Sexualidade e repressão em: “Kinsey – Vamos Falar de Sexo”

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O que você realmente sabe sobre sexualidade? Ou melhor, o que você acha que sabe? Kinsey – Vamos Falar de Sexo (2004), dirigido por Bill Condon, traz a história de Alfred Kinsey, um biólogo que teve a ousadia de levar o estudo da sexualidade para um nível científico – e, claro, despertou muita polêmica no caminho.

Na década de 1940, o sexo era um tema cercado de silêncio e moralismo. Mas Kinsey queria entender o assunto sem filtros religiosos ou sociais. Seu livro Sexual Behavior in the Human Male, publicado em 1948, coletou relatos de milhares de homens sobre seus desejos, experiências e comportamentos sexuais. O resultado? Um verdadeiro terremoto cultural. Pela primeira vez, alguém estava dizendo, com base em dados, que o que as pessoas faziam em suas intimidades era muito mais diverso do que a sociedade admitia.

Mas é aí que entra o problema. A sociedade da época não estava pronta para encarar essa realidade. O choque foi enorme. O estudo foi acusado de ser imoral, perigoso e até destrutivo. O filme captura bem esse embate entre ciência e repressão, mostrando como o medo do desconhecido pode gerar resistência, mesmo diante de fatos concretos.

O filme levanta uma questão fundamental: o impacto da falta de educação sexual. Quando o sexo é tratado como tabu, o que sobra? Culpa, medo e um monte de sofrimento desnecessário. Muitas das pessoas entrevistadas por Kinsey carregavam segredos, achando que eram as únicas a sentir ou desejar certas coisas. Mas não eram. E essa solidão imposta pela repressão social é algo que ecoa até hoje.

Esse sofrimento, em muitos casos, é muito mais psicológico do que físico. Na psicologia, sabemos que os tabus e a repressão sexual podem criar um ambiente emocional tóxico, onde as pessoas internalizam culpa e vergonha. Isso afeta a autoestima, as relações interpessoais e, muitas vezes, causa um conflito interno que pode perdurar por anos. Quando não temos espaço para discutir abertamente sobre sexualidade, acabamos criando um ciclo de angústia, em que a pessoa se sente inadequada ou anormal por simplesmente ser humana.

Fonte: Kinsey – Vamos Falar de Sexo Direção: Bill Condon

Claro, nem tudo foi positivo no trabalho de Kinsey. Algumas entrevistas foram vistas como invasivas e seu estudo abordou temas considerados escandalosos na época, como a homossexualidade e o sadomasoquismo. Isso levanta um debate interessante sobre ética na pesquisa: até onde a ciência pode ir para entender a sexualidade humana? E, no campo da psicologia, essa questão ética se torna ainda mais complexa, já que o comportamento humano é profundo, multifacetado e, muitas vezes, envolto em emoções e traumas difíceis de desvendar sem causar algum impacto.

Kinsey – Vamos Falar de Sexo não é só um filme sobre um cientista, mas um espelho para a sociedade. Ele nos faz questionar: será que evoluímos tanto assim? Ou só aprendemos a mascarar certos tabus? Há vergonha, desinformação e repressão quando falamos de sexo. A psicologia, mais do que nunca, desempenha um papel crucial nesse processo de desconstrução dos tabus, ajudando as pessoas a entenderem seus desejos, a se libertarem de culpas e a buscarem uma sexualidade mais saudável e livre de preconceitos. E talvez seja por isso que a pesquisa de Kinsey continue tão relevante. Ela nos lembra da importância de falarmos abertamente sobre nossa sexualidade, sem medo, sem culpa, e de como isso é essencial para nosso bem-estar psicológico.

Fonte: Kinsey – Vamos Falar de Sexo Direção: Bill Condon

 

   Ficha Técnica

Título Original: Kinsey

Título em Português: Kinsey – Vamos Falar de Sexo

Direção: Bill Condon

Produção: Aflred Kinsey

Elenco: Liam Neeson (Alfred Kinsey), Laura Linney (Clara McMillen), Peter Sarsgaard (Clyde Martin), Timothy Hutton (Wardell Pomeroy), Chris O’Donnell (Harry Benjamin), John Lithgow (Dr. A.H. Vollmer), Diana Scarwid (Alma Kinsey), William Sadler (Dr. Mitchell), Bob Balaban (The Curator).

Gênero: Biografia, Drama

Duração: 118 minutos

Ano de Lançamento: 2004

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A Jornada de Individuação em “Boa Sorte, Leo Grande”

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O filme Boa Sorte, Leo Grande (2022), dirigido por Sophie Hyde, apresenta um encontro transformador entre Nancy Stokes, uma professora de religião aposentada que nunca experimentou prazer sexual pleno, e Leo Grande, um jovem garoto de programa que a acompanha nessa jornada de descoberta. O longa aborda, de forma sensível e profunda, questões como a sexualidade feminina madura, repressão, tabus e a busca pelo autoconhecimento. A relação entre os dois personagens pode ser interpretada sob a ótica da psicologia junguiana, especialmente no que se refere à jornada de individuação.

Nancy, ao contratar os serviços de Leo, inicia um processo de confronto com suas sombras, conceito central para Carl Gustav Jung. A sombra representa os aspectos reprimidos da psique, muitas vezes influenciados por convenções sociais, educação rígida e padrões morais internalizados. A personagem, que viveu uma vida de repressão e culpa, passa a se confrontar com seus desejos e frustrações, permitindo-se uma nova experiência de integração psíquica. O corpo, até então um território reprimido, torna-se um espaço de descoberta e reconciliação consigo mesma.

Por outro lado, Leo, apesar de sua aparente segurança e controle sobre a situação, também é atravessado pela relação com Nancy. Seu personagem carrega uma persona, outra noção junguiana fundamental, que é a máscara social que usamos para nos adequarmos ao mundo. Ao longo do filme, sua fachada de jovem confiante e bem-resolvido se desfaz aos poucos, revelando suas vulnerabilidades e um passado marcado por feridas emocionais. Nancy, ao enxergar além da persona de Leo, o coloca diante de suas próprias questões internas, promovendo um encontro genuíno entre dois seres humanos que se despem não apenas fisicamente, mas emocionalmente.

Cena do filme “Boa Sorte, Leo Grande”, direção Sophie Hyde.

A conexão entre os dois permite que Leo confronte sua própria sombra, trazendo à tona sua história familiar conturbada e o peso do julgamento social sobre sua profissão. Ao longo da trama, fica evidente que ele também carrega inseguranças e traumas não resolvidos, muitas vezes escondidos sob sua atitude profissional. O contato com Nancy o faz questionar a própria identidade e os significados que atribui ao seu trabalho, além de desvelar sua necessidade de aceitação e validação. Esse encontro inesperado, portanto, não apenas auxilia Nancy em sua individuação, mas também impulsiona Leo a olhar para dentro e buscar sua própria autenticidade.

A dinâmica entre Nancy e Leo ilustra a necessidade de integrar os aspectos renegados da psique para alcançar um estado mais pleno de autenticidade e autonomia. O filme, assim, não apenas discute a sexualidade da mulher madura, mas também a importância do reconhecimento e da aceitação das próprias sombras para a jornada de individuação. Boa Sorte, Leo Grande convida o espectador a refletir sobre como o encontro com o outro pode ser um espelho para o autoconhecimento, um tema central na obra de Jung.

Ficha Técnica

Título original: Good Luck to You, Leo Grande (2023)

Direção: Sophie Hyde

Gênero: Comédia dramática

Duração: 100 minutos

Elenco: Emma Thompson, Daryl McCormack, Isabella Laughland

Produção: Debbie Gray, Adrian Politowski, Julian Gleek, Mark Gooder, Nadia Khamlichi, Martin Metz, Alison Thompson

Distribuição: Paris Filmes

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Patriarcado e Sexualidade na Meia Idade: Os Conflitos de Gênero Femininos

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A meia idade para as mulheres é frequentemente marcada por uma complexa interação de expectativas sociais e pressões culturais, moldadas por um sistema patriarcal que historicamente as inibe e estereotipa. Nessa fase da vida, as mulheres enfrentam desafios únicos em seus relacionamentos, onde os interesses em comum podem se chocar com as normas de gênero internalizadas. A busca por harmonia e satisfação mútua, seja em viagens, culinária, educação dos filhos ou expressão da fé muitas vezes é ofuscada por conflitos que refletem as desigualdades de gênero arraigadas em nossa sociedade. Neste texto, vamos explorar como essas dinâmicas afetam especificamente as mulheres de meia idade, focando na queixa recorrente da discrepância entre o interesse e a frequência sexual. Embora a pesquisa sobre a saúde mental feminina sob a perspectiva de gênero ainda seja incipiente, estudos já apontam a importância de analisar como a experiência do sofrimento psíquico é construída socialmente, especialmente para mulheres que vivenciam as transformações da meia idade (Zanello; Silva, 2012; Santos, 2009; Andrade, 2014). Vamos destacar algumas das facetas que distanciam mulheres e homens, em algo que deveria ser de interesse mútuo: a sexualidade.

No que tange às mulheres de meia idade, em nossa cultura, a imagem se confunde com a da beleza, marcada sobretudo por um modelo lipofóbico (Novaes, 2006). Veicula-se a noção de que esse padrão ideal é acessível a todas as mulheres e que, portanto, aquela que não se encontra dentro dele é julgada por um crivo moral, considerada inferior, “menos mulher”: “Ela pode ser bonita, deve ser bonita, do contrário não será totalmente mulher” (Novaes, 2006; p. 85). Esse ideal de beleza necessita ser destacado. Geralmente, ele é marcado por uma ruptura em relação ao ideal estético no qual a mulher já se encaixou em algum momento e já foi desejada. O sofrimento ocorre quando a mulher deixa de atender a esse ideal, porque de certa maneira revela um lugar que ela não mais ocupa: a posição de ser valorizada pelo olhar do outro, e o quanto não ocupar mais este lugar a faz sofrer.

À respeito da renúncia sexual e dos traços de caráter relacionais, a ideia de “verdadeira mulher” é perpassada pelo valor da contenção/recato da sexualidade e o exercício de cuidados (amor) ao outro (Bordo, 1997; Perrot, 2003; Swain, 2006; Zanello; Romero, 2012) expressos no desempenho dos papéis de esposa, dona de casa e, principalmente, mãe (Swain, 2011). A esfera que cabe à mulher é a da família, onde o ideal de existência que encontra é o viver para os outros, se sacrificar, viver no esquecimento de si por amor ao outro. Estar fora deste espaço não é somente considerado uma violação social, mas é visto como uma “desnaturalização”. Nas fendas do dispositivo da sexualidade, as mulheres são “diferentes”, isto é, sua construção em prática e representações sociais sofre a interferência de um outro dispositivo: o amoroso. O amor está para as mulheres o que o sexo está para os homens: necessidade, razão de viver, razão de ser, fundamento identitário (Swain, 2006, online). 

Fonte: https://shre.ink/e43g

Em consequência de tanta repressão em conformidade com os valores de nossa sociedade patriarcal que subjuga o corpo da mulher ao status de objeto do homem, o sexo foi apontado como sinônimo de cumprir deveres matrimoniais e como valor simbólico de troca para conseguir algo sobre o poder dos homens. Como salienta Zanello (2014b), a conformidade naturalizou e legitimou a coerção sexual em nossa cultura, de modo a invisibilizar seu caráter de violência. A autora destaca que a vivência do sexo no casamento pela mulher se dá, muitas vezes, como débito conjugal, no qual a mulher experimenta sentimentos antagônicos de servidão e repulsa, se auto violentando, numa lógica onde o dispositivo amoroso se faz imperativo.   

Outra categoria evidente que distancia homens e mulheres é o desprezo masculino pela dialética, ignorando o pensar da mulher. Essa passa a procurar a posição de silenciamento. A socialização feminina privilegia este lugar de silêncio (Perrot, 2003; Garcia, 1995), no qual a mulher deve estar atenta e tomar cuidado com o que diz e a maneira como age, mostrando-se recatada, polida, contida e calada. O silêncio apareceu como: 1) mecanismo de defesa, a fim de evitar brigas; 2) religião como forma de apaziguamento e silenciamento – função domesticadora; e, por fim, 3) condição de existência e consequente caminho privilegiado de adoecimento – depressão.  

Segundo a autora, a ausência de alternativas e de dialética para o “ser mulher” aprisiona sua vida “num estado de impotência lamuriosa” (Garcia, 1995), no qual a única saída encontrada pelas mulheres à restrição de sua existência é mergulhar em uma profunda depressão. Essa nos diz respeito da autoanulação das expressões de toda uma vida, inclusive sexual. Assim, simultaneamente essa mulher objetificada vive uma vida de conformismo, violência e silenciamento, como evidencia a singularidade de gênero na nossa cultura em pleno século XXI: para as mulheres, é permitido o desejo sexual, desde que este seja chancelado por um casamento, e o sexo vivenciado fora da instituição do matrimônio é visto como algo desmoralizante.

Essa mesma mulher que desde muito cedo foi reprimida a não pensar e desejar o ato sexual, agora sofre forte pressão para ter energia psíquica para o ato sexual.

Parece um tanto antagônico que a sociedade ainda não tenha se dado conta de tamanha discrepância, enquanto para os homens o ideal hegemônico de masculinidade em nossa cultura é marcado pela virilidade sexual (Welzer-Lang, 2004; Zanello; Gomes, 2010), que se firma e é validada mediante a fabricação/demonstração de uma excelência de desempenho (Badinter, 1992; Azize; Araújo, 2003), enquanto as mulheres que apresentam atitudes de autonomia e posicionamento ainda hoje sofrem julgamentos de mulher adiantada ou transtornada.  

Em suma, as mulheres de meia idade se encontram em uma encruzilhada complexa, onde as expectativas sociais e as pressões culturais moldam sua experiência sexual e seu bem-estar psíquico. A discrepância entre a permissão condicionada do desejo sexual feminino e a valorização da virilidade masculina perpetua desigualdades e sofrimento. Romper com esses padrões exige uma reflexão crítica sobre as construções de gênero e um esforço coletivo para promover relações mais equitativas e saudáveis, reconhecendo e valorizando a singularidade e a autonomia das mulheres de meia idade.

Referências:

Saúde mental e gênero: facetas gendradas do sofrimento psíquico Valeska Zanello, H Gabriela Fiuza, Humberto Soares Costa Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil

Fractal: Revista de Psicologia, v. 27, n. 3, p. 238-246, set.-dez. 2015. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1483

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Sexualidade do Sujeito Autista

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A sexualidade, um aspecto intrínseco à experiência humana, é uma dimensão complexa e multifacetada que permeia a vida de cada indivíduo. A expressão da sexualidade vai muito além do simples ato sexual, abrangendo um amplo espectro de emoções, identidades, relacionamentos e experiências. Ao longo da história, as sociedades têm moldado e redefinido concepções sobre a sexualidade, influenciadas por fatores culturais, religiosos e sociais. Neste texto, busca-se esta dimensão de sexualidade: um direito humano universal, abrangendo, inclusive, pessoas com que fogem do que a sociedade ou o DSM 5, classificam como “normal”.  Neste contexto, entendemos que as pessoas com Transtorno de Espectro Autistas são totalmente dotadas de capacidades de se relacionar afetivo/sexualmente.

De acordo com o DSM 5, o Transtorno do Espectro Autista – TEA, é caracterizado por déficits persistentes na comunicação e na interação social em vários contextos, juntamente com padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Esses sintomas devem estar presentes na primeira infância, embora possam não se manifestar completamente até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas. Isso pode envolver dificuldades na reciprocidade socioemocional, na comunicação não verbal e no desenvolvimento e manutenção de relacionamentos. Além disso, o TEA apresenta-se por padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Esses padrões podem se manifestar de várias maneiras, como estereotipias motoras, insistência na mesmice, interesses fixos e intensos em determinados temas, e hipersensibilidade ou hipossensibilidade sensorial a estímulos do ambiente. (DSM 5, 2014)

As dificuldades de comunicação e nas relações interpessoais apresentam uma ampla variação, podendo incluir desde um simples atraso na linguagem até a completa ausência de fala. Mesmo nos casos em que a habilidade verbal é preservada, observam-se desafios no uso da linguagem para comunicação efetiva. Por outro lado, a dificuldade na linguagem não verbal pode se manifestar por meio da redução ou ausência de contato visual, gestos e outras formas de comunicação não verbal.

Durante muito tempo se imaginou que o sujeito TEA não era capaz de se relacionar afetivo/sexualmente, uma vez que o transtorno afeta a comunicação e as relações interpessoais. No entanto, cada vez mais observa-se que a sexualidade não se limita à pessoas que seguem padrões sociais de normalidade. É certo que indivíduos TEA possuem dificuldades e necessitam de adaptações para se relacionar e a exploração da sexualidade desses indivíduos é um campo complexo que demanda um olhar sensível e adaptado, pois observamos que, a sexualidade das pessoas afetadas por TEA é reconhecida, embora com algumas limitações. Este parece ser um padrão geral na compreensão da sexualidade de indivíduos com deficiências ou necessidades especiais.

O início das pesquisas sobre sexualidade em indivíduos com autismo remonta a uma década após a inclusão do diagnóstico de autismo infantil no DSM-3, em 1980. Nesse período, as publicações frequentemente perpetuavam a ideia de que as pessoas com autismo eram consideradas inaptas, desinteressadas e inadequadas para receber educação sexual e manter relacionamentos românticos. Poucas abordam histórias de sucesso no campo da sexualidade e dos relacionamentos, com uma ênfase maior nos comportamentos sexuais considerados inapropriados. Vale ressaltar que essas publicações iniciais eram baseadas principalmente em relatos de pais e cuidadores, em vez de depoimentos diretos de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista – TEA.(MALEBRA, 2020)

O tema da sexualidade em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista – TEA, é frequentemente considerado um tabu para a sociedade e, sobretudo, para as famílias. Os pais, normalmente enfrentam dificuldades para lidar com a sexualidade de seus filhos de modo geral, muitas vezes descrevendo essa fase como desafiadora, em se tratando de indivíduos com TEA os tabus e dificuldades são um desafio a mais. Há temores relacionados à falta de habilidades sociais, preocupações sobre a possibilidade de seus filhos se tornarem vítimas ou autores de abusos sexuais.

A necessidade da socialização e a interação desempenham papéis preponderantes nesse processo, orientando o acesso e a vivência da sexualidade. Assim, as dificuldades no desenvolvimento ou estabelecimento das interações sociais, como ocorre nos TEA, têm o potencial de influenciar e prejudicar o desenvolvimento e a vivência da sexualidade.

Dessa forma, quando a sexualidade das pessoas com TEA é reconhecida, espera-se que ela se manifeste de maneira privativa e nominal, predominantemente por meio da masturbação individual. Isso implica que as expressões sexuais não devem se manifestar de forma inadequada, como toques genitais em locais públicos ou em situações inapropriadas, bem como o uso de palavras e gestos obscenos.

Nesse contexto, é crucial não negligenciar três preceitos fundamentais. Em primeiro lugar, o amplo domínio da sexualidade humana se manifesta de maneira variada em diferentes épocas, sociedades, civilizações e na trajetória histórica. Em segundo lugar, a sexualidade biológica não é tão inata quanto pode parecer, uma vez que, para os seres humanos, está sujeita à influência dos laços sociais, da cultura, dos registros de vida e morte, levando a linguagem a se desvincular das coordenadas naturais, conforme diversas epistemes destacam. Para a psicanálise, a anatomia não determina um destino, e a escolha sexual é encarada como uma decisão subjetiva para cada indivíduo. Em terceiro lugar, o sexo é um ato de expressão.

A sexualidade, por sua vez, abrange um vasto campo nas relações humanas, envolvendo dimensões biológicas, sociais, históricas, éticas, culturais, políticas e subjetivas. Este tema apresenta um desafio central, pois, ao contrário dos animais, para os quais um programa instintivo segue as leis naturais, a sexualidade humana necessita dos registros imaginário, simbólico e real para se concretizar. Essa concretização é marcada por mal-entendidos, pela falta, por desejos insatisfeitos e impossíveis, pelo gozo desmedido e excessivo, e pela discordância entre o conhecimento e a existência.

Questões culturais desempenham um papel significativo nas relações entre pais e filhos, contribuindo para que a sexualidade seja encarada como um tabu, o que representa um obstáculo considerável dada a relevância do tema. O silêncio em torno da sexualidade no ambiente familiar pode levar à desinformação e ao fortalecimento de concepções equivocadas sobre sexo, gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. Neste contexto, se torna cada vez mais relevante e importante a educação sexual não apenas para os adolescentes, mas também para os pais, concentrando-se em desmistificar mitos, superar tabus e abordar crenças que podem influenciar essas relações, resultando em comportamentos de risco.

                                                                                                           Fonte: pexels.com.br

Considerando a família como uma teia de relações, afetos, sentimentos, ações e experiências transmitidas por meio da socialização, as representações e práticas relacionadas à sexualidade de uma geração têm impacto nas gerações seguintes. Assim, a família pode ser vista como uma instituição de significativa importância para orientar os relacionamentos pessoais e sociais. Especificamente no caso de famílias que têm membros com necessidades especiais, destacam-se as dificuldades enfrentadas ao lidar com a sexualidade. A dinâmica de relacionamentos e afetos dessas famílias é afetada quando um de seus integrantes apresenta alguma doença, transtorno ou disfuncionalidade. Em situações de doença, transtorno ou disfuncionalidade, as famílias geralmente interrompem suas atividades sociais habituais para que o indivíduo afetado possa se adaptar às especificidades impostas pela condição.

É fundamental adotar uma perspectiva familiar ao analisar o desenvolvimento, evitando separar o adolescente do contexto familiar que o envolve. O mito de que as pessoas com autismo seriam assexuadas está gradativamente sendo substituído pela percepção de que a maioria delas possui interesse em relacionamentos amorosos e experiências sexuais com parceiros. No entanto, a sexualidade desses indivíduos ainda é um tabu entre seus familiares, que muitas vezes mantêm a expectativa de que sejam assexuados ou que seus impulsos sexuais sejam controlados e domesticados. Essa abordagem infantilizada pode levar à percepção errônea e prejudicial de que são dependentes em aspectos relacionados à sexualidade.

Dificuldades na tomada de decisões, falta de flexibilidade, sensibilidade sensorial e desregulação emocional são obstáculos adicionais que dificultam as tentativas desses indivíduos de estabelecerem relacionamentos românticos. Além disso, as rotinas, que desempenham um papel crucial na vida dessas pessoas, podem ser desafiadoras de serem mantidas quando estão acompanhadas de outra pessoa. A inflexibilidade pode dificultar a adaptação às necessidades do parceiro, resultando em dificuldades de comunicação e compreensão das expectativas do relacionamento.

Além disso, os indivíduos afetados pelo transtorno do espectro autista (TEA) frequentemente apresentam interesses restritos e comportamentos repetitivos. Esses comportamentos incluem ações como o ato de balançar as mãos, a repetição constante de palavras ou frases, e a adesão a rituais e comportamentos rotineiros. Essas características constituem elementos distintivos do TEA, contribuindo para a complexidade desse transtorno.

Por outro lado, a gama de vivências nesse contexto é ampla, pois os indivíduos no espectro autista podem apresentar uma diversidade de desafios em habilidades sociais. Entender a sexualidade em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) exige uma compreensão das complexidades relacionadas às interações sociais, comunicação e regulação sensorial que caracterizam essa condição. Enquanto alguns no espectro podem enfrentar dificuldades na expressão e compreensão da sexualidade, outros podem desenvolver interesses específicos e expressar formas únicas de afetividade.

Referências:

MALERBA, V. de B. Sexualidade no Transtorno do Espectro Autista: perspectivas do adolescente, de sua mãe e de seu pai.  (dissertação de mestrado.) Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, 2020. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/59/59141/tde-08022021-192641/publico/Resumida_Victor_de_Barros_Malerba.pdf Acesso em: 20/11/2023.

Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

MELO, L. M. L. Autismo e Sexualidade. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 25, n. 3, p. 1263-1273, dez. 2019. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v25n3/v25n3a20.pdf. Acesso em: 20/11/2023

TILIO, R. de. Transtornos do Espectro Autista e sexualidade: um relato de caso na perspectiva do cuidador. Psicología, Conocimiento y Sociedad 7(1) 36-58, (mayo 2017–octubre 2017) Trabajos originales ISSN: 1688-7026. Disponível em: http://www.scielo.edu.uy/pdf/pcs/v7n1/1688-7026-pcs-7-01-00036.pdf. Acesso em: 19/11/2023

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“Tomboy” levanta implicações sobre normas de gênero

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A sexualidade é um aspecto fundamental da experiência humana, que envolve não apenas os aspectos físicos e biológicos, mas também os sociais, culturais e psicológicos. Ela é uma parte intrínseca da identidade de cada indivíduo e desempenha um papel significativo em suas relações interpessoais e na forma como as sociedades são estruturadas.

A sexualidade abrange uma ampla gama de questões, desde a atração sexual, o desejo e a intimidade até a orientação sexual, identidade de gênero e a expressão da sexualidade. Além disso, a sexualidade é influenciada por fatores como valores culturais, religião, educação e experiências pessoais.

Nas últimas décadas, houve uma maior conscientização e aceitação da diversidade sexual e de gênero, levando a discussões mais abertas e progressistas sobre sexualidade em todo o mundo. Isso tem promovido o diálogo sobre questões como igualdade de direitos, educação sexual e a importância do consentimento, contribuindo para uma compreensão mais ampla e respeitosa da sexualidade em todas as suas formas.

Nesta introdução, exploraremos mais a fundo os diferentes aspectos da sexualidade, sua evolução ao longo do tempo e seu impacto na sociedade contemporânea analisando a parti da perspectiva do filme Tomboy (Céline, Sciamma, 2012)

Ao estudar a história do sexo, e mesmo a história do comportamento sexual, descobrimos uma cena estranha: quão repetitiva, para não dizer monótona, tem sido essa história (Gregersen, 1983). Com exceção de certas formas de perversão, encontramos as mesmas expressões sexuais e as chamadas “identidades sexuais” em todas as culturas. A cultura ocidental tende a patologizar, chamando de “desvio” as subjetividades que se desviam dos padrões socialmente construídos – perversões, travestis, transexuais, bissexuais e, até algumas décadas atrás, a homossexualidade – entre todos os grupos podem ser observadas. Humanos, incluindo outras espécies animais (Bagemihl, 1999). A interpretação, justificação, aceitação e/ou condenação da expressão sexual responde à visão da cultura relevante sobre a sexualidade, particularmente a forma como ela é representada nos mitos de origem (CECCARELLI, 2012).

Além disso, a forma como os diferentes grupos humanos lidam com a expressão do comportamento sexual está basicamente relacionada a dois movimentos que afetam diferentes áreas psicológicas e são, na maioria dos casos, considerados da mesma ordem: a repressão sexual e a repressão da sexualidade. O primeiro movimento, a repressão, envolve a desordem do incesto, que nos obriga a abandonar o nosso primeiro objeto sexual: “as exigências culturais da sociedade” (Freud, 1905/1976a, 232). A repressão existe em todas as culturas e é uma condição inegociável da sua existência. É o movimento que distingue e organiza os seres humanos.

A repressão da sexualidade está profundamente relacionada com a moralidade sexual e com o sistema de valores que sustenta o imaginário social que sustenta a moralidade atual:

A infância nem sempre é vista como uma etapa importante da vida para a construção subjetiva e a formação da identidade. Durante muitos séculos podemos perceber a natureza não representacional dos espaços cognitivos das crianças, uma vez que foram tratadas ao longo da história como adultos em miniatura, sem distinções entre eles em termos de cognição, identidade e subjetividade. Segundo Ariès (2011), a infância é um conceito social historicamente construído e com raízes europeias. O autor acredita que este conceito ocidental revela as peculiaridades das crianças, distinguindo as suas características dos adultos. Durante a infância, será formado um autoconceito, uma compreensão da separação entre o próprio corpo e os corpos dos outros e uma introjeção das relações culturais, sociais e linguísticas no ambiente. Afastando-se de uma visão do corpo como entidade biológica universal e, por outro lado, aproximando-se de uma visão pós-estruturalista em que o corpo é visto como uma estrutura social, histórica e linguística que gera e é afetada por diversas relações.

                                                                                                                             Fonte: adorocinema.com

 O poder (MEYER, 2004) pode ver as relações e representações de gênero como determinantes estruturais e não biológicos. Desde o momento em que nascemos, estamos enredados numa relação de discursos normativos, em que as interpretações sobre o que devemos fazer com os nossos corpos e desejos pairam em perspectivas naturalistas ou mesmo divinas. Uma criança recebe ao nascer um nome que a rotula como mulher ou homem com base em seu sexo biológico. Para as meninas, são adquiridos vestidos, bonecas e itens rosa. Perfeito para meninos, carros, bonecos e tudo que é azul. As meninas têm que gostar dos meninos; e estes, para as meninas. Mas e quando as coisas não vão tão bem?

O filme Tomboy (2011) levanta implicações sobre normas de género e apresenta-se como uma importante ferramenta para pensar e estudar as representações de género, evitando questões sobre o que significa identificar-se como menino ou menina. e naturalmente. O termo “moleca” é um termo norte-americano usado para se referir a meninas que se vestem e se comportam de maneira consistente com as expectativas tradicionais dos meninos (PAULINO, NUNES, & CASTANHEIRA, 2013).

                                                                                                                        Fonte: adorocinema.com

Segundo o autor do filme, esta obra trata de indagações e implicações a respeito das questões normativas sobre gênero e se apresenta como um significativo (DOCKHAN, 2011,), tendo como protagonista Raul, uma menina de dez anos, revelando-se ao público. O espectador é mostrado vestindo roupas tipicamente masculinas e cabelos curtos, o que a leva a ser identificada como um menino com base nas intersecções culturais, sociais e linguísticas em torno de questões de gênero.

Segundo Meyer (2004), representação de gênero significa as formas como são representados os processos de construção social, histórica e linguística envolvidos na diferenciação entre meninas e homens, nos quais os efeitos das relações de poder são desencadeados e sofridos. Os corpos deles. Assim, tomamos como aspecto principal do filme Tomboy (2011) as relações entre meninos e meninas, dentro desse cosmo de representações de gênero, o encontro com o corpo em mudança e/ou o desejo por essas mudanças. Este trabalho não pretende apresentar filmes num quadro literário. Mas apenas para colocar essa literatura em conversa com as muitas possibilidades que o cine estimula em nós.

A obra começa com a mudança de Raul e sua família para um bairro do subúrbio francês, com novos vizinhos, uma nova escola, nossos amigos e novas oportunidades/possibilidades, trazendo consigo a ideia de instabilidade/mudança de vida. Nessa cena, o filme continua mostrando Raul conhecendo sua vizinha Lisa. Por suas roupas tipicamente masculinas e cabelos curtos, Raul é identificado como menino pela personagem Lisa. A protagonista parece aproveitar esse espaço, consegue caminhar entre os dois gêneros e, ao ser questionada sobre seu nome, se identifica como Michael.

                                                                                                                         Fonte: adorocinema.com

Por suas roupas tipicamente masculinas e cabelos curtos, Raul é identificado como menino pela personagem Lisa. A protagonista parece aproveitar esse espaço, consegue caminhar entre os dois gêneros e, ao ser questionada sobre seu nome, se identifica como Michael.

Para Louro (1997), género refere-se à forma como as diferenças de género são vistas e compreendidas numa determinada sociedade, num determinado grupo social ou num determinado contexto, ou seja, não são as diferenças biológicas de sexo que definem as questões de género, mas sim as diferenças de género. Como essas questões se manifestam na cultura. O trecho da cena explica a conversa acima com a literatura apresentada, enquanto Raul/Michael tenta recriar o comportamento masculino culturalmente aceito para ser considerado o verdadeiro gênero masculino dentro de seu grupo.

A infância é uma fase repleta de descobertas e questionamentos e é a partir disso que Tomboy (2011) nos faz refletir sobre a representação do gênero e seu significado na vida social. Raul/Michael parece estar em um período de tolerância para ambos os tipos e se sente à vontade para fazê-lo.

Além disso, seus pais estavam dispostos a aceitar sua preferência por itens masculinos em detrimento de itens femininos, embora não apoiassem o fato de ela agir e se considerar um menino. O filme mostra-nos uma criança que expressa representações de género diferentes das representações de género normalizadas pela sociedade porque as suas roupas e cabelos são tipicamente masculinos e por vezes o seu comportamento é masculino. Diante dessa vontade de se vestir como menino e agir como menino, a protagonista levanta questões sobre sua identidade e representação de gênero. Antes de chegar à conclusão, o filme Tomboy levanta algumas questões. Da sua própria conclusão cinematográfica (que não permite ao espectador identificar Raul) às suas implicações teóricas sobre este universo, é um estudo de género, construção de identidade, condições sexuais e possível existência legítima não categorial, sem género, incondicional. As vivências “Tomboy” estão sempre em reticências.

Ficha Técnica

Ficha técnica do filme: Tomboy

Atores Principais: Laure/ Michael; Jeanne; Lisa; La mere; Lé Pere

Direção / Ano. Céline Sciamma/2011

Gênero do Filme: Drama

Tipo de Linguagem: Não recomendado para menores de 14 anos

Grau de entendimento(Fácil / Médio / Difícil): Médio

Temas abordados: Aborda o assunto da sexualidade na pré-adolescência.

Enredo(Resumo do filme): Laure (Zoé Héran) é uma garota de 10 anos, que vive com os pais e a irmã caçula, Jeanne (Malonn Lévana). A família se mudou há pouco tempo e, com isso, não conhece os vizinhos. Um dia Laure resolve ir na rua e conhece Lisa (Jeanne Disson), que a confunde com um menino. Laure, que usa cabelo curto e gosta de vestir roupas masculinas, aceita a confusão e lhe diz que seu nome é Mickaël. A partir de então ela leva uma vida dupla, já que seus pais não sabem de sua falsa identidade. 

 

 

REFERÊNCIAS

ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

Bagemihl, B. (1999). Biological Exuberance: Animal Homosexuality and Natural Diversity. New York: St. Martin’s Press.

Ceccarelli, P. R. (2012). Mitologia e perversão. In S. Pastori, & R. Nicolau (Orgs.), Encontro transcultural: subjetividade e psicopatologia no mundo. globalizado São Paulo, SP: Escuta.

DOCKHAN, J. “Tomboy”: Interview avec Céline Sciamma. Allo Cine. Paris, França. 2011. Disponível em: http://www.allocine.fr/article/fichearticle_gen_carticle=18603428.html/. Acesso em: 23/04/2014.

Gregersen, E. (1983). Práticas sexuais: a história da sexualidade humana. São Paulo, SP: Roca.

LOURO, G. Gênero e magistério: identidade, história e representação. In: CATTANI, Denise et al. (Org.). Docência, memória e gênero. Estudos sobre formação. São Paulo: Escrituras, 1997.

MEYER, D. E. Teorias e políticas de gênero: fragmentos históricos e desafios atuais. Revista Brasileira de Enfermagem. Brasília – DF, 2004.

PAULINO, A. G., NUNES, A. R., & CASTANHEIRA, M. A. M. Cinema e gênero nas lentes de tomboy. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN2179-510X.

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Como a bifobia pode repercutir na saúde mental do adolescente

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A adolescência é uma fase crucial e especial no processo de desenvolvimento físico, psicológico e social do indivíduo. Ela é considerada uma transição entre a infância e a idade adulta e é caracterizada por intenso crescimento e mudanças que se manifesta por marcantes transformações anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais. É uma etapa na qual o indivíduo busca a identidade adulta, apoiando-se nas primeiras relações afetivas, já interiorizadas, que teve com seus familiares, ao observar a realidade que a sociedade lhe oferece.

É importante ressaltar que a identidade do adolescente ainda está em processo de construção. A identidade, segundo Erikson (1972), forma-se quando os jovens resolvem três questões importantes: a escolha de uma ocupação, a adoção de valores sob os quais vivem e o desenvolvimento de uma identidade sexual satisfatória. No entanto, a identidade sexual satisfatória é, às vezes, negligenciada pela família e pela sociedade que não aceita e nem acolhe a orientação sexual diferente daquela construída socialmente.

E quando o adolescente se apresenta como bissexual, surge um desafio ainda maior, porque, muitas vezes, enfrenta conflitos internos, especialmente as dificuldades familiares e sociais, quanto à aceitação de sua orientação sexual. Tal ponto pode traumatizar, adoecer e dificultar a transição do adolescente para a vida adulta.

Mas o que é a bifobia? É o ato de deslegitimar a sexualidade de alguém que é bissexual. É agredir verbalmente ou fisicamente por sua condição existencial de ser. É qualquer reação de ódio ou aversão contra a pessoa bissexual. É aquela pessoa que não sabe respeitar e acolher a orientação sexual de outrem.

Segundo alguns estudiosos, entre eles a sexóloga e psiquiatra, Dra. Carmita Abdo: a “sexualidade é o principal polo estruturante da personalidade e da identidade”. Dito isso, é oportuno diferenciar sexo de sexualidade. Ainda de acordo com a Dr. Carmita, sexo não necessariamente é atividade sexual, mas é libido. É a força que nos põe na cama e a energia que nos tira dela. A energia libidinal que nos faz ter interesse no sexo é a mesma que nos dá interesse pela vida. Tais referências são retiradas do livro “Sexualidade Humana e Seus Transtornos”.

Quando alguém age de forma desrespeitosa contra outra pessoa, em especial um adolescente, por causa de sua orientação sexual, como no caso em voga, os bissexuais, essa pessoa está corroborando com o adoecimento psíquico e ofuscando a identidade de daquele que está em processo de desenvolvimento psicossocial, trazendo consequências em sua autoestima, em sua autoconfiança. Em casos mais graves, tais atitudes desencadeiam depressão, ansiedade ou outros transtornos psiquiátricos, emocionais, psicológicos e até provocando o suicídio em alguém. Portanto, é grave o efeito do preconceito na vida de quem não enquadra nas crenças construídas culturalmente pela sociedade.

 E o que é o preconceito? É um pré-julgamento. Veja o prefixo “pré” que significa “antes de”. É um juízo de valor formulado de forma antecipada, baseando-se em estereótipos ou generalizações que podem resultar em atos de discriminação, agressões físicas ou verbais, psicológicas e emocionais. No caso em questão, a identidade do adolescente e sua personalidade também são afetadas por atitudes desrespeitosas. Há vários tipos de preconceitos em nossa sociedade como a condição social, nacionalidade ou de origem, orientação sexual, identidade de gênero, etnia, raça e sotaque.

A UNESCO em 2018 conceituou a sexualidade como uma dimensão do ser humano, incluindo: a compreensão do corpo e a relação com ele, além do apego emocional e amor, sexo, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, intimidade sexual, prazer e reprodução. Sua complexidade envolve dimensões de ordem biológica, social, psicológica, espiritual, religiosa, politica, legal, histórica, ética e cultural, que evoluem ao longo da vida. Por consequência, o adolescente em processo de desenvolvimento, ao se afastar de si, de sua essência, de um dos pilares de sua existência humana, dificilmente seguirá com a saúde mental saudável.

Na prática clínica, como estudante de psicologia, em período de estágio, escutei casos em que o pré-adolescente, de determinada idade, passou por fases confusas tentando se encaixar, pois a sociedade adulta exige que se escolha apenas um sexo. E depois passou a viver em um relacionamento hétero afetivo porque era o “certo”, mas com o tempo foi tendo clareza de sua orientação sexual homoafetiva, embora a família preferisse o seu envolvimento com o sexo oposto. Na escuta clínica, escutei, também, discursos de pacientes em que a família prefere o relacionamento afetivo com sexo oposto a se relacionar com alguém do mesmo sexo ou com ambos os sexos, no caso os bissexuais.

Acredita-se que a informação e a educação sejam uma forte “arma” para combater a bifobia ou qualquer outro tipo de preconceito. A educação sexual é algo que deveria ser incorporado na grade curricular das escolas e faculdades, tendo em vista que é um dos pilares da personalidade e na consolidação da identidade do ser humano em desenvolvimento. A educação sexual previne diversos abusos, educa a sociedade quanto à diversidade sexual e reforça a saúde mental, em especial daqueles que estão em desenvolvimento. O respeito é ensinado desde o núcleo familiar primário e repercute em todas as espera da sociedade, sendo a escola e a universidade complementares nessa tarefa de educar o ser humano.

A Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, estabelece que: “Art. 2º A criança e o adolescente gozam dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhes asseguradas a proteção integral e as oportunidades e facilidades para viver sem violência e preservar sua saúde física e mental e seu desenvolvimento moral, intelectual e social, e gozam de direitos específicos à sua condição de vítima ou testemunha. Art. 3º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, às quais o Estado, a família e a sociedade devem assegurar a fruição dos direitos fundamentais com absoluta prioridade”.

Portanto, o adolescente vive as mudanças e transformações que lhes são próprias da faixa etária, mas os bissexuais que, por vezes, não se encaixam dentro do que esperado pela sociedade ou pela família, passam por inúmeros sofrimentos ou prejuízos em todas as espera da vida. Assim, por preconceito social ou pela interpretação equivocada da família, que acreditam que a pessoa que se atrai por ambos os sexos é indecisa ou promíscua, estão potencializando os danos à saúde mental. Além dos fatores externos, alguns se recolhem em si, por vergonha ou até mesmo autopreconceito e não conseguem se expressar, de forma pública ou privada, a sua orientação sexual, necessitando assim, de auxílio especializado para tanto.

Referências:

Aspectos da sexualidade na adolescência – disponível em: .https://www.scielo.br/j/csc/a/frXq7n3jXMmhzSmJqRWPwnL/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 11 de outubro de 2023.

ERIKSON, Erik H. Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

PAPALIA, D. E. e FELDMAN, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano. Porto Alegre, Artmed, 12ª ed.

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A relevância da educação sexual na Educação Fundamental

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A educação sexual é um tópico de grande importância na sociedade contemporânea, pois aborda questões fundamentais relacionadas à saúde, relacionamentos e desenvolvimento pessoal. Explorar e entender como o tema é significativo na vida de crianças e adolescentes é de fundamental importância para o desenvolvimento completo do ser humano. Neste sentido, o EnCena se volta para a importância do tema educação sexual em escolas de educação básica no intuito de entender como profissionais de educação e população discente entendem e abordam o assunto. Para isso, entrevistamos a professora Keylla Cristina Arruda Farias, profissional de educação da rede pública do Tocantins com 19 anos de experiência para falar sobre o assunto.

 

(En)Cena:  Faça uma apresentação pessoal enfatizando sua formação e campo de estudos.

Keylla Cristina: Me chamo Keylla Cristina Arruda Farias, sou professora efetiva pela Secretaria Municipal da Educação há 19 anos, possuo graduação em Pedagogia, pela Universidade Federal do Tocantins, sou especialista em Docência Para Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, sou mestre em Letras pela Universidade Federal do Tocantins, cujo projeto de pesquisa tem como tema Diversidade sexual e Equidade de Gênero na Perspectiva Escolar: Documento Curricular e Práticas Discursivas. Atualmente, atuo com educadora na Escola de Tempo Integral Professor Fidêncio Bogo, que intervém com um projeto agroecológico desenvolvido pela unidade escolar, no distrito de Taquaruçu Grande.

(En)Cena: A escola e os professores compreendem a sexualidade e o gênero?

Keylla Cristina: Esta pergunta é basicamente o problema nevrálgico da minha pesquisa.

Para que o professor tenha domínio de entendimento sobre as temáticas de gênero e sexualidade no ambiente escolar, é preciso escarafunchar primeiramente se no Projeto Político da Escola há um embasamento dessas abordagens. É necessário provocar se no sistema educacional há uma boa base de formação contínua sobre tais pautas, pois sabemos que o currículo é um poder do sistema dominante que exclui as subjetividades humanas. Logo, com base nesses estudos, é possível compreender que há todo um aparato discursivo que limita o professor de estudar e de se amparar em metodologias que compreendem essas discussões em sala de aula. Há um poder disciplinar que engessa o currículo e inviabiliza o docente a trabalhar com autonomia as pautas identitárias dentro das escolas.

(En)Cena: No PPP da escola quais documentos da educação brasileira abordam o conceito de sexualidade?

Keylla Cristina: Dentro do projeto pedagógico escolar, os estudos e análises sobre gênero e sexualidade são pendulares em avanços e retrocessos. Historicamente, o documento que aponta a sexualidade de modo ainda tímido e no contexto da transversalidade e embora tenha-se criado em um panorama globalizado e com interesses internacionais, O Parâmetro Curricular Nacional PCN é um precursor da importância de se trabalhar a sexualidade nas escolas, mormente as públicas. As Diretrizes Curriculares Nacionais DCNs endossam que as escolas, na elaboração de seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPP), devem incorporar temas que se relacionem com fatos relevantes da realidade. Nesse aspecto, as questões de gênero, etnia, classe, dentre outras, devem subsidiar as partes integrantes do PPP e do regimento escolar. Já a Base Nacional Comum Curricular BNCC – enquanto documento normativo vigente – sofreu retrocessos, pois devido a um movimento político ultraconservador, o documento sofreu supressões no que se refere aos temas gênero e sexualidade. O exemplo mais recente desse embate foi a retirada das expressões “orientação sexual” e “identidade de gênero” da versão final da BNCC, devido a pressões exercidas por grupos religiosos conservadores.

(En)Cena: Como a escola lida com a diversidade sexual no seu contexto diário?

Keylla Cristina: Ao longo da minha experiência profissional, a escola já começa a abrir um espaço de discussão ainda muito moderado, em detrimento de dois aspectos determinantes: a formação ou má formação dos educadores, sobretudo por apoio ou falta de apoio da equipe diretiva, no âmbito das discussões de gênero e sexualidade e o receio da escola enquanto instituição curricular de se posicionar sobre as discursividades. O outro fator está intrinsecamente ligado ao primeiro, que é a relevância dos estudos das pautas identitárias que vai na contramão de uma política ainda dominante e ultraconservadora do Estado e da sociedade.

(En)Cena: Durante os processos de formação de professores os temas “sexualidade, gênero e diversidade” fazem parte da formação? de que forma?

Keylla Cristina:No início do primeiro mandado do governo Lula (2003), foi criada a Secretaria de Políticas para Mulheres, com status de Ministério. Em 2004, criou a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade, no âmbito do Ministério da Educação (MEC), que foi o órgão responsável por articular as ações de inclusão social com a valorização da diversidade e com o destaque às demandas até então invisibilizadas e não atendidas efetivamente pelos sistemas públicos de educação com as questões de gênero, sexualidade, raça-etnia, entre outras. Ainda no ano de 2004, foi lançado o “Programa Brasil sem Homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra LGBTQIAP+ e de promoção da cidadania homossexual”. Esse programa significou um marco político na discussão e na institucionalização das temáticas de orientação sexual e identidade de gênero nas políticas educacionais do Estado brasileiro. Em seu programa de ações, o Programa Brasil Sem Homofobia propôs, no eixo sobre “Direito à educação: promovendo valores de respeito à paz e à não discriminação por orientação sexual”, elaborar diretrizes para a orientação dos Sistemas de Ensino na implementação de ações que assegurem o respeito ao cidadão e à não discriminação por orientação afetivo-sexual (BRASIL 2004). A primeira oferta do GDE (Gênero e Diversidade na Escola) no Tocantins ocorreu no ano de 2013, na modalidade “aperfeiçoamento”, sob coordenação da mesma equipe que em 2015 iniciou a oferta da especialização lato sensu. Esta equipe de pesquisadoras e professores da Universidade Federal do Tocantins, que coordenou e organizou o projeto GDE, foi composta por docentes e discentes egressos do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos da UFT, criado em 2009, no Campus do município de Miracema do Tocantins. O aperfeiçoamento formou, no ano de 2013, aproximadamente 100 cursistas profissionais da educação básica municipal e estadual em uma oferta de 150 vagas, enquanto a especialização certificou, no ano de 2017, aproximadamente 50 cursistas em uma oferta de 75 vagas. Os produtos do GDE envolveram desde a formação às ações executadas em pelo menos 20 escolas distintas da rede pública local. O desdobramento de projetos de extensão e pesquisa da própria equipe de trabalho também compõem os indicadores positivos do GDE. Análises do impacto do GDE a nível de mestrado e graduação também foram comunicadas em dissertações, monografias e artigos científicos, dentre elas este documento que em que sou subscritora.  E é a partir desse projeto que envolveu diretamente 100 pessoas, que será avaliado o impacto positivo de formação de professores e os educandos contemplados neste modelo de educação onde o professor aborda as temáticas de modo embasado contemplado pelas diretrizes educacionais. A partir desse programa, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SECAD) passou a financiar e apoiar programas de formação docente sobre os temas da diversidade, incluindo a diversidade de orientação sexual e gênero. Nesse campo, há o curso Gênero e Diversidade na Escola/GDE, voltado para a formação de professores nas temáticas de gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais a partir de uma abordagem interdisciplinar e transversal. O curso foi oferecido desde 2006 por meio da modalidade de educação à distância e resultou de uma articulação entre diversos ministérios do governo brasileiro (HEILBORN; ROHDEN, 2009). No Distrito Federal, o curso foi ofertado pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília desde o ano de 2009. Nesse período, houve três edições (2009, 2012-2013 e 2013-2014) e formaram mais de 489 profissionais da educação da rede pública do Distrito Federal.

(En)Cena: Se existissem palestras, oficinas e demais atividades sobre a temática, as violências diminuiriam?

Keylla Cristina: Certamente. O principal viés de uma educação pautada nos princípios de uma educação democrática é construir um currículo inclusivo que abranja as pautas sobre o reconhecimento dos direitos às subjetividades humanas. O sistema educacional deve – em caráter de urgência – reformular os projetos políticos pedagógicos das unidades escolares, no propósito de se pautar em estudos e ações educativas que discutam cada vez mais políticas afirmativas que combatam ou ao menos reduzam as violências de gênero, a violência de identidade sexual, sobretudo numa perspectiva interseccional.

(En)Cena: Na visão da escola, sexualidade é sinônimo de sexo?

Keylla Cristina: A visão escolar, num panorama geral, a sexualidade está atrelada ao biologicismo. Por isso, se faz tão necessário uma docência resguardada em formação continuada que paute essas discussões dentro das epistemologias, dentro dos estudos científicos.

(En)Cena: Como a escola promove um ambiente inclusivo e seguro para as discussões sobre sexualidade?

Keylla Cristina: A promoção nesse sentido é ainda solitária e de interesse unilateral do profissional que tem interesse em estudar mais sobre as temáticas supracitadas.

(En)Cena: Quais são os principais desafios enfrentados ao abordar a educação sexual na escola?

Keyla Cristina: O enfrentamento de um sistema ainda dominado por um discurso de poder de apagamento das subjetividades humanas.

(En)Cena: Como os alunos e alunas recebem a temática sobre sexualidade?

Keylla Cristina: São temas muito bem recebidos pelos estudantes, pois as abordagens vão ao encontro das vivências individuais dessas pessoas, que estão em processo contínuo de construção de identidades.

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Sobre aceitação e não aceitação: relato de uma mulher que namora outra mulher

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Eu não me recordo exatamente com que idade eu me percebi “diferente”. Sei apenas que aos 15 anos beijei uma menina pela primeira vez. Para mim foi tão normal, que não me questionei tentando descobrir se realmente era aquilo, se realmente fazia parte de mim. O que eu sei é que, mesmo rodeada de muitas pessoas convencionais e certos costumes que iam contra esse acontecimento, nunca achei errado. Meu pensamento, desde sempre, foi que devemos respeitar as pessoas como elas são. Ainda mais quando elas estão simplesmente amando.

Entretanto, esse primeiro contato foi apenas uma brincadeira, não foi algo que pesou para mim. Quatro anos após o primeiro beijo, conheci uma mulher que despertou em mim sentimentos e desejos. E foi nessa época que eu de fato compreendi que eu tinha a capacidade de desejar uma pessoa do mesmo sexo. De sentir atração. E a partir daí, no auge dos meus 19 anos, iniciei uma luta que começou primeiramente contra a minha própria pessoa e as sensações que transbordavam meu corpo… 

Eram tantas dúvidas que preenchiam a minha cabeça. Será se eu não estaria apenas confusa? Será se eu não estaria sendo influenciada por colegas? Será se Deus se orgulharia de mim? Será que minha família me aceitaria? Será que a sociedade me abraçaria? Será que eu seria capaz de bater de frente contra cada obstáculo? Será se eu mesma me aceitaria? Será que eu tinha maturidade pra entender, me rotular e lutar infinitas batalhas?

Fonte: Imagem retirada do site Pixabay.

Esse arsenal de questionamentos, misturados com a fase de precisar escolher qual faculdade eu teria que fazer e outras tantas mudanças na minha vida pessoal, abalou meu emocional de maneira extrema e cruel. Mergulhei em uma depressão que sugou, por aquele período, toda a minha essência. Eu, que costumava ser tão sonhadora, já não enxergava meus sonhos e um futuro. A problemática acerca da minha sexualidade foi engavetada, afinal, eu mal saia de casa mesmo. Não socializava. O mundo se resumia ao meu quarto. As pessoas geralmente funcionam durante o dia. O meu dia se tornou noite. E assim, por alguns anos, eu me escondi de diversos ambientes e situações e eventos. E evitava me enxergar também. Não somente nos reflexos de espelhos. Eu evitava não pensar, olhar para o meu eu interno e aos poucos passei a ser uma desconhecida para mim mesma. 

O estrago emocional interno foi tão grande que cogitei sumir e de fato tentei desaparecer. Eu sinto como se tivesse chegado ao fundo do poço e não tivesse mais saída. Deixei de conhecer novas pessoas, por receio de me entregar e me envolver em novos relacionamentos. Foi nessas escolhas de privação que cheguei ao meu extremo. Ou ficaria para sempre afundada naquele poço ou sairia em busca da luz, não existia meio-termo. Por essa razão, mesmo sem forças, arranquei todas as camadas e muralhas que havia construído. E hoje posso dizer que a maioria delas está no chão, já não existem.

Fonte: imagem retirada do site Freepik.

No meio do caos, encontrei a força para ser quem eu sou. Comecei a enfrentar batalhas e me aventurar em lutas para defender a minha essência, a minha orientação sexual, a minha liberdade em amar. Não é fácil lidar com olhares de desaprovação, falas maldosas e atitudes por vezes, veladas. Porém, é libertador. Depois de tantos anos na escuridão, em uma cárcere abstrata e atroz, finalmente, arranquei as amarras e me afoguei em um relacionamento que me traz paz, que me move e me faz esquecer tantos medos que antes cegavam. 

Hoje finalmente posso dizer que me aceitei. Minha esperança agora é poder afirmar que cada pessoa que eu amo, cada familiar, cada amigo, as pessoas em geral desse planeta, também me aceitam, mas não dá para vencer tudo de uma vez. Enquanto esse dia não chega, decido a cada novo dia viver a minha verdade, enfrentando os desafios que teimam em surgir.

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A importância do conhecimento sobre sexualidade na Formação de Professores

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A Formação de professores é um ato contínuo que começa desde o início da sua trajetória profissional, mas falar sobre temas que envolvem sexualidade ainda é um assunto carregado de tabus.   

A formação nas temáticas gênero, corpo e sexualidade é um assunto muito importante, tendo em vista a modernidade a qual estamos passando, ao desenvolvimento humano das novas gerações que tendem a refletir e reestruturar o corpo e a sexualidade como parte indispensável da formação humana e ainda pela simples observação de que todos nós somos seres sexuais.

As sexualidades não podem ser vistas seguindo apenas uma dimensão que é a dimensão biológica, as dimensões que compõem as sexualidades são inúmeras dentre elas: Biológica, Cultural, Social, Política, Religiosa e etc. 

Diante disso o (En)Cena entrevista o Professor Mestre Edmilson Andrade Reis, que é Pesquisador das categorias Corpo, Gênero e Sexualidade na formação de professores. Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Tocantins (UFT-PORTO NACIONAL). Graduado em Enfermagem pela Universidade de Marília (UNIMAR), também é graduado em Pedagogia (UNIP). E atualmente, graduando em Psicologia CEULP-ULBRA, que falará com mais propriedade sobre o assunto. 

(En)Cena – O que é formação de professores e qual a importância da sexualidade durante o processo de formação?

Edmilson Andrade: Formação de Professores é um processo contínuo que deveria acontecer sem restrições , preconceitos, sexismo e etc. Porém, quando observamos a categoria sexualidade na formação de professoras, muitos entraves existem e por esses e muitos outros motivos, as sexualidades são deixadas como responsabilidade das famílias e sabemos que isso quase nunca acontece. Trazendo a importância na formação de professores sobre essa categoria, é importante destacar que todos nós somos seres sexuais e as sexualidades são constituídas por inúmeros fatores que incluem: orientação sexual, gênero, afeto, carinho, respeito e etc. Nesse sentido, no processo de formação a abordagem sobre as sexualidades deve acontecer de forma esclarecedora visando, primeiramente, observação da faixa etária dos alunos, em seguida definir o método educativo que será utilizado, orientar sobre as fases de desenvolvimento humano e, finalmente, esclarecer que as sexualidades são construções individuais a partir de dimensões que incluem: social, cultural, biológica e religiosa.  

(En)Cena – De que forma a educação brasileira trabalha a sexualidade?

Edmilson Andrade: A educação brasileira entende que as sexualidades são evidenciadas meramente a partir da dimensão a biológica, pois, muitos insistem em afirmar que nascer homem ou mulher (macho ou fêmea) é sexualidade, e nós sabemos que isso é apenas uma dimensão que a constitui e ela, por si só, não se torna responsável por construir as sexualidades. Porém, temos em outro paralelo o fato de que abordar temáticas sobre Infecção Transmitida Sexualmente-ITS´s, HIV/AIDS e gravidez na adolescência, entre outros, são abordagens que constituem as sexualidades, porém, mais uma vez estamos nos restringindo apenas à dimensão biológica, o que invalida as demais dimensões.

(En)Cena – Como a Psicologia tem se relacionado com suas outras experiências multiprofissionais?

Edmilson Andrade: A psicologia vem acrescentar saberes e perspectivas, tanto na questão profissional e pessoal, pois, se somos seres bio-psico-sócio-espirituais, a psicologia se encaixa perfeitamente no tocante às emoções, comportamentos, fatores cognitivos, relações familiares, mecanismos de defesas, fases de desenvolvimento humano, incluindo o ato de nascer e morrer, afinal, uma grande parte de nossas vidas passamos refletindo, pensando e questionando a essência do eu, e os corpos. 

(En)Cena – Em quais dimensões a sexualidade pode ser trabalhada em um contexto multidisciplinar?

Edmilson Andrade: As dimensões que constituem as sexualidades por si só, já são vistas como multidisciplinares, porque quando pensamos nas sexualidades elas estão presentes nos corpos humanos. Esses corpos já são trabalhados, moldados e estruturados em contextos multidisciplinares. Um exemplo é quando pensamos na dimensão psicológica que também constitui as sexualidades, afinal, somos indivíduos com desejos, repletos de construções e desconstruções.

(En)Cena – Quais são as implicações de abordar a sexualidade dentro de um processo de formação ou de construção do Ser Humano?

Edmilson Andrade: No tocante ao ser humano, todos nós somos seres que possuímos sexualidades, afinal, ela não se restringe apenas ao ato sexual e sim como categoria que faz parte da essência e construção dos corpos humanos, um simples ato de abraçar, acariciar e ter afeto já é em si, exercer partes que tange às sexualidades.

Trazer as sexualidades para o contexto de formação de professores, ainda é um grande desafio, pois nos deparamos diariamente com ideologias políticas partidárias e educacionais que acreditam veementemente que esclarecimento sobre sexualidades na sala de aula é sinônimo de alteração de gênero. 

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