Filósofo alemão Christoph Türcke propõe resgate da cultura do ritual para conter os efeitos do transtorno de déficit de atenção

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Em “Hiperativos!”, autor destaca a importância da atenção e da repetição no estabelecimento das culturas humanas e apresenta uma proposta para as escolas, a seu ver, um dos lugares centrais para combater o avanço do TDAH.

Mais eficaz que remédios para TDAH, esta é a primeira tentativa de combater, com os meios da filosofia, um “déficit” que se alastra nas sociedades modernas

Thomas Steinfeld, jornalista

Em “Sociedade excitada”, Christoph Türcke alertou para a agitação e o senso de urgência que ditam o ritmo da sociedade contemporânea. Em seu novo livro, o filósofo parece apresentar justamente as consequências deste cenário. “Hiperativos!” aborda o transtorno do déficit de atenção, suas implicações nas relações sociais e os possíveis caminhos para uma vida mais concentrada e saudável.

O autor mostra a importância da atenção e da repetição no processo de estabelecimento das culturas humanas e resgata a formação dos costumes, vistos por ele como um fenômeno de legítima defesa de um sistema nervoso altamente sensível.  Desta forma, o homem primitivo teria criado os rituais para conter seus medos da natureza. Assim, teriam surgido os sacrifícios e depois ritos mais suaves, como orações e refeições.

Em seguida, Türcke analisa como a conduta humana foi alterada e acelerada com a chegada das máquinas e o advento da imagem, que para ele gera no espectador um contínuo impulso ao despertar. Ele observa o mesmo fenômeno nos materiais impressos: “Nas últimas duas décadas, todos os grandes jornais estão cada vez mais parecidos com as revistas ilustradas. Sem fotos grandes eles não podem mais concorrer. Toda a diagramação supõe que ninguém tem mais concentração e resistência suficientes para ler um texto da primeira à última página, linha por linha”, afirma.

O filósofo fala ainda sobre os efeitos do déficit de atenção nas crianças, que não conseguem se concentrar e nem persistir em atividades coletivas. E propõe, portanto, uma nova disciplina escolar, batizada provisoriamente de “estudo do ritual”. Para os alunos pequenos, ele explica, serviria como uma paciente e criteriosa prática de conduta que condensaria toda a matéria de aula em intervalos regulares de pequenos atos como apresentações e ensaios:

“Educadores e professores que praticam com muita paciência e calma ritmos e rituais comuns, que nesse percurso passam o tempo comum com as crianças que lhes são confiadas; que se recusam a adaptar a aula a padrões de entretenimento da televisão, com contínua troca de método; que reduzem o uso de computadores ao mínimo necessário; que ensaiam pequenas peças de teatro com as crianças, apresentam a elas um repertório de versos, rimas, provérbios, poemas, que são decorados, mas com ponderação e entendimento; que não se servem permanentemente de planilhas, mas fazem os alunos registrarem caprichosamente o essencial num caderno: eles são membros da resistência de hoje”, completa.

“Hiperativos!” é um livro para pais, professores, pedagogos, psicanalistas e para qualquer pessoa que lide direta ou indiretamente com o transtorno de déficit de atenção. Uma leitura fundamental para compreender e transcender os impactos das novas tecnologias da comunicação nas estruturas perceptivas do indivíduo.

Agenda do autor no Brasil

19/11- 9h – PUC-Minas, Poços de Caldas- Conferência: “Filosofia da sensação”

21/11- 19:30-Unifal, Alfenas- Conferência: “Filosofia da sensação”

23/11-10:30-UFRJ-Campus da Ilha do Fundão- Conferência: “Crítica da cultura do déficit da atenção”

Christoph Türcke (1948, Hamelin/Alemanha) é professor emérito de filosofia na Faculdade de Artes Visuais de Leipzig. Foi professor visitante na UFRGS e na PUCRS. Colaborou para as revistas Spiegel e Merkur. Em 2009, recebeu o Prêmio de Cultura Sigmund Freud, concedido a cada dois anos a não psicanalistas cujo trabalho ofereça uma nova luz sobre a importância da psicanálise. No Brasil, publicou “O louco: Nietzche, a mania da razão (1993) e Sociedade excitada (2010). Este é seu primeiro livro pela Paz & Terra.

FICHA TÉCNICA

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 HIPERATIVOS! ABAIXO A CULTURA DO DÉFICIT DE ATENÇÃO

Autor: Christoph Türcke

Tradução:  José Pedro Antunes

Páginas: 144

Editora:  Editora Paz & Terra (Grupo Editorial Record)

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TDAH – um efeito colateral

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Como vemos empiricamente em nossa vida ao redor e como tem apontado estudiosos das tendências comportamentais do século XXI – como Bauman -, a tendência atual, na criação das crianças, é os pais acompanharem-nas cada vez com menos tempo – uma vez que trabalham o dia todo – e colocarem os filhos cada vez mais cedo nas escolas (isso não é necessariamente indicativo de falta de acompanhamento; no conjunto das características aqui apontadas pode ser); além disso, existe a tendência de entregar a posição central de decisão sobre a forma de criar os filhos cada vez mais ao saber alheio-especializado-médico-psicológico-medicalizado-medicalizante-psicologizado-psicologizante que está tomando conta tanto da iniciativa privada de serviços quanto dos equipamentos públicos de saúde, de educação, forenses e etc.

A especialização do saber possui dois efeitos colaterais: o primeiro é que não permite o trabalhador possuir, por dedicação e intuição, outro saber, ou seja, com dificuldades as pessoas podem aprender a ser pais e mães. Elas primeiramente são trabalhadoras, desde as primeiras horas do dia e, quando cansados e estressados, são pais, no final da noite. O segundo é a morte dos saberes que se propagam exatamente por suas características generalistas, como o saber de ser pai e de ser mãe. O descompasso relacional entre pais e filhos é mais um dos efeitos colaterais de tal sistema. A solução do sistema para seus efeitos colaterais é a produção de mais saberes especializados, mais medicações e mais efeitos colaterais. O TDAH é, antes de ser um diagnóstico, um efeito colateral.

O TDAH, de acordo com estudos sobre o desenvolvimento do conceito, é um diagnóstico médico-psiquiátrico cuja história remete aos estudos de George Still que relacionou as dificuldades de atenção a um suposto déficit neurológico, denominando, o conjunto dos comportamentos apresentados por 43 crianças que estudou, como “defeitos mórbidos de controle moral”. Na década de 40 tal conjunto de comportamentos passou a ser considerado “lesão cerebral mínima” e na década de 60 como “disfunção cerebral mínima” (BOARINI, 2007, p.39).

Um fator que continua na história de tal diagnóstico é a ideia de que é a criança que, no processo diagnóstico, não sabe (saberes e limites) e com dificuldades pode aprender (saberes, limites e/ou ambos). Todavia, as crianças exploram suas antenas, suas linguagens, suas comunicações. Elas fazem questões e, com elas, avançam, independente se o saber a que buscam encaixa-se naquele disponível nas escolas.

Os pais, nesse processo, pela falta de tempo e pela decadência atual da intuição como maneira de produção de saberes, pouco ou quase nenhum conhecimento produzem acerca de seus filhos e de como com eles podem se relacionar. Diante disso, buscam saberes nos profissionais. Esses, por sua vez, dizem tê-los. Contudo, pais, profissionais e professores estagnam-se na impotência diante do fenômeno social chamado TDAH. Por quê?

A busca, em outras pessoas, por respostas aos problemas de saúde (mentais inclusive) que enfrentamos é uma característica congruente à característica gregária do ser humano. Essa busca, atualmente, possui uma tendência a se dar nos seguintes moldes: o saber que resolverá os problemas familiares encontra-se (supostamente) no outro, e somente nele, e, tal saber, quando consultado, continua no outro, ou seja, não é compartilhado, mas prescrito, podendo ser prescrito outras vezes, por tempo indeterminado. Tal saber fundamenta-se na permissão para o uso de determinadas e específicas técnicas em cujo seio não se desenvolve a intuição tão pouco se discute o “relacionar-se”. Desse modo, tanto por parte dos pais quanto por parte dos técnicos, o “relacionar-se” não é colocado em questão. Essa característica social é condição para a estagnação impotente.

O saber que os pais acumulam torna-se descartável e, por troca, compram o saber do especialista para repor aquele que, por fim, descartam, por não serem imediatamente resolutivos. Isso ocorre quando buscamos um médico quando estamos apenas gripados ou um psicólogo quando estamos apenas tristes. Nossa tolerância ao “desenvolver-se” parece que se estreita no passar do tempo. Esse é um efeito do sistema especialista do conhecimento, uma vez que o “desenvolver-se” como ser humano depende da integração de nossos saberes. Outra condição da estagnação impotente.

O saber que se proclama correto sobre o TDAH, como o constante no sítio da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), define-o assim:

O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e freqüentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. (http://www.tdah.org.br/br/sobre-tdah/o-que-e-o-tdah.html)

Gomes et al (2007) apresentam uma pesquisa (financiada por um dos laboratórios que produzem o metilfenidato no Brasil e apoiada pela ABDA) na qual a existência do TDAH enquanto entidade nosológica é colocada como princípio. Nas palavras dos autores

Como sugerido anteriormente (BEKLE, 2004), embora o auto-relato dos grupos indique consciência acerca da entidade cli´nica TDAH, existem importantes equi´vocos quanto a essa entidade, potencialmente mais graves nos grupos profissionais, uma vez que estes se responsabilizara~o pelo encaminhamento, diagno´stico e tratamento dos portadores. Isso fica especialmente evidente nos educadores, o u´nico grupo profissional no qual parte dos entrevistados (uma parcela expressiva) afirmou que o TDAH na~o e´ uma doença.

Nota-se que em tal pesquisa, a afirmação “o TDAH não é uma doença” é considerado um erro a ser sanado com as informações certas. Vemos isso na conclusão a que chegam os autores acerca da necessidade urgente de capacitação de profissionais que lidam com o TDAH para que o diagnóstico e o tratamento sejam bem sucedidos, concluindo que os profissionais (da saúde e da educação) ainda não sabem fazer o diagnóstico da doença. Para Gomes et al (2007)

É importante que grupos como os educadores reconheçam o cara´ter neurobiológico do TDAH para entender, entre outros aspectos, a ineficácia das punições (Brook e Geva, 2001) e encaminhar corretamente os casos. Os presentes resultados demonstram que, para os educadores brasileiros, o TDAH não se associa a uma disfunção do sistema nervoso central. Estudos futuros devem investigar de que forma a escola se prepara para identificar e acompanhar portadores de TDAH (GOMES et al, 2007, p.100).

Sobre a metodologia da pesquisa de Gomes et al temos que:

As entrevistas foram realizadas da seguinte forma: para a população em geral, realizou-se uma abordagem pessoal dos entrevistados, com aplicação de um questionário estruturado com cerca de 15 minutos de duração. Após a coleta dos dados, em torno de 30% das entrevistas de cada entrevistador foram refeitas pessoalmente ou por telefone para checagem da correção dos dados. Para médicos, psicólogos e educadores, as entrevistas foram realizadas por telefone, tendo-se utilizado um questionário estruturado especiíico para cada grupo. Os questionários utilizados em cada etapa estão disponíveis no endereço eletrônico (www. tdah.org.br) da Associação Brasileira de TDAH. (GOMES et al, 2007, p. 96)

Tal método permite apenas o levantamento de hipóteses sobre o saber e a prática dos profissionais pesquisados uma vez que, por centrar-se em questionários e re-afirmações por telefone, abrange informações bastante simplificadas acerca do que realmente os entrevistados sabem e praticam em torno do TDAH. Além disso, o processo de construção de tais saberes não é nem de longe debatido, deixando de discutir a relevância da medicalização em tal construção. Desse modo, concluo que as conclusões e discussões do artigo são precipitadas e carecem de embasamento nas ciências sociais uma vez que visam analisar a construção de saberes bem como a manutenção de práticas sociais.

Ao passo que um grupo de pesquisadores e profissionais da área tem por princípio que o TDAH é uma entidade nosológica, tal princípio é por outros pesquisadores e profissionais, questionado em sua veracidade.

As psicólogas que fazem uma leitura ampla sobre o tema do TDAH são: Maria Lúcia Boarini (Universidade Estadual de Maringá), Luciana Vieira Caliman (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Soraya da Silva Sena e Luciana Karina de Souza (Univesidade Federal do Espírito Santo). Virgínia Kastrup (UFRJ) estuda e escreve sobre atenção.

Boarini e Borges (2009) iniciam o livro “Hiperatividade, higiene mental e psicotrópicos: enigmas da caixa de Pandora” discutindo o TDAH a partir da ideia de espaço de convivência humana e de vivência da passagem do tempo. Explicitam que vivemos num modo metaforicamente comparado à uma panela de pressão no qual os grãos, no caso os humanos, vivem num espaço curto e em constante agitação. Discutem, ainda, o apostilamento das atividades escolares como maneira de aceleração da formatação das crianças e resgatam a história do uso de psicoestimulantes, como o café, para desacelerar motormente as crianças e acelerá-las na correria informacional da vida contemporânea. O uso da cafeína, usado na pedagogia doméstica, cedeu lugar a partir das décadas de 80 e 90 (do século XX) ao uso do metilfenidato, usado na “pedagogia” ortopédica. Além disso ressaltam o papel da mídia na construção de tal diagnóstico.

Uma das principais questões lançadas com maestria por Caliman (2008) é a seguinte: ao se tratar o TDAH, trata-se “uma patologia da atenção ou busca-se a otimização das habilidades atentivas, requeridas principalmente pelo espaço ocupacional e escolar”? (…) “Até onde estamos tratando de uma patologia, quando estamos buscando a melhora da performance atentiva?” (CALIMAN, 2008, p.564).

Para Gordon e Keiser (1998), as controvérsias em torno do diagnóstico do TDAH nascem primeiramente de sua face interna. Os sintomas que definem o transtorno (desatenção, impulsividade e hiperatividade) são, em menor grau, traços comuns da natureza humana. Todo indivíduo é, em certa medida, um pouco desatento, impulsivo, desorganizado, e nem sempre finaliza as tarefas almejadas, especialmente quando o sujeito em questão é uma criança de 6 ou 7 anos de idade. (CALIMAN, 2008, p. 562)

O questionamento levantado por Caliman é simples, direto e esclarecedor: como quantificar como normal ou doentia uma característica que é de todos e que é totalmente social dependente? Com tais questões, Caliman delineia uma dúvida contundente num suposto exato saber, colocando em xeque toda a parafernália diagnóstico-farmacológica empreendida mundialmente em torno daquilo que se nomeia por TDAH.

Soraya da Silva Sena (2008) aponta uma discussão central acerca do TDAH, a saber: o diagnóstico TDAH leva a quatro grandes ações técnicas, em ordem decrescente de hegemonia: a prescrição medicamentosa, a psicoterapia, a orientação familiar e intervenções nas escolas. Desse modo, Soraya evidencia o quanto o modelo biomédico é hegemônico na rede brasileira de cuidados e ações frente a tal diagnóstico. Mais uma vez vê-se, pela ordem das técnicas empregadas para a resolução do que se chama por TDAH, que o “relacionar-se” não é pauta de discussão.

A hegemonia do tratamento farmacológico para o que se chama de TDAH mostra que as questões envolvidas nesse fenômeno são, hegemonicamente, tratadas em nível bioquímico. Ou seja, a análise sobre as implicações do processo que culmina nos comportamentos que, em conjunto, são associados ao diagnóstico TDAH, é centrada numa simplificada relação existente entre o nível bioquímico do funcionamento neural e o conjunto dos comportamentos emitidos pelas crianças ou adultos diagnosticados. Contudo, o comportamento, mesmo que bioquimicamente composto, é mantido pela interação entre tal nível, o resto do ser e o meio. A análise centrada no “olhar para o corpo da criança, em seu nível bioquímico” é a repetição da centralização de poder em torno do saber científico (classificação outorgada pelos próprios sabedores). Uma análise ampliada revela a complexidade das relações entre pessoas, suas atenções, impulsividades e envolvimentos.

Boarini e Borges (2009) fazem um extenso levantamento das pesquisas referentes ao TDAH e apontam a fragilidade teórica, técnica e ética do aparato que sustenta o diagnóstico e o tratamento. Das pesquisas estudadas pelas autoras, ressalto as de:

1 – Guilherme et all estudaram 628 publicações e 55 artigos e concluíram que a relação entre funcionamento conjugal e TDAH são muito heterogêneas, demandando pesquisas longitudinais sobre o tema.

2 – Tannock, Dupaul, Stoner, Wannmacher ressaltam a falta de objetividade do diagnóstico uma vez que os sintomas possuem um continuum e dependem de julgamento subjetivos.

3 – Raul Gorayeb – psiquiatra e psicanalista – diz que “em quase 35 anos de experiência clínica, eu não me convenci da existência desse distúrbio e nem que ele seja curado com essa droga” (Gorayeb citado por Boarini, p.40)

Percebe-se que as pesquisas apontadas questionam o TDAH enquanto entidade nosológica e apontam questões, antes de enunciarem verdades comprovadas. Evidencia-se, portanto, sobre o TDAH um debate polarizado em dois conjuntos discursivos: um que debate os processos sociais em torno do TDAH e coloca em questão o lugar da verdade dos saberes que sobre ele se debruçam e outro que enuncia uma verdade que, se negada, a negativa, antes de ser uma dúvida, é um erro.

Esse último pólo, o que discute em termos de verdade em oposição a saberes errados (como na catequese para almas errantes), encara o metilfenidato como a principal terapêutica. De acordo com Gomes et al:

De fato, os estudos têm demonstrado que mesmo as abordagens combinadas, por exemplo, medicação e psico-terapia comportamental, não são eficazes em comparação com o uso isolado de medicamentos (BARKLEY, 2004; ROHDE e HALPERN, 2004). (GOMES et al, 2007, p.100)

O princípio ativo da medicação mais usada para os principais sinais do TDAH é o metilfenidato, um estimulante do sistema nervoso central. De acordo com a bula da droga

Seu mecanismo de ação no homem ainda não foi completamente elucidado (grifo meu), mas acredita-se que seu efeito estimulante e´ devido a uma inibição da recaptação de dopamina no estriado, sem disparar aliberação de dopamina. O mecanismo pelo qual ele exerce seus efeitos psi´quicos e comportamentais em crianças não esta´ claramente estabelecido (grifo meu), nem ha´ evidência conclusiva que demonstre como esses efeitos se relacionam com a condição do sistema nervoso central. (http://www4.anvisa.gov.br/base/visadoc/BM/BM%5B26162-1-0%5D.PDF)

Dentre as possíveis reações adversas estão o nervosismo, dificuldade para dormir e perda do apetite. Além dessas, pode também ocorrer:

  • febre alta repentinamente;
  • dor de cabeça grave ou confusão, fraqueza ou paralisia dos membros ou face,
  • dificuldade de falar (sinais de distúrbio dos vasos sanguíneos cerebrais);
  • batimento cardíaco acelerado; dor no peito; movimentos bruscos e incontroláveis (sinal de discinesia);
  • equimose (sinal de púrpura trombocitopénica);
  • espasmos musculares ou tiques;
  • garganta inflamada e febre ou resfriado (sinais de distúrbio no sangue);
  • movimentos contorcidos incontroláveis do membro, face e/ou tronco;
  • alucinações;
  • convulsões;
  • bolhas na pele ou coceiras (sinal de dermatite esfoliativa);
  • manchas vermelhas sobre a pele (sinal de eritema multiforme);
  • deglutição dos lábios ou língua ou dificuldade de respirar (sinais de reação alérgica grave);
  • erupção cutânea ou urticária;
  • febre, transpiração;
  • náusea, vômito, dor no estômago, tontura;
  • dor de cabeça, desânimo, cansaço.
    (http://www4.anvisa.gov.br/base/visadoc/BM/BM%5B26162-1-0%5D.PDF)

O aumento do consumo do metilfenidato é significativo:

1 – na HOLANDA: em 2008, 34% das crianças tomavam medicamentos para TDAH;

2- na ARGENTINA: de janeiro a setembro de 2005 houve um aumento de 900% em comparação com as vendas de 1994;

 3 – no BRASIL: em quatro anos, de 2000 a 2004, houve um aumento de 940% no consumo da droga; (Boarini, e Borges, 2009)

4 – na ALEMANHA, em 2004, os números apontavam que cerca de 500 mil crianças e adolescentes tinham o diagnóstico TDAH.

5 – nos ESTADOS UNIDOS: a produção do medicamento aumentou cerca de 700% desde o início da década de 90. Em 1999, os EUA fizeram uso de 85% da produção mundial demetilfenidato para tratamentos médicos (Caliman, 2008);

Em 2004, o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade foi oficialmente reconhecido, através da Resolução 370 (Estados Unidos da América, 2004), como um dos problemas mais graves e importantes da saúde pública americana. De acordo com as estimativas publicadas nesta resolução, o TDAH abrangia de 3 a 7% das crianças e adolescentes americanos em idade escolar (2.000.000) e 4% dos adultos (8.000.000). Devido a esta resolução, o TDAH teve sua entrada nas datas oficiais do país com a proclamação do dia 7 de setembro como o “Dia da Consciência Nacional sobre O TDAH”.  (CALIMAN, 2008, p.560)

O TDAH, atualmente, possui, como principais sinais e sintomas o “comportamento hiperativo e inquietude motora, desatenção marcante, falta de envolvimento persistente nas tarefas e impulsividade” (Lima apud Boarini, 2009, p.20). Pensemos nessa citação e na seguinte questão que dela surge: o que socialmente existe e que é condição de possibilidade ao comportamento hiperativo, à inquietude motora, à desatenção, à falta de envolvimento persistente nas tarefas e à impulsividade?

Para responder a essa questão não precisamos negar a relação existente entre o mundo bioquímico e o comportamental…tão pouco a precisamos simplificar. Para responder a essa questão teríamos e teremos que analisar desde a alimentação a que temos nos habituado, às condições de formação não somente técnica como pessoal, afetiva e corporal, passando pelas condições de trabalho e de governabilidade sobre os problemas que enfrentamos socialmente, pelas divergências que a tecnologia vai inserindo nas relações inter-geracionais até às contruções comuns de nossas escolas-panelas-de-pressão, incluindo a gestão da ética na pesquisa e na aprovação de medicamentos. Uma acurada descrição desses fatores pode nos mostrar que o TDAH, antes de ser um diagnóstico é, antes, um efeito colateral para o qual uma medicação já foi prescrita e que, dificilmente, saíra do cardápio escolar-familiar.

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Medicalização da Educação: a quem interessa?

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O fácil acesso às informações vivido por nossa sociedade, fruto da revolução tecnológica, contribuiu para a melhoria da qualidade de vida de nossa população, principalmente no que diz respeito à saúde.

As consequênciassão várias, por um lado há o prolongamento da vida, mas por outro, essa prática abre espaço ao uso abusivo de medicamentos em nosso século. Em busca do bem estar, aderimos a esse modo de vida, negligenciando por completo uma série de efeitos colaterais vividos no corpo e na sociedade. O que deveria ser considerado normal passa a ser patológico passível de solução por meio dessas drogas lícitas.

A medicalização pode ser entendida como o processo que transforma questões coletivas e sociais em questões individuais e biológicas, mais especificamente, em doença. Diferente da medicação, a medicalização desempenha um papel de controle sobre as pessoas, tornando-as agentes passivos diante dos diversos  questionamentos sobre o processo de adoecimento da sociedade neocontemporânea.

Esse fenômeno tem sido alvo de grande preocupação e debates coletivos, tanto da sociedade civil, quanto no poder público e da academia. Pensando nesses questionamentos, um grupo de cientistas contrários à medicalização da vida organizou o “Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade”. Por reflexo disso, o Conselho Federal de Psicologia lançou uma Campanha Nacional “Não à medicalização da Vida”, chamando atenção de todos para um posicionamento crítico ante o tema. As reflexões encontradas nesse texto são fruto, principalmente, de reflexões a partir da leitura destes  dois documentos.

De acordo com as informações constantes no documento, indústrias de vitaminas, medicamentos fitoterápicos, medicamentos alopáticos e medicamentos homeopáticos cresceram vertiginosamente no mundo inteiro. É conhecimento comum o fato de que a Indústria Farmacêutica é a segunda maior em faturamento do planeta, perdendo apenas para a Indústria Bélica.

A medicalização vem ocorrendo no mundo todo, em escala crescente e em todas as instâncias da vida, uma das áreas que mais tem sofrido esse processo é a educação. Resultado de um movimento recente em justificar os problemas educacionais com explicações de cunho neurológico, o que chamamos de Medicalização da Educação. Entre os defensores da medicalização na educação está o argumento de que ela tende a acalmar o conflito, um dos motivos pelos quais ela se dissemina tão facilmente.

É importante frisar que essa preocupação com a patologização e medicação da vida em todas as suas esferas, especialmente na esfera da educação, vem despertando o interesse de  profissionais da área da saúde do mundo inteiro. Isso pode ser verificado atráves dos fórunsFórumadd e do Coletivo Pasde0deConduit, dois grandes eventos internacionais cujas preocupações são especificamente em relação a essa temática.

Na maioria dos casos, os encaminhamentos das crianças vêm da escola e as queixas sempre são: problema na aprendizagem, agitado demais, agressividade. Mas a questão que fica é: Quais os efeitos e danos da medicação infantil? Auxilia, orienta ou rotula?

Por trás do rótulo diagnóstico e da alta demanda de crianças medicadas, há o interesse sociocomercial que ao inserir a criança no contexto escolhe ter por objetivo principal seu preparo para servir às exigências do mundo capitalista, o qual exige maior produção em menor tempo. Sendo assim, não é levado em consideração que cada indivíduo produz de acordo com o seu tempo cronológico e mental, os quais nem sempre estão conectados.

O alto índice de diagnóstico ignora o fato de que cada indivíduo é único em seu jeito de ser e de se desenvolver, sendo assim, o seu peculiar ritmo de produzir, quando não equiparado aos demais, é considerado como alienado ao mundo dito normal. Mundo esse que foi construído socialmente por todos nós, mas vem ganhando hegemonia através da medicina e da indústria farmacêutica.

O nosso processo de desenvolvimento é complexo, e quando algo não está de acordo com as expectativas e exigências da sociedade dominante, é reduzido à uma visão biologista. Nela, o discurso social moderno medicamentoso tem submetido às crianças de nossa sociedade a um modelo de educação, priorizando o controle e a disciplina.

O movimento antipsiquiátrico teve um importante papel ao questionar o poder do discurso médico sobre a doença e o sujeito. E este discurso científico que surge a partir do século XX, contribuiu tanto para um discurso pedagógico normalizador quanto para a validação de um saber especializado, como, psicologia, fonoaudiologia, psicopedagogia, psiquiatria etc.

Há ainda o papel da mídia que, de uma forma totalmente errônea, fazendo com que aumente a disseminação de supostos diagnósticos por pessoas leigas, rotulam crianças de uma forma banalizada, faz com que a sociedade transforme sintomas cotidianos em transtornos mentais e criam uma demanda cada vez maior por medicamentos. O que reverbera em ganhos financeiros para as empresas. Assim, uma criança pode ser considerada saudável ou doente segundo o observador. O fórum sobre medicalização da educação e da sociedade de 13 de novembro de 2010 em São Paulo aponta que:

A aprendizagem e os modos de ser e agir – campos de grande complexidade e diversidade – têm sido alvos preferenciais da medicalização. Cabe destacar que, historicamente, é a partir de insatisfações e questionamentos que se constituem possibilidades de mudança nas formas de ordenação social e de superação de preconceitos e desigualdades. O estigma da “doença” faz uma segunda exclusão dos já excluídos – social, afetiva, educacionalmente – protegida por discursos de inclusão.

A medicalização naturaliza todos os processos e relações socialmente constituídos e, em decorrência, destrói direitos humanos. A discriminação é um efeito que desmotiva o aluno a frequentar a escola, a criança diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) vai se sentir culpado e discriminado pelos colegas. A escola, por sua vez, não procura outros meios para entender quais são os problemas que estão acontecendo com este aluno no contexto familiar, com o método de ensino do professor, os recursos pedagógicos da instituição etc.

A medicalização tem assim cumprido o papel de controlar e subverter as pessoas, destituindo-as de autonomia, transformando essas pessoas em portadores de distúrbios de comportamento e de aprendizagem. O problema não nasce na escola. Questões de cunho sociais e econômicas estão ligadas a medicalização da educação, em uma esfera macro. Está claro que a escola não tem clareza sobre os riscos de tal prática, e se tem, parece não dar importância ao fato. Despreparada para lidar com a diversidade dos indivíduos, principalmente no contexto escolar, e na tentativa de isentar-se do seu papel, ela busca uma solução imediata, credita no diagnóstico médico e na medicalização a solução para o insucesso de sua prática pedagógica. Tomar certas drogas passa a ser pré-requisito para que a criança possa assistir à aula, por exemplo.

A medicalização em si designa um esforço para conceber a patologia mental a partir da ótica organicista, tendo-se como um de seus pilares teóricos implícitos o pragmatismo, entende a verdade em termos das consequências práticas. Já no fundamento filosófico da clínica psicológica, seu foco é a restituição do bem-estar ao paciente, objetivando diminuir o sofrimento subjetivo a um baixo preço e em um tempo curto.

Ligada intrinsecamente à busca de adaptação às normas sociais está à necessidade de um controle cada vez maior sobre o bom funcionamento psíquico dos sujeitos. A partir do momento que a medicalização pretende situar-se na dimensão da cientificidade, o artigo aborda que o cientificismo é um dos pressupostos teóricos da mesma, demonstrando a insuficiência do dispositivo medicalizante.Nesse contexto, para os alunos a escola passa a ser um lugar de ordens rígidas e severas, não é lugar de brincar, de dar opinião é lugar de obedecer à ordem rigorosamente; os que não cumprirem as ordens são taxados de crianças problema.

As mudanças que acontecem no mundo atualmente são muito rápidas e constantes, a escola e as famílias deveriam se capacitar para lidar com as novas formas com que crianças e jovens se relacionam com o mundo, em vez de taxá-los de doentes. Torna-se cada vez mais necessário, portanto, um olhar mais criterioso sobre a medicalização, ponderando os benefícios e os malefícios do uso constante e desmedido das drogas potencializadoras da atenção no processo de formação de nossas crianças e adolescentes, assim como da importância da família atuante na escola para a resolução do problema.

 

Referência:

Fórum sobre Medicalização da educação e da sociedade. São Paulo, 13 de Novembro de 2010. Disponível em: <http://www.crpsp.org.br/medicalizacao/manifesto_forum.aspx >. Acesso em 30 Set. 2013.

 


Nota – O texto foi elaborado em grupo, a partir de um debate com a turma de psicofarmacologia do curso de psicologia do CEULP/ULBRA em 2013/2, sob supervisão do Prof. M.Sc. Domingos Oliveira.

 

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Tem remédio para o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade?

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O tratamento de alguns transtornos ligados à atenção, principalmente em crianças, usando medicamentos não é pacífico entre os especialistas. Para estudiosos, como Roselania Francisconi Borges, é praticamente estar se preparando para abrir uma “caixa de Pandora”.

Apesar dos estudos, é preciso considerar o contexto social, a complexidade das relações humanas e até a interferência econômico-política, para identificar e tratar as reais causas dos transtornos, em especial, o do déficit de atenção com hiperatividade.

Por este motivo, o (En)Cena conversou com a psicóloga e pesquisadora Roselania Francisconi Borges, que integra o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Higienismo Eugenismo (GEPHE) dedicando-se a estudos e pesquisas que convergem para o campo que faz interface entre as áreas da educação e saúde mental na saúde pública.

Foto: Arquivo pessoal Roselania Borges

Roselania escreveu o livro Hiperatividade, higiene mental e psicotrópicos: enigmas da Caixa de Pandora (2009) junto com Maria Lúcia Boarini. Também escreveu capítulos de livros e outras publicações em periódicos científicos.

A pesquisadora é graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá (1994); Especialista em Saúde Coletiva (1996) e Mestre em Fundamentos da Educação (2006) pela mesma Instituição; Doutora em Psicologia pela Unesp/Campus de Assis-SP (2012). Atualmente é professora no Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá.

(En)Cena – O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é amplamente discutido e apontado como diagnóstico psicológico, em sua definição o que vem a ser esse termo?

Roselania Borges – Acredito que o TDAH é, antes de tudo, uma construção social. Na verdade esse é o termo usado para descrever o comportamento de crianças que antes eram apontadas como inquietas ou muito ativas. É um termo cunhado na sociedade contemporânea para descrever as crianças que, por diversas razões, não conseguem acompanhar o aprendizado ou o curso das atividades pedagógicas de maneira a satisfazer certo padrão de normalidade.

(En)Cena – E quando esse comportamento passou a ser descrito de forma patológica?

Roselania Borges – Na verdade esse foi, como lhe falei, um termo que foi construído há várias décadas. Nos EUA, por volta da década de 1930, pesquisadores perceberam – a partir de um surto de encefalite letárgica que acometeu crianças – que seu comportamento se tornou mais calmo quando esta população infantil foi tratada com um medicamento chamado Cloridrato de Metilfenidato) cujo nome comercial mais conhecido é Ritalina. Na época ele foi recomendado para tal acometimento. Então, a partir daí ele passou a ser utilizado com o fim de aquietar algumas crianças e as terminologias médicas foram surgindo para descrever esse fenômeno, por vezes denominado como lesão cerebral mínima e disfunção cerebral mínima. Atualmente, na Classificação Internacional de Doenças mais recente (CID-10), o termo vem definido na categoria dos Transtornos hipercinéticos, o que na realidade quer dizer o mesmo que TDAH.

(En)Cena  – Existe alguma relação entre a dislexia e o TDAH?

Roselania Borges – Alguns pesquisadores acreditam que a dislexia seja um dos fatores que são relacionados ao TDAH. Existem também aqueles que identificam uma relação entre o comportamento da criança que foge ao padrão convencional e seu ambiente familiar ou social.  Há diversas formas de interpretar aquilo que se acredita ser diferente, estranho ou patológico em uma determinada sociedade em um contexto histórico específico.

(En)Cena – É comum ver casos de pais e mães que chegam aos consultórios com os diagnósticos “prontos” de TDAH?

Roselania Borges – Acredito que é bem comum. Isso porque essa classificação já é algo amplamente difundido em nossa sociedade, seja através da mídia, seja através da própria prática da psicologia ou da área médica. Então, é cada vez maior o número de mães que dizem que a professora na escola já “falou que o meu filho é hiperativo” ou que acredita que sua capacidade de aprender está prejudicada por um transtorno de atenção.

(En)Cena – E quais são os fatores que contribuem nos dias de hoje para um aumento destas classificações?

Roselania Borges –  Vivemos em um mundo que tem uma dinâmica que demanda comportamentos simultâneos e rápidos. Então é natural ouvir música enquanto se lê um assunto em um site e se conversa em um chat. Isso também se passa com as crianças. Cada vez mais elas têm atividades que fazem com que sua atenção seja dividida entre essas várias tarefas ao mesmo tempo, em um ritmo desenfreado. Tal dinâmica, naturalmente vai levando a uma concentração ou atenção concentrada menor, especialmente naquilo que não é tão interessante para ela. Isto muitas vezes é entendido como TDAH.

(En)Cena – Além desta classificação, há uma tendência em “medicalizar” outros comportamentos subjetivos na vida cotidiana?

Roselania Borges – Acredito que sim. E muitos pesquisadores também percebem essa tendência, a da psiquiatrização dos comportamentos, como no caso do  luto por exemplo. Na nova concepção que estará em vigor no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais em 2013 (DSM V), o luto estendido por mais de três meses já passará a ser considerado como algo patológico, como evidência de depressão ou de algum outro tipo de condição médica.

(En)Cena – Essa busca por “normatizar” os comportamentos faz com que se ampliem os conceitos de loucura?

Roselania Borges – Eu diria que ocorre uma maior estigmatização da loucura. Hoje a gente até percebe certo repúdio em relação ao enclausuramento físico que era comumente aplicado ao indivíduo em sofrimento psíquico intenso ou em crise. Porém, as pessoas estão cada vez mais propensas a usar o medicamento como uma forma de enclausuramento. Existe sim uma forte intervenção farmacêutica para que aconteça essa medicalização, essa nova forma de enclausuramento. No caso do TDAH, a banalização dos critérios diagnósticos e, consequentemente, o uso exacerbado de medicação tem levado profissionais e instituições a se preocuparem com as possíveis consequências para o organismo da criança, ainda em formação. É como se estivéssemos dirigindo de olhos fechados, por um caminho ainda desconhecido.

(En)Cena – Na sua visão essa busca pelo medicamento, em supostos casos de TDAH, vem para suprir uma incapacidade ou falta de tempo dos pais em lidar com a questão comportamental dos filhos de outras formas terapêuticas?

Roselania Borges – Também acredito que sim. O remédio acaba preenchendo essa necessidade imediatista que fundamenta a maior parte dos comportamentos na sociedade atual, então a ideia de trazer o comportamento à normalidade vem de forma instantânea como se o medicamento pudesse reverter ou impedir um comportamento indesejado, e, de certa forma, “não normal”.

(En)Cena – Qual seria sua indicação para quem não quer cometer essas avaliações?

Roselania Borges – O ideal seria que procurássemos nos informar antes de fazermos avaliações apressadas. Não podemos acreditar em tudo que lemos, vemos ou ouvimos. O conhecimento não é neutro. É preciso estabelecer um senso crítico e adotar alguma resistência a essas maneiras muito fáceis e sedutoras de lidar com questões que são, na verdade, parte de um complexo tema que é a subjetividade humana. Assim, ao insistirmos em procurar soluções rápidas (em pílulas, por exemplo) para problemas complexos, podemos estar estimulando a abertura da “caixa de Pandora” que a humanidade tem em seu poder.

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Um olhar sobre a hiperatividade

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A hiperatividade é a característica comumente mais abordada ao se falar em Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), mas é importante frisar que o TDAH é caracterizado por um padrão comportamental infantil, onde a criança apresenta dificuldades de manter  concentração, são  impulsivas e  agitadas.

Um dos grandes problemas atuais é o fato de o distúrbio ser facilmente confundido com características normais de crianças, uma vez que é comum as crianças serem mais ativas, agitadas. Em geral o TDAH é um dilema para os pais, que tem dificuldade na educação dos seus filhos, mas em nosso tempo, pelo vasto acesso a informações, às crianças são muito mais estimuladas do que ha duas décadas, por exemplo, o que justifica, quase sempre, o comportamento agitado das crianças atualmente.

A educação de crianças tem se tornado cada vez desafiadora para pais e professores.  O termo hiperatividade caiu nas graças dos pais que vem no diagnóstico um pretexto para não lidar o problema. É muito mais fácil estigmatizar e vitimar a criança, justificando seu comportamento com o TDAH, que se empenhar em proporcionar uma educação de qualidade, muitas vezes apenas impondo limites a seu filho, o pai já consegue grandes melhorias.

E dessa forma a hiperatividade virou moda, e virou sinônimo de infância. As mídias televisivas se apropriam do termo, e fazem alarde, em matérias resumidas que explicam muito mal as reais características do diagnostico de TDAH, seria ma justificativa para os pais aceitarem tão alegremente transtorno ao autodiagnosticarem seus filhos.

Mas não dá para culpar os pais. Cabe ressaltar que eles acabam repetindo, com seus filhos, uma educação baseada naquela que receberam de seus pais. Estamos presos a um regime disciplinar que nos molda desde a infância.

Outro fator relevante para se entender essa mudança no perfil da infância em nosso século, é que as crianças hoje chegam muito mais cedo na escola, e entram em contato com uma situação totalmente nova, muitas vezes essa criança não é bem estimulada em casa, e por não atender as expectativas do professor acabam recebendo um rotulo, e sendo encaminhada para acompanhamento profissional. Nesse ponto, é que entra o psicólogo e sua psicologia, no entendimento dessa criança. O problema é que existem profissionais e profissionais. Basta uma avaliação mal feita e pronto: instaurou-se o caos. Enquanto profissionais da área da saúde em geral, temos uma responsabilidade com a vida de nossos clientes, e com as consequências que nossos erros podem acarretar em sua vida.

As crianças estão cada vez mais cheias de atividades para fazer durante o dia, o que muitas vezes, é uma estratégia dos pais de se livrarem do problema, ocupam o dia do filho com diversas atividades. E, ao mesmo tempo em que se aumentou o número de atividades, aumenta-se a cobrança em cima dessas crianças, que são forçadas a maturar-se mais rápido, muito antes do que elas estavam preparadas. Geralmente nos esquecemos de que crianças são apenas crianças.

Vale ressaltar que a hiperatividade assinalar-se por um sintomatológico de atividade constante que perpetua noite e dia. Geralmente, durante o dia, o hiperativo está em intenso movimento, executando diversas atividades ao mesmo tempo, e à noite tem insônia ou, quando dorme, tem um sono agitado.

O principal atributo da hiperatividade é a atividade interrupta do cérebro, onde ainda após o cansaço físico, o mesmo continua em funcionamento. E para sanar o problema é necessário, além de um diagnostico diferenciado, um tratamento específico respeitando a singularidade de cada paciente. Pois a hiperatividade é muito particular e responde diferentemente no aspecto singular de cada individuo.

Enfim, é preciso dissociar o conceito de hiperatividade ao termo de uma simples agitação presente em algumas crianças, pois a característica hiperativa do TDAH é muito mais que um comportamento agitado, tal aspecto e exige uma forma mais rigorosa de ser tratada. Sendo assim, vale ressaltar que: primeiro, é imprescindível conhecer o assunto antes de rotular crianças sem o mínimo conhecimento contextual.

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Minha tristeza é o seu diagnóstico

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A educação é o próprio processo de se saber educando; se atualmente se diz que as escolas (e as famílias) não conseguem educar as crianças é por que não lhes há práticas de educação libertárias, mas sim práticas prescritivas que educam (ver sobre a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire). Os jovens compõem jeitos de ser novos e a escola diz que estão desviados daquilo que se espera (QUEM?) deles. Logicamente que essa instituição maior, a Educação, possui, em sua bagagem, discursos que há muito ultrapassaram essa sua característica, a prescritiva, que existe desde a educação nos moldes do aprendiz medieval à educação moderna, nos moldes escolares (Ariès). As práticas prescritivas compõem as relações de dominação, de tutela, de colonização. A prática médica e a prática psicológica são prescritivas, talvez não em suas formações (levando em conta suas raízes filosóficas) e nem em suas totalidades, mas são hegemonicamente prescritivas como a prática pedagógica o é, todas ortopédicas. Todas elas, a pedagógica, a médica e a psicológica misturam-se em seus discursos. Os discursos servem para manter relações estabelecidas em cima de interesses particulares como o foi, por exemplo, a relação entre professor e aluno nos moldes de ignorante e sábio.

As relações pedagógicas se propõem, atualmente, libertárias, ou seja, que desenvolvem a autonomia e a capacidade crítica das pessoas. Na prática, as escolas não conseguem fazer isso por inúmeros motivos que não cabem nesse insight. O que me atento aqui é acerca da idéia: “As escolas geram doenças”. Como assim?

No meio da crise atual da Educação (sucateamento, crise paradigmática e etc) a escola busca se orientar em referenciais mais técnicos e objetivos. Não só a escola faz isso; dividir a complexidade da relação humana (como o é a relação de ensino) é o carro chefe da modernidade; tornar técnica tal prática é a roda do carro. Nisso não há mal nenhum, pelo contrário, a tecnologia, o tecnicismo produz façanhas pró-vida. Nesse processo as escolas procuram, portanto, referenciais técnicos para dar conta de sua falência. Para dar conta de uma das facetas da falência, a relação estudante-professor, usa do discurso médico. O TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) está na boca dos professores e nas guias de referências que as escolas encaminham às clínicas psicológicas que por sua vez também usam da expressão mais do que discutem inconsciente ou comportamento. É bonito identificar o TDHA – existe uma estética por detrás do ato; o discurso é o que liga o ato ao bonito, é a lataria do carro, é a sua estampagem, aquilo para o qual as pessoas olham e definem se belo ou não. Aceitável se belo e belo se aceitável.

É as ciências positivistas aplicadas à arte, com o discurso da simetria, portanto de medidas, que vai dizer que belo se aceita, feio não. Além de bonito, mesmo que falaciosamente, é ainda a solução de todos os problemas da escola, do educando, do educador e dos próprios psicólogos – nos alimentamos das palavras. O ato de ensinar e também o de cuidar, são deixados num plano de menos importância, como se as palavras, elas apenas, fossem cuidar e ensinar. O corpo se retira disso. Nem mesmo se precisa das cordas vocais para se definir o funcionamento dos corpos…os livros e os olhos os fazem. Não advogo o fim da psicologia, uma vez que usamos essencialmente (e não exclusivamente) da palavra para cuidar (pelo menos em tese – onde estão os terapeutas corporais?). Isso tudo não é novo. Trata-se de um processo que ocorre desde o surgimento da Saúde Pública, com a criação da figura do inspetor escolar, ocupada, na Inglaterra do século XVIII e XIX, pela figura do médico. Trata-se, pois, do processo de medicalização, do enraizamento do discurso das ciências métricas (não só da medicina) encarnado no conceito de doença ou de psicometria.

Mas, por que a aplicação de instrumentos extremamente importantes e norteadores de cuidado, um diagnóstico e a testagem psicológica, trás conseqüências danosas como o uso desnecessário de medicações (com efeitos colaterais potentes) em crianças de menos de 4 anos (e talvez essa seja a consequencia menos grave!)? Por várias condições. Uma delas eu creio que seja pelo fato de tal uso do aporte técnico da medicina e da psicologia (naquilo que ela trás daquela e naquilo que por si só já produz) ocorrer de forma corriqueira, mal usada, à boca pequena, como a um telefone sem fio, desviado de como nasceu, passando-o à frente e pronto (é mais fácil), resolvem-se os problemas relacionais. Até sei que, num primeiro momento incorro no mesmo modo que por aqui escrevo e critico, pois se deixou no ar da escrita que há um jeito certo de fazer, por exemplo, a psicologia e que eu o sei. Defendo sim que há jeitos certos de fazer psicologia, talvez eu saiba um ou outro, mas a questão que critico não é acerca de um certo conhecimento que se usa instrumentalmente, mas quando e onde se usa tal aparelhagem, independente dos discursos a ela emparelhados. A psicologia hoje, ao passo que critica a medicina pela medicalização, faz a psicologização. Os psicólogos são a bola da vez; dizem sobre tudo nos noticiários de rádio e TV. Dizem de tudo a toda hora, explicando, com ar demonstrativo (como se deduzem as fórmulas matemáticas), todos os comportamentos que a mídia diz ser anormal. Servimos à mídia.

Assim talvez eu dissolva a contradição. Se não, prossigo assim mesmo. Voltando ao tema principal, o que me chama a atenção é tornar em problemas técnicos os problemas relacionais e os problemas conjunturais (e a psicologia, mesmo que sustentada no conceito de subjetividade, faz mais isso do que outra coisa). Quando a escola diagnostica (e é isso que ela faz – o psicólogo está lá é para isso, na prática, mesmo que em tese para outras coisas) ela torna técnico o problema relacional entre educando e educador, deixando de lado a conjuntura da relação que vai desde o humor diário das pessoas diretamente envolvidas na relação ao sucateamento do ensino público. Para esse sucateamento não há remédio, mas sim transformações culturais. Sei que é etéreo defender isso, mas é uma forma de me referir a algo que me escapa da possibilidade e habilidade de definir e defender, mas que o tento à maneira fenomenológica (o que escrevo é sobre o que vejo no mundo e a ele tento definir [talvez o certo seria pousar minha caneta e me silenciar – é o que faço muitas vezes, nas pausas da minha escrita queixosa; nesses tempos angustio-me e me volto ao pouco e limitado que faço {falo da minha prática profissional} e, nesse instante, acho muito, para, depois, achar pouco e voltar a escrever]).

Tentando arrematar a questão: o sucateamento se trata de um problema relacional e não técnico. Trata-se de tantas relações, dentre elas da relação que todos nós fazemos com o público. Tal relação é quase que estritamente técnica, desinvestida de afeto, pois o afeto é quase que eminentemente privado. O afeto é a tal ponto privado que nem dentro de casa está mais, mas sim investido apenas no pensamento de cada um de nós; estamos preocupados com o nosso pensamento, cada um com o seu; quando é com o do outro que preocupamos é para ver se nele há referências ao nosso, sem troca, contudo. Mudamos nosso pensamento; pensamos demais. Mas não mudamos nossos afetos, nossa afetação. Por quê?

Nosso afeto está virando um calo. As células vivas por debaixo do calo deprimem; alguns calos criam pus e extrapolam a carapaça, em pânico, pois sem ar. A depressão é a porta-bandeira do século; o pânico e congêneres formam a bateria. O afeto é, pois, diagnosticado – o calo é doença, um tumor em potencial – o ato médico desempregará as pedicuras. Por isso não mudamos o afeto – pois ele já está diagnosticado – não se muda uma doença, trata-se apenas; e elas, as doenças do afeto, com suas micro-mutações, especializam-se. Temos que apenas medicá-las – se medicamos, não aprendemos e não ensinamos; prescrevemos o prescrito. A escola não ensina, diagnostica; a indústria farmacêutica medica. O médico, o psicólogo e o professor discursam; as crianças tentam situar-se no mundo que dá vertigens e aprendem a diagnosticar (até que enfim um aprendizado no contexto todo!).

Pela prática clínica na psicologia, vejo que o número de crianças encaminhadas com o diagnóstico “portadores de TDAH” cresce muito. Dessas, boa parte (não vou arriscar uma porcentagem) não apresentam dificuldades de focar a atenção, tão pouco agitação comportamental “fora do controle”; conseguem muito bem planejar ações e brincadeiras, mesmo que tais brincadeiras e ações não estejam nos planos dos pais e da escola. Disso concluo que a escola cria doenças. Já visitei uma escola em que seis crianças de uma mesma turma (de 4 a 7 anos) tiveram todas as despesas pagas pela diretora, com consentimento dos pais, sem acionar a rede de saúde local, para viajar 70 quilômetros e passar por uma consulta de uma neuropediatra; todas foram medicadas com metilfenidato. Todas as crianças, do contato que com elas tive, do meu ponto de vista, não “portavam” TDAH. Demandavam atenção e limites importantes, pois agressivas – todas elas com pais que serviam como bons exemplos de agressão em casa – elas aprendiam muito bem e demandavam os limites que as crianças demandam desde há muito tempo atrás! Quer evitar que seu filho seja agressivo, sendo agressivo?!?! O que é? Está pensando que beiço de jegue é arroz doce? (expressão que aprendi em minhas viagens à Bahia e que diz tudo). A despesa com a viagem, consultas e medicação pareceu, à diretora, menor que a energia gasta para se trabalhar com tais relações. O motivo pelo qual a professora não procurou o serviço de saúde local foi o fato de que ela sabia que tal serviço não iria medicar as crianças, por tentativas anteriores. Poupamos energia psíquica e afetiva, apesar de ela ser renovável e limpa!

Quem propôs o marketing do metilfenidato não poupou energia psíquica e criou a “Droga da inteligência” – que sacada genial! – só esse termo abriu as portas de muitas escolas para a droga (será que quem cunhou a expressão tomava a droga?). Ela dá a inteligência e de quebra o efeito-zumbi. Aliás, essa figura ímpar, o zumbi, é bastante querido na juventude atualmente, nos games, filmes e até fantasias…tem que ser! Quem curte a cultura zumbi é da geração metilfenidato.

Enfim, estou triste e é esse o meu insight.

É esse o meu diagnóstico.

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