O poder dos homens sobre a sexualidade das mulheres

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Um conceito derivado do machismo que durante muitos anos foi ensinado a sociedade fortalecido desde os tempos antigos, é de que a mulher deve ser vista como um suporte ao homem, que deve sempre lhe dar apoio, e que ao mesmo tempo se torna menos que o mesmo.  Tal característica é apresentada desde a Idade Antiga quando houve início a sociedade patriarcal, que tem como forte aspecto a supremacia do homem, no poder, na política, nas decisões etc. As decisões e escolhas das mulheres eram negadas a elas, e o poder sobre o seguimento de suas vidas era hora destinado ao pai que decidia com quem a filha iria se casar, hora ao marido que lhe dava a casa e filhos para que ela pudesse cuidar e hora a igreja que falava sobre o que era certo e o que era errado (CARELLI, 2017).

Como forma de exercer poder sobre as mulheres e sobre a legitimidade dos filhos, o sexo era pregado pela igreja durante a Idade Antiga e a Idade Média, como pecado. Para a mulher casada era visto como algo sujo e errado, já para os homens, um pecado que podia ser cometido com mulheres em prostíbulos, para assim manterem suas esposas puras. Existiam nessa época diferentes tipos de acompanhantes, inclusive mulheres que tinham acesso ao estudo e ao aprendizado sobre música e arte para que pudessem entreter seus acompanhantes (LINS, 2012).

Durante a Idade Moderna, a ideia de amor romântico surge, e a mulher é levada a crer desde a sua infância na existência de príncipes encantados, que iriam conquista-las, e a quem deviam seu amor fervoroso e lealdade. A virgindade da mulher passa a ser vista como um presente que deve ser dado a uma pessoa especial. Já aos homens a ideia de conquista desse presente guardado a sete chaves, era visto como um ato de virilidade, e que a conquista de vários e o desejo das mulheres sobre esse homem, relacionava a ideia de certo poder (LINS, 2017).

Nos dias atuais, falar sobre sexualidade ainda é de certa forma um tabu. Não é permitida a educação sexual nas escolas, embora possam ser encontradas facilmente notícias sobre abuso sexual. Em alguns meios religiosos, ainda são apontados como pecado a procura do prazer sexual, ou a masturbação. E a mulher ainda sofre muitos preconceitos e pode ser considerada uma mulher sem valor, por querer exercer sua sexualidade da forma que deseja.

De acordo com Castro (2009), é perceptível entre os jovens ainda a ideia de que a meninas que exercem sua sexualidade, ou demonstram seus interesses afetivos e sexuais, são vistas pelos meninos, como sem valor e vulgares. Os jovens ainda apontam que essas meninas apenas servem para relacionamentos passageiros ou ficadas. Apesar disso, meninos da mesma idade, apresentando os mesmos comportamentos são vistos como conquistadores, e recebem certo conhecimento por terem muitos relacionamentos.

Leal (2003) coloca que há uma preocupação entre as jovens mesmo nos dias atuais, a relacionarem sua primeira relação sexual a um relacionamento afetivo, ou sentimentos de paixão e amor. Isso pode ocorrer devido a ainda nos dias atuais, a mulher ser levada a crer também desde a infância na ideia de que a mulher que exerce sua sexualidade ser mal vista.

Segundo Francisca e Luis (2008), é possível notar que a mulher quando exerce os mesmos comportamentos esperados do homem, como na normalização do adultério, ou a busca pela satisfação conjugal quando insatisfeita na relação em que se situa, pode ser ainda mal vista pela sociedade em que se encontra, e questionada ou influenciada a retomar uma relação que decidiu pôr um fim.

É apontado ainda, segundo Rodrigues (2008), que as mulheres nos dias atuais podem exercer maior controle sobre as finanças, e conquistam a estabilidade financeira antes de seus cônjuges. Apesar disso, podem ser percebidos sentimentos de baixa autoestima por parte dos homens que se sentem como se não tivessem obtido sucesso ou das mulheres sobre como se sentem estando ao lado de homens que dependem financeiramente dela, isso pode ocorrer devido a busca de papéis em que o homem é colocado como detentor do poder, o que pode influenciar na intimidade do casal.

Sendo assim, é percebido que as mulheres apesar de conquistarem muitos direitos, e poderem escolher sobre seus desejos e vontade, acabam por serem influenciadas a conceitos antigos que colocam a mulher como uma figura pura, e que será levada a sério se manter-se recatada. As mulheres acabam por cobrarem e vigiarem seus comportamentos com receio de serem julgadas, ou cobram de si mesmas, retorno a papéis em que o homem seja o detentor do poder.

REFERÊNCIAS

CASTRO, R.J.S. Violência no namoro entre adolescentes do Recife: em busca de sentidos. 2009. 119 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2009. Disponível em:<https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/13609> Acesso em 23 de setembro de 2021.

DIEHL, A. VIEIRA, D. L. Sexualidade – do prazer ao sofrer. 2. ed. São Paulo: Roca, 2017.

FRANCISCA, L.A.; LUIS, F.R.N. Homens cornos e mulheres gaieiras: infidelidade conjugal, honra, humor e fofoca num bairro popular de Recife/Pe. 2008. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008. Disponível em:<https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/471> Acesso em 23 de setembro de 2021.

LEAL, A.F.. Uma antropologia da experiência amorosa: estudo de representações sociais sobre sexualidade. 2003. Disponível em:<https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/2098/000364088.pdf?sequence=1>. Acesso em 16 maio de 2021.

LINS, R.N., 1948. O livro do amor, volume 1 [recurso eletrônico] : da Pré-história à Renascença / Regina Navarro Lins. Rio de Janeiro: Best Seller, 2012.

LINS, R.N. Novas formas de amar / Regina Navarro Lins. São Paulo: Planeta do Brasil, 2017.

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A psique feminina a partir da Psicologia Junguiana

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Os impactos da mudança do matriarcado para o patriarcado

No livro “A Prostituta Sagrada: a face eterna do feminino”, a Autora Nancy Qualls Corbett pontua sobre o paradoxo da prostituta sagrada, onde aspectos como espiritualidade e a sexualidade são colocados em destaque. Diante disso, a deusa do amor pode ser reconhecida como uma imagem arquetípica potente que remete à Europa pré-cristã, e sua energia – negada e reprimida, está interligada a emoções específicas e a padrões de comportamento que precisam ser integrados. A deusa do amor e a prostituta sagrada remete-se ao princípio único, ao princípio de Eros; o princípio em si, porém, é humano e, também, divino.

Corbett explica a analogia por meio da religião cristã referente à dualidade do Pai e do Filho, que são, entretanto, Um em Cristo, o Filho, é a dimensão mais próximo à humanidade; por intermédio dele é que alcançamos o conhecimento do Pai: “Ninguém vem ao Pai a não ser por mim”. De forma analógica, pode-se amplificar o significado da deusa do amor e entender as implicações psicológicas da imagem, entretanto, por ser arquetípica, ela jamais será plenamente integrada à consciência. Por meio da prostituta sagrada compreende-se os aspectos da deusa do amor. Pode-se, portanto, de modo consciente integrar a essência humana aos significados das suas qualidades características do arquétipo da deusa do amor.

De acordo com a autora, a imagem arquetípica da prostituta tem dois lados, o sagrado e o profano. O lado sombrio manifesta de forma rebaixada em que a sexualidade feminina é utilizada de forma inapropriada. No decorrer do tempo, os aspectos positivos desses arquétipos são poucos conhecidos, pois os elementos sagrados foram separados, elas eram abusadas e aprisionadas.

No decorrer da obra, Corbett explica em que momento a prostituta sagrada deixou de ser um atributo de estrema importância e atuante na vida de homens e mulheres, e quais foram as repercussões para a sociedade a partir deste rompimento.

Fonte: encurtador.com.br/msKNP

Ao longo do tempo, o sistema matriarcal e matrilinear predominante foi substituído pelo sistema patriarcal e patrilinear. Assim, as sociedades arcaicas iniciaram a agricultura e a religião como principais pontos para a civilização, e passaram a sociedades onde o comércio, a guerra e a expansão se tornaram prioridade. Os motivos dessas mudanças de forma gradual do matriarcado para patriarcado foram estudados por diversos historiadores.  Assim, há diversas explicações para esse fato histórico; o homem começou a valorizar a geração de vidas que era só atribuído a ele, e que a mulher só nutria a nova vida em seu corpo, mas a linhagem passou a ser paterna.

Como consequência, o militarismo e o comércio produziram estratificação social. A mulher tornou-se oprimida porque suas novas funções tornaram-se desimportantes aos novos valores; à proporção que criavam estradas de comércio e que tribos guerreiras conquistavam partes de outras civilizações, as culturas de diversas civilizações se mesclaram, dessa forma, os deuses de uma sociedade incorporavam-se às da outra. Até que um Deus Supremo, portanto, veio ser reconhecido. Do ponto de vista da sociedade patriarcal dominante, Deus tem a essência masculina. O homem determinou outras doutrinas religiosas, de acordo com suas convicções na supremacia masculina.

Assim, o amor passou a ser dissociado do corpo para que os seres humanos pudessem alcançar união puramente espiritual com Deus. A Trindade era a do patriarcado; Maria pode ser admirada, entretanto; não adorada, para que não volte os tempos de veneração da deusa. A Igreja não validava características da deusa interligada na natureza sexual da mulher (ou do homem); por conseguinte, uma distância enorme, entre corpo e espiritualidade permaneceu nos ensinamentos religiosos.

Na época da grande caça às bruxas, nos séculos quinze, dezesseis e dezessete, mulheres que mantinham encontros escondidos, frequentemente, com danças ritualística, geralmente pagãs, muito parecidas com o culto da deusa, excelente nos preparos de infusões e medicamentos, se tornaram suspeitas naquele contexto. Essas mulheres iam de encontro ao domínio da Igreja e do Estado e, na maioria das vezes, eram condenadas como feiticeiras. Estima-se que milhares de pessoas tenham sido executadas, nessa época, sendo oitenta e cinco por cento delas mulheres.

Fonte: encurtador.com.br/nwMOV

Como já foi supracitado, as imagens antigas da prostituta sagrada estavam interligadas tanto na essência da sexualidade como na natureza da espiritualidade, assim, no decorrer do tempo, a civilização saiu da estrutura social matriarcal para uma patriarcal. A racionalidade veio dominar os sentimentos e sobre a força e criatividade da natureza, essas transformações geraram repressões.

À proporção que o princípio espiritual masculino se modificou de forma predominante, a reverência da essência feminina instintiva retroagiu para o inconsciente. É essa natureza, tão intrínseca com a imagem da prostituta sagrada, que necessita ser recuperada; uma vez que essa deusa é vital para o movimento em relação à totalidade, tanto do homem quanto da mulher. Um entendimento desse arquétipo, a mulher humana que canalizava as características da deusa do amor, possui a capacidade de conhecimento e respeito a esses atributos femininos. Expressões culturais de modificações dependem da propagação das transformações psicológicas nas atitudes conscientes dos indivíduos. Assim, para restabelecer o desejo é necessário a integração com a deusa do amor plenamente encarnada.

Outro fato que a obra pontua é o sacrifício da Deusa em relação ao seu filho amante e mesmo que lamenta a sua perda; o processo é psicologicamente sadio e lógico. O choro da mulher é uma forma da integração das circunstâncias mudadas; não é possível voltar ao passado. Como um ritual, o choro auxilia nas transformações essenciais para o amadurecimento da vida. Se a mulher não tiver sacrificado a idealização da infância, por exemplo, e vivido um período de choro para aceitar a perda, pode-se continuar em uma prisão de permanente proteção e segurança, desprotegida do risco e do perigo do mundo exterior.

A vitalidade da deusa se baseia na capacidade de desistir daquilo que há de mais essencial, com intuito de garantir amadurecimento e regeneração, as mudanças só acontecem no momento em que atitudes e valores arcaicos são substituídos por novos. Sua força não é rígida e racional, sem emoção; mas sim, ela tem uma percepção das mais profundas emoções e não nega o seu planto.

Fonte: encurtador.com.br/tDK01

A autora explica que a necessidade psicológica personificada pelo matrimônio sagrado é o movimento da psique em direção a totalidade. Em outras palavras, elementos masculino e feminino integram-se na presença de um terceiro, o divino.  Psicologicamente, o matrimônio sagrado personifica a união dos opostos. e o princípio masculino e do feminino, a conjugação da consciência e da inconsciência, do espírito e da matéria.

Durante o tempo em que a prostituta sagrada coabitou a sociedade, as culturas eram embasadas sobre sistema matriarcal. Matriarcado não no sentido que mulheres comandavam os homens em cargos de autoridade; mas sim, que tanto o homem quanto a mulher tinham suas funções distintas.

 Por fim, a obra pontua que prostituta sagrada pode estar distante do mundo contemporâneo; entretanto é uma característica vital e ativa no processo psíquico individual. Percebe-se que a conscientização desse arquétipo possibilita uma nova forma em relação à vida.

FICHA TÉCNICA

A PROSTITUTA SAGRADA: A FACE ETERNA DO FEMININO

Editora: Paulus
Gênero: Psicologia e Aconselhamento Saúde e Família
Autor: Nancy Qualls-Corbett
Ano de lançamento: 1997
Idioma: Português
Ano: 2002
Páginas: 224

REFERÊNCIA

CORBETT,N. A prostituta sagrada: A Face Eterna do Feminino. Coleção Amor e Psique. São Paulo 4 edição, 2002.

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No filme “Apóstolo” o assassinato e a mentira fundam seitas e religiões

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Através do horror gore, o protagonista mergulha em uma sociedade que se pretendia utópica, mas que revela uma questão bem atual: o flerte da religião com o poder político

Há um “modus operandi” na fundação de seitas e religiões: um assassinato que se transforma no sofrimento necessário do mártir; e a mentira decorrente dessa narrativa. Em consequência, o Sagrado mistura-se com o profano, e o Divino com a violência. Como é possível emergir amor e compaixão nesse modelo psíquico doentio? Essa é a questão principal do filme “Apóstolo” (“Apostle”, 2018). Um jovem ex-religioso, descrente de tudo após um passado traumático, tem a missão de resgatar sua irmã, raptada por uma estranha seita reclusa em uma ilha. Ele se infiltra entre os seguidores de um profeta enlouquecido, mas estranhamente não consegue determinar, afinal, o quê aquela seita adora. Através do horror gore (nada gratuito, já que o tema do filme é como sangue e violência são a outra face das seitas e religiões), o protagonista mergulha em uma sociedade que se pretendia utópica, mas que revela uma questão bem atual: o flerte da religião com o poder político por meio do Estado Teocrático. Filme sugerido pelo nosso incansável leitor Felipe Resende.

Seitas e religiões são formadas a partir de dois eventos fundadores: o assassinato e a mentira. No livro “O Assassinato de Cristo”, o médico e psicanalista austríaco Wilhelm Reich fez uma análise em psicanálise da cultura para descrever esse modus operandi: como Jesus foi assassinado em um dia para ser glorificado no outro. Depois do assassinato por motivações políticas (o novo modelo ético que propunha era contrário à lógica da colonização do Império Romano), Jesus foi eleito como o messias e passou-se a lhe atribuir o papel de líder religioso.

E a maior mentira: Ele não foi assassinado. Ele morreu por nós, para nos redimir do pecado presente em cada um de nós. E a partir daí, há mais de 2000 anos, diariamente, em algum lugar do planeta, Cristo continua a ser crucificado no sádico ritual da missa: bebemos o sangue e comemos o corpo de Cristo simbolicamente através do vinho e da hóstia. O sagrado misturou-se com o profano, o Divino com o monstruoso.

Esse modelo mental foi tão bem-sucedido (matamos Cristo diariamente como bode expiatório da nossa própria impotência) que se tornou modelo para todas as religiões e seitas do futuro, conquistando sempre novos corações e mentes.

Não é para menos que o filme Apóstolo (Apostle, 2018) destaca, numa das primeiras sequências, uma inscrição sobre a lareira de uma casa vitoriana: “O poder da ressurreição está no sofrimento Dele”. Como é possível emergir desse mecanismo psíquico denunciado por Wilhelm Reich algo que possa ser chamado de amor, compaixão ou liberdade?

Fonte: encurtador.com.br/yDJRU

Horror gore e política

Apóstolo é um conto ultraviolento sobre um profeta louco no qual, por meio de uma estética de horror gore (com muito sangue e violência), com forte temática social e política – em uma ilha, uma seita quer criar uma sociedade utópica anarco-capitalista (“sem cobradores de impostos do Governo na saída da Igreja”, como brada o líder). E também, sem um Estado, agora reduzido à função repressiva com uma ronda policial que reprime dissidentes (“pagãos”) ou aqueles que ousam sair de casa depois do toque de recolher.

Mas o horror gore de Apóstolo não é gratuito ou apenas com a finalidade de fazer o espectador saltar da cadeira. Afinal, sangue e violência são elementos fundadores de religiões e seitas. Mas o diretor e roteirista Gareth Evans (The Raid) vai um pouco mais além, entrando no campo gnóstico: transforma aquela ilha da estranha seita num microcosmo terrestre – um ecossistema no qual para que florestas e colheitas floresçam, exige o próprio derramamento de sangue humano.

Uma estranha seita que, a princípio, não sabemos o quê seus integrantes exatamente idolatram. Porém, a seita parece estar sincronizada com a própria ontologia desse mundo que é hostil para nós: a vida não opera por soma, mas com subtração – entregamos nossa fé e sangue, e em troca recebemos submissão e dor.

Apostolo eleva essa tese da crítica social para o campo da ontologia gnóstica.

Fonte: encurtador.com.br/yDJRU

O Filme

No alvorecer do século XX (estamos em 1904) Thomas Richardson (Dan Stevens) desperta de um estupor de ópio com tempo suficiente para aceitar a missão da sua família de classe alta que finalmente encontrou um propósito para o seu filho ovelha negra – resgatar a sua irmã Andrea (Lucy Boynton), raptada pelos fiéis seguidores de uma seita liderada por um profeta enlouquecido chamado Malcolm (Michael Sheen).

Sua missão é se infiltrar na embarcação que levam novos seguidores para uma ilha na qual a seita constrói uma sociedade utópica com ares anarco-capitalista: rebelaram-se contra o regime monárquico vitoriano, não querem mais cobradores de impostos e tentam viver num sistema de autogestão. Como o leitor observará, essa é a crítica política nas entrelinhas da narrativa – a crítica ao Estado resultou em uma nova encarnação de um Leviatã teocrático com funções puramente repressivas.

Já na embarcação que leva todos à ilha, Thomas percebe que há algo estranho nessa seita: há convicções religiosas, mas não se sabe, exatamente, o quê os seguidores adoram. Da pior forma possível, o protagonista descobrirá que as noções de sagrado e profano se unirão com sangue.

Há uma estátua feminina no centro da vila, mas a natureza ou origem dessa deusa são obscuras, inclusive para muitos seguidores.

Mas algo está dando muito errado com o sistema de autogestão da seita. Malcolm e sua equipe de administradores escondem que as colheitas estão morrendo e a fome aguarda a comunidade num futuro próximo. O sequestro de Andrea foi uma forma de, com o dinheiro do resgate, injetar algum dinheiro naquela economia em crise.

Fonte: encurtador.com.br/yDJRU

Também aos poucos vamos descobrindo que o herói, que tenta salvar a irmã, convive com um passado atormentado – foi um missionário católico na China, até ser cruelmente torturado. Ao cair em si que fé e devoção só resultam em dor e morte, tornou-se um descrente ressentido e depressivo, afundando no vício.

Ontologia gnóstica – aviso de spoilers à frente

É notável em Apóstolo o mecanismo de cooptação das seitas religiosas: a embarcação traz para ilha novos seguidores com histórico de prisões por vadiagem e pequenos delitos. Pobres miseráveis, psiquicamente devastados e com baixa autoestima. Vítimas da desigualdade e da violência, estão prontos para idolatrar uma seita que, como um espelho, reflete a própria sociedade dos egressos: repressão, violência, perseguição do primeiro inimigo para o qual o profeta apontar.

Wilhelm Reich em “O Assassinato de Cristo” chamava isso de “peste emocional”: psiquismos tão encouraçados pela dor e violência, que a própria relação com o Divino e o Sagrado não consegue descolar do profano – esse Deus somente poderá ser violento, vingativo e persecutório.

Claro, tudo isso é um sistema político e econômico. Porém, Apóstolo vai além ao ingressar no campo da ontologia gnóstica. A “Deusa” parece ser organicamente ligada à ilha. Assim como na última versão no cinema de Guerra dos Mundos, na qual as máquinas tripods alienígenas tentam criar um novo ecossistema terrestre a partir do sangue humano das vítimas, da mesma forma a ilha exige sangue para a colheita prosperar.

Se o poeta William Blake dizia que a Natureza é uma obra diabólica, da mesma forma o Gnosticismo descreve esse cosmos como uma maquinação de um Demiurgo que nos aprisiona por um simples motivo: extrair de cada um de nós a “Luz” que coloca em movimento o próprio sistema que nos prende – o próprio cosmos.

Mais do que fatores econômicos e políticos, seitas e religiões seriam apenas fractais que replicam a estrutura do Todo.  Mas nada nos impede de desafiar o Demiurgo a partir da Parte para alcançar o Todo: da política e da economia até alcançar a Ontologia.

FICHA TÉCNICA DO FILME

APÓSTOLO

Título original: Apostle
Direção: 
Gareth Evans
Elenco: 
Dan Stevens, Michael Sheen, Kristine Froseth, Lucy Boynton, Mark Lewis Jones
Ano:
 2018
País: EUA
Gênero:
Suspense

 

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O estranho senso de justiça no filme “O Sacrifício do Cervo Sagrado”

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Os deuses exigem de nós sacrifícios para que provemos nossa devoção. Mas, e se for exigido um sacrifício pessoal a eles? Um cirurgião bem sucedido e respeitado parece pairar como um Deus sobre a vida e a morte, até que encontra com um garoto que o faz se confrontar com algum tipo de justiça cósmica, que exigirá dele o sacrifício de um membro da sua família. “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (“The Killing of a Sacred Deer”, 2017), do diretor grego Yorgos Lanthimos (“The Lobster” e “Dente Canino”), segue a tendência atual de filmes estranhos dirigido por gregos que misturam horror, violência, amor e culpa em thrillers com situações bizarras. Aqui, Lanthimos lança seu olhar para os mundos assépticos dos hospitais e condomínios suburbanos que vendem para as massas as ilusões de controle patrocinado pela Ciência e racionalidade tecnológica. E, como em todos os filmes de Lanthimos, consegue extrair desses universos o estranho e o incontrolável.

Condomínios suburbanos norte-americanos já rendaram diversas estórias em filmes que se tornaram clássicos: Poltergeist, ET, Goonies, Veludo Azul, Edward Mãos de Tesoura, Beleza Americana, Donie Darko entre outros. Filmes cujas narrativas sempre confrontam o estilo conformista e asséptico da classe média com algum evento perturbador que vai quebrar uma suposta ordem: espíritos, aliens, submundo do crime, infidelidade etc.

E quando um diretor grego como Yorgos Lanthimos volta seu olhar para um subúrbio norte-americano, certamente teremos um filme estranho. Assim como os seus anteriores The Lobster (2015) e Dente Canino (2009). Principalmente porque os atuais diretores gregos como, por exemplo, Nikias Cryssos (Der Bunker, 2016) têm se especializado em narrativas com situações bizarras, com personagens totalmente incongruentes entre si no qual violência, amor, culpa, erotismo, misticismo e horror se misturam – espaços claustrofóbicos, famílias que se transformam em prisões ou antigas fábulas e mitologias atualizadas em contos atuais.

O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017) de Yorgos Lanthimo é mais um registro metafórico do diretor criando situações impossíveis para lançar luz sobre o bizarro e até sobrenatural que possa existir por baixo de ambientes controlados pela ordem familiar e científica.

Um cardiologista e cirurgião bem sucedido, casado com uma linda esposa (também médica, oftalmologista) morando em uma grande casa de subúrbio com um casal de filhos em um cotidiano ordenado, asséptico, no qual cada membro familiar tem funções cotidianas bem ordenadas – regar as plantas e a grama, fazer as refeições etc. Uma ordem familiar na qual a ordem e assepsia hospitalar se confundem com os ambientes suaves em tons pastéis da confortável casa de subúrbio.

Fonte: https://goo.gl/UB7XCw

Como em um cotidiano ordenado como esse, por tamanha racionalidade, pode deixar emergir o Estranho, o Cármico e o Mal? Como  a Ciência pode gerar a própria presença do Mal, isto é, aquilo que irá desconstruir essa bolha de racionalidade que se materializa em casas de luxo de subúrbios? E como o Mal vive latente, no submundo dessa ordem, como uma espécie de inconsciente de culpa e vergonha.

O Filme

Collin Farrell mais uma vez se reúne com Lanthimos, dessa vez com uma interpretação mais densa e sombria. Ele interpreta o Dr. Steven Murphy, um cirurgião e cardiologista respeitado e bem sucedido. Ele parece ter conquistado tudo que uma vida bem sucedida poderia dar. Possui uma linda e cobiçada esposa, Anna (Nicole Kidman), uma médica oftalmologista.

Eles têm dois filhos: a jovem de 15 anos Kim (Raffey Cassidy) e o menino Bob (Sunny Suljic), às voltas com um intenso cronogramas de atividades da espaçosa casa sob as ordens dos pais Steve e Anna.

Steven faz amizade com um jovem de 16 anos chamado Martin (Barry Keoghan). Uma estranha amizade cuja história e motivações são vagas e os encontros são sempre furtivos nos quais Steven sempre dá pequenos presentes para o rapaz. Na medida em que o filme avança os espaços em branco daquela amizade serão preenchidos.

A certa altura Steve apresenta Martin para os seus colegas médicos do hospital como um amigo da sua filha interessado em conhecer a profissão da medicina.

Aos poucos o jovem vai sendo introduzido na vida da família de Steve: torna-se amigos dos filhos e passa a ter um interesse romântico por Kim após um jantar para o qual foi convidado.

Fonte: https://goo.gl/kVT6cC

Mas em toda essa aparente normalidade em tons pastéis há algo de sombrio que muito lentamente vai emergindo na narrativa: o bom médico gosta de fazer sexo com sua esposa enquanto ela finge estar sob anestesia geral. Na verdade parece que todos estão sob algum tipo de anestesia enquanto executam mecanicamente seus papéis.

Repentinamente as pernas do filho Bob param de funcionar e não consegue mais sair da cama e nem se alimentar. Em pouco tempo, a irmã apresenta os mesmos sintomas.

Martin revela a Steven o que está acontecendo: ele é o filho de um homem que morreu na mesa de operação há alguns anos, cujo culpado foi Steven. Por algum tipo de negligência médica que não está clara no início do filme. Talvez por culpa, o bom doutor quer manter-se perto do garoto. Porém, Martin será o agente de uma espécie de carma cósmico – se Steven levou seu pai, agora algum membro da sua família deve morrer. As escalas devem ser equilibradas.

O médico tem duas opções: sacrificar um membro da família para acabar o pesadelo ou assistir o definhamento de todos pela paralisia, recusa de comer e, eventualmente, sangramentos pelos olhos. É justiça!

Como um homem de ciência que vê a vida em preto e branco, ele recusa a acreditar nessa justiça cármica. Steve se apega à racionalidade da ciência médica para encontrar um diagnóstico para o que ocorre com seus filhos. Forma-se uma junta médica, baterias de exames neurológicos são realizadas mas nada é descoberto. Minimamente aceitar que tudo o que ocorre é de natureza psicossomática, seria uma derrota para os médicos neurologistas.

Claramente os acontecimentos rompem a sua visão de mundo perfeitamente controlada, assim como os condomínios suburbanos e os ascéticos hospitais. Como cardiologista bem sucedido e reconhecido, Steven é como um Deus: salva vidas e, eventualmente, comete erros que levam vidas. Mas agora, a situação pede algo raramente exigido aos deuses: um sacrifício pessoal.

Fonte: https://goo.gl/jEg6K5

O Agamenon moderno

Lanthimos está no campo da mitologia, principalmente quando descobrimos que um dos personagens do filme ganhou um A+ na escola por um trabalho sobre Ifigênia, mito grego centrado em um sacrifício exigido ao líder grego Agamenon. Artêmis, a deusa da caça, puniu Agamenon e a única maneira de remover a punição que paralisa seus exércitos no porto pela falta de vento é o sacrifício da sua filha Ifigênia.

O cardiologista Steven é o Agamenon moderno? Sim. Da mesma forma como os expoentes da Escola de Frankfurt Theodor Adorno e Max Horkheimer viam no mito de Ulisses a “dialética do esclarecimento” moderna: líderes da racionalidade militar das batalhas entre as cidades-Estado da antiga Grécia e os atuais líderes da racionalidade científica trilham a mesma “dialética” – a Ciência retornando ao Mito, incapaz de superar um senso de justiça cósmica trágica governada por deuses que parecem não nos amar.

Racionalidade e Ciência, vendida pelo varejo para as massas com ilusões de mundos controlados como condomínios suburbanos fechados e gadgets tecnológicos que parecem eliminar quaisquer surpresas ou “ruídos” no nossos cotidiano, nos fazem esquecer disso quando passamos a brincar de deuses. Emulando os próprios “deuses” (o Demiurgo) que também brincam de divindade conosco, nos prendendo nesse cosmos sob o arbítrio dos seus propósitos.

Fonte: https://goo.gl/aPU2ph

Por isso, o maior pecado do poderoso médico Steven é a recusa em admitir que é apenas humano. É um filme desafiador para os espectadores por alternar o estranho, o doloroso, histeria e o terror. Muitas vezes em uma única cena. Por isso, O Sacrifício do Cervo Sagrado de Lanthimos é um filme tão atemporal como o mito grego no qual se inspirou.

Ficha Técnica 

Fonte: https://goo.gl/FQPVPg

O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO

Diretor: Yorgos Lanthimos
Elenco:  Collin Farrell, Raffey Cassidy, Barry Keoghan, Nicole Kidman;
País: Reino Unido, Irlanda
Ano: 2017
Classificação: 16

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Eckhart é um elo com o Oriente

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“E digo mais, que todo sofrimento provém do amor àquilo de que a perda me privou. Portanto, se a perda de coisas exteriores me faz sofrer, eis aí um indício seguro de que tenho amor às coisas exteriores e, por conseguinte, de que na verdade eu amo o sofrimento e o desconsolo. Com efeito, que há de estranhável em que eu me depare com o sofrimento se amo e busco o sofrimento e o desconsolo? O meu coração e o meu amor apropriam à criatura o Ser-Bom que é propriedade de Deus. Volto-me para a criatura, fonte natural de desconsolo, e viro as costas a Deus, fonte de toda consolação. E acho estranho que entre a sofrer e a sentir-me triste. Em verdade, nem Deus nem o mundo inteiro seriam capazes de proporcionar verdadeira consolação ao homem que procura consolo nas criaturas. Mas quem na criatura só amasse a Deus e só em Deus amasse a criatura, este encontraria, em toda a parte, consolação verdadeira, merecida e sempre igual.”

MESTRE ECKHART (1260-1328), EM “O LIVRO DA DIVINA CONSOLAÇÃO”.

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Na imanência, o homem é co-partífice da totalidade

Por sua abordagem que, em alguma medida, coloca em xeque a visão clássica que se tem da transcendência, Eckhart muitas vezes foi mal interpretado e chegou a ser investigado pela Inquisição. Em Le Goff apud Guerizoli, “Eckhart é fundamentalmente um místico que, como tal, na crescente dissociação entre razão e fé que teria marcado o panorama intelectual dos séculos XIII e XIV, faz uma clara opção por esta em detrimento daquela”, no que seria (de forma indireta) uma explícita aproximação com a abordagem contida no Budismo, notadamente em sua vertente japonesa (Zen), que rechaça o uso do intelectualismo (ou mesmo da razão) como mecanismo de compreensão do mundo. “Aliás, pelo contrário, o excesso de informação [por parte do praticante budista] e a tendência deste de querer demonstrar que sabe, acaba por lhe afastar de um entendimento que é essencialmente decorrente da prática e dos anos de experiência [meditativa]” (CHALEGRE, 2015).

Ainda sobre este tema, vale ressaltar que

Eckhart nos deixou uma extensa obra em médio-alto-alemão onde os principais temas daquilo que, em certa medida, pode-se chamar uma doutrina da união entre criatura e criador são desenvolvidos e assumidos como parte fundamental de seu pensamento. Não obstante, ainda que possa parecer legítimo aplicar-se à obra eckhartiana o adjetivo “místico” e a Eckhart o epíteto de um autor interessado no problema da unio mystica, isso ainda não é motivo para que, de imediato, tachemos sua doutrina como antiintelectual. (GUERIZOLI, 2008, pág. 65)

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Pseudo-Dionísio: deificação do homem

Guerizoli ressalta que dentre os autores que mais influenciaram Eckhart destacam-se Orígenes, Gregório de Nissa e Pseudo-Dionísio Areopagita (no chamado neoplatonismo), e algumas das características marcantes de sua abordagem é “a ‘deificação’ do homem e sua ‘união’ – ou ‘unificação’ – com Deus, que se daria somente através do reconhecimento de sua filiação divina” (idem, pág. 66). Há de ressaltar, no entanto, que esta visão teológica, do medievo tardio, acabaria por desembocar no próprio humanismo nascente no Iluminismo. Não por menos, como destaca o professor, escritor e monge Cláudio Miklos (2015), o budismo (notadamente em sua vertente Zen), antes mesmo de ser classificado como religião, é uma espécie de humanismo, pois resgata um conjunto de preceitos cujo eixo, em alguma medida, está inserido no reconhecimento da autogestão [do homem] e da imanência.

A abordagem de Eckahrt (1999), como já destacado anteriormente, não passou incólume às tensões internas que permearam a efervescente produção intelectual da Idade Média. Ele é uma das provas, diriam alguns estudiosos, que nem todos os doutos e clérigos que compunham as fileiras das universidades cristãs eram meramente “orgânicos”. No entanto, havia um preço a ser pago pela visão “destoante” em relação à escolástica:

Através da condenação do “averroísmo latino”, a Igreja fecha as portas da universidade ao mais expressivo movimento anticlerical da alta escolástica. A consequência desse ato é o aumento, ao longo do século XIV, do fosso que separa a cultura universitária, da qual o intelectual é o representante por excelência, e a cultura laica que experimentava um grande enriquecimento com o desenvolvimento das línguas vulgares as quais, posteriormente, tornar-se-iam línguas nacionais.10 O século XIV assiste, portanto, ao crescente enclausuramento da figura do intelectual, que, segundo Le Goff, acaba formando com seus poucos pares uma “tecnocracia” cada vez mais isolada da realidade urbana, possibilitando, assim, o surgimento, a partir do século XV, de um novo tipo social letrado, solitário e atrelado preferencialmente ao poder temporal: o humanista. (Guerizoli, 2008, pág. 60)

Haveria na filosofia de Eckhart, no fundo, uma “tentativa de supor a real possibilidade de superação de todas as diferenças entre divindade e humanidade”. Um dos exemplos máximos desta teoria seria a doutrina da “existência de algo de incriado na alma, a qual entreabriria a possibilidade de reconhecer nesse “algo incriado” uma instância que fugiria à condição de ‘criatura’ e de pôr em xeque […] o próprio sentido de Deus como criador de tudo o que existe” (idem, pág. 69).

Mesmo se tecido sobre um pano de fundo teológico, o pensamento de Eckhart não se faria como descrição de uma experiência religiosa pessoal – tendo por base uma pura cognitio dei experimentalis – mas trafegaria, antes, por discussões, demonstrações e argumentos. No fundo dessa possibilidade estaria, mais uma vez, a convicção de que a revelação bíblica poderia ser descrita em argumentos racionais, de que teologia e filosofia, fé e razão, longe de se contraporem, integrar-se-iam, formando um todo compreensível”. (Guerizoli, 2008, pág. 68)

Assim, numa leitura sobre Le Goff, Guerizoli (2008) diz que, do todo, seria um equívoco entender a abordagem eckhartiana como meramente anti-intelectualista/antirracionalista, ou mesmo estritamente mística.

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Ainda na abordagem eckhartiana, em Dourado (2009), constantemente o homem se (re)posiciona em relação ao Todo e, neste movimento, o Criador não submete as criaturas ao que é basicamente seu, homogeneamente falando. Essas criaturas também não são substâncias fixas, mas a repercussão de Deus que se dá através das pluralidades. Haveria uma “plenificação” da natureza dos homens/mulheres, mesmo no movimento. Portanto, a vontade própria reposiciona-se em relação à vontade maior, numa troca incessante, ora com aspectos imanentes, ora transcendentes. Ou seja, o ser humano se relacionaria com o mundo numa perspectiva de presença e partilha, e não vê o homem como um fim em si mesmo (como aborda correntes do humanismo). Há, portanto, um fundo comum entre todas as criaturas. Na Bíblia, diz Dourado (2009), isso se apresenta no Sermão 12, quando se espera que

Ao homem que assim tivesse saído de si mesmo, de tal modo que fosse o Filho unigênito, a ele seria próprio o que é próprio ao Filho unigênito (…). Quando Deus vê que somos o Filho unigênito, ele se precipita e se lança ao nosso encontro com tanta veemência, (…) como se seu ser divino se lhe fosse  despedaçar e quisesse tornar-se  nada em si mesmo, a fim de nos revelar todo o abismo  de  sua  deidade e a plenitude do seu ser e da sua natureza; Deus se apressa para ser totalmente o nosso próprio, assim como é o seu próprio. (Sermão 12, I, pág. 102)

Eckhart (1999) ainda defende que esta dimensão do homem, na constituição mesma de sua ontologia, implica em sujeição, obediência e humildade. Em Dourado (2009), essa sujeição quer dizer, analiticamente, que todas as coisas estão sujeitas (subjectum) à uma totalidade, inclusive as coisas que não dispõe de consciência.

Todos os entes são criaturas, e por isso mais pertencem à totalidade do real, à doação integral de Deus enquanto criador, do que a si próprios. Ou seja, os entes são o que suas naturezas delimitam,  e por isso possuem algum nível de substancialidade, mas são o que são pela presença de Deus, e não pela pulsão de sua autonomia. Neste sentido, todas as criaturas são submetidas à totalidade. (DOURADO, 2012, v.6, n.2)

Na concepção budista, notadamente através da expressão da Soto Zen, não são os homens/seres que vivem a vida. É a vida que vive o ser. Em súmula, há um enfraquecimento do homem (enquanto unidade separada e autossuficiente) em detrimento da unidade. Essa visão de interdependência (do ser humano em relação à totalidade da vida) coloca os seres em total dependência de algo absoluto. Haveria, portanto, uma negação do “eu” provisório, que ora se manifesta (ou o não-eu budista). Sobre isso, Eckhart (1999) foi enfático: “As criaturas todas não têm ser, pois o seu ser depende da presença de Deus. Se Deus, apenas só por um instante, desviasse sua face das criaturas, elas seriam aniquiladas” (ECKHART, Sermão 4, I, p. 59). No entanto, parece paradoxal, mas cada criatura manteria resguardada o “criador no bojo de seu ser” (DOURADO, 2012, v.6, n.2), e assim como ocorre na concepção budista, a vida se apresenta como compartilhamento de Deus (ou do Dharma, na visão de Buddhadasa) em todas as criaturas. Assim, “as coisas são em Deus, e, por isso, ao serem, sinalizam toda a divindade” (idem).

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A anulação do ego, no Cristianismo, é uma “disposição para Deus”

Neste ínterim, a sujeição (ou aniquilamento do ego) é um mecanismo para que o ser humano (ou toda a criação, numa visão mais abrangente), ultrapasse a sua própria natureza, o que possibilita a comunhão com a totalidade. Aliás, mais que uma comunhão, como lembra Dourado, trata-se aqui de uma forma para que a totalidade possa passar.

E a insistência no verbo ‘poder’ e não simplesmente no ‘passar’ é o seguimento de uma indicação de Mestre Eckhart, ao concluir a questão da doação de Deus: ‘Ele se doa como Deus, como ele o é  em  todos  os  seus  dons,  à  medida  que  há  disposição  em quem gostaria de recebê-lo (DOURADO, 2012, v.6, n.2).

Vale ressaltar que esta “disposição para Deus” só pode ocorrer, no Cristianismo, a partir da noção de que existe algo de caráter totalizante, que une e precede toda a existência. Campbell diz que, desta forma, para que todos os povos se redimam, para que haja a apreensão da mensagem salvífica, é necessário ter um entendimento mínimo de alguns conceitos, como temporalidade, contingência e interdependência. Ou seja, assim como ocorre no Budismo (para quem é preciso haver um aspecto mínimo de senciência para adentrar o Sagrado), no Cristianismo sob o viés eckharteano Deus apesar de ser onipotente, respeita os limites de cada criatura, que só pode reestabelecer o caminho de comunhão à medida que reconhece a fagulha divina que há em todos.

Para os budistas, quem não se reconhece como expressão do Sagrado está inebriado pela ignorância (não no sentido intelectual, mas de sutileza em relação à identificação do aspecto de co-dependência) e pela concepção de cegueira e afastamento. O “ser búdico” já o é desde sempre, mas por não reconhecer-se como tal (por não permitir a aproximação com Deus), acaba por distanciar-se de sua real natureza. Em Eckhart, quando isso ocorre (este afastamento), supõe-se que o homem vem cobrindo o seu coração de terra, criando camadas com respaldo meramente mundanos, tornando-se ele mesmo (o homem) obstáculo de sua própria vida, já que “… quando o olho está doente em si mesmo, e enfermiço, ou velado, é-lhe impossível perceber o brilho” (ECKHART, O homem nobre, O livro da divina consolação…, pág. 93). Impossível não comparar esta assertiva eckharteana à abordagem budista que compara um homem ignorante de seu aspecto divino com alguém que teve os olhos atingidos por flechas.

REFERÊNCIAS:

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GUERIZOLI, Rodrigo. Mestre Eckhart: misticismo ou “aristotelismo ético”? – Cadernos de Filosofia Alemã (nº 11 | P. 57 – 82 | JAN-JUN 2008). Disponível em < http://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/download/64788/67405 > – Acesso em 06/09/2015;

NORBU, Lama Zopa. O Coração da Bondade. São Paulo: Clube de Autores, 1ª. Edição, 2010;

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MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001;

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XAVIER, Maria Leonor. O Cristianismo e a Filosofia Ocidental – I Colóquio sobre Filosofia da Religião (2001). Disponível em < http://religioes.no.sapo.pt/leonor2.html > – Acesso em 15/09/2015;

SCHUON, Frithjof. De l’Unité transcendante des Religions. Disponível em < http://www.frithjof-schuon.com/unite.htm > – Acesso em 26/09/2015;

MIKLOS, Cláudio. Palestra realizada em Seshin na cidade de Goiânia – Goiás. Maio de 2015.

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No Coração do Mar: quando o homem se acha o centro do mundo

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“Mesmo no mais alto trono do mundo estamos sempre sentados sobre o nosso rabo” 
Michel de Montaigne

Em cartaz nos cinemas, o longa americano “No Coração do Mar” (direção de Ron Howard) encontrou uma forma interessante para narrar o processo de criação do clássico inglês Moby Dick, baseado no épico – e trágico – naufrágio do navio baleeiro Essex, no século XVIII.

O filme mostra um período de intensas mudanças ocorridas ligeiramente antes do advento do petróleo e da consolidação da eletricidade. Tudo começa numa fria noite de inverno em 1820, quando um jovem e ainda desconhecido escritor decide entrevistar o único marujo vivo do navio Essex. Ele conta em detalhes a conturbada relação entre o primeiro oficial Owen Chase (Chris Hemsworth) e o fidalgo capitão George Pollard (Benjamin Walker), que navegam por meses em busca de baleias, até encontrar um longínquo santuário há muitos milhares de milhas da costa chilena, no Pacífico. Ambos não contavam, no entanto, que iriam se deparar com uma grande ameaça, uma gigantesca baleia branca que irá lutar por sua sobrevivência e acabará atacando o navio e sua tripulação.

“No Coração do Mar”, em certa medida, mostra um período histórico marcado pela gênese do Iluminismo, que incrusta nos ávidos corações da época a ideia de que, pelo constante desbravar de todas as fronteiras (no que viria a se chamar, com mais ênfase e amplitude, de progresso contínuo), o homem poderia – através do conhecimento e da razão – dominar a técnica, a natureza e, assim, assumir-se como espécie soberana. Não por menos, o filme começa e termina na região portuária de Massachusetts-EUA, palco da imigração evangélica (cuja Reforma combate o monopólio e mediação da Igreja Católica e, diria alguns autores, contribui para o sentido de formação de “humano em sua individualidade e ligação direta com Deus”), da Revolta do Chá e, depois, da expansão marítima-comercial-industrial norte-americana.

Há, de forma contundente, a sinalização da influência protestante sobre o arcabouço ideológico do Século das Luzes, por mais que os próprios cientistas e filósofos do período abolissem qualquer tentativa de aproximação com as religiões, notadamente as cristãs. E esta mensagem está por toda a parte, em “No Coração do Mar”. Isso ocorreu porque dentre as bandeiras de Lutero se encontrava a educação universal e irrestrita, como forma de preparar a cristandade para a nascente era moderna retratada no longa.

Pela graça de Deus, está tudo preparado para que as crianças possam estudar línguas, outras disciplinas e história, com prazer e brincando. As escolas já não são mais o inferno e o purgatório de nosso tempo, quando éramos torturados com declinações e conjugações. Não aprendemos simplesmente nada por causa de tantas palmadas, medo, pavor e sofrimento (LUTERO, 1517).

No filme, toda ação dos marinheiros era precedida por uma efusiva oração, em detrimento dos objetivos eminentemente comerciais do capitão e de seu primeiro oficial, inebriados pela busca do óleo de baleia, então a mais eficiente – e lucrativa – fonte de energia que iluminava ruas, casas e prédios públicos. Há, desta forma, uma clara aproximação entre a ética protestante e a ideologia calcada no trabalho e na produção de riquezas (como bem explicitado por Max Weber em “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, cujo tema daria novo artigo).

Da antiga tradição católica, rechaça-se a miserabilidade do homem (contida implícita ou explicitamente na doutrina até então vigente) e empodera-se o protagonismo “dos filhos de Deus”, baseado na máxima de que “o homem foi criado à Sua Imagem e Semelhança”. Mais à frente, como a própria história haveria de mostrar, o secularismo ganha força e distancia-se de suas origens, ao tentar antagonizar – quase que num movimento e ação histéricos – religião de ciência.

O catolicismo e o protestantismo, por sua vez, nunca deixariam de explicitar o caráter teleológico da ciência e do conhecimento: não caberia espaço para a autopoiese – como defendem os secularistas neoateístas atuais –; antes, todo e qualquer desenvolvimento humano só tem sentido se oferecido ao Sagrado, a Deus e em nome da expansão de Sua Vontade. Portanto, ambos mantiveram a abordagem tipicamente transcendente, em detrimento da aparente autossuficiência imanente.

Neste aspecto, “No Coração do Mar” mostra dois pontos importantes. O primeiro, é que a nascente classe média moderna subverte o conceito de transcendência, ao dar ênfase apenas ao caráter sobrenatural do homem, que volta a ser visto – como o foi, em alguma medida e sem o conceito de individualidade, antes do heliocentrismo – como centro da demanda universal, portanto um “fiador” de Deus na Terra, tendo, assim, o direito de usufruto sobre toda a criação. Em nome de uma transcendência sem compaixão (e aí está a lacuna pela ausência de espiritualidade – note-se a ênfase em “espiritualidade”, e não em “religiosidade”), parte da humanidade tenta a qualquer custo dominar todos os campos que lhes são apresentados como impeditivos do progresso.

Ao não se identificar como integrante da natureza – e por considerar-se além dela –, só resta ao homem dominá-la. Não por menos, esta visão também ficou bem clara a partir das ideias de Francis Bacon – baluarte da ciência –, para quem o conhecimento científico deve servir ao homem e dar-lhe poder sobre a natureza. O homem consolida pelo secularismo a ideia de “sacralidade” como expressão do antropocentrismo. Surge, com isso, o famigerado especismo.

De acordo com Olivier

Especismo é o ponto de vista de que uma espécie, no caso a humana, tem todo o direito de explorar, escravizar e matar as demais espécies por serem elas inferiores. É a atribuição de valores ou direitos diferentes a seres dependendo da sua afiliação a determinada espécie. O termo foi cunhado e é usado principalmente por defensores dos direitos animais para se referir à discriminação que envolve atribuir a animais sencientes diferentes valores e direitos baseados na sua espécie, nomeadamente quanto ao direito de propriedade ou posse. O especista acredita que a vida de um membro da espécie humana, pelo simples fato do indivíduo pertencer à espécie humana, tem mais peso e mais importância do que a vida de qualquer outro ser. Os fatores biológicos que determinam a linha divisória de nossa espécie teriam um valor moral – nossa vida valeria “mais” que a de qualquer outra espécie (OLIVIER, 1991).

Percebe-se que juntamente à pujante era moderna, de modo análogo ao racismo e ao sexismo, aparece também o especismo, cuja síntese de pensamento pressupõe que os interesses de um ser (no caso, os animais), são de menor importância “pelo mero fato de se pertencer a uma determinada espécie”. Presume-se com isso que é desta visão de que a natureza é um entrave para o desenvolvimento humano que se originou, portanto, a atual crise ambiental, sinalizada pela poluição ambiental generalizada, pelo desrespeito a outras formas de vida e pelo aquecimento global.

O segundo ponto importante, no filme, faz referência à associação implícita da natureza com os aspectos femininos (vários autores defendem este ponto de vista, sobretudo os de ênfase no estudo dos arquétipos, mas não iremos nos aprofundar neste tema). Se Deus é homem, à natureza só resta o posto feminino. Sendo assim, como parte da criação, a natureza não deveria ser adorada (através de sua preservação, por exemplo). Por estar sob a égide da “peressibilidade” e da contingência, diferente de Deus (Motor Primeiro e incriado à maneira aristotélica) a natureza é “corrompível” e, logo, se foi criada, inevitavelmente teve um começo, passou ou passará por um período de desenvolvimento e terá um fim (não o fim teleológico do homem, que é a união com Deus. Por ser ausente de alma, à natureza cabe a extinção). Aí pode estar o embrião, como defende Richard Dawkins, da resistência de vários setores sociais ao movimento ecológico. Um paradoxo, pois o próprio Dawkins é fruto contemporâneo de um Iluminismo que sofreu forte influência cristã.

Este medo que a cristandade tem em relação à suposta adoração da natureza (no passado, as bruxas foram queimadas porque, dentre outras coisas, dominavam os elementos da natureza e, portanto, se autogeriam) ficou claro quando, na década de 80 do século XX, importantes vozes do Vaticano compararam o movimento ecológico com a “marca da besta”. No filme, a baleia branca é chamada de demônio. Afinal, quão insuportável era o fato de se trocar a busca da “graça do Pai” pela “proteção da natureza”?. Por sorte, com o novo pontificado de Francisco, a pauta é invertida e o cuidado com “a criação e a casa comum de todos deve ser tema recorrente e alvo de investidas éticas e espirituais”. Desta forma, no limiar do século XXI, com a iminente catástrofe ambiental que se descortina, o discurso religioso percebe a importância de cuidar do meio ambiente e da ecologia como prerrogativa para a existência da própria espécie humana.

Por fim, levando-se em conta que toda ação gera uma reação, como defende a física clássica, o secularismo humanista acaba por suscitar, aos poucos, uma contraparte compensatória. Trata-se da imanência contida na ética das virtudes e no protagonismo político. No primeiro caso, o homem passa a ser visto como uma substância inseparável da natureza, num constante processo de interdependência onde a cada agressão ao meio ambiente acaba por provocar uma violência a si mesmo; no segundo caso, o movimento ecológico – como um fazer político – passa a ser visto por uma quantidade cada vez maior e crescente de pessoas como uma ação inadiável e indispensável. Afinal, se o homem é uma das expressões da natureza, é também responsável por suas interações danosas tendo, portanto, a responsabilidade de evitar e/ou ponderar seu impacto sobre o meu ambiente. Floresce, assim, uma “consciência ecológica e ambiental”, com ares de holismo. Agora, a própria religião cuja ênfase orbitava quase que exclusivamente na centralidade do homem, volta-se para a sabedoria de um dos doutores da Igreja Católica, Santo Agostinho, que ao combater a soberba crescente à sua época, diligentemente lembrava aos seus contemporâneos que, sempre quando se percebessem como superiores, se lembrassem do modo como nasceram, “entre as fezes e a urina” (numa situação de parto natural).

Se no filme um dos marujos grita aos céus perguntando a Deus porque recebeu um castigo tão cruel, após o naufrágio provocado pela baleia branca, na vida contemporânea o homem comum já passa a ter repertório para perceber que ele começa a colher o que ele mesmo plantou, e que só há um modo de mudar as coisas: agindo e vivendo diferente, com cuidado e respeito pela natureza e por todas as espécies. A caminhada é longa, mas – felizmente – há muita gente envolvida neste assunto. Para o bem de todos os seres.

LINK PARA O TRAILER

REFERÊNCIAS:

Sinopse de “No Coração do Mar”. Disponível em < http://www.adorocinema.com/filmes/filme-144338/ >; acesso em 13/12/2015;

ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense Universitária, 2014;

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011;

O Livro da Filosofia (Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011;

A Reforma Protestante e sua contribuição para a educação. Disponível em <
http://portal.metodista.br/fateo/noticias/a-reforma-protestante-e-sua-contribuicao-para-a-educacao-moderna >; acesso em 13/12/2015;

Cadernos Anti-especistas (textos de Olivier, dentre outros). Disponível em < http://www.cahiers-antispecistes.org/ >; acesso em 13/12/2015;

DAWKINS, Richard. Deus, um Delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007;

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001;

Papa Francisco apresenta encíclica dedicada ao meio ambiente. Disponível em < http://www.jb.com.br/internacional/noticias/2015/06/18/papa-francisco-apresenta-enciclica-dedicada-ao-meio-ambiente/ >; acesso em 13/12/2015;

FALCHI, Cinthia. Os feminismos de cada dia. Revista Filosofia Ciência & Vida, Ano VII, no. 104, págs. 36 a 43.

FICHA TÉCNICA

NO CORAÇÃO DO MAR

Dirigido por Ron Howard
Com: Chris Hemsworth, Benjamin Walker, Cillian Murphy e mais
Gênero: Aventura, Fantasia
Nacionalidade: EUA
Ano: 2015

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