Teresa Amorim: as pessoas devem ser estimuladas a superar seus medos e responsabilizar-se pela vida

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Uma das Gestalt-terapeutas mais conhecidas do Brasil fala ao (En)Cena sobre o panorama da abordagem na atualidade

A Gestalt-terapia é, atualmente, uma das terapêuticas mais usadas com base humanista e fenomenológica. Ainda assim, possui uma gênese centrada na psicanálise e nas filosofias orientais, no entanto, avança sobre estes sistemas de interpretação do mundo e foca nas potencialidades humanas, a partir do reconhecimento de que todo ser humano já dispõe de condições para gerir e curar-se a si próprio. Neste sentido, este conjunto de técnicas e teorias aponta para uma forma de estar no mundo, onde a dimensão do presente é valorizada e o passado só é requisitado na exata medida em que se busca conhecer um ponto de partida. Assim, os gestalt-terapeutas desestimulam veementemente que os clientes ‘façam morada no passado’.

Historicamente, os baluartes da Gestalt-terapia foram o psiquiatra Fritzs Perls, a psicóloga Laura Perls e o sociólogo Paul Goodman. Mais á frente, a abordagem passa a ser estruturada a partir de duas correntes, uma teórica/epistemológica – conduzida por Laura – e outra mais focada no desenvolvimento pessoal prático – a partir das contribuições de Fritzs Perls.

Atualmente a abordagem é uma referência mundial, com vários institutos presentes em cidades globais, além de ser alvo de um crescente interesse do meio acadêmico. No Brasil, um dos mais profícuos institutos de Gestalt-terapia fica no Rio de Janeiro – o Instituto Carioca de Gestalt-terapia – e é conduzido pela psicóloga Teresa Amorim, que tem mestrado em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pela UFRJ (2011) e especialização em Filosofia Contemporânea pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2007).

Teresa Amorin, numa entrevista exclusiva para o EnCena, destaca o panorama da Gestalt-terapia no Brasil, além de abordar temas como o ‘self-falso’, o narcisismo, a Teoria Organísmica e a neurose, dentre outros temas. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.

(En)Cena – Hoje provavelmente a senhora é uma das psicólogas mais ativas na Gestalt-terapia, em todo o Brasil. Pelo seu olhar, a que se deve a crescente procura por esta abordagem?

Teresa Amorin – Possivelmente pelo fato de ser uma abordagem com uma linguagem simples, direta, onde a postura do terapeuta precisa ser ativa e acolhedora. Outra grande razão pode ser o fato de a Gestalt-Terapia estar a cada dia mais presente nas universidades e consequentemente com mais visibilidade.

(En)Cena – A Gestalt-terapia tem como uma de suas bases teóricas a Fenomenologia Existencial, com forte ênfase no fenômeno que se apresenta no momento presente. É possível associar as técnicas da Gestalt com o Mindifulness, por exemplo? De que forma?

Teresa Amorin – A Gestalt-Terapia tem como pressupostos filosóficos a Fenomenologia e o Existencialismo, além disso trabalha com o Método Fenomenológico, ou seja, está atenta aos fenômenos que se revelam na sessão terapêutica. Penso que a Gestalt-terapia possui uma variedade de experimentos que tem como objetivo colocar o cliente em contato com a sua questão existencial, que muitas vezes é evitada no processo de “falar sobre”. Nosso convite é para o cliente sair da evitação de contato e “falar com” sua gestalt aberta, por exemplo. A abordagem gestáltica trabalha sempre voltada para o aqui e agora e a conscientização do processo. Gostaria de registrar que não conheço bem a Mindifulness, mas acredito que a Gestalt-terapia não precisa dessa técnica pelo fato de já desenvolver a conscientização e concentração em todo o processo terapêutico.

(En)Cena – A sociedade atual, de acordo com muitos sociólogos, apresenta-se com fortes traços de narcisismo. De que forma esta demanda se manifesta na clínica, sob o prisma dos distúrbios de fronteira?

Teresa Amorin – A partir desse evento, podemos aqui sinalizar a questão do self-falso em nossa sociedade que eventualmente surge em nossos consultórios. Muitos desses sujeitos não gostam de frequentar o espaço terapêutico, provavelmente pelo receio de revelar a sua existência frágil. O processo psicoterapêutico desses clientes inclui um mergulho em si mesmo, e por certo, a deflação interna – um grande vazio infértil, em contraste com a inflação – a grandiosidade narcísica que tenta apresentar diante do mundo.

(En)Cena – A senhora faz um profícuo trabalho de divulgação da Psicologia tanto pela televisão quanto pelas redes sociais. Que conselho daria para estudantes e psicólogos que ainda têm resistência em utilizar a internet como aliada profissional?

Teresa Amorin – A internet, redes sociais, novas mídias são dispositivos tecnológicos disponíveis em nossa sociedade contemporânea e inegavelmente fazem parte de uma nova realidade de contato e comunicação. O atendimento online, a saber, faz parte dessa nova forma de contato e prestação de serviço. Precisamos ultrapassar e utilizar essas novas ferramentas.

(En)Cena – Qual a contribuição da Teoria Organísmica dentro da Gestalt-terapia?

Teresa Amorin – Pode-se dizer que a questão central da Teoria Organísmica é pensar que o sintoma do nosso cliente precisa ser visto como um todo, ou seja, o que afeta uma parte afeta todo o organismo do sujeito. Em outras palavras, o gestalt-terapeuta observa o cliente como um todo em seu processo terapêutico. O conceito de ‘autorregulação organísmica’ nos ajuda a compreender os mecanismos do nosso cliente para lidar com a sua vida e as dores emocionais.

(En)Cena – A patologia tem um sentido diferente dentro da Gestalt-terapia. Poderia falar mais sobre o tema?

Teresa Amorin – Dentro desta perspectiva, podemos afirmar que a Gestalt-terapia entende a patologia como um processo, nosso diagnóstico é processual, uma vez que entendemos que o sintoma patológico é uma autorregulação organísmica/ neurótica para lidar com o meio, muitas vezes ameaçador.

(En)Cena – É um erro considerar que a Gestalt-terapia não leva em conta o passado do sujeito. Mas, afinal, em que medida este passado é trabalhado no setting terapêutico? Há um limite para abordar o passado?

Teresa Amorin – Sim, é um erro. Talvez seja conveniente ressaltar que a Gestalt-terapia é uma abordagem que trabalha o passado do cliente no aqui e agora, entendemos que muitas vezes nosso cliente narra alguma ‘gestalt aberta’, e neste momento, ele está falando de alguma situação inacabada, um passado que se faz presente no aqui e agora. Podemos trabalhar de diversas formas, inclusive com experimentos que tem como objetivo auxiliar o cliente a entrar em contato com o ‘negócio inacabado’ e fechar a gestalt.

(En)Cena – Qual o impacto da neurose no âmbito da Gestalt-terapia?

Teresa Amorin – Mais especificamente podemos pensar que a neurose é uma evitação de contato, muitas vezes acompanhada de um comportamento fóbico, o sujeito evita o contato com a dor emocional. O que podemos observar é uma estagnação no desenvolvimento, e o sujeito aprende a manipular o ambiente para conseguir sobreviver. Um aspecto interessante da neurose é que basicamente ela se apresenta como um conflito entre a autorregulação organísmica (necessidades internas) versus a regulação externa (exigências da sociedade). Assim, para melhor entendê-la podemos afirmar que o neurótico não consegue perceber as suas necessidades, cria expectativas em relação aos outros, tem medo de arriscar e assumir responsabilidade pela sua existência.

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Entendendo a Teoria Organísmica à luz da Fenomenologia Existencial

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Para Goldstain não existe um ser humano dividido, mas sim, um indivíduo que embora com partes que são “divididas” estão inteiramente interligadas afetando-se mutuamente e se auto regulando

A teoria organísmica foi desenvolvida por Kurt Goldstain, que era um neurologista e psiquiatra. Ele criou uma teoria holística do organismo, com base na teoria da Gestalt que influenciou profundamente o desenvolvimento da Gestalt-terapia. Goldstein realizou seus estudos em pacientes com lesões cerebrais causadas por ferimentos de guerra, e após investigação percebeu que mesmo as lesões sendo em áreas específicas do cérebro, estas modificaram e afetaram outras partes do corpo.

Um exemplo citado é de uma lesão na área motora que afetava não somente a estrutura cerebral, mas também os movimentos físicos e a forma de pensar e se relacionar com as outras pessoas. Então, observou que estas “transformações” ocorriam de forma holística, ou seja, os indivíduos haviam modificado não somente a estrutura cerebral, mas também o físico, e os processos de relacionamento pessoal e interpessoal. Para ele, era como se houvesse uma reorganização no campo cerebral ou neuronal, com a função de acomodar se a esta nova realidade.

Fonte: https://bit.ly/2U82lc6

Para Goldstain não existe um ser humano dividido, mas sim, um indivíduo que embora com partes que são “divididas” estão inteiramente interligadas afetando-se mutuamente e se auto regulando, numa espécie de auto realização que o organismo faz, com a função de acomodar-se a esta nova realidade, função essa ligada a auto-realização, ou seja, uma tendência criativa da natureza humana, que pode ser entendido como o ‘princípio orgânico pelo qual o organismo se torna mais desenvolvido e mais completo’.

Para Goldstain qualquer necessidade é um estado de déficit que motiva o organismo a supri-lo, de acordo com as potencialidades individuais e inatas diferentes, que dão forma aos seus fins e dirigem as linhas do seu desenvolvimento individual. No entanto a teoria organísmica enfatiza a unidade, a integração, a consistência e a coerência da personalidade normal, ou seja a organização é o estado natural do organismo.

É natural de o organismo selecionar aspectos do ambiente os quais ele mesmo irá reagir, exceto em circunstâncias raras e anormais, o ambiente não pode forçar o indivíduo a se comportar de maneira inapropriada a sua natureza, logo se o organismo não consegue controlar o ambiente, ele tentará se adaptar à ele, portanto é mais valoroso um estudo compreensivo de uma pessoa do que uma investigação extensiva de uma função psicológica observada em muitos indivíduos. Atrelado a isso a teoria organísmica e a Psicologia da Gestalt assemelham-se na forma como ambas tendem a “ver” e perceber o ser humano de modo unificado e não como um conjunto de partes separadas.

Fonte: https://bit.ly/2GbQS7M

A teoria organísmica tem como principais conceitos (PORTAL EDUCAÇÃO, 2012):

➔   O organismo tende a estar organizado; é um estado natural do organismo. A desorganização, por sua vez, pode ser considerada patológica e, frequentemente, é consequência do impacto do meio ambiente.

➔   Os teóricos organísmicos creem ser impossível compreender o todo estudando as partes de forma isolada.

➔   O organismo age motivado por um impulso dominante, o de auto realização, e não por vários impulsos. Isto quer dizer que o homem luta continuamente para realizar suas potencialidades inerentes.

➔   Crê que as potencialidades do indivíduo lhe permitem desenvolver-se de forma ordenada, em um meio apropriado. Nada é naturalmente mau no organismo, faz-se mau por interferência de um meio ambiente inadequado, lembrando as ideias de Jacques Rousseau, de que todo homem é naturalmente bom, mas pode ser corrompido por um meio que lhe negue oportunidade de atuar conforme sua natureza.

➔   O estudo sobre as percepções e a aprendizagem do organismo constitui a base para a compreensão do organismo total.

➔   Afirma que pode aprender mais com o estudo compreensivo da pessoa do que em uma investigação extensiva de uma função psicológica específica e isolada do indivíduo.

Relação com a Gestalt

A Gestalt-Terapia é uma abordagem psicológica que dá ênfase e estuda o papel dos processos de criatividade como uma das ferramentas para a auto-regulação organísmica. Esta noção de auto-regulação, é advinda da Teoria Organísmica, pois Kurt Goldstein foi médico assistente de Fritz Perls, sendo este muito influenciado pelas teorias de Goldstein devido os pacientes em estado de readaptação após a guerra que ambos tratavam. As ideias dos dois com este trabalho resultaram em um livro que apresenta as premissas da teoria organísmica.

Fonte: https://bit.ly/2Gck3ru

A Gestalt-Terapia compartilha do mesmo da Teoria Organísmica de que a repetição de padrões de comportamentos, a não exposição a novas situações, é uma esquiva para evitar situações de ansiedade gerada pelo desconhecido. Para a Gestalt isso seria um estado neurótico de comportamento que limita a vida do sujeito, pois para ambos o neurótico desistia muitas vezes da satisfação devido suas experiências negativas. Na Teoria Organísmica, Goldstein deu importância ao papel da criatividade para o indivíduo se auto-regular, evitando assim a ansiedade, e estimulando este indivíduo a ir em busca da novidade.

REFERÊNCIAS

LIMA, Patrícia Albuquerque. Criatividade na Gestalt–terapia. 2009. Disponível em: <http://www.revispsi.uerj.br/v9n1/artigos/html/v9n1a08.html>. Acesso em: 9 ago. 2017.

PORTAL EDUCAÇÃO. Teoria Organísmica. 2012. Disponível em: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/psicologia/teoria-organismica/23636>. Acesso em: 7 ago. 2017.

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