“A Forma da Água” à luz do Encontro de Martin Buber

Concorre com 13 indicações ao OSCAR:

Melhor filme, Melhor diretor, Melhor atriz (Sally Hawkins), Melhor roteiro original, Melhor ator coadjuvante (Richard Jenkins), Melhor Fotografia, Melhor Atriz coadjuvante (Octavia Spencer), Melhor Direção de arte, Melhor Figurino, Melhor Edição, Melhor Trilha sonora,
Melhor Mixagem de som, Melhor Edição de som

O filme de Guilhermo Del Toro, que recebeu treze indicações ao Oscar 2018, traz em seu enredo uma história de amor que acontece em tempos de guerra e preconceito, entre dois personagens marginalizados, de um lado Elisa (Sally Hawkins), uma muda com cicatrizes na garganta e zeladora de uma base militar do governo americano, que desenvolve pesquisas de novas tecnologias durante a Guerra Fria, e do outro um monstro marinho homem-anfíbio (Doug Jones), que fora capturado pelo governo para ser estudado e possivelmente utilizado como arma de guerra.

Elisa se propõe a aproveitar a vida minuciosamente desde a hora que acorda, fazendo suas atividades rotineiras como colocar uma música e aproveitá-la enquanto cozinha os ovos que levará para o lanche do trabalho, ou ao tomar seu banho, momento que tem um encontro com si mesma ao tocar-se. Desenvolve uma relação de companheirismo com seu vizinho Giles (Richard Jenkins), um designer que fora demitido após o advento da fotografia, ambos são solitários, no entanto, tem um ao outro em um laço de amizade. Além de contar com uma amiga no trabalho, Zelda (Octavia Spencer), que é sua parceira no decorrer das atividades realizadas durante o turno, ambas mantêm uma relação próxima de diálogo e compartilham suas angústias e alegrias.

Fonte: goo.gl/DTmfh4

Buber (2001) traz como a essência de seu pensamento a relação interpessoal, e o diálogo na atitude existencial do face a face, formas que permeiam a relação desses personagens. Entretanto, apesar dessas relações bem-sucedidas, Elisa ainda sente um vazio dentro de si, a falta de um amor. Nesse momento entende-se a clareza do pensamento do autor que diz que os sentimentos residem no homem, mas o homem habita em seu amor, dessa forma, torna-se possível a compreensão de que o amor se realiza entre o Eu e o Tu.

Certo dia solicitam a presença de Elisa e Zelda em determinado setor, para que fosse realizada a limpeza de um laboratório o qual estava sujo de sangue, devido a criatura que ali habitava ter arrancado os dedos de Strickland (Michael Shannon), o vilão que a havia capturado. Observa-se nesse aspecto entre o vilão e a criatura, o Eu-Isso de forma coisificada que segundo Buber (2001) marca a relação de pessoa a coisa, de sujeito a objeto, que no filme desdobrou-se em formas de utilização, dominação ou controle, já que a criatura era prisioneira, e submetida a tortura, além de ser vista com a finalidade de servir a interesses escusos.

Movida por sua curiosidade, Elisa buscava diariamente estratégias para estabelecer contato com a criatura, primeiro com música, depois com alimentos, utilizava a linguagem de sinais para explicar a criatura o que era cada coisa. À luz de Buber (2001) vemos o amor como uma força cósmica, o qual torna dois personagens totalmente diferentes em iguais, num genuíno encontro de amor entre mulher e criatura.

Fonte: goo.gl/9z17MF

Elisa planeja a retirada da criatura do laboratório e sua futura condução para o mar, para isso, conta com a ajuda de seus amigos, que apesar de acharem a ideia maluca e perigosa, assumem a responsabilidade e participam do evento, por verem o quanto a amiga se afeiçoara a criatura. Conta ainda com a ajuda do Doutor Robert Hoffesteller, o cientista que estudava a criatura no laboratório, e sabia que se ela permanecesse ali, em breve seria morta.

O encontro desses personagens exibe uma relação de congruência e genuinidade, tão certo que eles mergulham em ajuda mútua, em querer bem um ao outro. Nesse momento da trama, a criatura é levada a casa de Elisa, local onde ambos desenvolvem momentos de carinho, estreitando a relação vivendo experiências sexuais marcantes, o amor acontece entre criatura e mulher, num encontro mágico, no qual ambos se veem refletidos um no outro, no entanto, cientes de suas particularidades.

Com o tempo, a criatura passa a enfraquecer e Elisa resolve devolvê-la a água, para que o pior não viesse a acontecer. Enquanto isso, Strickland, o vilão que estava emplacado em uma busca incessante para recuperar a criatura, descobre que o monstro está escondido na casa de Elisa, mas ao chegar não os encontra, pois Elisa já o havia levado para ser devolvido ao mar.

Strickland alcança-os e atira na criatura que cai ao mar, e atira também em Elisa, no entanto, a criatura mágica após pouco tempo retorna da água com suas forças renovadas, ao ver Elisa caída vai ao encontro de Strickland e mata-o, abraça o corpo de Elisa e a leva para a água, no lugar de suas cicatrizes na garganta abrem-se guelras, os dois entrelaçam olhares enquanto a trama se encerra, dessa forma vemos um diálogo profundo que para Buber (2001) é voltar-se para o outro, para o mundo e, então, poder ver-se enquanto um eu e ao outro enquanto um tu.

FICHA TÉCNICA

A FORMA DA ÁGUA

Diretor: Guillermo Del Toro
Elenco: 
Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard Jenkins, Octavia Spencer
Gênero: Ficção Científica
Ano: 2017

Referência:

BUBER, Martin. (2001). Eu e tu (8a. ed.). São Paulo: Centauro. (Originalmente publicado em 1923).