Chico Xavier e a Data limite: O que a psicologia diz sobre as profecias?

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A capacidade de profetizar é algo que chama atenção desde os povos antigos até os mais modernos; existem diversos fatores psicológicos que influenciam o fenômeno, de forma inconsciente.

Em 1971 Chico Xavier, em uma entrevista para o programa Pinga Fogo da TV Tupi, afirmou que o dia 20 de julho de 2019 seria uma data limite para a humanidade passar por uma grande mudança. Segundo ele, quando o homem pisou na lua em 20 de julho de 1969, algumas entidades do mundo espiritual se reuniram e deram um prazo de 50 anos para a humanidade, e caso ela não se destruísse em uma terceira guerra mundial, alcançaria uma nova era.

Dessa forma, essa nova era segundo Pozati (um dos autores do livro Data limite – Segundo Chico Xavier) se trata de um processo de transição planetária que nos convoca a uma conexão com novas energias para que possamos descobrir nosso papel nesse mundo. O autor defende a teoria apontando para outras que se cumpriram, como encontrar água na lua.

Assim, esse assunto tem sido comentado na internet nos últimos dias, fazendo com que muitas pessoas começassem a relatar algum tipo de sensação física ou experiência sensorial. A notícia de que seres extraterrestres estariam agora autorizados a vir para Terra e fazer um contato direto, uma recomendação de não ficar acordado na madrugada do último dia 20 e uma comoção de muitos que acreditam fielmente nesse evento, ficaram evidente nas redes sociais, principalmente no Twitter.

Segundo Alvarenga (1996-2006), em seu livro O segredo das profecias, este fenômeno está além da lógica, indo para uma dimensão simbólica que ganha contornos arquetípicos – imagens primordiais – e estão contidos no inconsciente coletivo. Neste sentido, o temor do homem diante do desconhecido faz com que ele busque por alguma previsão que possa amenizar essa angústia. Na Psicologia Analítica, o desconhecido é o que não está na linha do consciente. Então ao se aprofundar no mar de informações guardadas no inconsciente, o ser humano paulatinamente diminui o medo e passa a viver de modo mais autêntico. O medo dos fenômenos naturais – como contato com eventuais civilizações extraterrestres – ocorre predominantemente em estruturas psicológicas ainda em estado de participação mística (estado de indiferenciação entre o eu e o outro, com ressalvas sobre os fenômenos naturais).

Fonte: encurtador.com.br/bvwW6

Jung, após estudar o livro I Ching, escreveu juntamente com o físico Wolfgang Pauli, o livro Sincronicidade: Princípio de Conexão A-Causal, onde procuraram explicar as coincidências em geral, como também os motivos pelos quais o livro I Ching poderia funcionar. De modo geral, sincronicidade foi um conceito desenvolvido pelo autor para se referir a quando uma construção/percepção interna de um indivíduo está de acordo com o fenômeno externo natural que se revela.

Então a capacidade de profetizar é algo que chama atenção desde os povos antigos até os mais modernos, mas que existem também diversos fatores psicológicos que influenciam este processo de forma inconsciente. Os relatos das experiências de usuários na internet é a prova de que existe uma identificação não apenas da pessoa com a profecia, mas também entre as pessoas que acabam por compartilhar sentimentos e sensações parecidas. Em relação aos estados alterados de consciência que Chico Xavier experimentava, a Psicologia Transpessoal vem estudando e contribuindo para uma compreensão maior.

Stanislav Grof (1978), um dos principais autores da Psicologia Transpessoal, fala sobre como esse fenômeno ocorre. Existe um rompimento e expansão da nossa mente sobre os limites do espaço-tempo onde é possível perceber fenômenos que vão além dos conhecidos, podendo vir de vidas passadas, sendo capaz de ocorrer uma identificação ou fusão com outro indivíduo, o que o autor chama de união dual. Assim também podendo ocorrer uma fusão coletiva, como por exemplo, com todas as pessoas de determinada religião ou crença, animais, plantas, planeta e todo o universo.

Fonte: encurtador.com.br/mrDM0

Jung (1978) aponta que a ligação com essa imagem de divindade, através da religião ou de profecias, vem de um contato indireto com o Self, que é o princípio que regula a personalidade e que reflete a potencialidade desse indivíduo, e dessa forma proporciona encontros e sonhos que o levam a encontrar um significado para a vida.

A idéia do texto não é dizer que tal fenômeno é de fator apenas psicológico, mas que existe uma contribuição para que isso se reverbere com tamanha proporção. Assim como em várias crenças, as profecias estão presentes, existindo uma relevância das mesmas na construção do coletivo e da subjetividade, podendo nesse sentido promover saúde mental.

REFERÊNCIAS:

ALVARENGA, Luiz Gonzaga de. O segredo das profecias. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/segredoprofecias.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2019.

GROF, Stanislav. Variedades das experiências transpessoais: observações da psicoterapia com LSD. in. WEILL, Pierre (org.) Experiência cósmica e psicose. vol 5 / IV Pequeno tratado de psicologia transpessoal. Rio de Janeiro, Vozes, 1978.

JUNG, C. G. Psicologia e Religião. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1978.

POZATI, Juliano; CASAGRANDE, Rebeca. Data Limite – Segundo Chico Xavier. Citadel, 2015.

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O simbolismo nas artes plásticas e o trabalho de Nise da Silveira

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Jung, ao falar de simbolismo, parte do pressuposto de que tudo pode tomar significação simbólica.

Carl Gustav Jung em sua obra ‘O homem e seus símbolos’ (1964), mais especificamente no capítulo 4 (O simbolismo nas artes plásticas), correlaciona a importância de determinados símbolos muito presentes nas artes plásticas com estados de manifestação do inconsciente. Em primeiro momento, ele destaca três elementos: a pedra, o animal e o círculo e mostra a correspondência deles nas artes plásticas e sua relação religiosa.

No segundo momento, o autor trata da arte do século XX “não sob o ângulo da sua utilização como símbolo, mas em termos da sua significação como o próprio símbolo” (JUNG, 1964, p. 225). Para tal, ele atribui ao artista o papel de representar o espírito de sua época.

Sobre este tema e adepta as ideias junguianas, Nise da Silveira, psiquiatra brasileira, retorna ao Brasil, após período de exílio, e passa a trabalhar, em 1944, no Hospital Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no Rio de Janeiro. Lá, ao recusa-se a utilizar os métodos psiquiátricos da época (eletrochoque e lobotomia), foi realocada para o setor de Terapia Ocupacional, onde iniciou trabalho de artes plásticas com seus pacientes.

Contrariando mais uma vez a lógica psiquiátrica da época, que procurava nas imagens produzidas por pacientes diagnosticados como esquizofrênicos demonstrações de “degenerescência mental” e “embotamento da afetividade”, Nise atribuía a elas a representação do processo espontâneo de reorganização do inconsciente.

Fonte: encurtador.com.br/oxAB9

A simbologia da pedra, do animal e do círculo para Jung

Jung, ao falar de simbolismo, parte do pressuposto de que tudo pode tomar significação simbólica. Sejam elementos naturais como o Sol e montanhas, ou elementos produzidos por pessoas: estátuas, por exemplo. De acordo com o autor, o homem é propenso em criar símbolos e transforma inconscientemente elementos em símbolos.

Levando em consideração que qualquer elemento pode assumir a representação de símbolo, o psicoterapeuta destaca a pedra, o animal e o círculo pelo fato de que “cada um desses símbolos teve uma significação psicológica que se manteve constante, desde as mais primitivas expressões da consciência até as mais sofisticadas formas de arte do século XX” (JUNG, 1964, p.232).

Em relação à pedra, Jung destaca sua importância para as civilizações antigas por representar, muitas vezes, a morada dos deuses. “Podemos considerar este emprego da pedra como uma forma primitiva de escultura — uma primeira tentativa de dar à pedra maior poder expressivo do que o oferecido pelo acaso ou pela natureza” (iden, p.228).

Fonte: encurtador.com.br/wKY15

A animização da pedra é explicada como a projeção de um conteúdo mais ou menos preciso do inconsciente sobre a pedra. A tendência primitiva de apenas sugerir uma figura humana, conservando muito da forma natural da pedra, pode ser encontrada também na escultura moderna. (iden, p.234).

Assim, na tentativa de dar características à pedra, o homem entrelaça arte com religião. Tal fato está extremamente presente, também, no símbolo animal.

As figuras de animais pintadas em cavernas datam entre 60.000 e 10.000 anos a.C. ainda do último período glacial. Jung defende a ideia de que, mais do que uma simples representação, as figuras de animais representam um dublê do original. Assim, quando se representa a caça de um bisão, por exemplo, ensaia-se essa caça, quase como se o desenho fosse uma condição para a realidade.

Além das representações de animais, é possível verificar em muitas dessas gravuras a presença de humanos vestidos/disfarçados de animais, ele são os “Reis dos animais”. Tal simbologia é quase literal em algumas sociedades: entende-se que o chefe é o próprio animal.

Fonte: encurtador.com.br/cvwLU

Um chefe primitivo não se disfarça apenas de animal; quando aparece nos ritos de iniciação inteiramente vestido com sua roupa de animal, ele é o animal. Mais ainda, é o espírito do animal, um demônio aterrador que pratica a circuncisão. Nestas ocasiões ele encarna ou representa o ancestral da tribo e do clã, portanto o próprio deus original. Representa e é o totem animal. Assim, não há engano em vermos na figura do homem-animal que dança na caverna Trois Frères uma espécie de chefe, transformado pelo disfarce em um animal demoníaco (iden, p. 236).

Na concepção de Jung, o símbolo do animal representa a animalidade presente em cada indivíduo, nossos instintos primitivos. O ser humano é o único capaz de domar seu instinto, mas também é capaz de feri-lo, reprimi-lo, distorcê-lo. Instintos reprimidos podem tomar conta da vida de uma pessoa até mesmo destruí-la. A aceitação da alma animal é condição para se ter uma vida plena. “O homem primitivo precisa domar o animal que há dentro dele e torná-lo um companheiro útil; o homem civilizado precisa cuidar do seu eu para dele fazer um amigo”.

Por fim, o símbolo universal do círculo. No aspecto aqui tratado, o círculo representa a totalidade da psique. Independente da forma de representação dessa figura (adoração ao Sol ou mandalas, por exemplo), “ele indica sempre o mais importante aspecto da vida — sua extrema e integral totalização” (id, p.235).

Fonte: encurtador.com.br/fLN26

Nas obras, além do círculo, costuma-se destacar a figura do quadrado. Simbolicamente, este representa a matéria terrestre. A dissociação entre essas duas figuras representa um indivíduo cuja alma que perdeu suas raízes e está ameaçado de dissociação.

A pintura moderna como símbolo

O intuito do artista moderno é exteriorizar o mundo interior humano, desprezando a velha premissa mecânica do concreto e intrínseco, se tornando sensorial e subjetivo. Tendo o artista como um mecanismo de interpretação psíquico, imaterial e espiritual de sua época, por exprimir conscientemente ou não, em suas obras, os valores vigentes no seu período de formação e atuação, “Kandinsky, em 1911, escrevia no seu famoso ensaio A Propósito do Espiritual em Arte: Cada época recebe sua própria dose de liberdade artística, e nem mesmo o mais criador dos gênios consegue transpor as fronteiras dessa liberdade.” (id, p.250)

O que na verdade interessa aos artistas de hoje é a união consciente da sua realidade interior com a realidade do mundo ou da natureza; ou, em última instância, uma nova união de corpo e alma, de matéria e espírito. É a sua maneira de “reconquistar seu peso como ser humano”. Só agora é que a enorme fenda existente na arte moderna entre a “grande abstração” e a “grande realidade” está sendo conscientizada e a caminho de encontrar a sua cicatrização. (iden, p. 268).

Fonte: encurtador.com.br/kwKLM

Nise da Silveira, embasada pela teoria junguiana, também cita Kandinsky, ao falar do conceito de “improvisações”, na análise das obras: “expressões, em grande parte inconscientes e quase sempre formadas de súbito, originadas de acontecimentos interiores, portanto impressões de Natureza Interior” (SILVEIRA, 1981, p. 20 apud TOLEDO, 2012, p.8).

Mergulhando em reflexões predominantemente inconscientes, os artistas se afastaram da realidade, tornando grande parte da produção moderna, “arte abstrata”. Essa “ruptura com o mundo das coisas” culminou no movimento responsável por tornar a “arte esquizofrênica”, conflituosa e instigante, um objeto de anseio no âmbito artístico.

O trabalho de Nise da Silveira

Como visto na introdução, Nise da Silveira foi uma psiquiatra brasileira que se opôs à psiquiatria de sua época. A médica trabalhou com pessoas com esquizofrenia e usou como intervenção a pintura.

Durante seu trabalho, ela observou que muitos de seus pacientes costumavam desenhar figuras geométricas e mandalas. Os quais ela classificou como esforços instintivos para apaziguar tumultos emocionais, classificado a partir de então como “geometrismo sensível” – como da pintura de mandalas, “forças autocurativas da psique”, segundo Jung); o estabelecimento de vínculo com o mundo externo (em especial no caso das pinturas figurativas) (TOLEDO, 2012,  p.6).

Fonte: encurtador.com.br/sxH48

Levando-se em consideração que muitos indivíduos com esquizofrenia não são capazes de exprimir seus sentimentos e ideias, a pintura, na visão de Nise, configura importante meio de comunicação e expressão por revelar estados inconscientes de seu autor.

Junto a Nise trabalhava o artista plástico Almir Mavignier. Ele foi fundamental por montar um ateliê de pintura dentro do hospital, o que possibilitava que outras pessoas pudessem visitar e conhecer as obras produzidas pelos pacientes. O artista organizou vários eventos e convidou artistas renomados para conhecer o trabalho. A partir desse intercâmbio, houve uma discussão acerca da arte produzida no Brasil e suas definições. Por fim, graças ao trabalho de Mavignier, foi fundado o Museu de Imagens do Inconsciente, aberto até a atualidade e constitui campo de pesquisa tanto para profissionais da saúde, quanto para artistas.

Infere-se, então, que os símbolos, no viés histórico, representam a linguagem do inconsciente, com cargas altamente afetivas. Que se fazem presentes mesmo quando há a perda dos sentidos conscientes.

Jung (1964) faz um paralelo entre símbolos comuns nas artes plásticas, religião e manifestações do inconsciente. O autor destaca a pedra como a representação de divindades; o animal como representante do próprio inconsciente humano; e o círculo como a unidade da psique. Além do círculo, formas geométricas como triângulo e quadrado/retângulo também têm sua relação com o inconsciente: este relaciona-se com a parte material humana e aquele à ideia de complementaridade entre opostos.

Assim, observando-se o trabalho de Nise da Silveira com pacientes com esquizofrenia, pôde-se perceber a presença de manifestações de círculos e mandalas, indicando os esforços intuitivos a fim de apaziguar tumultos emocionais.

 

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.

TOLEDO, Magdalena Sofia. Entre a Arte e a Terapia: as “imagens do inconsciente” e o surgimento de novos artistas. Proa: revista de antropologia e arte, Campinas, n. 3, vol. 1, 2012.

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