O destino de uma nação: liderança e comunicação persuasiva

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Concorre com 6 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Ator (Gary Oldman), Melhor Fotografia,
Melhor Maquiagem e Cabelo e Melhor Design de Produção.

O Destino de uma Nação (Darkest Hour), filme de 2017 e indicado ao Oscar 2018 na categoria principal, retrata os primeiros dias de governo de uma das figuras mais controversas do Reino Unido: Winston Churchill, primeiro-ministro durante os reinados de Jorge VI e Elisabeth II, atual monarca.

Churchill – interpretado por Gary Oldman – assumiu o poder em maio de 1940, conforme mostrado no filme, em meio ao envolvimento do Reino Unido na Segunda Guerra Mundial. O momento é de tensão: as forças militares francesas e britânicas, após sucessivas derrotas para a Alemanha Nazista que avança impiedosamente sobre o continente europeu, ficam encurraladas na costa de Dunquerque (França). Aqui surge a hora mais escura do recém-governo de Churchill, ele deve continuar a campanha contra a Alemanha com o risco de perder mais de 300 mil soldados ou ceder a um acordo com a inimiga e salvar a vida destes soldados?

Uma dos pontos que merece destaque no filme é a importância da persuasão na política. Segundo Myers (2000, p. 189), a persuasão é “o processo pelo qual uma mensagem induz mudança de crenças, atitudes ou comportamentos”. O autor aponta quatro elementos da persuasão – o comunicador, a mensagem, como a mensagem é comunicada e o público.

Fonte: https://goo.gl/rjPbhP

Churchill desempenha o papel de comunicador persuasivo aos cidadãos ingleses e sua credibilidade é fruto do seu cargo político. Entretanto, percebe-se que o personagem possui dificuldades em estabelecer a mesma confiança, e consequentemente a persuasão, quando o público são os membros do parlamento; os mesmos o consideram um louco por permanecer com a ideia de confrontar a Alemanha diante das perdas sucessivas.

Quanto à mensagem transmitida, Churchill se utiliza constantemente da emoção para atingir a população e despertar sentimentos de afeição à pátria, resistência aos nazistas e, consequentemente, de manutenção da guerra. Seus discursos são carregados expressões que remetem à necessidade de defender a pátria a qualquer custo nesse tempo de instabilidade, como no trecho a seguir do discurso proferido no dia 05 de maio de 1940, assim que assumiu o poder e que está presente no filme.

Perguntam-me qual é a nossa política? Dir-lhes-ei; fazer a guerra no mar, na terra e no ar, com todo o nosso poder e com todas as forças que Deus possa dar-nos; fazer guerra a uma monstruosa tirania, que não tem precedente no sombrio e lamentável catálogo dos crimes humanos. -; essa a nossa política. Perguntam-me qual é o nosso objetivo? Posso responder com uma só palavra: Vitória – vitória a todo o custo, vitória a despeito de todo o terror, vitória por mais longo e difícil que possa ser o caminho que a ela nos conduz; porque sem a vitória não sobreviveremos (CHURCHILL).

Com relação ao acordo com a Alemanha nazista, percebe-se que o personagem não se rende a essa estratégia somente pelo valor das vidas que correm perigo em Dunquerque, mas também pelo forte nacionalismo presente e que demonstra que perder para os nazistas seria um sinal de fraqueza de todo o Império Britânico.

Fonte: https://goo.gl/anu225

Enfim, a postura de Churchill diante dessas decisões o faz parecer mais humano. Assistimos ao filme com a sensação de que estamos vendo um ser humano comum que deve aprender novos repertórios para se livrar da tensão que se instala; deve não só levantar seu ânimo, mas a de uma nação inteira que se vê encurralada frente ao seu pior inimigo.

Os diálogos políticos, a atuação louvável de Gary Oldman, o sentimento de tensão e os impasses morais fazem de O Destino de uma Nação um filme que merece ser visto, apreciado e, com certeza, um forte concorrente nas categorias em que disputa.

P.S.: O Destino de uma Nação funciona como complemento, e vice-versa, a Dunkirk filme de Christopher Nolan que retrata especificamente o resgate dos militares de Dunquerque e também é um forte indicado ao Oscar de melhor filme.

FICHA TÉCNICA

          O DESTINO DE UMA NAÇÃO

Diretor:  Joe Wright
Elenco:  Gary Oldman, Kristin Scott Thomas, Ben Mendelsohn,
Gênero:  HistóricoDrama
Ano: 2018

Referência:

CHURCHLL, W. Sangue, sofrimento, lágrimas e suor. Disponível em: < http://www.arqnet.pt/portal/discursos/maio02.html>. Acesso em 01 mar 2018.

 

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Capitão Phillips: tensão psicológica em momentos de vida ou morte

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Com seis indicações ao Oscar:

Melhor Filme, Ator Coadjuvante (para somali Barkhad Abdi), Edição (Christopher Rouse), Roteiro Adaptado (Billy Ray), Edição de Som (Oliver Tarney) e Mixagem de Som (Chris Burdon, Mark Taylor, Mike Prestwood Smith e Chris Munro).

Uma história real provoca, em 134 minutos de filme, um sem número de emoções a quem assiste “Capitão Phillips”, envolvendo a todos em momentos de medo, ansiedade, angústia, desespero e uma sofrida claustrofobia, especialmente dolorosa a quem, como eu, sofre deste mal. Sim, são mais de duas horas de filme, a maior parte centrada na atuação mais uma vez brilhante de Tom Hanks que consegue dividir com o público o peso de cada decisão tomada pelo Capitão Phillips. E não são poucos os momentos que cobram do pobre Capitão uma decisão de vida ou morte.

O filme é baseado no livro de memórias do próprio Capitão Phillips que, em 2009, comandou o cargueiro Maersk Alabama através da conturbada costa da Somália, região em que ocorrem frequentes ataques de piratas somalis aos navios que por ali se aventuram. A história começa com uma corriqueira cena familiar como se buscasse nos preparar emocionalmente para as agruras que virão pela frente.

A história, em si, acaba expondo dois grupos que acabam por se confrontar: os profissionais que trabalham em alto-mar, que expõem as dificuldades inerentes a este tipo de trabalho; e os piratas somalis, apresentados como reflexo da pobreza vivida pela população da Somália, situação essa explorada por milícias locais que os levam a se envolver com a pirataria. Entre estes dois grupos encontra-se o Capitão Phillips, a quem cabe zelar pela segurança da sua tripulação enfrentando a frieza dos piratas somalis.

 

O filme ocupa uma pequena parte do seu tempo para mostrar a formação dos grupos que tentarão invadir o navio mercante. Longe de querer justificar os atos criminosos, as imagens da penúria vivida pelo povo do litoral somali permitem que se crie o mal-estar necessário para uma reflexão crítica sobre a situação vivida pelos países africanos, algo bem distante dos nossos olhares. Ciente do perigo que envolve a tarefa de levar a mercadoria por aqueles mares, o capitão Richard Phillips busca reforçar a segurança, porém todas as medidas tomadas não são o suficiente para que em breve ele se veja frente a frente com frios piratas que demonstram não estar para brincadeira, ainda que às vezes mostrem-se extremamente amadores em suas ações.

O estranhamento que ocorre no momento em que o Capitão Phillips se depara com os piratas tem um fundo de realidade oriundo de uma engenhosidade do diretor do filme: Tom Hanks, bem como o restante do elenco, não havia tido contato algum com os atores somalis até o momento do confronto face a face. A frieza e o amadorismo dos piratas são o que justamente assusta o capitão levando-o a buscar as melhores saídas para evitar que as vidas de seus subordinados sejam ameaçadas por eles. Quando a situação chega a um ponto crítico, em que vidas estão em risco, o Capitão Phillips acaba oferecendo-se como refém em troca da liberdade da tripulação.

Passa-se, então, a parte do filme de grande tensão psicológica. Uma longa e difícil negociação se dá entre os piratas, agora na posição de sequestradores, e os serviços especiais dos EUA. Por várias vezes, a pressão aflora a tal ponto que parece que é dada ao espectador a tarefa de tomar as decisões no lugar dos negociadores americanos, do Capitão Phillips e até mesmo dos piratas. E, em momento algum, o diretor nos dá o direito de achar que teríamos a saída em nossas mãos, como poderia pensar qualquer pessoa que está do lado de cá da tela. Somos de tal forma envolvidos pelo calor, pela claustrofobia, pelo medo, que acabamos achando, justamente, que não há uma saída factível, ainda que saibamos qual é o desfecho da história.

 

O desenlace da situação se dá de tal forma que não há realmente mais nada a esperar a não ser a reação emocionada do capitão, em uma belíssima e comovente interpretação de Tom Hanks que por si só mereceria uma indicação ao Oscar, o que acabou não acontecendo.

FICHA TÉCNICA:

CAPITÃO PHILLIPS


Direção: Paul Greengrass
Roteiro: Billy Ray
Elenco: Tom Hanks, Barkhad Abdi, Barkhad Abdirahman, Catherine Keener
Ano: 2013

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Diagnóstico e Classificação em Psiquiatria: uma travessia

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Em minha iniciação no campo da saúde mental de forma mais intensa este ano, na figura de médico residente em psiquiatria, sinto-me compelido a tecer algumas considerações sobre esta temática nebulosa e essencial que é o debate com relação ao diagnóstico e as classificações empreitados na clínica psiquiátrica, árdua tarefa que visa efetivar uma prática médica consistente e engajada com a vida.

A divergência nesta área é indubitável, facilmente observável quando se nota o reinado de duas grandes classificações (a CID 10 e o DSM IV que será transmutado em DSM 5 este ano) no trono dos esforços imperiais de abranger toda a vastidão e complexidade que emanam dos esforços da compreensão humana frente aos transtornos mentais.

 

Para que serve um diagnóstico? Para muitas coisas. Além de ser uma atividade cognitiva de investigação, discriminação e reconhecimento das condições mórbidas de um sujeito histórico e cultural numa determinada temporalidade (Banzato & Pereira, 2008), o diagnóstico pode também se reduzir a finalidade de um processo investigativo, a uma nomeação ou, em última análise, a um rótulo. Pior do que um “eu-etiqueta”, o diagnóstico pode tornar-se um modismo que impregna a riqueza das expressões humanas de ridículas simplificações, como tem-se visto corriqueiramente nos estados de tristeza que são encarados como episódios de depressão e os sofredores do “Mal da bipolaridade”.

Particularmente à psiquiatria, o diagnóstico traz por si alguns constrangimentos: tem seus limites borrados, tem repercussões além da corporeidade por incidir em agentes corporificados que resistem às apreensões categóricas pré-determinadas. E, por conseguinte, é fonte interminável de novos processos interpretativos e intersubjetivos. Ou seja, um retrato que não é estático!

Portanto, o diagnóstico psiquiátrico traz consigo uma zona de tensão, em que as diversas fronteiras que alinhavam a tessitura humana se colocam nuas e cruas: sua constituição biológica, suas influências morais, históricas e culturais; os desejos e as sensações; a interpretação e a intersubjetividade dos fenômenos envolvidos na compreensão do pathos. (Canguilhem, 1943)

Trocando em miúdos: a busca de um diagnóstico não é neutra. O modo como esta ferramenta é implementada na Clínica balizará uma série de interesses e intencionalidades, variando em escalas espectrais onde os pólos extremos do “ode ao cérebro” ou do “ode à mente” (Eisenberg, 2000) digladiam entre si em uma posição dialética que gestará compreensões mais ou menos reducionistas destinadas à compreensão da densidade do sofrimento psíquico.

Cabe ressaltar também a relação entre o diagnóstico e os sistemas classificatórios. Nesta interlocução carece de se dar ênfase ao fato de que as classificações devem ser subservientes ao diagnóstico (Banzato & Pereira, 2008). Do contrário, nós, clínicos, nos tornaremos reféns de nossos próprios instrumentos, ou pior, meros “copiadores” como dizia Estamira, no sentido de que toda a clínica perde sua potência e sua “ética dos encontros” ao se limitar ao enquadramento em critérios rígidos e intensamente reificados que perdem o status quo de representações e se empombam na figura de verdades indubitáveis.

Dito isto, cabe apontar que a classificação que funcionalmente visa diferir características mórbidas e dar subsídios mínimos para gerar critérios diagnósticos numa tentativa aproximativa de garantir ao transtorno mental uma roupagem próxima a de uma doença-entidade, tal como ocorre nas demais áreas médicas. Embora o aspecto arbitrário seja evidente na definição de entidades classificatórias, o reconhecimento de alguns padrões podem trazer alguns ganhos, sobretudo no que tange às estratégias terapêuticas e às avaliações prognósticas. Porém, é necessário sublinhar que os modelos classificatórios vigentes (CID 10 e o neo-DSM, o quinto) são ferramentas essencialistas, predominantemente empíricas e fundamentalmente politéticas, uma nova “Babel”, que permite ambivalências que migram das visões estigmatizantes das elaborações diagnósticas à banalização e aos modismos de alguns diagnósticos psiquiátricos da atualidade. (Banzato & Pereira, 2008)

Em síntese, os diagnósticos dos transtornos psiquiátricos bem como os esforços científicos hercúleos canalizados ao nascimento de modelos classificatórios a eles destinados mostram oquanto esta prática social é parecida com o sertão roseano: ao se adentrar à caatinga, às rotas tortuosas e espinhentas do sertão, o primordial não é a chegada (o diagnóstico nosológico, a “doença-entidade”) nem a saída (o enquadramento classificatório), mas a travessia que se dá a cada encontro com o paciente, no processo de escuta, que transborda as margens que o cerceiam.

Referências:

Banzato CEM & Costa, MEC. Diagnóstico psiquiátrico. Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da FCM-UNICAMP 2008. Capítulo de livro no prelo. p. 1-20.

Banzato CEM. Classification in psychiatry: the move towards ICD-11 and DSM-V. Current Opinion in Psychiatry 2004; 17(6): 497-591.

Banzato CEM & Pereira MEC. Eyes and years wide open: values in the clinical setting. World Psychiatry 2005; 4(2): 90-91.

Canguilhem G. O Normal e o Patológico (1943). Tradução de Maria Thereza RG Barrocas. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.

Eisenberg L. Is psychiatry more mindful or brainier than it was a decade ago? British Journal of Psychiatry 2000; 176: 1-5.

Fulford KWM. ‘What is (mental) disease?’: an open letter to Christopher Boorse. Journalof Medical Ethics 2001; 27: 80-85.

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