O quanto você está disposto a encarar o seu próprio lado sombrio?

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Dentro da Psicologia Analítica o termo sombra e individuação são praticamente os mais importantes. A individuação é algo almejado já que, é a partir dela que o paciente/cliente pode avançar na análise, porém para adentrar na individuação o indivíduo em processo psicoterapêutico deve se integrar a sua própria sombra. Esse processo de reconhecimento da própria sombra não é algo fácil, pois é nela que se encontra muito dos conteúdos negativos reprimidos por nós, como observa Oceanã (2008), na sombra está tudo aquilo que não se encaixa no que imaginamos de nós próprios ou nos princípios que escolhemos para nós mesmos. 

Com isso muitas pessoas ficam resistentes ao contato com o lado mais escuro de si mesmo visto que esse arquétipo ameaça nossa imagem aceitável, contudo, quanto mais tentamos negar a sombra mais ela nos ameaça (OCEANÃ, 2008). Quando, ao longo do processo terapêutico, o paciente/cliente integra a sua sombra, o processo de individuação começa. A individuação é quando o sujeito passa a se encarar por completo, tornando-se verdadeiramente o que se é, sabendo assim, separar o que é dos outros e o que é dele (STEIN, 2020). Desse modo, fica claro como os dois conceitos são essenciais para o desenvolvimento do cliente/paciente na clínica analítica. 

Para a construção do presente trabalho, foi realizada uma pesquisa de caráter bibliográfico narrativo na qual, não necessita de um ponto de partida rígido para a sua elaboração e, no que tange a seleção dos materiais, não é determinada e nem específica, sendo então influenciada pela subjetividade do autor (CORDEIRO et al., 2007). 

Com isso foi realizada pesquisas por meio do Google Schoolar e Scielo, com o objetivo de levantar publicações que abordassem temas referentes a alguns conceitos Junguianos, como a sombra e a individuação, para assim compreender seu conceito e seu desenvolvimento, expondo sobre como se dá o processo de individuação a partir do contato com a sombra.

A Sombra: do conceito ao desenvolvimento

Para entender o conceito de sombra é importante compreender o que é persona. A autora Ocaña (2008), analisa que a palavra persona tem a noção de prosopon, termo grego que se refere a uma máscara usada por atores de teatro para encarnar um personagem. A autora continua que 

A partir de Jung, o conceito de “persona” significa mais precisamente o eu social resultante dos esforços de adaptação realizados para observar as normas sociais, morais e educacionais do seu meio. A persona lança fora do seu campo de consciência todos os elementos – emoções, traços de carácter, talentos, atitudes – julgados inaceitáveis para as pessoas significativas do seu meio. Esse mecanismo produz no inconsciente uma contrapartida de si mesmo a que Jung chamou de “sombra” (OCAÑA, 2008).

Fonte: Imagem de Pedro Figueras por Pixabay

A sombra se desenvolve desde quando somos crianças, na medida em que vamos nos identificando com o que é tido como característica ideal de uma personalidade, no que é percebido como aceitável pela nossa sociedade, nós formamos a persona, ao contrário, tudo aquilo que não achamos adequado para nossa autoimagem é jogado para a sombra (ZWEIG; ABRAMS, 1994).

 A sombra é um arquétipo rico de conteúdos e que fala muito sobre nós, assim como observa a autora Ocaña (2008), que diz que a sombra é um tesouro escondido, uma fonte grande de ideias que não estão a nosso alcance, pois mantemos enterradas por serem aquilo que não queremos ser, mas é exatamente esses conteúdos que nos faz ser completos.

É indispensável compreender que a sombra se origina de uma necessidade infantil frustrada e como forma de recompensa a psique cria substituições dessas necessidades, ou seja, a criança, após ter sido ferida afetivamente, pode vir a ser um adulto acompanhado de mecanismos considerados dolorosos como vergonha, culpa, perfeccionismo etc. (OCAÑA, 2008). Continua a autora Ocaña (2008), que dessa maneira a criança sente como se ser ela mesma não fosse o suficiente e é onde entra e negação dos próprios traços que acredita não ter agradado os outros. 

Para Franz (2002), afirma que a sombra é tudo aquilo que nos pertence mas que não sabemos e, o analisando no primeiro momento, não consegue definir o que é pessoal e coletivo, sendo apenas um aglomerado de aspectos. A autora continua definindo que a sombra é todo o inconsciente, sendo um acervo de emoções, julgamentos etc. 

Dentro da estrutura psíquica encontram-se a sombra pessoal e a sombra coletiva. Os autores Zweig e Abrams (1994) reiteram que 

A sombra pessoal contém, portanto, todos os tipos de potencialidades não-desenvolvidas e não-expressas. Ela é aquela parte do inconsciente que complementa o ego e representa as características que a personalidade consciente recusa-se a admitir e, portanto, negligencia, esquece e enterra, até redescobri-las em confrontos desagradáveis com os outros.

A sombra coletiva é tudo aquilo que vemos em relação à maldade humana, é observada facilmente nos noticiários, nas ruas, nos políticos, no sistema judiciário etc. No nosso mundo globalizado, todos nós assistimos à sombra coletiva vindo à tona (ZWEIG; ABRAMS, 1994).  Os autores permanecem que 

Enquanto a maioria das pessoas e grupos vive o lado socialmente aceitável da vida, outras parecem viver as porções socialmente rejeitadas pela vida. Quando essas últimas tomam-se objeto de projeções grupais negativas, a sombra coletiva toma a forma de racismo, de busca de “bode expiatório” ou de criação do “inimigo” (ZWEIG; ABRAMS, 1994). 

Se um indivíduo vive sozinho, torna-se praticamente impossível que o mesmo consiga perceber sua sombra, já que é preciso de um espectador para lhe dizer sobre sua própria imagem (FRANZ, 2002). O autor Campos et al., (2017) comenta que a sombra é uma parte do inconsciente que está mais próximo a consciência, mesmo que não seja aceita, ela mesma procura uma forma de se expressar na vida, sendo uma parte autônoma do inconsciente. 

O contato com a sombra

É muito comum que ao longo do processo terapêutico, o paciente apresente algumas resistências ao entrar em contato com conteúdos sombrios. É assim que se dá às projeções, o indivíduo joga para a outra pessoa aquilo que ele considera indesejável em si, e mesmo assim, não é possível a não integração dessa parte a si mesmo, pois ela continua pertencendo a quem projeta (ZWEIG; ABRAMS, 1994).

Fonte: Imagem de Victoria_Regen por Pixabay

Dessa forma é possível compreender o quão doloroso pode ser para o indivíduo que se submete a análise a adentrar sua sombra, onde será possível encontrar os conteúdos mais perversos, imorais e inaceitáveis. Sweig e Abrams (1994), já haviam dito que não se pode olhar de forma direta para a sombra pois ela é difícil de ser apreendida, é perigosa e desordenada. 

É por essas questões que projetamos a nossa sombra no outro, aquele traço que eu abomino no outro provavelmente é algo nosso. Vemos a sombra de maneira indireta nas atitudes alheias pois é mais cômodo para o nosso ego observar de fora (ZWEIG; ABRAMS, 1994). A psicoterapia surge como uma alternativa para entrar em contato com os aspectos sombrios, auxiliando na diminuição das resistências, libertando e direcionando a energia vital positiva que estava presa à sombra, fazendo com que o sujeito possa se transformar (CAMPOS et al., 2017).

Um relacionamento correto com a sombra nos oferece um presente valioso, leva-nos ao reencontro de nossas potencialidades enterradas, saber lidar com a Sombra e o mal é uma experiência tão poderosa que pode transformar a pessoa como um todo. Trabalhar a nossa Sombra é enfrentar seus conteúdos em uma imagem de nós mesmos, assim deixando de lado os nossos medos e a nossa rigidez. Este trabalho é voluntário e consciente, em que devemos assumir tudo aquilo que ignoramos ou reprimimos, somente assim poderemos sanar os nossos problemas levando luz à escuridão do nosso próprio ser (CAMPOS et al., 2017, p. 390).  

Para Zweig e Abrams (1994), há algumas formas de ‘’curar’’ a projeção, como assumir a responsabilidade sobre elas e reverter a projeção, que consiste em compreender que esse mecanismo fala mais sobre si do que sobre o outro. E à medida que o indivíduo passa a enfrentar essas questões, a sombra passa a se tornar mais evidente, pois a mesma é parte integrante do ego, e os confortos que ela causa não são causados por terceiros, mas sim pelo próprio indivíduo. 

Sabendo disso, torna-se necessário que o indivíduo integre a própria sombra, já que assim ele passará a se compreender melhor, a recolher suas projeções e viverá de maneira mais coerente com sigo mesmo e, esse processo faz parte da individuação do sujeito.

É entender que é utópico pensar que um dia um ser humano pode ser completamente perfeito, sem a existência de nada que a sociedade considere defeituoso para a personalidade; e, por fim, reintegrá-la, que consiste basicamente em entender quais conteúdos consiste na persona e quais na sombra voltando para o Si-mesmo, que o Eu profundo, aquilo que é divino e presente em todos os indivíduos (OCAÑA, 2008). 

A Individuação

A experiência total de integridade que ocorre ao longo da vida é considerada por Jung “individuação”.  Jung baseia-se nesse conceito, na observação que teve de que as pessoas crescem e se desenvolvem ao longo dos anos que têm de vida na terra. Sendo que do momento que nasce até por volta dos 20 anos, é uma fase de desenvolvimento físico. Na meia idade já começam a surgir lembretes da imortalidade, como rugas e flacidez. Com a meia idade inevitavelmente se chega a velhice, que pode ir dos 70 aos 120 anos, idade esperada para os próximos séculos. (STEINS, 2006)

O conceito de individuação nasceu em um período de sentimento de crise histórica. No livro de Jung “Tipos Psicológicos”, ele discute o problema que o homem moderno enfrenta diante da especialização, fragmentação e unilateralidade e alienação. Nesse livro, especialmente no capítulo sobre Schiller, Jung deixa claro que ver o homem moderno em desarmonia interior e alienação de si mesmo. (GORRESIO, 2016)

Gorresio (2016), afirma que a individuação pode ser compreendida como:

A grande jornada do ego na busca e no aumento da consciência do Si-mesmo. A essência da individuação consiste no “conhecer-se a si mesmo”. Mas o que é o Si Mesmo Para Jung, o Si-Mesmo é “a soma total dos conteúdos conscientes e inconscientes”, portanto individuar-se significa a realização consciente do potencial de cada um. Nas palavras de Jung, individuar-se é “o melhor desenvolvimento possível da totalidade de um indivíduo determinado”. Requer-se para tanto a vida inteira de uma pessoa, em todos seus aspectos biológicos, sociais e psíquicos. 

Pode então se dizer que a individuação é o processo de tornar a personalidade unificada e única, ou seja, uma pessoa integrada, uma totalidade. Mas é possível fracassar na individuação, não é uma tarefa fácil e poucos conseguem. “Pois, uma pessoa pode permanecer dividida, não-integrada, internamente múltipla, até chegar a uma idade avançada” (STEINS, 2016)

“Percebe-se que a individuação, eixo-mestre da praxis junguiana, pressupõe a disponibilidade para o auto sacrifício – o sacrifício do Eu em face das exigências do Si mesmo, o que implica também disponibilidade para suportar o sofrimento,” (BARRETO, 2009). Por isso não é uma tarefa fácil. Pois conseguir enfrentar e ter conhecimento da persona e da sombra, enfrentar a experiência do encontro entre consciente e inconsciente exige “coragem”. Pois isso é o que de fato podemos entender como individuação, é o processo de desenvolvimento entre os conflitos do consciente e inconsciente. (STEINS, 2016)

O processo de individuação consiste em ficar frente a frente com os vários aspectos sombrios que cada um tem dentro de si, reconhecendo-os e despindo-se da persona e das imagens primordiais.  Jung vê o processo de individuação diferente do individualismo, pois esse processo estimula o indivíduo a criar condições para que ele quanto os que estão a sua volta desperte o melhor de si. Compreendo assim a convivência coletiva, mantendo assim próximo da totalidade também da individualidade. Consiste numa aproximação do indivíduo ao mundo e não da sua exclusão.

Jung (2009) afirma que:

A individuação, em geral, é o processo de formação e particularização do ser individual e, em especial, é o desenvolvimento do indivíduo psicológico como ser distinto do conjunto, da psicologia coletiva. É portanto um processo de diferenciação que objetiva o desenvolvimento da personalidade individual. (…) Uma vez que o indivíduo não é um ser único mas pressupõe também um relacionamento coletivo para sua existência, também o processo de individuação não leva ao isolamento, mas a um relacionamento coletivo mais intenso e mais abrangente.

O Instituto Freedom (2017) afirma que a individuação é o centro da teoria de Jung, já que a mesma remete ao conhecimento que a pessoa tem do Si Mesmo, se trata da realização do self. Pois o principal foco da individuação é o conhecimento que o indivíduo tem de si mesmo. Para que esse processo ocorra é preciso a realização dos campos da espiritualidade, da arte e da religião, assim também o íntimo da alma. É ter autoconhecimento, saber lidar com a convivência coletiva, enfrentar o negativo da mesma forma que lida com o positivo.  Não é um processo fácil. Da mesma forma que o corpo precisa de alimento para sobreviver, a personalidade precisa de experiências para individuar-se.

Conclusão

Pode-se dizer então que compreender o inconsciente não é tarefa fácil (INSTITUTO FREEDOM, 2016). Por isso enfatizava em suas obras a importância do sujeito no processo terapêutico.  Assim sendo, a sombra é um arquétipo muito importante para ser trabalhado no setting, assim também, paciente e terapeuta, trabalham juntos para a construção da individuação do paciente. Mas como dito anteriormente, não são todos os pacientes que conseguem chegar a ela. É importante dizer que Carl Jung (2003) compara as pessoas como uma árvore, simbolizando o desenvolvimento, a união dos opostos, às raízes nas profundezas, e os galhos no alto. Um processo de união entre consciente e inconsciente. Esse processo de crescimento da árvore é lento, e o mesmo acontece com o cliente/paciente, que em um processo lento em terapia, pode chegar a essa união de opostos. (INSTITUTO FREEDOM, 2016)

REFERÊNCIAS 

BARRETO, Marco Heleno. A dimensão ética da psicologia analítica: individuação como “realização moral”. Seção Temática • Psicol. clin. 21 (1) • 2009.

CAMPOS, Josmar Furtado de; et al. Sombra, um despertar para as potencialidades. Rev. Científica univiçosa, v. 9, n. 1, 2017.

CORDEIRO, A. M. et al. Revisão sistemática: uma revisão narrativa. Rev. Col. Bras. Cir.

vol.34 no.6 Rio de Janeiro, nov./2007

FRANZ, Marie-Louise Von. A sombra e o mal nos contos de fadas. Editora Paulus, 3 ed, São Paulo, 2002.

INSTITUTO FREEDOM. Etapas do processo de individuação e os desafios. Psicologia Analítica. 2016. Disponível em: https://institutofreedom.com.br/blog/etapas-do-processo-de-individuacao-e-os-desafios/ Acesso em: 10 de junho de 2021.

INSTITUTO FREEDOM. O processo de individuação segundo Carl Gustav Jung. Psicologia Analítica. 2017. 

Disponívelem:https://institutofreedom.com.br/blog/o-processo-de-individuacao-segundo-carl-gustav-jung/. Último acesso em 03 de junho de 2021.

JUNG, Carl. Gustav. Estudos Alquímicos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. Petrópolis: Vozes, 2009.

OCEANÃ, Emma Martínez. A sabedoria de Integrar a Sombra. Lisboa, jun 2008.

STEIN, Murray. Jung e o Caminho da Individuação: Uma introdução concisa. Editora Cultrix, 1 ed., São Paulo, 2020.

STEINS, Murray. O mapa da alma. Editora Cultrix, 5 ed. São Paulo. 2016

ZWEIG, Connie; ABRAMS, Jeremiah. Ao Encontro da Sombra: O Potencial Oculto do Lado Escuro da Natureza Humana. Editora Cultrix, São Paulo, 1994. 

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Breaking Bad: a evolução do declínio humano

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O universo cinematográfico tem investido pesadamente em séries que narram histórias reais de personagens de índole, no mínimo, duvidosas. Cada vez mais as séries e filmes em que se têm os vilões como protagonistas caíram no gosto dos telespectadores.

Uma série de televisão que deixou sua marca na história, por glamourizar o estilo de vida criminoso foi Breaking Bad. Lançada em 2008, contando com 05 (cinco) temporadas, a série de Vince Gilligan narra momentos da vida de um brilhante professor de química de uma escola de Albuquerque, Novo México, que se envolve com tráfico de Metanfetamina.

Walter White (Bryan Cranston), pai de família, um brilhante químico, conhecido por seus princípios éticos profissionais, sempre trabalhou honestamente para conseguir seu sustento. No início da história, White possui uma dupla jornada de trabalho, como professor e funcionário de uma empresa de Lava Jato, para garantir a subsistências de seus familiares.

Acontece que White já não dispõe de boa saúde, descobre que possui câncer de pulmão e que teria somente 18 meses de vida. Essa descoberta o leva a ter diversas preocupações, principalmente em como ficaria a vida de seus familiares após sua partida.

Fonte: encurtador.com.br/loAKT

Consciente de sua morte iminente, White busca encontrar meios de garantir renda para sua família e, certo dia, em uma confraternização de familiares, enxerga a oportunidade de levantar uma grande quantia em um curto espaço de tempo: traficando uma droga que possui um poder destrutivo e viciante gigantesco, a metanfetamina.

Apesar de ser um brilhante químico, Walter não conhecia o submundo do crime, mas sua inexperiência não o impediu de seguir com seu plano. Com a ajuda de um ex-aluno, Jesse Pinkman (Aaron Paul), White começa a construir um império e passa a se intitular de Heisenberg – uma homenagem a Werner Karl Heisenberg, físico alemão ganhador do Nobel Física de 1932 “pela criação da mecânica quântica, cujas aplicações levaram à descoberta, entre outras, das formas alotrópicas do hidrogênio”.

Heisenberg atraiu muito dinheiro e muitos problemas. Os espectadores acompanharam a transformação de um humilde professor que tinha certeza de sua morte em um traficante extremamente perigoso que passa a ter prazer naquilo que faz.

Essa transformação do personagem pode ser observada, nos ensinos de Carl Gustav Jung (Psicologia Analítica), como uma aproximação sucessiva com o lado destrutivo da sombra. Para essa abordagem, a sombra faz parte de todos os indivíduos, faz parte dos instintos que mais desejamos controlar (raiva, medo, ódio, luxúria, inveja etc.). Pode ser interpretada como a parte obscura da psiquê, entendida como o lado negativo de cada indivíduo, algo complexo e dotado de vitalidade autônoma.

Fonte: encurtador.com.br/qFIO3

Com Heisenberg a história não é diferente, momentos decisivos de conflito interno vão dando indícios de sua personalidade oculta se aflorando. Sua ambição financeira, seu desejo pelo poder, sua arrogância e complexo de superioridade. Todas essas características são apresentadas de forma sutil, até que somos surpreendidos com um diálogo do personagem com sua esposa, Skyler White (Anna Gunn), que estava preocupada com sua segurança e de sua família:

“Não estou em perigo, Skyler, eu sou o próprio perigo. Se baterem na porta de um homem e derem um tiro nele, vocês irão pensar que eu sou este homem? Não! Eu sou o que bate na porta.” (Episódio 06, Temporada 04).

O personagem nos traz diversas reflexões sociais, algumas interpretadas de forma errônea, mas, para o estudo psicológico, percebe-se não só a mudança comportamental, mas a exposição daquilo que o próprio indivíduo ocultava de seus pares.

Na Psicologia Analítica, semelhante à psicanálise, há subdivisões do inconsciente. Entre elas, há o inconsciente coletivo, no qual pode-se afirmar que “habita” as sombras, pois essa parte representa os instintos e desejos de que todo ser humano tem e que são observados por sonhos, alucinações ou outras manifestações humanas. Esse processo culmina no termo arquétipo, no qual representa uma figura simbólica sobre um dado grupo ou comportamento humano.

Fonte: encurtador.com.br/zEVX1

Walter White, nos primeiros momentos da série, demonstra e apresenta controle emocional e um contato mínimo do self, como um cidadão americano exemplar em todos os aspectos.

Contudo, no decorrer dos episódios, percebe-se que ele estava aos poucos dominado pela Sombra, apenas vivia a mercê de seus desejos, sem controle ou algum tipo de critério regulador. Isso culminou na manifestação de contravenções, fruto de comportamentos muitas vezes reprimidos e guardados no inconsciente que desafiam leis moras e que perturbam o indivíduo.

Nesse contexto, é possível inferir também que o protagonista vivenciou vários complexos, pois no decorrer da série foi possível observar profundos conflitos entre dilemas morais e desejos reprimidos do inconsciente.

REFERÊNCIAS

NORONHA, Heloisa. Todos temos um “lado sombra” da personalidade: o que é e como lidar com ele. Portal de Divulgação Científica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Publicado em 15 set 2020. Disponível em: < https://sites.usp.br/psicousp/todos-temos-um-lado-sombra-da-personalidade-o-que-e-e-como-lidar-com-ele/>, Acesso em 22 ago 2021.

LEVY Edna G. Sombra. Disponível em: < https://www.jogodeareia.com.br/psicologia-analitica/sombra/>, Acesso Em: 22 ago 2021.

LUIS, Alexandre Fernandes Ogasawara. A sombra na contemporaneidade: o impacto dos conteúdos sombrios no processo criativo na disciplina de Projeto de Produto do curso de Design. São Paulo, 2014. 43p. Monografia (Especialização em Psicologia Junguiana). Faculdade de Ciências da Saúde- FACIS.

PERIPOLLI, Monica Silveira. A química de Walter White: construção do anti-herói na narrativa de Breaking Bad. Universidade Federal de Santa Maria. Centro de Ciências Sociais e Humanas. Departamento de Comunicação Social. 2015. Disponível em < https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/1778/Peripolli_Monica_Silveira.pdf?sequence=1&isAllowed=y>, Acesso em 22 ago 2021.

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A sombra coletiva: uma reflexão sobre a representação do Coringa

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A sombra humana não é composta apenas de coisas moralmente repreensíveis, ela é também composta por boas qualidades como: instintos normais, reações adequadas, impulsos criadores entre outros.
Jung

Recentemente foi lançado o trailer oficial do filme solo do Coringa. Interpretado por Joaquin Phoenix como Arthur Fleck, o personagem é descrito como louco e com uma inocência macabra. Ele trabalha como palhaço durante o dia e tenta a sorte como comediante de stand-up à noite, mas não se dá muito bem. Assim, o personagem encontra dificuldades na interação com a população de Gotham City, e fica oscilando entre o que é real e a fantasia, seus problemas psicológicos são evidentes, tanto que a psicóloga do filme parece desistir de acompanhar o caso.

O Coringa tem uma personalidade ambivalente, não podendo ser caracterizado nem como negativo nem como positivo, assim ele é designado como anti-herói. Possuindo seu próprio jeito de fazer as coisas, com um aspecto geralmente atraente e/ou sedutor, um tanto ingênuo e sempre representado em forma de palhaço. Essas são características em comum que se faz presente em todos os filmes e animações da DC Universe.

Usando das diversas mitologias pode-se fazer um comparativo entre Coringa e o Trickster, onde ele é representado de diversas formas conforme o costume de cada povo. Geralmente são personagens egoístas e que cobram um preço por sua ajuda, conduzem a aventura de uma forma mais perigosa. Porém o desenvolvimento de quem interage com ele é sempre maior, devido à necessidade de ir além dos seus limites conhecidos para superar essas situações. Outro exemplo no cinema é o pirata Jack Sparrow; em todos os seus filmes, o personagem está sempre no limite do certo e do errado levando seus companheiros para muitos perigos.

Esses personagens representam o tipo de comportamento que em geral as pessoas escondem ou temem demonstrar, deixando apenas na sombra. O termo Sombra ou Arquétipo da Sombra na psicologia analítica, de acordo com Franz (2008), é a representação de qualidades e atributos desconhecidos ou pouco conhecidos que pertencem à esfera pessoal. Ela se desenvolve naturalmente em todas as pessoas na medida em que o indivíduo identifica e deposita na Sombra características que não são aceitáveis de acordo com a sociedade.

Nesse sentido, o Trickster pode ser considerado uma personificação da Sombra Coletiva, essa que contém tudo o que não é aceitável pela cultura. Essa sombra é o lado obscuro do ideal coletivo. Zweig e Wolf (2000) apontam que as manifestações da Sombra devem ser imaginadas como camadas, uma sobre a outra, na qual a parte pessoal dela se armazena dentro da Sombra familiar, da Sombra cultural e da Sombra coletiva. Então o Coringa/Trickster transita por essa Sombra, de forma que as imposições da sociedade pouco lhe importam.

Fonte: encurtador.com.br/uAGU6

Jung (1986) afirma que a sombra humana não é composta apenas de coisas moralmente repreensíveis, ela é também composta por boas qualidades como: instintos normais, reações adequadas, impulsos criativos entre outros. O arquétipo da sombra é enganosamente associado ao mal, e se faz necessário compreender o sistema complexo que não pode ser reduzido ao nome ou uma figura que o representa.

No filme do Batman – Cavaleiro das trevas, quando o Coringa encontra o promotor Harvey Dent no hospital, existe uma fala marcante, onde ele diz que “é na hora da morte que conhecemos verdadeiramente o caráter das pessoas”. A hora da morte é quando, como ilustrado em histórias, se passa um filme sobre toda nossa vida e com isso podemos ter acesso a partes que antes ignorávamos. Nesse sentido, o Trickster em nosso psiquismo nos impulsiona para uma morte simbólica para que saibamos do que somos feitos.

Dessa forma, o Coringa/Trickster propõe um encontro com a Sombra, e com isso media um processo de conhecimento de si próprio sobre as partes que anteriormente estavam ocultas ou eram negadas. Isso favorece a individuação, que é um processo em que o indivíduo assume sua própria identidade, reconhecendo e aceitando partes de si que inicialmente parecem negativas. Toda esta lógica arquetípica pode ser vista no Coringa. É, portanto, um filme de primeira ordem.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

CORINGA
Diretor:Todd Phillips
Elenco: 
Joaquin Phoenix; Zazie Beetz; Marc Maron;
Gênero: 
Drama; Suspense.
País: EUA
Ano: 2019

REFERÊNCIAS:

FRANZ, Marie-Louise von. O processo de individuação. In: JUNG, Carl Gustav; et al. O homem e seus símbolos. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

JUNG, C.G. Aion – Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo, Petrópolis, RJ, 1986.

ZWEIG, Connie; WOLF, Steve. O jogo das sombras: iluminando o lado escuro da alma. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

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