado. Observa-se nesse aspecto entre o vilão e a criatura, o Eu-Isso de forma coisificada que segundo Buber (2001) marca a relação de pessoa a coisa, de sujeito a objeto, que no filme desdobrou-se em formas de utilização, dominação ou controle, já que a criatura era prisioneira, e submetida a tortura, além de ser vista com a finalidade de servir a interesses escusos.

Movida por sua curiosidade, Elisa buscava diariamente estratégias para estabelecer contato com a criatura, primeiro com música, depois com alimentos, utilizava a linguagem de sinais para explicar a criatura o que era cada coisa. À luz de Buber (2001) vemos o amor como uma força cósmica, o qual torna dois personagens totalmente diferentes em iguais, num genuíno encontro de amor entre mulher e criatura.

Fonte: goo.gl/9z17MF

Elisa planeja a retirada da criatura do laboratório e sua futura condução para o mar, para isso, conta com a ajuda de seus amigos, que apesar de acharem a ideia maluca e perigosa, assumem a responsabilidade e participam do evento, por verem o quanto a amiga se afeiçoara a criatura. Conta ainda com a ajuda do Doutor Robert Hoffesteller, o cientista que estudava a criatura no laboratório, e sabia que se ela permanecesse ali, em breve seria morta.

O encontro desses personagens exibe uma relação de congruência e genuinidade, tão certo que eles mergulham em ajuda mútua, em querer bem um ao outro. Nesse momento da trama, a criatura é levada a casa de Elisa, local onde ambos desenvolvem momentos de carinho, estreitando a relação vivendo experiências sexuais marcantes, o amor acontece entre criatura e mulher, num encontro mágico, no qual ambos se veem refletidos um no outro, no entanto, cientes de suas particularidades.

Com o tempo, a criatura passa a enfraquecer e Elisa resolve devolvê-la a água, para que o pior não viesse a acontecer. Enquanto isso, Strickland, o vilão que estava emplacado em uma busca incessante para recuperar a criatura, descobre que o monstro está escondido na casa de Elisa, mas ao chegar não os encontra, pois Elisa já o havia levado para ser devolvido ao mar.

Strickland alcança-os e atira na criatura que cai ao mar, e atira também em Elisa, no entanto, a criatura mágica após pouco tempo retorna da água com suas forças renovadas, ao ver Elisa caída vai ao encontro de Strickland e mata-o, abraça o corpo de Elisa e a leva para a água, no lugar de suas cicatrizes na garganta abrem-se guelras, os dois entrelaçam olhares enquanto a trama se encerra, dessa forma vemos um diálogo profundo que para Buber (2001) é voltar-se para o outro, para o mundo e, então, poder ver-se enquanto um eu e ao outro enquanto um tu.

FICHA TÉCNICA

A FORMA DA ÁGUA

Diretor: Guillermo Del Toro
Elenco: 
Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard Jenkins, Octavia Spencer
Gênero: Ficção Científica
Ano: 2017

Referência:

BUBER, Martin. (2001). Eu e tu (8a. ed.). São Paulo: Centauro. (Originalmente publicado em 1923).

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