Admirável Mundo Novo: perspectiva da Psicologia Social

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Fonte: http://migre.me/vF3ks
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A Psicologia Social tem por objetivo estudar os comportamentos no que são influenciados socialmente (LANE, 2006). Dessa forma, a disciplina de Psicologia Social buscou discorrer acerca dessa ciência e de temas que são relevantes para sua compreensão. A partir dos conteúdos discutidos em sala de aula o presente trabalho busca articulá-los com o livro “Admirável Mundo Novo”, tendo que em vista que a obra aponta diversas interferências sociais na forma dos personagens se comportarem, o que possibilita a identificação de diversos fenômenos sociais. O livro “Admirável Mundo Novo” (1932) de Aldous Huxley, apresenta a história de dois mundos, o “Civilizado” e o “Selvagem”.

Fonte: http://migre.me/vEZoD
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A narrativa tem início no Centro de Incubação e Condicionamento, que tem como lema do Estado Mundial: Comunidade, Identidade e Estabilidade, é localizado em Londres, no chamado estado da civilização. A história se passa nesses dois cenários, que embora completamente distintos interferem diretamente na construção da identidade de seus habitantes. No entanto, de acordo com suas especificidades produzem diferentes impactos e “jeitos de ser” dos indivíduos.

Diante dessas discrepâncias entre os contextos, surgem também preconceitos com relação ao outro, no qual o diferente é menosprezado e essas vivências também geraram impactos na forma de se comportar dos indivíduos. Assim, o presente trabalho visa realizar articulações entre o livro e os temas Identidade segundo Jacques (1998) e Preconceito de acordo com Myers (2014), a partir de textos que foram discutidos em sala de aula ao longo da disciplina.

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No Centro de Incubação e Condicionamento, os indivíduos eram condicionados a agirem de maneira estável e social, elementos que constituem suas identidades. Isto, considerando que identidade diz respeito a “um conjunto de representações para responder a pergunta quem és”, Jacques (1998, p.161). Os embriões eram divididos por castas, de forma hierarquizada e suas características biopsicossociais eram definidas a partir disso. Estatura, cor de pele, sensibilidade a determinadas temperaturas e outras especificidades eram estabelecidas previamente de acordo com a casta e suas atribuições.

O sujeito era condicionado a exercer as atividades de seu grupo e não conhecia outras possibilidades, por isso não se importavam com o papel desempenhado ao longo de sua vida. É possível notar que os indivíduos pertencentes a esse estado, o chamado “Civilizado”, tinham seus destinos previamente traçados, bem como suas identidades e características já pré-determinadas, que iam sendo reafirmadas ao longo dos anos, a partir do desempenho de determinadas funções e da ausência de criticidade.

Fonte: http://migre.me/vEZDL
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A partir dessa hierarquia, era notório o preconceito existente no trato com as castas tidas como “inferiores”. Referiam-se a eles como negros, horrorosos, pequenos e outros adjetivos que remetiam a desprezo. Preconceito segundo Myers (2014) consiste em um julgamento negativo de um grupo e seus membros, que predispõe contra uma pessoa apenas por ela pertencer a determinado grupo. Isso fica evidente no livro, à medida que um indivíduo era considerado inferior devido fazer parte de um referido grupo. Os Gamas, Deltas e Epsilons foram condicionados a associar massa corporal com superioridade social.

As castas representam a identidade social do indivíduo, que é uma das subdivisões dos sistemas identificatórios e diz respeito a atributos que demarcam a pertença a uma categoria ou grupo (JACQUES, 1998). Dessa forma, a identidade dos indivíduos nesse contexto era totalmente voltada para o aspecto social, uma vez que a maioria não reconhecia suas características pessoais, tendo em vista que isso não era bem visto pelos seus superiores.

Bernard, um dos personagens, era um Alfa que tinha oito centímetros menos do que o esperado para sua casta, por isso era tido também como “esquisito”, fora do padrão esperado o que o isolava de seus semelhantes. O rapaz se isolava e sentia-se inferior e quando se reportava aos seus “inferiores”, acreditava que eles não lhes respeitavam, por isso era hostil e ríspido para obter atenção. Myers (2014) relata que a frustração pode levar à hostilização, o preconceito pode ajudar a camuflar sentimentos de inferioridade, já que pode proporcionar sensações de superioridade. Isto pode justificar as condutas de Bernard.

Diante dos preconceitos sofridos, Bernard intensificava sentimentos de desprezo a si próprio devido aos seus “defeitos físicos” que o excluíam de sua casta, aumentando sentimentos de exclusão e solidão, apesar da sociedade civilizada não ser programada para vivencia-los. Nesse sentido, a medida que o preconceito “pode defender nossa individualidade contra a ansiedade que vem da insegurança ou do conflito interior” (MYERS, 2014, p. 190), o rapaz pode utilizar desse tipo de atitude para minimizar suas conturbações pessoais.

Fonte: http://migre.me/vF0Gl
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Bernard sempre se sentiu como um indivíduo à parte, mas encontrou Helmholtz, que havia percebido seu excesso mental e o que lhe diferenciava de outras pessoas, por isso poderiam compartilhar suas angustias. Bernard relatava ter o desejo de agir mais por si, e não tão parte de outra coisa, de ser apenas uma célula do corpo social. Esses desejos escandalizavam os outros, que diante do condicionamento não cogitavam essas possibilidades e achavam absurdos esses desejos, já que era tão felizes e se sentiam livres.

Aqui fica explicita uma relação de devoção, os indivíduos não tinham conflitos e nem passavam por dificuldades, por isso eram agradecidos ao grupo social que faziam parte, a “civilização”. Essa devoção pode predispor uma pessoa a menosprezar os outros (MYERS, 2014).  Os demais recomendavam o consumo de “soma” para que eles não tivessem essas ideias horríveis e se sentissem alegres.  Os rapazes tinham suas identidades distintas dos demais e se apropriaram do contexto de forma diferente. No entanto, por causa da necessidade de se sentirem pertencentes precisaram se conformar com as normas do grupo.

Cada grupo vestia uma determinada cor, e até por isso eram alvos de preconceito. Até mesmo os jornais eram destinados a castas. Em Londres tinham três jornais, Londres sendo eles o Rádio Horário, jornal para as castas superiores, A Gazeta dos Gamas, verde-pálido, e, em papel cáqui e exclusivamente em palavras monossilábicas, O Espelho dos Deltas. Tudo isso, atuava reafirmando a identidade social das pessoas que ali habitavam,  a medida que tudo era separado para cada grupo, fazendo com que cada vez mais eles se entendessem como Gama, Delta e outros.

Fonte: http://migre.me/vF01V
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A segregação favorece o preconceito, bem como a identidade social. Um grupo que usufrui de uma superioridade econômica e social pode justificar essa posição por meio de convicções preconceituosas (MYERS, 2014). Isso fica evidente no livro, pois as castas superiores se utilizavam de argumentos preconceituosos para relatar as diferenças.

Lenina, uma das personagens, era uma típica jovem de casta superior que seguia a risca os regulamentos e tinha atitudes preconceituosas com as outras castas. Isso é potencializado devido a identidade social fortalecida, segundo Myers (2014) é possível que essa identificação leve o indivíduo a detestar grupos diferentes. Além disso, o autor acrescenta que pertencer a um grupo implica também na definição de quem não se é. Por isso, a moça agradecia constantemente por não ser inferior, já que sabia que o grupo ao qual pertencia era de superiores.

Existiam regulamentos para nortear as condutas, por exemplo, as mulheres não deveriam engravidar, mas deveriam relacionar-se sexualmente com quantos homens elas desejassem, por isso, eram sujeitas a anos de hipnopedia intensiva e, dos doze aos dezessete, exercícios malthusianos três vezes por semana, de modo que esses cuidados se tornavam quase automáticos. Tudo isso, reforçava a identidade social e impediam os indivíduos de tomarem consciência de suas singularidades.

Emoções, laços de maternidade/paternidade e conjugalidade também eram descartados na civilização, uma vez que poderiam gerar instabilidade. Para evitar tais “desconfortos”à sociedade, as pessoas ouviam repetidamente comandos que influenciariam seus comportamentos, eram anos de hipnopedia. Além disso, se por ventura, ocorresse algo desagradável eles utilizavam a “soma” medicamento que lhes permitiam fugir da realidade e suportar as adversidades sem acionar recursos pessoais de enfrentamento.

Ao longo da história, Bernard, decide ir passar suas férias em uma reserva, e leva com ele Lenina. A reserva era conhecida como o estado “Selvagem”, onde se encontram os nãos civilizados, ou chamados índios e mestiços. Lá existiam piolhos, suor, mau cheiro e as pessoas envelheciam. Bem como, casamento e famílias o que para o mundo civilizado era antiquado devido ao condicionamento.  Diferente de Londres e a sociedade civilizada de onde vinham.

Fonte: http://migre.me/vF0Tc
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Existiam os civilizados e os selvagens e para Myers (2014) as etnias são uma forma de categorizar as pessoas, na qual rotulamos os indivíduos na tentativa de simplificar o mundo.Os chamados civilizados viam os índios como sujos e merecedores de todas “mazelas” do mundo selvagem, ou seja, como tendo características que justificavam essa situação e fortalecem essa diferença de “status” (MYERS, 2014).

Durante a viagem Bernard e Lenina conheceram outra realidade que lhes gerou espanto, desconforto e atitudes preconceituosas.  O preconceito pode ser advindo de uma série de convicções negativas, os estereótipos (MYERS, 2014).Para Lenina, as pessoas da reserva eram sujas, imundas, feias, desprovidas de sabedoria, antiquadas, conforme lhe era descrito em Londres.

Conheceram ainda Linda que também trabalhou no Centro de Condicionamento e há alguns anos foi visitar a reserva e se perdeu, estava grávida e lá teve seu bebe. Tendo em vista que e gestação e a relação materna eram inconcebíveis na sociedade civilizada, ela não quis retornar para Londres com seu filho John.

Ao longo do livro são apontadas as dificuldades que Linda teve em se adaptar ao novo contexto e como foi conturbada a relação entre ela e seu papel de mãe. Tendo em vista que sua identidade a resposta para a pergunta quem és era voltada apenas para suas atribuições socais, frente a perda delas Linda não conseguia prosseguir. Isso também se deve ao fato dela ter sido condicionada ao uso de “soma”, um medicamento milagroso que lhe permitia fugir da realidade e evitar solucionar conflitos a partir de seus próprios recursos.

Fonte: http://migre.me/vF1ch
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Foi difícil para John se inserir na comunidade local e compreender as regras passadas por Linda. O preconceito era frequente não apenas na sociedade civilizada, mas também no estado selvagem. John era descendente de brancos tinha olhos azuis e pele clara, por isso fora excluído de algumas atividades da comunidade.

Lenina fica espantada com a aparência física de Linda, que devido à idade tinha rugas, dentes manchados e era gorda. Tudo isso, era inadmissível em Londres, pois lá não era permitido que ninguém ficasse assim. Eram utilizadas diversas estratégias para evitar o envelhecimento e esse aspecto “assustador”.

Linda e John retornaram para Londres e são narradas as dificuldades do rapaz para adaptação ao novo ambiente e os novos costumes. Quando Selvagem chegou, todos queriam conhece-lo e por isso tratavam Bernard bem, já que o contato se daria por meio dele. Diante dessa “aceitação” o rapaz mudou seus comportamentos, ficou deslumbrado com a possibilidade de inclusão, tinha quantas mulheres quisesse e sentia necessidade de gabar-se por isso. Aqui, nota-se que a identidade pessoal que está em constante modificação através das novas experiências, começou a se moldar a partir do novo perfil de relações estabelecidas.

Bernard vivenciou sentimentos de exclusão durante todo o tempo devido a suas características físicas desproporcionais a sua casta, por isso não tinha uma identidade pessoal positiva. Myers (2014) relata que nesses casos é comum que as pessoas busquem auto-estima por meio da identificação com grupo e do estabelecimentos de laços. Essa explosão de experiências positivas e de inserção na comunidade, caracterizavam uma grande oportunidade para se firmar com indivíduo.

Fonte: http://migre.me/vF1la
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Quando John foi pra civilização ele era uma pessoa distintiva, pois era diferente do grupo dos civilizados, o que fez com que ele se tornasse uma atração. Além disso, as pessoas o tomavam como modelo dos demais Selvagens, o que fazia com que os estereótipos se intensificassem (MYERS, 2014).

Inconformados com a civilização acrítica, Bernard, Helmholtz e Selvagem buscam falar com o diretor, a fim de questionar as motivações para as regras impostas. São informados que isso é para a felicidade de todos, pois as pessoas precisam de estabilidade e para isso precisam viver em hierarquia e sem muitos questionamentos. Aqui nota-se a mudança na identidade deles, que até então não tinha tido coragem de desafiar as regras, mas como o “eu” está em constante transformação passaram a questionar a sociedade na qual estavam inseridos.

Diante dessa petulância, Bernard e Helmholtz foram levados para ilhas longe dali, na qual vão todos que adquiriram demasiada consciência de sua individualidade, que não se satisfizeram na ortodoxia da comunidade ou os quem tem ideias próprias ou independentes.  Essa conduta era baseada na tentativa de evitar que outros fossem “contaminados” com essa consciência de si. Selvagem permaneceria na civilização para ser estudado, porém ele resolveu ir também, pois não desejava modificar-se a agir conforme a comunidade civilizada. A mídia local ia a ilha para filmá-lo e observar o seu modo de viver.

Fonte: http://migre.me/vF1Cf
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A partir da história contada no livro “Admirável Mundo Novo” e dos conteúdos discutidos por meio da Psicologia Social é possível ressaltar o quanto de social tem em cada indivíduo. O contexto em que cada um está inserido influencia diretamente na sua forma de ser, mesmo que o indivíduo não perceba essas interferências e considere-se livre.

Durante a narrativa os habitantes do estado civilizado foram condicionados a terem uma falsa impressão de liberdade e autonomia, e qualquer um que chegasse a ter consciência dessa ausência de individualidade era tirado da sociedade afim de não contaminar os demais. Diante dessa identidade previamente moldada e da força desse papel social, os preconceitos aumentavam, tendo em vista que o diferente era visto como inferior. Todavia, os preconceitos, rótulos e discriminações estavam presentes nos dois mundos, ainda que por vezes se mostrasse da maneira mais sútil possível.

FICHA TÉCNICA DO LIVRO

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

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Editora: Globo
Assunto:  Ficção científica e distópica
Idioma: Português
Ano: 1979
Páginas: 178
Ano de lançamento: 1932

REFERÊNCIAS: 

HUXLEY, A. Admirável Mundo Novo. Porto Alegre: Editora Globo, 1979.

JACQUES, M. G. C. Identidade. Em: JACQUES, M. G. C. Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1998.

LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2006.

MYERS, D. G.Preconceito: o ódio ao próximo. Em: MYERS, D. G. Psicologia Social. Porto Alegre: Artmed, 2014.

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Família, Propriedade Privada e Estado: gênese comum

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Para o entendimento da origem da família, da propriedade privada e do Estado, Friedrich Engels – no livro homônimo – faz uma busca em tempos aos quais não se possuem registros e demonstra como cada uma dessas estruturas surgiu, se estruturou e evoluiu. Morgan foi o primeiro que, com conhecimento de causa, tratou de introduzir uma ordem precisa na pré-história da humanidade e a partir desta ordem traçou os avanços que foram realizados em direção a formação da família. A família já passou por diferentes formas de composição até chegar à qual hoje conhecemos, ela já existiu em forma de grupos, onde todas as mulheres pertenciam a todos os homens do grupo. A primeira evolução na estrutura da família se deu quando foram proibidas as relações sexuais entre pais e filhos e após com a proibição de relações sexuais entre irmãos. Estas proibições proporcionaram uma nova forma de família, a família sindiásmica, onde um homem se relacionava com uma mulher, mas a poligamia ainda era praticada, mesmo que em pequenos números. A última evolução se deu quando a família passou a ser constituída por um homem e uma mulher e o casamento passou a ser indissolúvel e poligamia só era permitida ao homem, devido ao seu direito patriarcal.

A família deu o viés para o surgimento da propriedade privada, que nasceu a partir da nova estrutura de família, onde o homem busca repassar sua herança aos seus filhos, adquirindo-se assim riquezas. As riquezas fazem com que o homem comece a escravizar outras pessoas e a acumular mais bens, começa uma busca incessante pelo o luxo e pela riqueza, assim surge o Estado, para permitir que a minoria que possui posse explore a maioria que não possui posses, com o intuito de se beneficiar.

I – ESTÁGIOS PRÉ-HISTÓRICOS DE CULTURA. Morgan divide o tempo em três épocas principais – estado selvagem, barbárie e civilização e subdivide as duas primeiras em fases inferior, média e superior.

Estado selvagem:

  • Fase inferior: os homens permaneciam nos bosques tropicais ou subtropicais e viviam nas árvores. Os frutos, as nozes e as raízes serviam de alimento.
  • Fase media: houve o emprego de peixes e o uso do fogo, ocorreu também uma dispersão sobre maior parte da superfície da Terra, foram introduzidos novos alimentos, como as raízes e os tubérculos farináceos e também a caça.
  • Fase superior: começa com a invenção do arco e flecha, que foi a arma decisiva da época.

Barbárie:

  • Fase inferior: inicia-se com a introdução da cerâmica. O traço característico do período é a domesticação e criação de animais e o cultivo de plantas. O continente oriental, o chamado mundo antigo, tinha quase todos os animais domesticados e todos os cereais próprios para o cultivo, já o continente ocidental, a América, só tinha um mamífero domesticável, a Ilhama, e um só dos cereais cultiváveis, o milho. Em virtude dessas condições naturais diferentes, a partir desse momento a população de cada hemisfério se desenvolve de maneira particular, e os sinais nas linhas de fronteira entre várias fases são diferentes em cada um dos dois casos.
  • Fase média: no Leste, começa com a domesticação de animais e no Oeste com o cultivo de hortaliças.
  • Fase superior: inicia-se com a fundição do minério de ferro e passa à fase da civilização com a invenção da escrita alfabética e seu emprego para registros literários.

II – A FAMÍLIA. Morgan passou a maior parte de sua vida entre os iroqueses e encontrou um sistema de consanguinidade, vigente entre eles, que entrava em contradição com seus reais vínculos de família. A descendência de semelhante casal era patente e reconhecida por todos; nenhuma dúvida podia surgir quanto às pessoas a quem se aplicavam os nomes de pai, mãe, filho, filha, irmão ou irmã, mas, o uso atual desses nomes constituía uma contradição. O iroquês não somente chama filhos e filhas só aos seus próprios, mas, ainda, aos de seus irmãos, aos quais, por sua vez, o chamam de pai, já os filhos de suas irmãs, pelo contrário, ele os trata como sobrinhos e sobrinhas, e é chamado de tio por eles. As designações “pai”, “filho”, “irmão”, “irmã”, não são simples títulos honoríficos, mas, ao contrário, implicam em sérios deveres recíprocos, perfeitamente definidos, e cujo conjunto forma uma parte essencial do regime social desses povos.

Fonte: https://compubbrasil.files.wordpress.com/2011/09/famc3adlia1.jpg

  1. A FAMÍLIA PUNALUANA. O primeiro progresso na organização da família constitui em excluir os pais e filhos das relações sexuais recíprocas e o segundo progresso na exclusão dos irmãos. A proibição das relações sexuais entre irmãos e irmãs pela sociedade levou a divisão dos filhos de irmãos e irmãs e por isso se torna necessária, pela primeira vez, a categoria dos sobrinhos e sobrinhas, dos primos e primas, categoria que não tinha sentido algum no sistema familiar anterior. Foram excluídos, todavia, no princípio, os irmãos carnais e, mais tarde também os irmãos mais afastados das mulheres, ocorrendo o mesmo com as irmãs dos maridos. Esta família agora nos indica, com a mais perfeita exatidão, os graus de parentescos, da maneira como expressa o sistema americano. Os filhos das irmãs de minha mãe são também filhos desta, assim como os filhos dos irmãos de meu pai o são também deste e todos eles são irmãs e irmãos meus. Mas os filhos dos irmãos de minha mãe são sobrinhos e sobrinhas desta, assim como os filhos das irmãs de meu pai são sobrinhos deste e todos são meus primos e primas. Em todas as formas de família por grupos, não se pode saber, com certeza, quem é o pai de uma criança, mas sabem-se quem é a mãe. Portanto onde existe o matrimônio por grupos a descendência só pode ser estabelecida do lado materno, e, por conseguinte, apenas se reconhece a linhagem feminina. Uma vez proibidas às relações sexuais entre todos os irmãos e irmãs – inclusive os colaterais mais distantes por linha materna, o grupo de que falamos se transforma numa gens, isto é, constitui-se um círculo fechado de parentes consanguíneos por linha feminina, que não se podem casar uns com os outros; e, a partir de então, este círculo se consolida cada vez mais por meio de instituições comuns, de ordem social e religiosa, que distingue das outras gens da mesma tribo.
  1. A FAMÍLIA SINDIÁSMICA. Com as crescentes complicações devido às proibições de casamento, tornam-se cada vez mais impossíveis as uniões por grupos, que foram substituídas pela sindiásmica. Neste estágio, um homem vive com uma mulher, mas de maneira tal que a poligamia e a infidelidade ocasional continuam a ser um direito, embora a poligamia seja raramente observada nesta fase. A exclusão progressiva, primeiro dos parentes próximos, depois dos parentes distantes e, por fim, até das pessoas vinculadas apenas por aliança, torna impossível na prática qualquer matrimônio por grupos. Bachofen tem evidente razão quando afirma que a passagem do que ele chama de “heterismo” à monogamia realizou-se essencialmente graças às mulheres. Quanto mais as antigas relações sexuais perdiam seu caráter inocente, primitivo e selvatico, por força do desenvolvimento das condições econômicas e, paralelamente, por força da decomposição do antigo comunismo, e da densidade cada vez maior da população, tanto mais opressivas devem ter parecido essas relações para as mulheres, que com maior força deviam ansiar pelo direito à castidade, como libertação. Só depois de efetuada pela mulher a passagem ao casamento sindiásmico, é que foi possível aos homens introduzirem a estrita monogamia – na verdade, somente para as mulheres. A família sindiásmica é a forma de família característica da barbárie.

O contrário aconteceu no Velho Mundo. O matrimônio sindiásmico havia introduzido na família um elemento novo, junto à verdadeira mãe tinha posto o verdadeiro pai. As riquezas à medida que iam aumentando, davam, por um lado, ao homem uma posição mais importante que a da mulher na família, e, por outro lado, faziam com que nascesse nele a ideia de valer-se desta vantagem para modificar, em proveito de seus filhos, a ordem da herança estabelecida. Mas isso não se poderia fazer enquanto permanecesse vigente a filiação segundo o direito materno e esse direito teria que ser abolido, e o foi. Bastou decidir simplesmente que, de futuro, os descendentes de um membro masculino permaneceriam na gens, mas os descendentes de um membro feminino sairiam dela, passando à gens de seu pai. Houve o desmoronamento do direito materno, a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo e surgiu a família patriarcal, caracterizada pela organização de certo número de indivíduos, livres e não livres, numa família submetida ao poder paterno de seu chefe. Na forma semítica, esse chefe de família vive em plena poligamia, os escravos têm uma mulher e filhos, e o objetivo da organização inteira e cuidar do gado numa determinada área. Esta forma de família assinala a passagem do matrimônio sindiásmico à monogamia.

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  1. A FAMÍLIA MONOGÂMICA. Nasce no período de transição entre a fase media e a fase superior da barbárie e baseia-se no predomínio do homem. A monogamia de modo algum foi fruto do amor sexual individual, permaneceram casamentos de conveniência, mas foi de todas as formas de famílias conhecidas, a única em que se pôde desenvolver o amor sexual moderno. Foi a primeira forma de família baseada em condições econômicas e representou um triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva. Os gregos proclamavam abertamente que os únicos objetivos da monogamia eram a preponderância do homem na família e a procriação de filhos que só pudessem ser seus para herdar dele. A monogamia surge como uma forma de escravização de um sexo pelo outro e foi um grande progresso histórico, mas, ao mesmo tempo, iniciou, junto à escravidão e as riquezas privadas. Em resumo, a monogamia nasceu da concentração de grandes riquezas nas mesmas mãos – as de um homem – e do desejo de transmitir essas riquezas, por herança, aos filhos deste homem, excluídos os filhos de qualquer outro.

III – A GENS IROQUESA. A gens iroquesa foi outro descobrimento de Morgan, pelo menos tão importante quanto à reconstituição da forma primitiva da família através dos sistemas de parentesco. Através dela Morgan demonstra que os grupos de consanguíneo, designados por nomes de animais, no seio de uma tribo de índios americanos, são essencialmente idênticos às genea dos gregos e às gentes dos romanos e que a forma americana é a forma original da gens, sendo a forma greco-romana uma forma posterior derivada. Como forma clássica dessa gens primitiva, Morgan toma a dos iroqueses e, em especial, a dos senekas, nessa tribo há oito gens e todas as gens têm os mesmos costumes.

Em numerosas tribos indígenas que compreendem mais de cinco ou seis gens, encontramos três, quatro ou mais gens reunidas em um grupo especial, a fratria. Estas fratrias representam quase sempre as gens primitivas em que se cindiu, no começo, a tribo. Assim como várias gens formam uma fratria, de igual modo, na forma clássica, várias fratrias constituem uma tribo.

A grande maioria dos índios americanos não foi além da união em tribos, em certas comarcas, no entanto, tribos aparentadas na origem e depois separadas ligaram-se em federações permanentes, dando assim o primeiro passo no sentido da formação de nações. Nos Estados Unidos, a forma mais desenvolvida de uma federação dessa natureza pode ser encontrada entre os iroqueses, a confederação iroquesa apresenta a organização social mais desenvolvida alcançada pelos índios antes de superar a fase inferior da barbárie Porém esta organização estava fadada a perecer. Não foi alem da tribo; a confederação de tribos já indica o principio da sua decadência. Os interesses mais vis – a baixa cobiça, a brutal avidez de prazeres, a sórdida avareza, o roubo egoísta da propriedade comum- inauguram a nova sociedade civilizada, a sociedade de classe. E a nova sociedade, através desses dois mil e quinhentos anos de sua existência, não tem sido senão o desenvolvimento de uma pequena minoria a expensas de uma grande maioria explorada e oprimida; e continua a sê-lo, hoje mais do que nunca.

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IV – A GENS GREGA. Estavam constituídos em séries orgânicas idênticas à dos americanos, mas a gens dos gregos já não é, de modo algum, a gens arcaica dos iroqueses. Tribos gregas também formaram pequenos povos. Na constituição grega da época heróica vemos ainda cheia de vigor a antiga civilização gentílica, mas já observamos igualmente o começo da sua decadência: o direito paterno, com herança dos haveres pelos filhos, facilitando a acumulação de riquezas na família e tornando esta contrário à gens, a diferenciação de riquezas, repercutindo sobre a constituição social pela formação dos primeiros rudimentos de uma nobreza hereditária e de uma monarquia, a escravidão, a principio restrita aos prisioneiros de guerra, desenvolvendo-se depois no sentido da escravização de membros da própria tribo e até da própria gens. A riqueza passa a ser valorizada e respeitada como bem supremo e as antigas instituições da gens são pervertidas para justificar a aquisição de riquezas pelo roubo e pela violência. Em ocorrência disto cria-se uma instituição, a princípio sem se perceber, que perpetua a nascente divisão da sociedade e também o direito de a classe possuída explorar a não-possuidora. Inventou-se o Estado.

V – GÊNESE DO ESTADO ATENIENSE. Com a criação do estado ateniense houve a transformação e substituição parcial dos órgãos da constituição gentílica pela introdução de novos órgãos, institui-se uma administração central em Atenas, parte dos assuntos que até então eram resolvidos independentemente pelas tribos foi declarada de interesse comum e transferida ao conselho geral. A segunda instituição dividiu o povo em três classes: os nobres, os agricultores e os artesões. A aparição da propriedade privada, dos rebanhos e dos objetos de luxo trouxe o comércio individual e a transformação dos produtos em mercadorias, com a produção de mercadorias, surgiu o cultivo individual da terra e, em seguida, a propriedade individual do solo, mais tarde veio o dinheiro, a mercadoria universal pela qual todas as demais podiam ser trocadas.

Mas os avanços continuaram e o conselho elevou-se até quatrocentos membros, então Solon dividiu novamente os cidadãos, em quatro classes, de acordo com sua propriedade territorial e a produção desta, a partir disto só podiam ocupar cargos públicos em geral os indivíduos das três primeiras classes, e os cargos mais importantes cabiam apenas aos indivíduos da primeira classe; a quarta classe não tinha senão o direito de usar da palavra para votar nas assembléias. Introduziu-se também um elemento novo na constituição: a propriedade privada, os direitos e os deveres dos cidadãos do Estado eram determinados de acordo com o total de terras que possuíam. Após a não satisfação com a divisão das quatro classes Clístenes fez uma revolução e elaborou uma nova constituição, onde ignorou as quatro velhas tribos e substitui-as pela divisão dos cidadãos de acordo com o local de residência, dividiam-se, então, não mais o povo, mas o território. O rápido desenvolvimento da riqueza, do comércio e da indústria prova como o Estado era adequado à nova condição social dos atenienses.

VI – A GENS E O ESTADO EM ROMA. A gens romana tinha a seguinte constituição: direito de herança recíproco entre os gentílicos; posse de um lugar coletivo para os mortos; solenidades religiosas em comum; obrigação de não casar dentro da gens; posse de terra em comum; obrigação dos membros da gens de se ajudarem mutuamente e de se socorrerem; direito de usar o nome gentílico; direito de adotar estranhos na gens; direito de eleger e depor o chefe.

Ninguém pertencia ao povo romano se não fosse membro de uma gens, entretanto a população da cidade de Roma e o território romano, acrescentado por conquista, foi crescendo, eram cidadãos pessoalmente, livres que podiam possuir terras, estavam obrigados a pagar impostos e sujeitos ao serviço militar, constituíam a pleble, a riqueza comercial e industrial, ainda pouco desenvolvida, pertencia a ela, em sua maior parte. Não se sabe como acabou a antiga constituição gentílica em Roma, só se sabe, ao certo, é que as causas estão ligadas aos conflitos entre plebe e os romanos considerados legítimos.

Fonte:http://br.web.img1.acsta.net/newsv7/15/03/26/19/24/311631.jpg

VII – A GENS ENTRE OS CELTAS E ENTRE OS GERMANOS. Os Celtas era um povo recém passado da fase média à fase superior da barbárie, dentro da gens dos Celtas a terra era propriedade comum, mas não continuou assim porque os ingleses a usurpara. Os celtas tinham as maiores facilidades para importar produtos da indústria romana, as tribos do nordeste, das margens do mar báltico, acabaram desenvolvendo indústria própria, metalúrgica e têxtil.

A gens dos germanos não estava estabelecida em povoados, e sim em grandes comunidades familiares que compreendia muitas gerações, cultivavam uma extensão de terra correspondente ao número dos seus membros, deixando incultas as terras que serviam de limites com as propriedades vizinhas. Sua grande riqueza era o gado, mas de qualidade inferior: os bois eram pequenos, de má aparência e sem chifres, e os cavalos era poneizinhos, maus corredores. A moeda, só existia a moeda romana e era escassa e de pouco uso. Não trabalhavam o ouro ou a prata, nem lhes davam valor. O ferro era raro e quase todo importado, pois não o extraiam eles mesmo.

VIII – A FORMAÇÃO DO ESTADO ENTRE OS GERMANOS. Deu-se devido à falência do estado romano, que decaiu em consequência da exploração dos seus súditos, que se viram empobrecido. Os grandes possuidores de terras se viram obrigados a dividi-las e arrenda-lás, possuir escravos não era mais algo viável, pois não havia mais lugar onde eles pudessem trabalhar por causa disso os povos germanos chegaram como salvadores e por terem livrado os romanos de seu próprio Estado os germanos lhes tomaram dois terços das terras e repartiram entre si. Os germanos conseguiram revivificar a Europa através de sua capacidade e valentia pessoal, seu amor a liberdade e seu instinto democrático, que via nos assuntos públicos um assunto de cada um.

IX- BARBÁRIE E CIVILIZAÇÃO. O ferro e o marco que leva a fase superior da barbárie e que torna possível a agricultura em grande escala e a preparação, para o cultivo, de grandes áreas de floresta. As condições econômicas gerais da fase superior da barbárie minaram a organização gentílica da sociedade, e acabaram por fazê-la desaparecer, com a entrada em cena da civilização. Os órgãos da constituição gentílica foram sendo arrancadas de suas raízes populares, raízes na gens, na fratria e na tribo, com o que todo o regime gentílico acabou por se transformar em seu contrario: de uma organização de tribos para a livre regulamentação de seus próprios assuntos, fez-se uma organização para o saque e a opressão dos vizinhos e correspondentemente, seus órgão deixaram de ser instrumentos de vontade do povo, convertendo-se em órgãos independentes, para dominar e oprimir seu próprio povo. Os comerciantes tornam-se a classe mais útil da sociedade, forma-se uma classe de aproveitadores que, em compensação por seus serviços, na realidade insignificante, retira a nata da produção, concentrando rapidamente em suas mãos riquezas enormes e adquirindo uma influencia social. De tudo que foi dito, infere-se, pois, que a civilização é o estagio de desenvolvimento da sociedade em que a divisão do trabalho, a troca ente indivíduos dela resultante, e a produção mercantil – que compreende uma e outra – atingem seu pleno desenvolvimento e ocasionam uma revolução em toda a sociedade anterior.

Fonte:http://oiluminismo.weebly.com/uploads/1/2/5/3/12530864/434866473.jpg

Conclusão

Há três formas principais de matrimônio que correspondem aproximadamente aos três estágios fundamentais da evolução humana. Ao estado selvagem corresponde o matrimônio por grupos, à barbárie, o matrimônio sindiásmico, e à civilização corresponde à monogamia. Intercalam-se, na fase superior da barbárie, a sujeição aos homens das mulheres escravas e a poligamia. A cada forma de matrimônio se tem uma evolução na estrutura da família e na sua representação, que no princípio estava na forma matriarcal e seguindo os interesses dos homens passa a ser patriarcal. A propriedade privada surge dos novos interesses que são trazidos devido à nova estrutura da família e essas propriedades privadas dão base para o surgimento do Estado, que se erigiu sobre as ruínas da gens. O Estado nasce direta e fundamentalmente dos antagonismos de classes que se desenvolviam no seio mesmo da sociedade gentílica, desta forma e possível observa-se que o Estado é um produto da sociedade, quando a mesma chega a um determinado grau de desenvolvimento.

REFERÊNCIA:

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: BestBolso, 2014.

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